Home   |   Structure   |   Research   |   Resources   |   Members   |   Training   |   Activities   |   Contact

EN | PT

BrBRCVHe0004-28032009000100015

BrBRCVHe0004-28032009000100015

National varietyBr
Year2009
SourceScielo

Javascript seems to be turned off, or there was a communication error. Turn on Javascript for more display options.

Conhecimento dos obstetras sobre a transmissão vertical da hepatite B ARTIGO ORIGINALORIGINAL ARTICLE

Conhecimento dos obstetras sobre a transmissão vertical da hepatite B

Knowledge of obstetricians about the vertical transmission of hepatitis B virus

Joseni Santos da Conceição; Daniel Rui Diniz-Santos; Cibele Dantas Ferreira; Fernanda Nunes Paes; Clotildes Nunes Melo; Luciana Rodrigues Silva Centro de Estudos em Gastroenterologia e Hepatologia Pediátricas - Universidade Federal da Bahia, Salvador, BA Correspondência

INTRODUÇÃO O vírus da hepatite B (VHB) é a principal causa de hepatopatia crônica no mundo. Admite-se que cerca de 400 milhões de pessoas estejam infectadas por esse agente e que 15,0% a 40,0 % dos indivíduos com a infecção irão desenvolver cirrose, insuficiência hepática ou carcinoma hepatocelular(5, 19).

A transmissão da hepatite B ocorre principalmente através da exposição percutânea ou de mucosas a sangue ou fluidos corpóreos contaminados com o vírus. As formas de contágio mais importantes são a via sexual, a inoculação percutânea através de objetos perfurocortantes e a transmissão vertical, seja por via transplacentária, no momento do parto, ou durante o aleitamento materno e os cuidados com o neonato. Embora a transmissão vertical do VHB seja mais frequente nas regiões de alta endemicidade, tais como alguns países da Ásia, da África e na Amazônia, os dados epidemiológicos demonstram que essa via é responsável por 35,0% a 40,0% dos novos casos de hepatite B no mundo e é através dela que o vírus é mantido na população(4, 8, 11, 19). Classicamente, admite-se que a evolução para infecção crônica ocorre em 90% das crianças infectadas no período neonatal, sobretudo naquelas cujas mães apresentam AgHBS e AgHBe positivos no momento do parto. A infecção neonatal pelo VHB é quase sempre assintomática e a evolução da doença é insidiosa, determinando maior risco de desenvolvimento de complicações e elevando sobremaneira a morbimortalidade(4, 12, 16). Calcula-se que o risco de desenvolvimento do carcinoma hepatocelular nas crianças infectadas por transmissão vertical pelo VHB é cerca de 200 vezes maior que o da população geral, demonstrando a importância do diagnóstico pré-natal(4). Vários estudos têm demonstrado que a imunoprofilaxia imediatamente após o nascimento, com a administração da vacina e imunoglobulina, previne a infecção neonatal pelo VHB em mais de 90,0% dos casos(11, 12, 19).

No Brasil, a prevalência de infecção pelo VHB é estimada em 7,9%, porém existem diferenças regionais importantes. Em 2000, em estudo realizado em quatro centros do país foi estimado que 3,2% das crianças menores de 1 ano tinham infecção ativa em curso, sendo provável que a infecção tenha ocorrido por transmissão vertical(6).

Práticas adequadas para a prevenção e detecção de gestantes infectadas devem contribuir para reduzir o impacto da disseminação dessa infecção no nosso meio, para isso é importante que os profissionais de saúde que atendem as gestantes durante o pré-natal e parto tenham conhecimento adequado e treinamentos periódicos.

O objetivo do presente estudo foi avaliar o conhecimento dos obstetras sobre a prevenção e o diagnóstico da hepatite B durante a gestação e as condutas para prevenir a transmissão vertical da hepatite B.

MÉTODOS Durante 6 meses no ano de 2005, foram sorteados aleatoriamente os profissionais de saúde cadastrados na Sociedade de Obstetrícia e Ginecologia da Bahia (SOGIBA) para participar de um estudo de corte transversal descritivo. Estes profissionais foram contatados e entrevistados por acadêmicos de Medicina, pessoalmente, por telefone ou por e-mail, respondendo a questionários padronizados com questões fechadas sobre o diagnóstico da hepatite B, suas formas de transmissão, a vacinação contra VHB, as rotinas pré-natais e as condutas para os recém-nascidos de mães infectadas. Foram excluídos do estudo, os profissionais de saúde que não eram obstetras, não residiam na Bahia, recusaram participar da pesquisa e aqueles que não se conseguiu contatar.

A população do estudo foi subdividida em grupos: obstetras com e sem Título de Especialista em Ginecologia e Obstetrícia (TEGO) e obstetras com e sem contato com estudantes de Medicina, com o objetivo de verificar se havia diferenças significantes nas informações entre esses grupos.

Para a finalidade deste estudo, foram analisados os itens relativos ao conhecimento sobre a transmissibilidade vertical do VHB, qual marcador sorológico solicitado para diagnóstico da infecção durante a gestação, indicação de vacinação para gestantes e conduta indicada para o recém-nascido filho de mãe infectada.

A análise de dados foi realizada pelo programa Epiinfo e os resultados expressos em frequências e proporções. Para análise de correlações foram considerados intervalos de confiança de 95,0%. As frequências das respostas certas e erradas de cada subgrupo foram comparadas, utilizando-se o teste do qui ao quadrado (Mantel-Haenszel).

RESULTADOS Foram sorteados 771 profissionais de saúde, excluindo-se 169 por não serem obstetras, 10 por não morarem no Estado da Bahia, 27 por se recusarem a participar do estudo, além de 253 cujos endereços e telefones atualizados não estavam disponíveis na SOGIBA. Foram entrevistados 301 obstetras, dos quais 37,8% (114) tinham se graduado 15 anos ou menos. Com relação ao local de trabalho, 65,0% dos obstetras (196) trabalhavam em Salvador e 34,2%(103) no interior da Bahia. Na distribuição segundo a formação complementar após a graduação, observou-se que pouco mais de um terço (38,8%) tinham treinamento completo para o exercício da especialidade em programa de residência médica, 29% fizeram especialização, 27% estágio e 6% têm Mestrado e/ou Doutorado e apenas 2% não complementaram a formação após a graduação.

Na Tabela_1 observa-se o conhecimento dos obstetras sobre os vírus hepatotrópicos que podem apresentar transmissão vertical. Ressalta-se que 7,3% dos obstetras ignoravam o fato de que existem hepatites virais que podem ser transmitidas verticalmente. Apenas 10 obstetras (3,3%) não solicitavam testes sorológicos durante o período pré-natal. Entre as doenças investigadas sistematicamente durante a gestação, a hepatite B foi referida com maior frequência (81,7%), seguida da toxoplasmose (81%), rubéola (79%), citomegalovírus (72%), AIDS (70%) e sífilis (56,4%).

O AgHBs foi referido como indicador sorológico do VHB por 66,7% (201) dos obstetras; apenas 8,6% citaram o AgHBe e 7%, o anti-HBc como marcadores desse agente. Apenas seis obstetras (2%) responderam que tanto o AgHBs como o anti- HBc e o AgHBe eram marcadores para hepatite B.

Cento e dezoito médicos (78,6%) diagnosticaram a hepatite B e 30 (20,0%) diagnosticaram hepatite C entre suas pacientes durante o pré-natal. Duzentos e setenta e seis médicos (91,7%) acharam que deveria ser tomada alguma conduta com o recém-nascido de mãe VHB positivas, porém destes, apenas 36/276 (13%) referiram que a conduta adequada era administrar imunoglobulina e vacina nas primeiras 12 horas de vida da criança; 65 obstetras (23,5%) indicavam apenas a administração de imunoglobulina, 77 (27,8%) prescreviam apenas a vacina e 98 (35,5%) deixavam a orientação a cargo do pediatra (Tabela_2). Apenas 20,3% dos obstetras souberam referir corretamente o esquema de vacinação para hepatite B e 16,0% não estavam vacinados. Duzentos e dezessete entrevistados (72,9%) não aconselhavam que as gestantes fossem vacinadas contra hepatite B.

Ao comparar as respostas dos obstetras que possuíam o TEGO e daqueles que não possuíam o título, houve diferenças significantes quando foram analisados o conhecimento sobre a transmissão vertical do VHB, a solicitação do AgHBs e a conduta correta com o recém-nascido de mães portadoras do VHB. Por outro lado, as comparações entre conhecimentos e condutas sobre transmissão vertical do vírus da hepatite B entre os profissionais que mantêm contato com estudantes e os que não mantêm tal contato, revelam diferenças estatisticamente significantes apenas quanto ao conhecimento do AgHBs como marcador sorológico da infecção pelo VHB (Tabela_3).

DISCUSSÃO Apesar da grande relevância do estudo, pode-se identificar algumas limitações para inferências. Ressalta-se que dentre os 253 profissionais (46,5% da amostra inicial) que não puderam ser contatados, a maioria reside no interior da Bahia e teria menor acesso a informações atualizadas, o que pode ter contribuído para uma superestimação dos conhecimentos adequados sobre transmissão vertical hepatite no Estado. Também se observa que as diferenças regionais na incidência e prevalência da hepatite B podem contribuir para discrepâncias importantes entre o grau de informação sobre essa infecção entre profissionais das diversas regiões do país.

A infecção pelo vírus B é responsável por aproximadamente 40%-45% das hepatites virais e, em algumas áreas geográficas, chega a acometer 1 a 2 em cada 1000 gestantes. No Brasil, devido a grande extensão geográfica e a diferenças socioculturais e econômicas acentuadas entre as regiões, a prevalência de gestantes com positividade para o AgHBs varia entre 0,4% a 3,2%(2, 6, 13). Até 90% dos recém-nascidos infectados por via vertical evoluem para a hepatite crônica, podendo desenvolver complicações como cirrose e carcinoma hepatocelular, além de serem fontes de contágio para seus familiares e contactantes(4, 5).

O AgHBs é o marcador preconizado pelo Ministério da Saúde para o diagnóstico da infecção pelo VHB, no entanto, sua solicitação ainda não é recomendada como rotina no pré-natal de gestantes atendidas em serviços públicos, apesar de reiteradas solicitações encaminhadas pelas Sociedades Brasileira de Pediatria e Brasileira de Hepatologia. Caso a grávida seja soropositiva para o AgHBs, isto indica risco de transmissão do vírus na ordem de 20% para sua prole. Faz-se necessária então, a solicitação de AgHBe, para se determinar a existência de replicação viral, que eleva o risco de transmissão vertical de 20% para 80%(1, 8).

Estudo realizado na Califórnia, EUA, por ROSENTHAL et al.(14), em 1995, demonstrou que 99,8% dos obstetras solicitavam exames para detecção de hepatite B na gravidez. Em estudos mais recentes, desenvolvidos pela equipe do "Centers of Disease Control", abrangendo todos os estados dos Estados Unidos, a pesquisa de infecção por hepatite B na gravidez foi relatada por 89% a 96,5% dos obstetras(16, 17). Na Nova Zelândia, o estudo realizado por GILES et al.(9), relatou a investigação de infecção por hepatite B em 96,8% das gestantes. No Brasil, no estudo realizado por SILVEIRA et al.(18), na cidade de Porto Alegre, 94,6% dos obstetras afirmaram solicitar exames para hepatite B no pré-natal. No presente estudo, chama a atenção o relato de que a infecção com possibilidade de transmissão vertical investigada com maior frequência tenha sido a hepatite B (82%), embora ainda não seja preconizada de maneira rotineira pelo Ministério da Saúde, enquanto a sífilis, cuja recomendação de investigação nos serviços públicos tenha sido implementada por esse Ministério, foi lembrada por pouco mais da metade dos obstetras. Possível explicação para esse resultado seria um viés resultante da informação prévia de que a pesquisa tinha como objetivo avaliar os conhecimentos dos obstetras sobre hepatites virais, o que poderia ter induzido alguns profissionais a referirem a investigação rotineira da hepatite B, quando este fato não corresponde à realidade.

Observou-se também desinformação sobre a vacinação contra hepatite B durante a gestação. Cerca de 80% dos entrevistados contraindicam a vacinação da mãe nesse período. O "American College of Obstetricians and Gynecologists" tem preconizado a vacina nas grávidas, no caso de parturientes com alto risco de infecção (como por exemplo, pacientes que sejam: usuárias de drogas ilícitas, com história de hemotransfusão, ou com múltiplos parceiros, e com história familiar da HBV ou ainda gestantes com sorologia negativa, mas que estão em contato com portadores da infecção aguda ou crônica). A vacinação não oferece nenhum risco adicional ao feto(1, 7, 12).

O "Center for Disease Control and Prevention", o "American College of Obstetricians and Gynecologists" e o Ministério da Saúde brasileiro recomendam a imunoprofilaxia com vacina nas primeiras 12 horas de vida associada à imunoglobulina hiperimune específica para hepatite B, para os recém-nascidos de gestantes portadoras do VHB. Essa conduta previne a infecção em mais de 90% dos casos(1, 3).

Evidenciou-se que aproximadamente 92% dos obstetras reconhecem a necessidade da conduta preventiva para com o recém-nascido de mães portadoras do VHB, porém apenas 13% indicaram a imunoglobulina associada com a vacina como orientação adequada e obrigatória, devendo ser administradas em sítios musculares diferentes - na face lateral da coxa ou deltóide(1, 3, 4) Embora outras condutas como o parto cesariano e a contraindicação ao aleitamento materno tenham sido discutidas, apenas a imunoprofilaxia ativa e passiva revelou-se eficaz em reduzir a transmissão vertical. Os estudos demonstram que o parto por via alta tem risco semelhante ao parto natural de transmissão da infecção e, apesar da presença do VHB no leite materno, parece não haver aumento significante da transmissão por essa via, na ausência de fissuras e lesões mamárias. O aleitamento materno não mostrou aumento da frequência de infecção pelo vírus, mesmo nos recém-nascidos não vacinados; apesar de o leite de mães portadoras conter AgHBs, acredita-se, contudo, na possibilidade de contaminação quando o leite materno é oferecido a lactentes não vacinados. A Organização Mundial de Saúde e a UNICEF recomendam o aleitamento materno exclusivo, mesmo em regiões de alta endemicidade, independente da imunoprofilaxia, pelo aumento importante da morbidade e mortalidade entre as crianças não amamentadas; em outras áreas, preconiza-se que os casos sejam avaliados individualmente. Por outro lado, os recém-nascidos que receberam a vacina e a imunoglobulina nas primeiras 12 horas podem ser amamentados ao seio livremente(1, 4, 10). Ainda com relação à conduta para o recém-nascido, ZOLA et al.(20) observaram que 81% dos médicos obstetras nos Estados Unidos recomendavam a vacina contra VHB para todos os recém-nascidos.

Este dado é bastante superior ao encontrado neste estudo (28%). Atualmente, no Brasil, a vacina faz parte do calendário obrigatório para todos os lactentes e adolescentes, mas o ideal seria programar a administração da primeira dose deste agente imunizante ainda na maternidade, para todas as crianças, seguida de segunda dose após 1 mês e terceira dose após 6 meses(3). No Estado da Bahia, os estudos demonstram redução da prevalência dessa infecção entre as grávidas, após a introdução da vacinação contra hepatite B para todas as crianças de 0 a 19 anos(15). Outras faixas etárias e indivíduos de risco também devem receber a vacina sistematicamente.

Pode-se observar também, que os obstetras com título de especialista demonstraram melhor nível de conhecimento sobre o diagnóstico e prevenção da transmissão vertical da hepatite B, do que aqueles que não dispõem do título; no entanto, esses conhecimentos ainda permanecem aquém do desejável. Por outro lado, enfatiza-se também que esses profissionais necessitam estar bem informados não para melhor orientar suas pacientes e filhos, mas também porque muitos deles são formadores de opinião e trabalham com estudantes e médicos em formação, transmitindo a estes suas experiências e práticas.

Em conclusão, os achados desse estudo demonstram conhecimento aquém do desejado sobre a detecção da infecção pelo vírus da hepatite B em gestantes e sobre as formas de prevenção da transmissão vertical da hepatite B entre os obstetras do nosso meio. Alia-se a este fato, a não sistematização da solicitação do AgHBs no acompanhamento pré-natal de todas as gestantes, o que determina a possibilidade preocupante do sub-diagnóstico dessa afecção.

Respeitando-se as limitações da amostra e as possíveis diferenças entre profissionais de outras regiões do país, evidenciou-se a necessidade da promoção de programas de educação continuada sobre o vírus da hepatite B para os obstetras, com vistas à detecção precoce das gestantes portadoras de VHB, uma vez que a identificação das mães portadoras do vírus B é o primeiro passo para a prevenção da doença e suas complicações no recém-nascido. Outro ponto fundamental é que sejam mantidos esforços junto ao Ministério da Saúde para o estabelecimento da obrigatoriedade da pesquisa sorológica para o VHB em todas as gestantes durante o pré-natal e que haja disponibilidade em todas as maternidades da vacina e da imunoglobulina específica para hepatite B.

Necessária, também, é a realização de estudos semelhantes em outras regiões do país e de maneira periódica, objetivando avaliar a verdadeira situação da informação e das práticas dos obstetras na prevenção da transmissão vertical da hepatite B no país, bem como acompanhar a eficácia dos programas de educação.


Download text