Trombose de veia porta após desconexão ázigo-portal e esplenectomia em
pacientes esquistossomóticos: Qual a real importância?
ARTIGO ORIGINALORIGINAL ARTICLE
Trombose de veia porta após desconexão ázigo-portal e esplenectomia em
pacientes esquistossomóticos. Qual a real importância?
Portal vein thrombosis after esophagogastric devascularization and splenectomy
in schistosomal portal hypertension patients. What's the real importance?
Fábio Ferrari Makdissi; Paulo Herman; Marcel Autran C. Machado; Vincenzo
Pugliese; Luiz Augusto Carneiro D'Albuquerque; William A. Saad
Departamento de Gastroenterologia - Hospital das Clínicas da Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo
Correspondência
INTRODUÇÃO
A esquistossomose é uma doença parasitária que ocorre de forma endêmica em mais
de 70 países do mundo, acometendo cerca de 200 milhões de indivíduos. No
Brasil, esta ocorre através do Schistosoma mansoni e estima-se que existam 3 a
4 milhões de pessoas infectadas e cerca de 30 milhões expostas à infecção(41).
A forma hepatoesplênica, mais importante causa de morbidade e mortalidade,
ocorre em 2% a 10% dos infectados(4, 25, 27) e é caracterizada por fibrose
hepática periportal com consequente hipertensão portal, levando à formação de
circulação colateral e varizes esofágicas e gástricas. A hemorragia digestiva
alta por rotura de varizes esofágicas pode ocorrer em até 60% dos pacientes(2)
e levar ao óbito cerca de 12% a 20 % destes(1, 3, 9, 17, 18, 21, 22, 25, 29).
O tratamento e prevenção do sangramento digestivo na esquistossomose
hepatoesplênica incluem medidas clínicas, endoscópicas e cirúrgicas, mas
nenhuma destas assegura o controle definitivo do sangramento. O tratamento
clínico na profilaxia de hemorragia por meio de agentes beta-bloqueadores e
nitratos exige doses elevadas de drogas, levando a efeitos medicamentosos
indesejáveis e, além disto, apresentam eficácia duvidosa(28, 39). O tratamento
endoscópico com escleroterapia de varizes esofágicas, utilizado isoladamente,
apresenta altos índices de falha na prevenção de novos sangramentos(2, 15, 34),
mas tem papel fundamental na profilaxia da recidiva hemorrágica quando
associada ao tratamento cirúrgico prévio(22, 31, 35). Diante da ineficácia dos
tratamentos clínico e endoscópico, a maioria dos Serviços que lidam com esses
pacientes adotam o tratamento cirúrgico para evitar a recidiva hemorrágica(5,
20, 22, 25, 31, 36).
Vários procedimentos cirúrgicos foram propostos para a profilaxia da recidiva
hemorrágica, mas a desconexão ázigo-portal e esplenectomia (DAPE) é a técnica
mais empregada no Brasil(5, 16, 20, 22, 31, 32, 36), apresentando bons
resultados, principalmente quando associada à escleroterapia endoscópica no
pós-operatório(19, 22, 31, 35).
Alguns autores mostraram que a trombose portal é a complicação imediata mais
frequente após a DAPE, com incidência de 50% a 53,2%(31, 36). Apesar da alta
incidência, a etiologia da trombose de veia porta permanece indeterminada,
assim como a importância clínica e o curso natural desta entidade.
Este estudo teve como objetivos: avaliar a incidência da trombose de veia porta
após DAPE em pacientes com esquistossomose forma hepatoesplênica; determinar os
fatores que possam interferir na ocorrência da trombose; analisar a curto e
longo prazo a evolução dos pacientes que cursaram com trombose da veia porta
através de avaliações clínica, laboratorial, endoscópica e ultrassonográfica.
MÉTODOS
Foram estudados 155 pacientes com esquistossomose hepatoesplênica submetidos a
desconexão ázigo-portal e esplenectomia, no período de 1989 a 2000. Os
pacientes foram divididos em dois grupos: presença e ausência de trombose da
veia porta no pós-operatório precoce. A idade variou entre 15 e 75 anos, com
média de 37,2 anos; 93 (60%) eram do sexo masculino e 62 (40%) do feminino.
Todos os pacientes apresentavam diagnóstico prévio de esquistossomose, baseado
em dados epidemiológicos, clínicos e laboratoriais, confirmado por análise
histopatológica e pelo menos um episódio de hemorragia digestiva alta por
ruptura de varizes esofágicas. A intervenção cirúrgica foi realizada de forma
eletiva com intervalo mínimo de 30 dias após o último episódio de sangramento.
Foram excluídos do presente estudo todos os doentes com antecedente de:
etilismo crônico, trombose de veia porta ou manipulação cirúrgica do sistema
mesentérico-portal, evidências clínico-laboratoriais de insuficiência hepática
ou evidência histopatológica de outra hepatopatia.
Os exames laboratoriais foram analisados nos períodos: pré e pós-operatório
imediato e no pós-operatório tardio. Foram realizados os exames: hemoglobina,
hematócrito, leucócitos, plaquetas, aspartato e alanina aminotransferases,
fosfatase alcalina, gama-glutamil-transferase, bilirrubinas totais e frações,
albumina e atividade de protrombina. Os pacientes foram submetidos ao exame de
ultrassonografia bidimensional de tempo real com Doppler, avaliando o sistema
portal no pré-operatório, pós-operatório precoce (entre 7º e 10º pós-
operatório) e tardio (considerando-se o último exame realizado). O exame
ultrassonográfico no pós-operatório foi realizado a cada 6 meses no 1º ano e,
posteriormente, a cada ano.
Foram também submetidos a endoscopia digestiva alta no período pré-operatório e
os cordões varicosos foram avaliados por seu número, localização, calibre e
presença de manchas vermelhas. Todos os pacientes foram encaminhados para
seguimento endoscópico pós-operatório e submetidos, conforme protocolo do
Serviço, a esclerose ou ligadura elástica das varizes remanescentes.
O tempo médio de seguimento foi de 49 meses (8 a 143 meses).
O trabalho foi aprovado pela Comissão de Ética para Análise de Projetos de
Pesquisa - CAPPesq do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo, SP.
Metodologia estatística
Nas comparações de variáveis qualitativas foram utilizados testes qui ao
quadrado (ou exato de Fisher, quando necessário) para verificar possíveis
associações entre as classes de algumas características levantadas no estudo e
a presença de trombose. Quando as associações entre variáveis com mais de duas
categorias foram encontradas, para a identificação de pares de categorias que
correspondem a valor acima do esperado, foi utilizado o valor do resíduo
padronizado (Zres) acima de 1,96, para indicar significância estatística na
casela (categorias associadas).
Em algumas situações, houve o interesse em comparar os valores de variáveis
quantitativas para dois grupos de pacientes com ou sem trombose. O teste
utilizado foi o t de Student quando as informações de cada grupo apresentaram
distribuição normal. Quando os dados não apresentaram distribuição normal, foi
utilizado o teste não-paramétrico de Mann-Whitney.
Para a comparação das variáveis quantitativas entre três grupos de pacientes
(com trombose total, com trombose parcial e sem trombose), foi utilizada a
análise de variância (ANOVA), pois as variâncias dos grupos apresentaram-se
homogêneas.
Os valores de exames laboratoriais foram analisados, sendo comparados tanto os
resultados médios obtidos para cada grupo (com e sem trombose), como também em
diferentes períodos: pré-operatório, pós-operatório imediato e pós-operatório
tardio. Desta forma, o teste estatístico utilizado para realizar as comparações
tanto entre os grupos como em diferentes momentos, foi a análise de variância
com medidas repetidas (univariada). Para a utilização desta abordagem, a matriz
de covariância das observações de um mesmo indivíduo deve ter uma forma
específica. Quando esta forma específica não foi encontrada, os testes foram
corrigidos baseados na correção de Huynh-Feldt. Foi verificado também se houve
existência de interação nos resultados e em nenhuma comparação, foi encontrada
interação.
Em todos os testes o nível de significância adotado foi de 5%; desta forma,
considerou-se haver diferenças estatísticas entre os grupos, quando os
resultados dos testes apresentaram valores abaixo de 0,05 (P-valor <0,05).
O programa utilizado para a análise estatística foi o SPSS versão 10.0.
RESULTADOS
A trombose de veia porta no pós-operatório precoce foi demonstrada através de
exame ultrassonográfico em 80 pacientes (52,3%), sendo que em 70 a trombose era
parcial (45,8%) e, em 10, total (6,5%). Dois pacientes não foram avaliados por
apresentarem complicações e óbito precoce.
Quando analisadas as variáveis idade, raça e sexo, segundo a ocorrência de
trombose da veia porta, não se identificou diferença estatisticamente
significante (P = 0,198; 0,532 e 0,092, respectivamente).
Na análise dos exames laboratoriais nos períodos pré-operatório, pós-operatório
precoce e pós-operatório tardio, em relação à ocorrência de trombose de veia
porta, não houve diferença estatística (Tabelas_1, 2 e 3). A plaquetose
(contagem sérica de plaquetas acima de 450.000) ocorreu de maneira frequente no
pós-operatório precoce, não existindo diferença estatística entre os pacientes
que evoluíram com e sem trombose de veia porta (P = 0,937) (Figura_1).
Não houve diferença significante entre os grupos com e sem trombose quando
avaliados os parâmetros intraoperatórios: tempo operatório (P = 0,074), volume
de soluções infundidas (P = 0,112), ocorrência de hipotensão (P = 0,868),
transfusão sangüínea (P = 0,451) e peso do baço (P = 0,378).
Os sintomas mais frequentes no pós-operatório foram: febre, dor abdominal,
distensão abdominal e diarreia.
Febre ocorreu em 107 pacientes (70%), destes, 61 (57%) apresentaram trombose de
veia porta, não ocorrendo diferença estatisticamente significante (P = 0,075).
Também não houve diferença estatística entre os grupos com e sem trombose
portal segundo a ocorrência de dor (P = 0,390) e distensão abdominal
(P = 0,955). Entretanto, a diarreia ocorreu de forma mais frequente entre os
pacientes com trombose portal (P = 0,045). Não houve diferença significante
entre os pacientes que evoluíram com e sem trombose de veia porta em relação à
ocorrência de ascite (P = 0,484).
Não houve diferença significante entre pacientes que evoluíram com e sem
trombose de veia porta quanto ao tempo de internação, cuja mediana foi de 11
dias (P = 0,958).
Quando analisados isoladamente os pacientes que cursaram com trombose total da
veia porta, comparados com aqueles sem trombose, observou-se maior percentual
de febre (P = 0,044), diarreia (P = 0,045) e ascite (P = 0.004), sendo estes
dados estatisticamente significantes. Não houve maior incidência de recidiva
hemorrágica nos pacientes com trombose total da veia porta (P = 0,440).
A trombose de veia mesentérica superior ocorreu em quatro pacientes (2,6%),
sendo parcial em dois e total nos outros dois. Os doentes que apresentaram
trombose parcial de veia mesentérica apresentavam também trombose parcial de
veia porta. Os pacientes que evoluíram com trombose total de veia mesentérica
superior apresentavam trombose total de veia porta. A trombose de veia
mesentérica superior ocorreu em 2,8% dos pacientes com trombose parcial da veia
porta e em 20% dos pacientes com trombose total, diferença esta
estatisticamente significante (P = 0,02). O risco relativo calculado para a
ocorrência de trombose de veia mesentérica superior foi 8,5 vezes maior para o
grupo com trombose total quando comparado com aqueles com trombose parcial.
Todos os pacientes com trombose da veia mesentérica superior, parcial ou total,
permaneceram internados por tempo prolongado. Os pacientes que evoluíram com
trombose mesentérica parcial tiveram boa evolução, recebendo alta no 18º e 26º
pós-operatório. Um dos pacientes com trombose mesentérica total necessitou do
uso de nutrição parenteral e recebeu alta hospitalar no 29º pós-operatório; o
outro paciente apresentou abdome agudo por necrose extensa do intestino
delgado, sendo realizada enterectomia do segmento intestinal acometido. Este
doente foi submetido a cirurgias programadas para reavaliação das alças
intestinais, permanecendo com nutrição parenteral e evoluindo a óbito no 90º
pós-operatório por septicemia.
Cento e trinta e oito pacientes (90,2%) foram seguidos, em regime de
ambulatório, por período médio de 49 meses e foram submetidos a exames de
endoscopia digestiva alta no pós-operatório com escleroterapia e/ou ligadura
elástica, conforme o protocolo do Serviço. A recidiva do sangramento por
ruptura de varizes esofágicas ocorreu em 9,4% dos pacientes (13/138), sendo
quatro pertencentes ao grupo sem trombose e nove ao grupo com trombose, não
existindo diferença estatística entre estes (P = 0,267). Em nenhum paciente a
recidiva hemorrágica acarretou repercussão hemodinâmica ou necessidade de
transfusão sanguínea.
Oito pacientes apresentaram trombose da veia porta ao exame ultrassonográfico
no pós-operatório tardio, três apresentavam-se sem trombose no pós-operatório
precoce, três com trombose parcial e dois com trombose total. Em todos os casos
a trombose no pós-operatório tardio foi parcial e não ocorreram sintomas
associados. Não houve diferença estatística em relação aos exames laboratoriais
no pós-operatório tardio quando analisados os grupos com e sem trombose da veia
porta no pós-operatório precoce.
Nenhum paciente apresentou encefalopatia portossistêmica no pós-operatório.
DISCUSSÃO
A esquistossomose é doença endêmica em nosso meio e a complicação mais temida é
o sangramento digestivo por ruptura de varizes esofágicas ou gástricas que
ocorre nos pacientes que desenvolveram a forma hepatoesplênica da doença(25). A
desconexão ázigo-portal e esplenectomia é operação de preferência na maioria
dos centros especializados no país(5, 16, 20, 22, 31, 32, 36) e quando
associada à escleroterapia endoscópica pós-operatória, apresenta bons
resultados na profilaxia da recidiva hemorrágica. A complicação imediata mais
frequente da DAPE é a trombose da veia porta, conforme demonstrado por PUGLIESE
(31) e SANTOS(36) com incidências de 53,2% e 50%, respectivamente.
O aprimoramento dos métodos diagnósticos, principalmente ultrassonográficos,
permitiram o diagnóstico de trombose de veia porta de maneira mais precisa e
menos invasiva. Assim sendo, a trombose passou a ser diagnosticada mais
frequentemente quando o estudo ultrassonográfico do sistema portal no pós-
operatório é realizado rotineiramente. Este fato é importante, pois permitiu
averiguar a alta incidência de trombose, diagnóstico este suspeitado em vários
casos, entretanto não confirmado, ou mesmo, nem sequer lembrado em pacientes
oligo ou assintomáticos. Desta forma, a trombose de veia porta na
esquistossomose é pouco relatada. Procurou-se selecionar pacientes com
hepatopatia causada unicamente por esquistossomose em sua forma
hepatoesplênica, com antecedente de hemorragia digestiva alta. Os pacientes
foram operados eletivamente, ou seja, em condições ideais, evitando-se assim,
as situações críticas da urgência em que são frequentes alterações clínicas,
hemodinâmicas e laboratoriais.
O presente estudo é concordante com os dados da literatura, sendo identificada
a trombose de veia porta em 52,3% dos pacientes, sendo 6,5% de trombose total e
45,8% de trombose parcial(31, 36).
As manifestações clínicas da trombose de veia porta incluem desde sintomas
inespecíficos, até quadros graves com isquemia intestinal, quando associada à
trombose de veia mesentérica e até óbito(10, 11, 14, 37, 40). São sintomas
frequentes: febre, náuseas, vômitos, anorexia, perda de peso, diarreia,
distensão e dor abdominal(31, 36). Ao se comparar os pacientes com e sem
trombose portal segundo as manifestações clínicas, observou-se que aqueles com
trombose portal apresentaram como único sintoma mais frequente a diarreia, não
se observando diferença estatística quanto aos outros sintomas. A diarreia
nestes pacientes ocorreu apenas no pós-operatório precoce, não trazendo outras
repercussões clínicas e não perdurando no pós-operatório tardio. Provavelmente
está relacionada com dificuldade temporária para o retorno venoso mesenterial
nos pacientes com trombose da veia porta, melhorando após compensação do
retorno venoso neste território.
A febre foi manifestação clínica frequente ocorrendo em 70% dos pacientes, não
existindo diferença estatística entre os grupos com e sem trombose, contudo, a
análise estatística mostrou que os pacientes que apresentaram trombose total
evoluíram com febre mais frequentemente. É possível que o bloqueio completo do
fluxo na veia porta estimule ou intensifique a liberação de mediadores
inflamatórios.
Segundo PUGLIESE(31), a ascite é uma das principais complicações no pós-
operatório de DAPE (39%), mas que evoluiu de forma benigna, desaparecendo em
todos os casos no pós-operatório tardio. Não se observou diferença
estatisticamente significante com relação à presença de ascite entre os
pacientes que evoluíram com e sem trombose portal, entretanto, nos pacientes
que evoluíram com trombose total, a ascite ocorreu com maior frequência quando
comparados com os que evoluíram sem trombose ou com trombose parcial de veia
porta.
Alguns fatores poderiam contribuir para o desenvolvimento da trombose portal
pós-operatória: a manipulação cirúrgica, com dissecção e liberação de vísceras
e estruturas vasculares originaria um processo inflamatório local; a ligadura
da artéria esplênica e esplenectomia implicam na diminuição do fluxo portal, e
as ligaduras de vasos que alimentam a circulação colateral poderiam causar
estagnação do sangue no interior da veia porta.
Estado de hipercoagulabilidade após esplenectomias é citado e seria originado
por aumento da viscosidade sanguínea pela elevação do número de plaquetas e
leucócitos que deixariam de ser destruídos ou sequestrados no baço. Além disto,
a estase sanguínea no coto da veia esplênica após a esplenectomia poderia
predispor à ocorrência de trombose através da propagação proximal do trombo
para a veia porta(6, 8, 33, 39). No presente estudo, o aumento do número de
plaquetas foi comum a todos os pacientes e, apesar disto, não houve diferença
estatística entre os pacientes que cursaram ou não com trombose em relação ao
número de plaquetas. O aumento do número de leucócitos no pós-operatório
imediato também foi observado neste estudo, todavia sem diferença estatística
entre os grupos com e sem trombose. Desta maneira, acredita-se que a elevação
do número de plaquetas e leucócitos funcionaria como cofator para a ocorrência
da trombose, entretanto, não são estes os eventos determinantes desta.
Estudos hemodinâmicos em pacientes com esquistossomose hepatoesplênica mostram
circulação sistêmica hiperdinâmica com índice cardíaco aumentado, associado à
redução do índice de resistência vascular sistêmica e fluxo portal aumentado em
relação aos valores considerados normais, favorecendo a hipótese do hiperfluxo
como fator importante na fisiopatologia da hipertensão portal na parasitose(13,
28). As medidas hemodinâmicas sistêmicas após a DAPE, nestes pacientes, mostram
normalização do padrão hiperdinâmico sistêmico, principalmente após a ligadura
da artéria esplênica, com redução do índice cardíaco, elevação do índice de
resistência vascular sistêmica e redução do hiperfluxo portal, sem deterioração
da função hepática(7, 13, 26, 30). A etiopatogenia das tromboses pós-
operatórias do sistema porta parece ser multifatorial e a mudança do regime
circulatório no pós-operatório pode ter papel preponderante, justificando a
alta incidência desta complicação na fase pós-operatória imediata.
A hipotensão no intraoperatório poderia contribuir para a ocorrência de
trombose portal, pois levaria a maior redução do fluxo no sistema porta;
entretanto, não se encontrou diferença estatística entre os grupos com e sem
trombose neste estudo, quando analisados segundo a ocorrência de hipotensão no
ato operatório.
Em relação ao peso do baço, também não houve significância estatística quanto à
incidência de trombose. Poder-se-ia supor que a presença de baço volumoso
originasse dificuldades técnicas intraoperatórias, facilitando a ocorrência de
trombose portal e que, quando realizada a esplenectomia, quanto maior o baço
mais acentuada a queda do fluxo sanguíneo portal, possibilitando a trombose.
Este fato, entretanto, não se confirmou.
As consequências da trombose da veia porta estão relacionadas à extensão do
trombo no sistema portal, principalmente quando acomete a drenagem venosa
mesentérica. À montante do local com trombose existe pouca repercussão
intestinal, desde que os arcos venosos deste permaneçam pérvios. A isquemia
intestinal resulta da extensão do trombo para as veias mesentéricas e seus
arcos venosos, provavelmente impedindo a drenagem venosa mesenterial através de
territórios colaterais adjacentes e levando à vasoconstrição arteriolar reflexa
(39). Em 20% a 50% dos casos, o infarto intestinal é fatal, evoluindo com
peritonite, septicemia e falência de múltiplos órgãos(12, 23, 24). Neste
estudo, a trombose da veia mesentérica superior foi identificada em quatro
pacientes, sendo que em dois a trombose foi parcial e nos outros dois foi
total. A trombose mesentérica ocorreu em 2,8% dos pacientes com trombose
parcial da veia porta e em 20% dos pacientes com trombose total, sendo
significantemente mais frequente neste último grupo. Todos os doentes com
trombose de veia mesentérica apresentaram também trombose de veia porta. Nos
casos em que a trombose mesentérica foi parcial, a trombose de veia porta
também foi parcial e, nos casos em que a trombose de veia mesentérica foi
total, a trombose de veia porta também foi total. Todos os pacientes que
evoluíram com trombose mesentérica apresentaram sintomas como febre, vômitos,
inapetência, diarreia, dor abdominal e necessitaram internação prolongada e/ou
reinternação. Destes, um paciente apresentou quadro de necrose intestinal
extensa por trombose total de veia mesentérica superior, sendo realizada
enterectomia. Este paciente evoluiu a óbito demonstrando a gravidade da
trombose venosa mesentérica.
Neste estudo não houve diferença estatística entre os grupos que evoluíram sem
e com trombose de veia porta em relação ao tempo de internação. Este fato
permite a conclusão de que a trombose portal não implica em repercussões
clínicas significativas, na maioria dos pacientes, que necessitem cuidados em
regime de internação hospitalar. Apesar deste dado, observou-se que os quatro
pacientes que evoluíram com trombose de veia mesentérica superior permaneceram
internados por tempo prolongado, sendo que três foram reinternados e um evoluiu
a óbito.
Existem, na literatura, diferentes sugestões para a abordagem terapêutica da
trombose do sistema portal, que incluem desde tratamento conservador, uso de
anticoagulantes e trombolíticos, manipulação do sistema portal através de
radiologia intervencionista e até intervenção cirúrgica. Estes métodos
terapêuticos dependem da etiologia, da extensão, da repercussão clínica e do
momento do diagnóstico da trombose portal. Frente aos dados encontrados neste
estudo, acredita-se que a trombose da veia porta no pós-operatório da DAPE deve
receber conduta expectante. Nos Serviços que realizam o exame ultrassonográfico
com Doppler rotineiramente para a avaliação do sistema portal no pós-operatório
precoce, atenção especial deve ser dada aos pacientes que cursaram com trombose
total da veia porta, por existir risco da ocorrência concomitante da trombose
de veia mesentérica superior, entidade esta com elevada morbidade e
mortalidade. Neste estudo, todos os pacientes que evoluíram com trombose total
da veia porta no pós-operatório apresentaram um ou mais sintomas. Desta forma,
acredita-se que não existe a obrigatoriedade da realização de ultrassonografia
com Doppler nos pacientes assintomáticos, uma vez que, mesmo não excluindo a
ocorrência de trombose parcial da veia porta, a evolução clínica é benigna.
Entretanto, recomenda-se a realização rotineira do exame ultrassonográfico pós-
operatório quando presentes sintomas como febre, diarreia, distensão e dor
abdominal, náuseas, vômitos, assim como ascite, que podem sugerir a ocorrência
de complicações da trombose do sistema portal, não podendo ser descartada a
presença de trombose total da veia porta e indicar a complicação mais temida
que é a trombose da veia mesentérica superior.
O índice de recidiva hemorrágica por ruptura de varizes esofágicas ou gástricas
foi de 9,4%, não havendo diferença estatisticamente significante entre os
grupos que evoluíram com e sem trombose portal. Na presença de trombose portal,
o desenvolvimento de circulação colateral, conhecida como transformação
cavernomatosa, permite a manutenção do fluxo sanguíneo portal(40), diminuindo
as consequências da trombose. Neste estudo, a maioria dos pacientes que
apresentou trombose evoluiu, no pós-operatório tardio, com recanalização total
da veia porta e/ou reperfusão portal através de transformação cavernomatosa.
No pós-operatório tardio observou-se que os pacientes, de forma geral,
independentemente de apresentarem ou não trombose da veia porta no pós-
operatório precoce, evoluíram com normalização dos exames laboratoriais, sem
encefalopatia portossistêmica. Desta maneira, entendemos que a trombose de veia
porta, em especial a trombose total, merece atenção no período pós-operatório
precoce, ou seja, no 1º mês após a operação, em função da complicação mais
temida que é a trombose de veia mesentérica superior, contudo, no período de
pós-operatório tardio esta se mostrou inócua.
CONCLUSÕES
Apesar da alta incidência, a maioria dos pacientes que evoluem com trombose da
veia porta no pós-operatório precoce apresenta evolução benigna e baixa
morbidade, entretanto os pacientes que evoluem com trombose total da veia porta
apresentam mais frequentemente trombose de veia mesentérica superior, entidade
esta com elevada morbidade e mortalidade. Observou-se que a trombose de veia
porta no pós-operatório precoce da DAPE, parcial ou total, não acarretou
complicações no período pós-operatório tardio, mostrando-se inócua nesta fase.