Especialização em saúde da família para enfermeiros
RELATO DE EXPERIÊNCIA
ENSINO
Especialização em saúde da família para enfermeiros
José Vitor da SilvaI; Inácia Maria Rezende BustamanteII; Ir. Lucyla Junqueira
CarneiroIII
IEnfermeiro. Prof. da Escola de Enfermagem Wenceslau Braz de Itajubá, MG e do
Departamento de Enfermagem da FACIMPA de Pouso Alegre, MG e Doutorando em
Enfermagem pela EEUSP
IIEnfermeira. Profª. da Escola de Enfermagem Wenceslau Braz, Itajubá, MG
IIIEnfermeira. Profª e Diretora da Escola de Enfermagem Wenceslau Braz,
Itajubá, MG
A Escola de Enfermagem Wenceslau Braz (EEWB) da cidade de Itajubá, MG, desde a
sua fundação em 1954 assumiu uma filosofia de atenção ao indivíduo, à família e
à comunidade e vem mantendo a tradição que possibilita a formação do aluno
direcionada em vínculo escola-comunidade, o que se concretiza na área
hospitalar e na saúde coletiva (ESCOLA DE ENFERMAGEM WENCESLAU BRAZ, 1998).
Nesta perspectiva, e objetivando atuar não só como órgão formador de
profissionais adequados às estratégias do modelo de saúde vigente, a Diretora
desta Escola utilizou todos os recursos e esforços necessários à implantação do
curso de Especialização em Saúde para Enfermeiros, considerando-se assim
pioneira, enquanto escola particular isolada, na criação desse curso.
Para sua estruturação e funcionamento a EEWB inspirou-se no marco conceitual do
Curso de Enfermagem Familiar da Universidade de Calgary, Canadá, que consiste
em trabalhar com família no enfoque sistêmico, ou seja, com a utilização da
Teoria Geral de Sistema, introduzida em 1936 por L. Von Bertalanffly. Tem-se
utilizado a referida Teoria de forma crescente no estudo de famílias por parte
dos profissionais de saúde e especificamente pelos enfermeiros.
SegundoAllmond, Buckman eGofman, citados porWrighte Leahey (1987), a Teoria de
Sistemas, quando utilizada no estudo de famílias, facilita a compreensão e o
significado daquilo que ocorre com as mesmas.
Os estudos com família no Brasil ainda são incipientes, porém o fato de os
profissionais de Enfermagem estarem desenvolvendo estudos sobre a percepção das
famílias já representa um avanço.Marcom, Carreira eBalan, citados porMarcon e
Elsen (1999), encontraram num estudo sobre os resumos de trabalhos apresentados
nos Congressos Brasileiros de Enfermagem, no período de 1986 a 1996, que 4,9%
deles estavam relacionados com o tema família. Destacam ainda que os
enfermeiros estão conscientes da importância de se valorizar a experiência da
própria família ao vivenciar determinadas situações relacionadas ao processo
viver-ser-estar saudável e do adoecer, como estratégia para subsidiar o cuidar-
assistir a família.
Com isso, a Enfermagem começã a desenvolver sua essência e estabelecer que
assistir é muito mais do que curar e cuidar, mesmo que não proporcione a cura.
Cuidar, paraLeininger (1991), é promover, manter, recuperar a saúde ou criar
melhores condições de vida, através de meios que vão além das necessidades
físicas, emocionais e sociais do indivíduo, ou seja, existe uma disposição em
reproduzir a visão de mundo compatível com o paradigma emergente.
É importante mencionar também que a atenção à família já é uma realidade de
diversas profissões que preocupam com o sistema de trabalho, formação e
capacitação dos profissionais. A criação do Programa de Saúde da Família (PSF)
pelo Ministério da Saúde caracteriza uma preocupação do Estado em voltar suas
políticas públicas a este segmento da população, assim como o empenho de manter
suas políticas sociais voltadas para o desenvolvimento da vida familiar (Marcon
eElsen, 1999).
De acordo ainda com as citadas autoras o PSF "constitui uma estratégia de ação
da equipe de saúde que tem uma proposta substitutiva, ou seja, de
reestruturação do modelo de assistência vigente tendo em vista a consolidação
de outro tipo de assistência à saúde, traduzido por uma maior integração da
equipe de saúde com a população".
Por outro lado,Friedman (1986) complementa que a capacitação do enfermeiro para
atuar com a família é imprescindível. Ele necessita aprofundar mais os seus
conhecimentos no sentido de saber abordar a mesma e estar ciente de que a
situação de saúde-doença tem um outro enfoque quando interpretado do ponto de
vista da família.
Ao se propor e elaborar cursos de especialização em Saúde da Família para
enfermeiros como um dos pressupostos fundamentais para consolidação do PSF, se
está em consonância com a organização Mundial da Saúde, que os considera e os
prescreve como elemento essencial de qualidade do serviço e também de
preservação da motivação no trabalho, considerando que os recursos humanos são,
ao mesmo tempo, a parte mais importante e mais dispendiosa de um sistema de
saúde (SECRETARIA DE ESTADO DA SAÚDE DE MINAS GERAIS, 1996).
Considerando a importância da capacitação do enfermeiro para a atuação
profissional junto às famílias, a EEWB estabeleceu as seguintes propostas para
o curso de Especialização em Saúde da Família para Enfermeiros:
- Proporcionar o aperfeiçoamento técnico e científico em temas relevantes da
área da saúde, como estratégia de identificação dos problemas de saúde da
população e recursos para a vigilância de saúde e qualidade da assistência de
Enfermagem em nível de prevenção, promoção, reabilitação e restauração.
- Despertar o enfermeiro para atuar no modelo assistencial de saúde e suas
conseqüências, apresentando-lhe o PSF como estratégia de reestruturação do
modelo vigente.
- Oferecer capacitação sócio-pedagógica para atuação de educação para a saúde
da família.
- Possibilitar a qualificação para a atuação dos enfermeiros por meio da
sistematização das ações de Enfermagem em nível familiar.
- Estimular a construção do conhecimento sobre a Enfermagem e a Família através
de pesquisa e de referenciais teóricos.
O Curso de Pós-graduação "Lato-Sensu" - Saúde da Família para Enfermeiros da
EEWB -tem a duração de 14 meses e carga horária prevista de 550 horas-aula,
assim distribuídas: 450 Horas para as partes teórica e prática, 100 horas para
os estágios e paralelamente a essas duas etapas, haverá a elaboração e
apresentação de monografia por grupos de dois alunos, que abrangerá diversos
tipos de estudos, tendo como objeto principal a família. As disciplinas que o
constituem são as seguintes: Antropologia da Família, Sociologia da Família,
Bioética e Família, Educação para a Saúde da Família, Metodologia do Trabalho
Científico, Bioestatística, Políticas de Saúde e SUS, Programa de Saúde da
Família (PSF), Saúde da Família, Enfermagem Familiar, Multidisciplinaridade e
Família e Estágio.
O mencionado curso, que é de natureza particular, funciona em caráter
quinzenal, às sextasfeiras à noite e aos sábados nos períodos da manhã e da
tarde. Iniciou a sua primeira turma no mês de maio do ano passado e conta com a
previsão de término no mês de julho do corrente ano.
A turma está constituída por 28 enfermeiros procedentes de Itajubá, cidades da
região e São Paulo (capital). Predominantemente, trabalham na rede pública e na
área de saúde coletiva. Alguns já estão atuando no Programa de Saúde da Família
em São João dei Rei e Maria da Fé (MG).
Estruturalmente o curso encontra-se fundamentado em quatro eixos principais: no
primeiro eixo, são ministradas as disciplinas básicas ou fundamentais
(Antropologia, Sociologia e Bioética); posteriormente, 2º eixo, são
apresentadas as disciplinas instrumentais (Educação para a Saúde da Família,
Metodologia Científica, Bioestatística, Políticas de Saúde e SUS); no terceiro
eixo são desenvolvidas aquelas matérias de natureza específica, constituídas
por Saúde da Família, Enfermagem Familiar, Programa de Saúde da Família e
Estágio. Finalmente, é oferecida a disciplina complementar
(Multidisciplinaridade e Família) que constitui o quarto e último eixo.
"Num mundo caracterizado por mudanças constantes em que a emergência de
conhecimentos e a obsolescência dos mesmos se verifica de forma acelerada,
entende-se que uma abordagem pedagógica que busque formar, mais do que
informar, deve constituir a base, do processo educativo. Tal pressuposto
encontra respaldo em vários campos de atividades, mormente em relação à área da
saúde, na qual se-admite que a apropriação e o trabalho coletivo de construção
do saber e do fazer vêm sendo encarados como espaços privilegiados quando
confrontados com a apropriação dos mesmos, em nível individual "(SECRETARIA DE
ESTADO DA SAÚDE DE MINAS GERAIS, 1996).
Fundamentado nessa afirmativa, o educando do curso em questão não é visto como
mero objeto, mas considerado com a riqueza de suas experiências de vida pessoal
e profissional. Ele é o sujeito de sua própria aprendizagem e agente capacitado
para transformar a sua própria realidade.
Na sua concepção geral, o curso se baseia em pressupostos da pedagogia de
ensino que adota estrategicamente diversas opções metodológicas, de acordo com
a exigência da estruturação de seus conteúdos, de forma que as referidas opções
se interajam, possibilitando maior êxito no processo ensino-aprendizagem.
A diversificação metodológica utilizada no curso visa também tornar o aluno
constantemente ativo, observador e motivado para perceber os problemas da sua
realidade em conjunto com a população, e assim estabelecerem metas e
prioridades na busca de soluções para problemas comuns.
Conta-se atualmente com o período de nove meses de funcionamento do curso.
Diante disso as experiências e os resultados obtidos ainda são muito restritos
e inconclusivos. Entretanto, já sepode observar entre os alunos uma nova visão
sobre família e a inserção da mesma como objeto de trabalho na atuação
profissional. É freqüente nos contatos mantidos com eles o posicionamento de
que a família não é um recipiente passivo do cuidado profissional mas sim um
agente, sujeito do seu próprio processo de viver.
É importante ressaltar, ainda, que os alunos já expressam o quanto têm
aprendido a compreender, respeitar e trabalhar com as famílias. Já constatam
que para muitas famílias o direito a uma vida com qualidade e dignidade lhe é
negado e, mais que isso, tampouco são esclarecidos os seus direitos sociais.
Contudo espera-se que, até a conclusão do curso, a educação no interior do
grupo seja um processo muito especial de ser vivido. A difierença de idades,
formação, visões de mundo, conhecimento, objetivos e experiência fará o grupo
se sentir muito vivo, constantemente se questionando, avaliando, dando
sugestões e se apoiando.
Finalmente, cumpre reconhecer que capacitar-se e trabalhar com famílias é uma
das maiores necessidades da Enfermagem e uma estratégia disponível para a
obtenção de melhores resultados na área de saúde.
Aos profissionais da saúde, e em especial ao enfermeiro, resta o compromisso,
ético inclusive, de buscarem ou então atualizarem os seus conhecimentos e
concomitantemente se instrumentalizarem para assistir com competência a este
"novo" objeto de cuidado: a família que tanto carece de assistência ou de
indicadores necessários para cuidar de seus membros e desta forma alcançar o
viver-serestar-saudável em um mundo em transformação (Marcon eElsen, 1999).