A educação profissional de nível técnico e a estratégia saúde da família:
renova-se o desafio
TRABALHOS ENCOMENDADOS
A educação profissional de nível técnico e a estratégia saúde da família:
renova-se o desafio
Milta Neide F.B. TorrezI; Lília Romero de BarrosII; Valéria Morgana Penzin
GoulartIII
IEnfermeira, Mestre em Educação, ex diretora geral da Escola de Form. Técnica
em Saúde Enfa. Izabel dos Santos SES/RJ
IIEnfermeira, Especialista em Enfermagem na Saúde da Família e da Comunidade
pela Univ. do Estado do Rio de Janeiro -UERJ
IIIEnfermeira, Instrutora do Polo de Capacitação de Pessoal para a Saúde da
Família/Núcleo UERJ/SES-RJ
INTRODUÇÃO
Este tema diz respeito a relação entre os processos de profissionalização dos
trabalhadores de "nível médio"1 e as políticas de educação saúde, uma das
questões mais instigadoras no campo da educação profissional e que tem a
capacidade de mobilizar tanto as pessoas quanto as instituições.
Sua complexidade reside no fato de abordar questões de natureza político-social
que envolvem uma ampla rede de atores, contextos e interesses extremamente
diversos (e polêmicos) nas visões e razões que os subsidia.
Como é preciso contextualiza-la na estratégia Saúde da Família, que articulou
os Programas Saúde da Família e Agentes Comunitários de Saúde -PSF/PACS, seria
impossível montar este "quebra-cabeçãs" apenas nos limites específicos deste
texto, ficando a compreensão mais completa desta questão a cargo do conjunto
desta edição especial.
Serão tratados aqui alguns aspectos da Educação Profissional de Nível Técnico
dirigida aos trabalhadores de "nível médio", o que inclui os que atuam na Saúde
da Família, buscando relações2 entre os objetivos político-assistenciais
preconizados e os objetivos pedagógicos, que devem ser coerentes com aqueles,
em termos dos princípios e práticas.
Partirá do pressuposto que depende do estabelecimento dessas relações político-
pedagógicas a capacidade do setor saúde ordenar a profissionalização de modo
compatível com a "trabalhabilidade"3 contemporânea, sem perder de vista o
objetivo de promover a prestação de cuidados contextualizada4, baseada no
Paradigma da Vigilância/Promoção da Saúde e nos princípios do Sistema Único de
Saúde - SUS. Os aspectos a serem bordados são:
De que educação profissional estamos falando hoje? A Estratégia Saúde da
Família e a Educação Profissional: novas relações político-pedagógicas;
Itinerários educativos: o que é isto?
DE QUE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL ESTAMOS FALANDO HOJE?
Do ponto de vista dos órgão governamentais e das políticas públicas de educação
e trabalho, está em curso a emergência de um novo modelo que altera
radicalmente o panorama da Educação Profissional - EP Está em construção uma
"nova institucionalidade5, completamente diferente daquela que vem desde os
anos 40 e que foi até recentemente amparada pela Lei 5692/71 e Parecer 45/72,
já revogados pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional -LDB nº 9394/
96 e demais regulaçoes específicas para este campo de ação.
Para se falar em Educação Profissional hoje é preciso considerar, mesmo que
sinteticamente, que as Reformas Educacionais estão em curso em todos os
continentes, cuja tônica é essencialmente a mesma - gerar competências básicas
e específicas de interesse do mercado - devido às ações determinadas pelo
movimento político-econômico de proteção dos interesses do capital, que assume
uma forma globalizada e homogeneizadora, mas não integradora ou inclusiva.
Esta forma de globalização6 se desenvolve numa" (...) velocidade sem
precedentes, viabilizada por novas tecnologia microeletrônicas, informacionais
e energéticas"7 e "para entendê-la, como, de resto, a qualquer fase da
história, há dois elementos fundamentais a levar em conta: o estado das
técnicas e o estado da política"8. Na verdade" (...) nunca houve na história
humana separação entre as duas coisas. As técnicas9 são oferecidas como um
sistema e realizadas combinadamente através do trabalho e das formas de escolha
dos momentos e dos lugares de seu uso. É isso que fez [e faz} a história."
Santos acredita que, o que chama de globalização perversa" (...) poderia ser
diferente se o uso político fosse outro".10 (idem,ibidem).
Nesse contexto de aceleração do "mercado global", a relação trabalho - educação
também assume uma complexidade sem precedentes, devido, também, aos impactos da
evolução tecnológica contemporânea em todos os campos de ação, levando ao uso
intensivo de tecnologias informacionais nos mais elementares procedimentos da
vida cotidiana e as novas formas de gestão do trabalho que possibilitam o
aparecimento e desaparecimento de papéis e práticas profissionais, dentre
outros grandes desafios para os chamados países periféricos.
Esses países, devido à forte concentração de renda e seus efeitos - exclusão
social, baixas taxas de escolaridade, desqualificação profissional, etc, já
teriam que construir alternativas de adequação a este novo contexto mesmo que
estivesse em curso uma outra globalização.
Por estas razões, um dos aspectos mais criticáveis, presente de forma acentuada
na Reforma da Educação Profissional, é justamente a aceitação e justificação
destes conflitos como se fossem desafios "naturais" do mundo contemporâneo, o
que inclui o desemprego, a competitividade desenfreada, a economização e
monetarização da vida social e pessoal, a ênfase na competência profissional
como mercadoria.
Estes fenômenos são apresentados como algo inexorável, enfrentado pela
aquisição e busca contínua de condições de empregabilidade que deve estar
preparado para as mudanças velozes dos processos produtivos, consolidando assim
o discurso único, homogeneizador, tecnicamente avançado mas politicamente
conservador para as sociedades marginais ao processo de reconcentração da
riqueza, do conhecimento e do poder.
Para alcançar o objetivo de influir convincentemente no imaginário social, esta
forma de globalização utiliza-se principalmente das tecnologias de comunicação
e informação, cujo nível de desenvolvimento atual faz crer que longe é um lugar
que nunca existiu mesmo; que todos se tornaram "globais mesmo sem o devido
acesso aos benefícios trazidos por tal estágio de desenvolvimento das técnicas.
Fica evidente que apesar dos princípios enunciados nos textos oficiais, a
(r)evolução tecnológica não teve o seu correspondente na política, já que esta,
não está mudando de fato as velhas formas das relações sociais.
Outro aspecto lamentável é o conhecimento para o trabalho, um histórico e
fundamental componente da formação humana, ser dirigido exclusivamente à
produção de laboralidade, ao desenvolvimento de determinadas aptidões para a
vida produtiva referenciada focalmente no mercado e suas demandas, sendo
regulamentado sob a forma de educação profissional de modo a preservar o
controle e o "ajuste do foco"11 aos fins político-econômicos definidos
prioritariamente pelo contexto internacional.
Frente ao que consta nos textos oficiais e legais, esta nova visão da Educação
Profissional crê que o mercado pode assumir outros interesses que não os
condizentes com a sua natureza lucrativa e acumulativa ou, que suas demandas
possam ser naturalmente de interesse social, geradoras de equidade, como cabe,
necessariamente, às políticas sociais.
Diante do que foi dito entende-se que essas políticas, concebidas e
implementadas pela articulação entre o Ministério do Trabalho e Emprego e o
Ministério da Educação, estão integrando o conjunto de estratégias para a
consolidação do modo capitalista de produção no Brasil, o que implica em dar à
educação profissional a função de fator de desenvolvimento econômico, que,
nele, sempre marcou a sua história, demonstrando que nesse caso não está
fazendo algo realmente novo.
Assim como, é possível identificar criticamente a "velha" matriz da nova
educação profissional,. também é possível perceber a contradição estabelecida
entre a intencionalidade de libertar "a criatividade, a utopia, a ousadia, a
autonomia escolar"12, e a implantação de típicos mecanismos de controle
representados pelas Diretrizes Curriculares - definidas com força de lei; os
Referenciais Curriculares por área de produção que pretendem subsidiar a
elaboração dos perfis profissionais e a reconceitualização e estruturação dos
currículos; a "checagem" dos resultados mediante a avaliação e certificação
baseadas em competências e a criação do Sistema Nacional de Certificação de
Competências.
É identificável ainda que os textos da Reforma "acenam com acertos conceituals
aceitáveis"13 quando incorporam alguns princípios já reconhecidos como
norteadores de uma educação competente e emancipadora, tais como:
flexibilidade, contextualização, interdisciplinaridade, significação, ética,
dentre outros.
Uma difierença básica entre ela e outras visões político-pedagógicas, é que
estes princípios embasam a educação para o trabalho indissociável do processo
de formação humana para a cidadania, para ser alcançada pelos brasileiros e não
só por aqueles que estão, conjunturalmente, na força de trabalho.
Cidadania na qual, saúde e educação - apresentando-se sob a forma de trabalho
profissional ou bem de consumo - sejam direitos de todos. Na Reforma, ela dever
ser primordial e objetivamente orientada para a" (...) trabalhabilidade,
[entendida como] componente da dimensão produtiva da vida social e portanto da
cidadania"14, porém, acaba sendo orientada pelo mercado e efetivamente
circunscrita ao contexto profissional.
Entende-se portanto, que reside na capacidade crítica de interpretar e
recontextualizar15 os princípios e estratégias contidos na Reforma, a
possibilidade das instituições educacionais identificarem e construírem
estratégias profissionalizadoras condizentes com as necessidades sociais e
técnicoprofissionais dos trabalhadores de nível médio atuantes na Saúde da
Família, aperfeiçoando a coerência entre discurso e prática.
Uma vez que profissionalizar16 os recursos humanos para essa Estratégia, de
forma coerente e competente também não é uma questão nova,renova-se o desafio,
acrescido das implicações de evitar que leituras lineares ou corporativas que
ignorem essa nova institucionalidade, possam gerar perdas para a "laboralidade"
dos trabalhadores de nível médio no mercado de trabalho em saúde, e
complexifiçãdo pela própria reorientação do modelo assistencial que pretende
extrapolar o nível da atenção básica, voltando-se para a totalidade da
população brasileira e envolvendo todos os trabalhadores do Sistema.17
É preciso evitar também que ocorram desvios dos seus propósitos político-
programáticos específicos, dependendo da relação estabelecida com a "lógica do
mercado" ou que, ignorando o paradigma em implantação na Educação Profissional,
sejam deixados à margem daquilo que pode ser construtivo para a sua cidadania.
Por isso é necessário avançar nessa reflexão.
A ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA E A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL: NOVAS RELAÇÕES
POLÍTICO-PEDAGÓGICAS
Para o desenvolvimento deste tópico, é importante considerar que não faz parte
do objetivo deste artigo a discussão sobre os aspectos conceituals e
programáticos da estratégia Saúde da Família. Partirá do fato que os programas
Agentes Comunitários de Saúde- PACS e Saúde da Família-PSF estão articulados e
apontados como a estratégia política para o setor saúde que deve reordenar a
atenção básica e catalisar a reorientação do modelo assistencial. Conforme
declaram os textos oficiais que norteiam as experiências locais, tal
reorientação está baseada no Paradigma da Vigilância em Saúde e nos princípios
do SUS18.
Diante de um papel dessa envergadura na política pública setorial, essa
estratégia precisa ser seriamente considerada na definição denovas relações
político-pedagógicas com a educação profissional, visando os trabalhadores de
nível médio que nela atuam, assim como,os demais que atuam no SUS e estarão
inseridos no modelo assistencial reorientado.
Ao seu modo, estará exemplificando a determinação social da educação já
discutida no tópico anterior, na qual a estrutura social traduz os seus
objetivos políticos em objetivos pedagógicos, de forma socialmente construtiva.
Por isso é importante ressaítar, que apesar de muitas vezes a relação sociedade
- educação ser estabelecida de forma insatisfatória, não pode ser negada, pois,
do encontro do projeto societário com a expressão da educação que lhe seja mais
coerente surgem importantes condições para a sua construção.
Daí a relevância das relações político-pedagógicas em qualquer tipo de
sociedade, principalmente para os projetos estruturantes, como é considerada a
estratégia Saúde da Família no campo dos serviços de saúde19.
Para o estabelecimento dessas relações, no contexto do "novo" paradigma da
Educação Profissional, uma articulação que está colocada como obrigatória é
aquela entre os princípios gerais e específicos da EP, o perfil do trabalhador
de nível médio contemporâneo e suas competências gerais e específicas, uma vez
que subsidiarão os projetos pedagógicos das Instituições e Cursos e as
certificações. Vejamos como a legislação educacional os apresenta.
Este trabalhador necessita daescolaridade básica que "constitui condição
indispensável para o êxito num mundo pautado pela competição, inovação
tecnológica e crescentes exigências de qualidade, produtividade e
conhecimento"20 ;"precisa ter competências para transitar com maior
desenvoltura e atender as várias demandas de umaárea profissional, não se
restringindo a uma habilitação vinculada especificamente a um posto de trabalho
(...)21, o que justifica que as diretrizes curriculares nacionais estejam
centradas no conceito decompetências por área.
Deste modo, "do técnico será exigido tanto uma escolaridade básica sólida,
quanto uma educação profissional mais ampla e polivalente", pois deverá atender
à exigência," em doses crescentes, [de] maior capacidade de raciocínio,
autonomia intelectual, pensamento crítico, iniciativa própria e espírito
empreendedor, bem como capacidade de visualização e resolução de problemas",
idem)
O entendimento sobre competência presente no Parecer CNE/CEB nº 16/99 e na
Resolução CNE/CEB nº 04/9922, a conceitua como "a capacidade de mobilizar,
articular e colocar em ação valores, conhecimentos e habilidades necessários
para o desempenho eficiente e eficaz de atividades requeridas pela natureza do
trabalho", deixando clara a necessidade da aquisição de competências básicas
construídas ao longo de um processo de escolarização, onde os esquemas mentais
tiveram tempo e condições para serem estruturados.
Esse modo, as s competências requeridas pela educação profissional são: I -
competências básicas, constituídas no ensino fundamental e médio, II -
competências gerais, comuns aos técnicos da área profissional e III -
competências específicas de cada habilitação..
Os princípios incluemo da articulação com o ensino médio,os comuns com a
educação básica - que são os referentes aos valores estéticos, políticos e
éticos eaqueles que definem sua identidade e especificidade ou seja, que se
referem ao desenvolvimento de competências para a laboralidade, tais como: a
flexibilidade, a interdisciplinaridade, a contextualização na organização
curricular, a identidade dos perfis profissionais de conclusão, a atualização
permanente dos cursos e seus currículos e a autonomia da escola em seu projeto
pedagógico.
Diante desse contexto e frente ao papel estratégico que lhe é atribuído, caberá
à Estratégia Saúde da Família estabelecer novas relações político-pedagógicas
para a formação profissional dos trabalhadores de nível médio em saúde,
inclusive daqueles que nela atuam, subsidiando a construção coletiva dos
projetos educacionais a serem promovidos. Exemplificando:
I - Possibilitar e estimular a conquista daeducação básica - nível fundamental
e médio como requisito para se ter e promover saúde, uma vez que a educação é
um dos fatores determinantes porque também possibilita o acesso ao
conhecimento, aos bens materiais e culturais, reconhecidos como estruturantes
da qualidade de vida cidadã.
II -Investir na construção e execução de Projetos Pedagógicos que expressem
oconceito de competência humana23para o cuidar em saúde, implicando na
capacidade política de reconhecer e assumir a responsabilidade do cuidado
partindo da concepção de saúde como qualidade de vida, e agir mobilizando
conhecimentos, habilidades, atitudes e valores exigidos pelas situações
concretas, na promoção/produção do cuidado requerido.
III -Acolher oparadigma político-asssistencial como referênciapolítico-
pedagógica, cujos princípios reorientarão as propostas educativas
erecontextualizarão os princípios da Educação Profissional, o perfil de
conclusão do egresso e as competências a serem desenvolvidas.
III - Orientaro perfil de conclusão dos egressos no que tange àscompetências
geraiscomo resultante daleitura articulada das mesmas, de modo a preservar a
perspectiva integralizadora das concepções e práticas e incorporar
contribuições sociológicas, antropológicas, culturais e políticas para a
contextualização do ato de cuidar, visando a qualidade de vida.
IV -Embasar a definição dascompetências específicas nos objetivos político-
operacionais presentes (e a serem incorporados) nas diretrizes programáticas,
composição da equipe, leque de atribuições e outras mediações para a
reorganização das práticas assistências e de trabalho. Consequentemente,
estimularhabilidades e atitudes que expressem a compreensão da integralidade
dos fenômenos observados, o que leva a incorporar os princípios da
intersetorialidade, interdisciplinaridade, responsabilização individual e
coletiva, mediados pela dimensão ético-política.
VI - Possibilitar aintegração teoria-prática pela articulaçãoensino-serviços -
comunidade, mediante o desenvolvimento da formação profissional nos ambientes
onde a Saúde da Família se desenvolve, como 'recurso metodológico" fundamental
para a aquisição das competências profissionais requeridas pelo cuidar, situado
nos mais diferentes espaços e tempos - institucional, domiciliar, comunitário-
e com as mais diversificadas clientelas.
VII - Reconhecer comoprincípio pedagógico, que a competência para o trabalho em
saúde é parte da formação humana dos trabalhadores, que "humanizando o
conhecimento"24 pode implementar a humanização do cuidado, servindo aos fins
éticos.
ITINERÁRIOS EDUCATIVOS: O QUE É ISTO?
A regulamentação sobre Educação Profissional contida no Decreto 2.208/97
determina no Artigo 1º que entre os seus objetivos está:
" (...proporcionar a formação de profissionais, aptos a exercerem atividades
específicas no trabalho, com escolaridade correspondente aos níveis médio,
superior e de pós-graduação; especializar, aperfeiçoar e atualizar o
trabalhador em seus conhecimentos tecnológicos; qualificar, reprofissionalizar
e atualizar jovens e adultos trabalhadores, com qualquer nível de escolaridade,
visando a sua inserção e melhor desempenho no exercício do trabalho.
Diante das exigências de transitar e atender as várias demandas de uma área
profissional, rever e atualizar permanentemente os seus currículos25 além da
complexidade específica dia atuação na estratégia de Saúde da Família, na qual
a "incorporação tecnológica se dá, basicamente, no nível do conhecimento"26 é
necessário oferecer este leque de possibilidades e estabelecer um"itinerário
educativo" que poderá ser percorrido pelo trabalhador, a depender das
necessidades e possibilidades reais de oferta e acesso, tendo como ponto de
partida o nível no qual se encontrar.
É importante evidenciar alguns limites para este percurso pois a E.P
compreendetrês níveis estruturais com suas abrangências e requisitos de acesso,
necessitando que se façã uma criteriosa análise do que se quer alcançar
especificamente, considerando o ponto de partida, perdas e ganhos.
OS NÍVEIS E SUA ABRANGÊNCIA SÃO:
1 -Nível básico: destinado à qualificação e reprofissionalização de
trabalhadores, independente de escolaridade prévia.(art.3º); é modalidade de
educaçãonão formal, (...) não estando sujeita à regulamentação curricular.
(art.4º); os concluintes receberão o certificado dequalificação profissional
(art.4º.inc.2).
2-Nível Técnico: destinado a proporcionarhabilitação profissional a alunos
matriculados ou egressos do ensino médio (art.3º) ; terá organização curricular
própria e independente do ensino médio, podendo ser oferecida de forma
concomitante ou sequencial a este (.art.5º). No Parecer CNE/CEB nº 16/99 -item
7, está garantido que esse nível
(...) contempla a habilitação profissional propriamente dita de técnico de
nível médio (...), as qualificações iniciais e intermediárias, e os módulos ou
cursos posteriormente desenvolvidos, complementarmente, de especialização,
aperfeiçoamento e atualização.
Faz parte das qualificações iniciais aQualificação Profissional de Nível
Técnico (ex. nível auxiliar) que porintegrar"itinerário profissional de nível
técnico, poderão ser oferecidos a candidatos que tenham condições de matrícula
no ensino médio (ou seja, possuam o ex. 1º grau completo).
O Parecer CNE/CEB nº 10/2000 orienta os Conselhos Estaduais de Educação sobre
procedimentos para implantar a EP de Nível Técnico, com ênfase nas
qualificações iniciais, inclusive a do Auxiliar de Enfermagem.
3- Nível tecnológico: correspondente a cursos de nível superior na área
tecnológica, destinados a egressos do ensino médio e técnico. (art.3º)
Existe portanto a possibilidade de configurar diferentes itinerários e esses
podem ser criativos, flexibilizando o processo de profissionalização, atendendo
a especificidades e diferentes necessidades, alcançando níveis sem precedentes
em termos do campo da Educação Profissional.
Isso representa um desafio importante para os Pólos de Capacitação em Saúde da
Família em sua articulação com instituições formadoras e/ou diferentes ofertas
de capacitação dos recursos humanos.
Para atender às finalidades deste texto, destacaremos agora possibilidades e
limites que precisarão ser conquistadas e superados de forma diferente pelos
trabalhadores de nível médio, originalmente do PSF e do PACS, através de alguns
exemplos.
A- Para aqueles que estão autorizados a exercer a atividade de Agentes
Comunitários de Saúde pelo Decreto 3.189/99:
- os treinamentos introdutórios e seqüenciais podem ser "classificados" no
nível básico e certificados como Qualificação Básica, independente do nível de
escolaridade que os trabalhadores possuam;
- se planejado um curso cuja estrutura curricular esteja organizada sob a forma
de um conjunto de módulos ou áreas de estudo (que visem "terminalidades
parciais" com base nas diferentes naturezas das ações que desempenham, por
exemplo), cujorequisito de escolaridade seja a educação fundamental (ex 1º grau
completo), poderão obter o certificado deQualificação Profissional de Nível
Técnico.
É importante observar que nesse caso, o curso deverá caracterizar-se como parte
de um itinerário profissional de nível técnico. Como ainda não existe uma
habilitação técnica em Saúde da Família, seria preciso cria-la, já apontando
esta Qualificação como o seu nível inicial, analisadas as implicações para a
ordenação dos recursos humanos frente à reorientação do modelo assistencial e
outras alternativas aplicáveis aos trabalhadores que já possuam o nível
técnico.
Como "estratégia de curto prazo", essa qualificação também poderá
representaruma das expressões do itinerário técnico na área de Enfermagem (com
"perfil da Vigilância em Saúde"), porque este caminho já está dado e vivenciado
pela supervisão técnico-educativa dos ACS, realizada por enfermeiros(as), o que
já demonstra tal relação.
B- Aqueles que já dispõem daescolaridade básica (ex 2º grau), egressos ou
matriculados, sejam Auxiliares de Enfermagem ou ACS, poderão alcançar
ahabilitação em nível técnico. Os que a concluírem, poderão fazer cursos de
aperfeiçoamento e especialização (pós-médio), na forma modular, por inteiro ou
através de aproveitamento de estudos (por aproveitamento das competências
adquiridas nas qualificações básicas, por exemplo), além de legalmente poderem
prosseguir para o nível tecnológico, graduação, pós -graduação...
Neste termos, podemos concluir que profissionalizar é preciso, é possível e
pode ser profundamente construtivo para a estratégia de Saúde da Família, para
o SUS, para a cidadania brasileira, se forem criativa e criticamente
aproveitadas as possibilidades da Educação Profissional de Nível Técnico. É
fundamental recontextualiza-las frente aos objetivos político-assistenciais,
recriando as relações político-pedagógicas e aperfeiçoando a coerência entre o
desejo e a prática. Para a Estratégia Saúde da Família, como de resto para
todos os que desejam a saúde como expressão do cuidado com a Vida, renova-se o
grande desafio.
NOTAS
1 "Nível Médio designação genérica dada aos trabalhadores ou funcionários das
Instituições de Saúde, públicas e privadas, cuja escolaridade pode ser de nível
fundamental (ex 1ºgrau, completo ou incompleto) ou de nível médio (ex 2º grau).
Em ambos os grupos estão presentes os quenão possuem formação profissional
específica para o trabalho no setor, caracterizando-os como atendentes ou
empíricos.
2 Neste texto entende-se por relação a existência de nexos entre os aspectos
abordados, políticos e pedagógicos, possibilitados pela conexão entre
princípios, fatos, estratégias, ou seja, concepções e práticas.
3 Trabalhabilidade, empregabilidade, laboralidade - "conjunto de conhecimentos,
habilidades, comportamentos e relações que tornam o profissional necessário não
apenas para uma, mas para toda e qualquer organização"; " a capacidade de obter
e manter -se empregado, " manter-se competitivo em um mercado emmutação".
(Mehedeff, 1996). Nassim Gabriel Mehedff é secretário de formação e
desenvolvimento profissional - SEFOR - Ministério do Trabalho e Emprego - MTb
4 Contextualizar, considerar onde, quando, por quê, por quem, como, são
realizadas as ações, explicitando o (s) espaço (s) específicos em que
acontecem, deixando claro "o lugar "de onde se fala.
5Nova Institucionalidade"- para o Ministério do Trabalho e Emprego, é a
expressão das mudanças que "abrangem o conjunto de leis, normas, tradições,
organizações, processos, atores e agentes da Educação Profissional, nos
diferentes países da América Latina e Caribe (...)". (Mehedff, 1997)
6Globalização " não é um fenômeno novo e, igualmente, não é algo negativo em si
mesmo. A positividade ou negatividade dos processos de globalização e de
universalização são definidos, inequivocamente, pelas relações sociais" [que
promove], pois,"romper as barreiras das cavernas, dos guetos e da província tem
sido uma busca constante na construção histórica do ser humano"
(Frigotto,2000.p 28)
7 FRIGOTTO, G. 2000 p 28
8 SANTOS, M.2000 p 24.
9As técnicas, neste texto de Milton Santos, refere-se e designa a ampla base
tecnológica e não alguns procedimentos técnicos.
10 SANTOS, M.2000 p24
11 Segundo LEITE, Elenice M. no seu texto sobre Educação Profissional no
Brasil: construindo uma nova institucionalidade, "a educação profissional é,
por sua vez, esfera de interface do MEC e MTb, com vistas ao permanente "ajuste
de foco" que esta atividade deve ter." (1996, p. 6)
12 BRASIL. MEC, Referenciais Curriculares para a educação profissional de nível
técnico. Texto introdutório., Versão preliminar. SEMTEC/CGEP, Brasília, DF:
2000, p. 11 (mímeo)
13 CEPAL opus cit in DEMO, 1997 p8
14 BRASIL. MEC. Referenciais Curriculares para a educação profissional de nível
técnico. Texto introdutório., Versão preliminar. SEMTEC/CGEP, Brasília, DF:
2000, p. 6 (mímeo).
15 Recontextualização: é entendida como um processo de reposicionamento das
concepções e práticas, promovendo a releitura das propostas iniciais, que são
inseridas em contextos específicos permitindo mudanças, adaptações aos seus
significados originais.
16 Profissionalizar significa educar profissionalmente. Hoje é, a rigor, tudo o
que ocorre após o ensino médio, incluindo o ensino técnico e tecnológico, os
cursos sequenciais por campo de saber e os demais cursos de graduação. Todos
são considerados como cursos de educação profissional.
17 BRASIL, MS, 1999 p 10
18 BRASIL, MS, 1997 p8 - 18 e BRASIL MS, 1999 p10
19 Ver MENDES, E.V. 1999,p 258-284
20 A educação básica "tem por finalidades desenvolver o educando, assegurar-lhe
a formação comum indispensável para o desenvolvimento da cidadania e fornecer-
lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores" - LDB nº9.394/96
Capítulo II - Da Educação Básica, Seção I, Das Disposições Gerais, art.22
21 BRASIL. MEC. Parecer CNE -CEB nº 16/99- Diretrizes Curriculares Nacionais
para a Educação Profissional de Nível Técnico, item 4 - Educação Profissional
na nova LDB (grifo nosso)
22 MEC Res.CNE/CEB nº 04/99 - institui as diretrizes curriculares nacionais
para a educação profissional de nível técnico
23 Competência humana -" (...) fundada instrumentalmente no manejo da educação
e do conhecimento," na qual o "conhecimento é a instrumentação técnica mais
fundamental da intervenção na realidade, apontando para a relevância da
"qualidade formal", enquanto a educação aparece como instrumentação fundamental
da cidadania, apontando para a "qualidade política". "Para o mercado, interessa
a qualidade formal, ou seja, a capacidade do trabalhador manejar conhecimento
inovador, fator determinante da competitividade; não interessa a qualidade
política (...) Ver DEMO,1997,p9 e também FRIGOTTO, 1995.
24 Idem, ibidem
25 BRASIL, MEC.Parecer CNE/CEB nº 16/99- item 4- Educação Profissional na nova
LDB.
26 BRASIL, MS. 1999 p28