Formação acadêmica em saúde familiar: relato de uma experiência
multiprofissional
RELATO DE EXPERIÊNCIA
ENSINO
Formação acadêmica em saúde familiar: relato de uma experiência
multiprofissional
Stella Maris HildebrandI; Oviromar FloresII; Milton Menezes da Costa NetoIII
IEnfermeira. Professora Assistente IV do Departamento de Enfermagem/UnB. Mestre
em Enfermagem Fundamental
IISociólogo. Professor Assistente I. do Departamento de Saúde Coletiva/UnB.
Mestre em Saúde Comunitária
IIIMédico. Departamento de Atenção Básica. Secretaria de Assistência à Saúde do
Ministério da Saúde. Mestre em Educação
INTRODUÇÃO
O Movimento da Reforma Sanitária e o processo de construção do Sistema Único de
Saúde(SUS) marcam momentos significativos do processo de resgate da cidadania
dos brasileiros no campo da saúde. Foi ao longo das últimas quatro décadas que
se plantou a idéia da equidade, integralidade, universalidade e
intersetorialidade como princípios orientadores das nossas práticas
assistenciais em saúde.
Em termos jurídicos, as reorientações no setor saúde tornam-se particularmente
importantes após a promulgação da constituição de 1988 e da Lei Orgânica da
Saúde (Lei 8.080), de 19 de setembro de 1990, complementada pela Lei 8.142, de
28 de dezembro de 1999, a qual trata da participação e do controle social,
embora saibamos que a letra fria da lei, ainda que seja esta uma das mais
completas em termos mundiais, não é suficiente para a garantia do direito à
saúde dos brasileiros de forma universal, integral e equânime, uma vez que este
estará sempre relacionado ao poder acumulado e à capacidade demonstrada pelos
distintos grupos sociais que compõem a nossa sociedade, visando a sua garantia
e ao seu exercício (do direito à saúde).
Em termos práticos, ao longo de quarenta anos a sociedade brasileira tem
vivenciado a contraposição de propostas ao modelo biomédico dominante, seja em
termos de extensão cie cobertura, saúde comunitária, saúde familiar, promoção à
saúde, modelos estes articulados por agências internacionais, a partir de
resultados positivos apresentados por outros países.
É importante que se reconheçã, no entanto, que no Brasil, assim como em outros
países, esses modelos assumem sempre as marcas dos contextos sócio-político-
sanitários vigentes no processo da sua construção, adquirindo, como não poderia
deixar de ser, características que nos são peculiares. Além disso, nessa
seqüência, é possível constatar que as difierenças que marcam esses modelos não
decorrem apenas da "acumulação de conhecimentos" ao longo do tempo. Eles
diferem em termos de abrangência, de qualidade, de tecnologia e de noção de
direito em saúde, o que nos sugere alguns avanços em termos de aproximação dos
princípios acima referidos. Por exemplo, enquanto nas práticas assistenciais
características do modelo da Saúde Comunitária, segundo alguns autores, o que
se propunha era uma medicina simples, para pessoas simples com problemas
simples, na estratégia da Saúde Familiar, o que se defende é uma atenção à
saúde com qualidade e efetividade; que tem como foco a família no seu espaço
domicílio como locus de intervenção e que, na perspectiva do ideário da
Promoção da Saúde, supõe como condição fundamental o poder e a capacidade
desses grupos sociais no sentido da articulação, construção e defesa dos seus
direitos em saúde.
Transparece aqui uma clara inflexão no sentido político-pedagógico das práticas
assistenciais, já que o seu componente educativo é proposto como a mediação da
participação popular em saúde, entendida aqui como o processo em que os grupos
sociais estarão articulados de maneira autônoma e criativa face às autoridades
da saúde.
O Programa de Saúde Familiar (PSF) foi criado pelo Ministério da Saúde em 1994,
como uma das formas de enfrentamento dos limites do modelo assistencial
dominante centrado na doença e no hospital, passando a priorizar as ações de
proteção e promoção à saúde dos indivíduos e da família, tanto adultos, quanto
crianças, sadias ou doentes, de forma integral e contínua (BRASIL, 1994).
Um dos desafios na implantação do PSF é a formação e capacitação de
profissionais de saúde, sendo criado com essa finalidade os Pólos de
Capacitação em Saúde da Família (PCSF), vinculando a universidade e os serviços
no processo de reordenação das práticas de saúde de atenção à saúde, que tem
como suposto a disponibilidade de uma força de trabalho que apresente novas
habilidades técnicas, cognitivas e valores comprometidos com o bem estar social
e as transformações necessárias nesse sentido. Estes fatos colocam questões à
universidade e à rede de serviços que dizem respeito à urgência das
reordenações no espaço acadêmico assim como no espaço assistencial, chamando a
atenção para problemas que dizem respeito às questões relacionadoas ao tempo
técnico/tempo político de ambas instituições.
Enquanto os serviços de saúde têm como competência o treinamento dos
profissionais, cabe às universidades o ensino de graduação e pós-graduação bem
como o assessoramento e a participação no planejamento e implementação das
práticas assistenciais, recomendando-se que estas instituições envolvam-se no
desenvolvimento da força de trabalho em saúde com ações articuladas e de co-
participação.
Do lado da universidade o tempo técnico e o tempo político apontam para a sua
capacidade de absorção da saúde familiar como uma estratégia assistencial, da
sua crença nela e da sua aceitação e defesa por parte do seu quadro docente.
Principalmente, por parte de algumas categorias profissionais, e acima de tudo,
da sua capacidade de contemplar esta estratégia nas propostas curriculares dos
seus Cursos. Isto é, estes tempos falam do comprometimento, da atualização e da
efetividade das respostas da Universidade Brasileira em relação às necessidades
mais prementes da sociedade.
Do lado da rede de serviços, estes mesmos tempos, falam-nos da capacidadade da
rede de serviços colocar-se diante do novo, que se traduz numa reorientação
radical em termos de conhecimentos, tecnologias e estruturação das suas
práticas, que apontem para a interdisciplinaridade e intersetorialidade na
perspectiva de uma nova rede de serviços; mais ágil e mais efetiva, mediada por
uma maior aproximação entre profissional e grupos sociais usuários dela.
Nesta dialética, em que interagem universidade/rede de serviços/grupos sociais
usuários, os espaços institucionais demarcados pela academia e pelas práticas
assistenciais revelam-se lugares de exercício de poder, de articulação de
distintos e conflituosos interesses, exercendo determinações fundamentais tanto
na restruturação dos serviços como na reorientação das propostas pedagógicas
necessárias nessa direção.
Este estudo pretende relatar a experiência da disciplina de Saúde Familiar,
oferecida em nível de graduação, pelo Departamento de Saúde Coletiva (DSC) da
Faculdade de Ciências da Saúde (FS) da Universidade de Brasília (UnB). Desta
Disciplina participaram alunos dos diversos Cursos da FS, além de alunos do
Curso de Serviço Social, sendo ministrada por três professores, quando se
objetivou exercitar a interdisciplinariedade como elemento contribuinte no
processo de construção do conhecimento na área de saúde familiar, de modo
articulado com a rede de serviços da Secretaria de Saúde.
A EXPERIÊNCIA ACADÊMICA MULTIPROFISSIONAL EM SAÚDE DA FAMÍLIA: MATERIAL E
MÉTODO
A Faculdade de Ciências da Saúde (FS) da Universidade de Brasília (UnB),
através do Departamento de Saúde Coletiva (DSC) oferece a disciplina Saúde
Familiar, com carga horária de 60 horas, equivalente a quatro (04) créditos, na
modalidade "disciplina optativa", há quase uma década.
De início, esta Disciplina foi desenvolvida de forma teórica, concentrando-se
em aspectos predominantemente psicossociais da família, sendo oferecida a
alunos da Medicina, Enfermagem, Odontologia e Nutrição.
Este enfoque persistiu até 1994, quando iniciou-se a análise de experiências
internacionais e nacionais e foram introduzidos conteúdos que apontavam para a
construção da saúde familiar como estratégia de reordenação da atenção à saúde.
Com a implantação do PSF no Distrito Federal, em 1996 os conteúdos e
metodologias foram direcionados para atender os pressupostos deste Programa. A
partir de então, um ou mais professores do DSC eram responsáveis pela
disciplina, não tendo ocorrido até então qualquer tentativa de articulação com
outros cursos da FS ou da UnB com vistas à discussão da saúde familiar.
A iniciativa de reorientação desta disciplina partiu de professores do
Departamento de Saúde Coletiva, no início do segundo semestre de 1999, que
promoveram reuniões com docentes dos Cursos da FS, buscando a elaboração de uma
proposta que colocasse em termos acadêmicos a questão da interdisciplinaridade
da saúde familiar mediante a participação de professores com distintas
formações e habilitações, oriundos de deferentes Cursos ou Departamentos; a
participação de alunos originários dos Cursos da FS e da Faculdade de Serviços
Social; a incorporação dos componentes graduados da equipe de saúde familiar na
experiência a ser iniciada.
A equipe responsável pela re-elaboração da disciplina foi composta pelos
professores: João de Abreu Branco Júnior (médico - Fundação Hospitalar do
Distrito Federal), Pedro Luiz Tauil (Médico-Departamento de Saúde Coletiva)
Milton Menezes da Costa Neto (médico - Departamento de Atenção Básica/MS),
Oviromar Flores (sociólogo - Departamento de Saúde Coletiva/FS/UnB), Paulo
Sérgio Françã (médico - Departamento de Ginecologia, Obstetrícia e Pediatria/
FS/UnB) e Stella Maris Hildebrand (enfermeira - Departamento de Enfermagem/FS/
UnB).
Esta equipe reuniu-se várias vezes discutindo, também, o distanciamento da
Faculdade de Saúde, no que diz respeito a outras iniciativas que capacitassem
os alunos para as práticas de saúde familiar; constatando-se uma expressiva
resistência do corpo docente no sentido de compreensão, incorporação e defesa
da nova estratégia, o que passava para os alunos, principalmente para os alunos
do Curso de Medicina.
Aliado a esse fato - do lado da Secretaria de Saúde - no início do ano de 1999,
as práticas de saúde familiar até então denominadas "Programa de Saúde em
Casa", com a mudança de governo no DF, sofrem uma interrupção com suspensão das
atividades e demissão dos profissionais, sobe a alegação de necessidade de
ajustes de cunho técnico e administrativo. Este fato reforçou entre os alunos a
descrença e a resistência a respeito da Saúde da Família, manifestos de modo
muito articulado com um total desconhecimento sobre o assunto.
Saliente-se que nesse quadro, os Cursos de Enfermagem e de Odontologia já
desenvolviam atividades de campo relacionadas com as práticas de Saúde da
Família, e que até então, o maior número de alunos participantes da Disciplina
era proveniente do Curso de Enfermagem, os quais mostravam-se mais
sensibilizados com os assuntos e questões levantadas em sala de aula.
Os alunos do Curso de Medicina, talvez pelo fato de o ensino ser centrado no
hospital, participavam em número muito exíguo, e freqüentemente reagiam aos
conteúdos da disciplina corno conhecimentos de segunda categoria, que diziam
respeito a um modelo que vinha para destruir a prática médica. É importante
considerar que nos anos de 1998 e 1999, a Faculdade de Ciências da Saúde/UnB
foi marcada por uma acirrada discussão que culminou com a criação da "Faculdade
cie Medicina", em dezembro de 1999, juntamente com a discussão da possível
criação de outras faculdades como (odontologia, enfermagem, nutrição e
farmácia). Em relação à Faculdade de Medicina, as razões para a sua criação
centravam-se no exíguo poder dos médicos face aos outros profissionais no
âmbito da Faculdade de Ciências da Saúde. A proposta do grupo de médicos
docentes, encaminhada ao Conselho Universitário, defendia o Hospital
Universitário como "o lugar do ensino médico", aliada à defesa da excelência da
capacitação como unicamente relacionada a tecnologias sofisticadas, o que
implicava uma certa negação da multiprofissionalidade e interdisciplinariedade
no ensino. Além disso, a referida proposta aprovada não continha o desenho do
modelo pedagógico a ser adotado pela nova Faculdade.
Face este quadro, avaliou-se a necessidade de promover a divulgação e
esclarecimento sobre a Disciplina e sobre a Saúde Familiar, através de um
folheto informativo divulgado na FS e UnB antes e durante o período de
matrícula dos alunos da graduação. Concomitantemente a isto, os professores
participantes do grupo de discussão foram solicitados a discutirem a nova
proposta da Disciplina com os alunos no final do primeiro semestre de 1999.
Dessa forma, para o segundo semestre de 1999 foram ofertadas 30 vagas para os
alunos dos cursos de medicina, enfermagem, nutrição, odontologia, farmácia e
serviço social. A população que participou do estudo constituiu-se de alunos
dos seguintes cursos: dois (02) medicina, do sexto e oitavo semestre; um (01)
odontologia do quarto semestre, sete (07) enfermagem do quarto ao sétimo
semestre, sete (07) serviço social do sexto ao oitavo semestre; três (03)
docentes (autores deste trabalho), a equipe do PSF da unidade e as famílias
visitadas na atividade prática. Dentre os alunos participantes, havia um
monitor que auxiliava os docentes nas atividades desenvolvidas.
O objetivo da disciplina foi proporcionar aos alunos a oportunidade de analisar
o modelo de atenção da saúde familiar, sendo capazes de compreender os diversos
fatores que alteram o equilíbrio entre o indivíduo e o ambiente, de
visualizarem a saúde em seu sentido mais amplo, estando aptos a perceber a
atuação profissional sob os enfoques de integralidade, eqüidade,
universalidade, intersetorialidade, no sentido de promover, manter e
restabelecer a saúde da família e seus componentes, realizando um trabalho
multiprofissional e interdisciplinar com a participação da população.
O desenvolvimento da referida disciplina transcorreu em dois momentos que se
integraram de forma permanente: o teórico-conceitual e o prático. Ambos foram
desenvolvidos de forma articulada, intercalando períodos de concentração e de
dispersão, os quais se deram no cotidiano de uma Unidade de Saúde da Família da
Fundação da Hospitalar de Saúde do Distrito Federal (FHDF).
Para uma melhor visualização do desenvolvimento da Disciplina, neste semestre,
é importante que se chame a atenção para o fato de que a trajetória do PSF na
Secretaria de Saúde do Distrito Federal iniciou em 1995 com a implantação do
SUS, aprovada na II Conferência Distrital de Saúde. Em 1996, a IV Conferência
Distrital de Saúde aprova o novo modelo de atenção à saúde denominado "REMA"
(DISTRITO FEDERAL, 1996) contendo uma agenda técnica e política explicitando as
ações para a reformulação do modelo assistencial. O Conselho de Saúde do DF
aprova a implantação do PSF denominado de "Saúde em Casa" - em dezembro de 1996
e em janeiro de 1997 é celebrado convênio com o Instituto Candango de
Solidariedade para a contratação de pessoal até 1999.
No início de 1999 o novo Governador eleito extinguiu o "Saúde em Casa",
demitindo o seu quadro de pessoal e criando o Programa de Saúde da Família. A
proposta de Planejamento e Orçãmento Participativo desenvolvida até então não
foi mantida e as informações sobre a situação de saúde disponíveis até aquela
data não foram levadas em consideração, demandando o reinicio do cadastramento
das famílias: recomposição e o treinamento de novas equipes.
Conseqüentemente os alunos desenvolveram suas atividades práticas numa Unidade
de Saúde em fase de execução das ações previstas no planejamento local após
terem realizado as etapas de cadastramento e diagnóstico, a qual possuía uma
equipe de saúde da família completa (agente de saúde, auxiliar de enfermagem,
assistente social, médico, enfermeiro, odontólogo, técnico em higiene bucal e
auxiliar odontológico).
O território de intervenção foi dividido em cinco micro-áreas homogêneas com
1.200 famílias, totalizando aproximadamente 4.000 pessoas. O recadastramento da
população foi realizado em 4550 dias, apresentou 61 recusas ("por motivos
políticos" - segundo verbalização da coordenadora da equipe).
O planejamento local foi realizado a partir de uma reunião com o Conselho de
Saúde Local, no qual foram priorizados os seguintes problemas: hipertensão
arterial, diabetes, acompanhamento da gestação, acompanhamento da criança,
tabagismo e alcoolismo. O uso de drogas ilícitas também foi identificado como
um problema de saúde de alta incidência. Enquanto na disciplina, os conteúdos
enfocaram aspectos da abordagem coletiva, familiar e individual, a saber:
a) aspectos da abordagem coletiva: a estratégia da saúde familiar no contexto
do SUS; os serviços de saúde e sua relação com a continuidade das ações; o uso
da epidemiologia e do planejamento como instrumentos de trabalho; ações
interdisciplinares e multisetoriais; dinâmica do funcionamento da unidade do
PSF;
b) aspectos da abordagem familiar: organização e dinâmica familiar;
características/tipologia; sub-sistemas sociais; crise na dinâmica familiar;
visão sistêmica da família;
c) aspectos da abordagem individual: articulação das práticas preventivas -
curativas reabilitadoras; complementaridade do modelo clínico e modelo
epidemiológico social; o ciclo de vida do indivíduo no contexto familiar e
social seus problemas clínicos e determinantes sociais.
Na primeira atividade de campo, os alunos acompanharam a equipe local nas
visitas domiciliares agendadas (dois alunos com um profissional da equipe), as
quais eram objeto de uma breve exposição do profissional da equipe que as
realizariam, relatando cada situação a ser encontrada nos domicílios e o motivo
da visita. Neste momento, os alunos realizaram a prática de observação livre,
sem roteiro pré-estabelecido. Este primeiro trabalho de campo foi precedido de
uma reunião do grupo de alunos com a Coordenadora da Unidade de Saúde, quando
foram discutidos temas do conteúdo que deram suporte à compreensão da atividade
e a trajetória percorrida pelos profissionais.
No retorno dos alunos à situação de aula em momentos teórico-conceituals, após
as experiências práticas, era realizado o relato e a análise da experiência,
articulado com reflexão sobre o modelo de assistência em pauta, quando eram
levantadas questões relativas as intervenções realizadas, segundo sua natureza
(promoção, prevenção, tratamento, encaminhamento e outras); o relacionamento
profissional - família, a comunicação interpessoal e o contexto social de
inserção da família. Com base nas discussões realizadas, e na permanência de
questões teóricas não esgotadas suficientemente eram sugeridas bibliografias
para discussão na aula posterior.
Ao mesmo tempo, destas discussões extraíam-se temas a serem explorados no
sentido de ampliar a compreensão da prática, as quais passavam a incorporar um
roteiro semi - estruturado contendo questões a cerca do gerenciamento, dinâmica
organizacional do serviço e atividade de visita domiciliar. As questões do
referido roteiro eram levantadas com a equipe da Unidade e com as famílias em
situação de visita domiciliar. Posteriormente, os dados colhidos eram
confrontados com às bases teóricas desenvolvidas, incentivando-se a crítica e a
criatividade dos alunos rumo a sugestões para superação dos obstáculos/fatores
limitantes existentes na assistência local. Vale ressaltar, que os alunos
participaram de visitas domiciliares a várias famílias acompanhados de
diferentes componentes da equipe, oportunizando a vivência de diferentes
atuações profissionais.
Foi incorporada como atividade da Disciplina a "Primeira Amostra Nacional de
Produção em Saúde da Família" realizada em Brasília, no período de 22 a 25 de
novembro, quando os alunos foram solicitados a selecionarem uma das
experiências relatadas para análise e posterior relato em situação de sala de
aula.
O sistema de avaliação constou de:relatórios das visitas; relatório referente
àexperiência selecionada na "Primeira Amostra Nacional de Produção em Saúde da
Família"; umaprova escrita individual onde os alunos discorreram sobre os nós
críticos identificados na experiência observada ao longo do semestre;
e,avaliação da participação individual em termps de freqüência, pontualidade,
qualidade das intervenções.
A disciplina foi avaliada em todos os encontros onde os alunos identificaram
dificuldades e facilidades, sugerindo mudanças. Ao final do semestre foi
avaliado o processo de construção do conhecimento sob a ótica dos objetivos
propostos pela disciplina, material e método utilizados.
RESULTADOS
É importante considerar que no semestre anterior à realização desta experiência
(primeiro semestre de 1999) a turma de alunos da Disciplina era composta por
três alunos (um da odontologia, um da medicina e um da enfermagem), sendo que
no segundo semestre o número de participantes foi de vinte alunos, havendo uma
desistência (um aluno da medicina), por motivos de saúde.
As atividades foram desenvolvidas às terçãs-feiras, no horário das 1.4 às 18:00
horas, apresentando um índice médio de 95% de presença, tanto em sala de aula
como no trabalho de campo. Nas atividades extra-classe os alunos utilizavam
transporte próprio ou carona, apresentando um grau satisfatório de
pontualidade, uma vez que a saída da equipe para a visita domiciliar ficava
condicionada a presença dos mesmos.
Ficou patente o interesse dos alunos nas discussões em sala de aula, sendo que
o dado mais valorizado nos seus depoimentos era o contato com o cotidiano das
famílias, do qual eles extraíam conclusões importantes do tipo:
... O trabalhador da saúde precisa entender que no seu contato com o usuário
ele precisa aprendera ouvir. Muitas vezes nossos clientes querem falar das suas
dores da vida, a sua viuvez, a sua falta de emprego, a droga do filho, a
gravidez da filha adolescente, e nós não lhe damos ouvidos e ficamos insistindo
na questão da doença. Frustrados. O familiar fica frustrado, pois se estabelece
um diálogo entre surdos (aluno de enfermagem).
... das Disciplinas do Departamento de Saúde Coletiva que eu fiz, esta é a
melhor, pois me deu a noção do que me espera aí fora. (aluno da medicina)
... com esta experiência, nós do serviço social, pudemos compreender a ótica
dos profissionais de saúde que vão trabalhar conosco no futuro, situação que
não vivemos durante a formação acadêmica, (aluno do serviço social)
Ao mesmo tempo, os alunos conseguiam contrapor os limites das práticas
observadas como relacionados à insipiência da experiência e da equipe, à sua
interrupção, à falta de mecanismos de participação e controle por parte da
população e a conseqüente falta de legitimação do Programa face a essa mesma
população.
No que se refere à diversidade de cursos do grupo participante, este dado foi
particularmente importante, na medida em que a emoção e a força da experiência
numa localidade periférica do Distrito Federal, em situação de marginalização,
fez emergir múltiplas variáveis a partir das suas concepções de mundo,
permitindo o confronto e a troca de valores e atitudes nos momentos de
discussão oportunizados pela disciplina.
Estes fatos sugerem que a multiprofissionalidade e interdisciplinaridade são
componentes fundamentais para a formação dos trabalhadores de saúde e para a
efetiva implantação do PSF, como proposta de transformação do paradigma
sanitário e das práticas de saúde. Vivenciar este cotidiano durante a formação
acadêmica aproxima e mescla os "saberes e fazeres" específicos, em busca de um
objetivo comum, possibilitando a ampliação do conhecimento e a visão sobre o
outro profissional.
Os alunos puderam analisar o modelo de atenção de saúde familiar tanto em sua
concepção teórica, como também na prática local e comparar com experiências
nacionais. Verificaram as dificuldades da equipe de saúde da família em
executar práticas de saúde com integralidade entre os componentes e os demais
níveis de assistência. As ações de prevenção e promoção muitas vezes, eram
preteridas em função da urgência de intervenções para o restabelecimento da
saúde.
A assistência domiciliar, foi percebida pelos alunos como uma ferramenta que
toca em questões de cunho ético, cognitivo; do contexto social e da infra-
estrutura da família, exigindo uma permanente reflexão sobre as interfaces do
universo familiar com o sucesso da ação dos profissionais de saúde.
Estas considerações valem, também, para o grupo de professores e para a equipe
profissional da unidade de saúde observada. Com relação aos professores, este
grupo esteve presente na maioria das aulas, revelando-se importante não só a
presença como a complementaridade das experiências e conhecimento dos seus
componentes, contando sempre com o suporte da equipe de profissionais que
subsidiavam-nos com dados de realidade, o que, por certo implicou em maior
concretude para o processo de aprendizado do grupo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Temos, então, que o Programa de Saúde Familiar enquanto estratégia de
construção do SUS requer uma concepção positiva do processo saúde-doença;
orientado por um paradigma sanitário de produção social da saúde que aponte
para cidades saudáveis mediante a formulação de políticas públicas saudáveis, o
que demanda tempos distintos, uma vez que as mudanças decorrentes são de ordem
política, ideológica e cognitivo-tecnológica. SegundoMendes (1996, p.234):
"A mudança será política porque envolve distintos atores sociais em
situação, portadores de diferentes projetos devendo, para
hegemonizar-se, acumular capital político. Tem, também, uma dimensão
ideológica, uma vez que ao se estruturar na lógica da atenção às
necessidades de saúde da população, implicitamente opta por nova
concepção de processo saúdedoença e por novo paradigma sanitário,
cuja implantação tem nítido caráter de mudança cultural. Por fim,
apresenta uma dimensão cognitiva-tecnológica que exige a produção e
utilização de conhecimentos e técnicas coerentes com os supostos
políticos e ideológicos do projeto da produção social da saúde"
Um processo dessa natureza, impõe aos seus atores, uma atuação inter e
multidisciplinar para atender o princípio de integralidade do atendimento à
população/famílias que residem na área de abrangência do programa, a exemplo do
Projeto UNI no Brasil e América Latina (Almeida; Feuererker; Llanos, 1999) que
visava as transformações no ensino e na prática da saúde, estabelecendo uma
nova relação entre usuários/comunidades, formadores e prestadores de serviços
de saúde.
Resultados positivos nesse Projeto operaram-se mediante a discussão e
negociação profunda do seu ideário e a implantação de experiências concretas,
apontando para a possibilidade de mudanças institucionais sustentáveis que
atualmente permanecem como tais ou inspiram experiências de saúde familiar.
O princípio de universalidade da assistência no PSF, ainda não pode ser
detectado para toda a população brasileira no que tange ao acesso e a cobertura
destes serviços. Atualmente existem 4.945 equipes de saúde familiar,
distribuídas em 1.870 municípios brasileiros, o que corresponde a uma cobertura
populacional equivalente a 17.060.250 habitantes (BRASIL, 2000, p. 11).
Este novo modelo de atenção está sendo implantado com diferentes velocidades,
dimensões e abrangências nos municípios. Segundo o Ministro da Saúde José
Serra, em seu pronunciamento no I Seminário de Experiências Internacionais em
Saúde da Família expressou as metas do PSF:
"Anunciamos as metas de elevar para 3.500 o número de equipes até o
final deste ano, para 7 mil no final de 1999 e para 10 mil no ano
2000. Para cobrir a população inteira do país, precisamos de umas 40
mil equipes. Com o subsídio federal, isto custa pouco mais de R$ 1
bilhão, somando-se estados e municípios. O Governo Federal tem metade
da receita tributária disponível e gasta duas vezes mais que os
estados e municípios, ou seja: se a receita tributária disponível
após a transferência for de 100, o Governo Federal tem 50 e estados e
municípios outros 50, mas o Governo gasta 2/3 mais enquanto estados e
municípios gastam 1/3. Apoiamos uma proposta de emenda constitucional
que corrigirá isso, aumentando um pouco os compromissos orçãmentários
com a Saúde para o nível federal e também para estados e municípios,
em um", processo que terá que ser necessariamente gradual.
Acreditamos que parte desse aumento do investimento de estados e
municípios deve acontecer nos Programas de Saúde da Família" (BRASIL,
1999ª, p. 16).
Com relação ao crescimento do PSF, em 1999, observou-se que, Rondônia foi o
estado que mais cresceu em número de municípios com PSF (75%) e Roraima com o
número de equipes implantadas; o Distrito Federal apresentou a menor taxa de
crescimento de equipes de PSF (-62.9%) e Bahia com a menor taxa de crescimento
de municípios com PSF (2.7%), (BRASIL, 2000, p. 11).
Diante deste este processo de mudança, um dos maiores desafios a ser enfrentado
é a formação e educação continuada dos profissionais para a realização do
processo de trabalho pautado nas bases conceituals da nova prática esperada.
Neste sentido, esforços nacionais estão sendo concentrados para promover um
processo educativo congruente com as bases conceituals-práticas do PSF.
Dentre as atividades educativas vislumbram-se experiências que estão sendo
desenvolvidas pelas Instituições de Ensino Médio e Superior, assim como pelas
Secretarias de Saúde dos estados e municipios, buscando estabelecer relações de
intersetorialidade e multiprofissionalidade, em parceria, para promover a
convergência das premissas e paradigmas solidificando as transformações
pretendidas em direção única, mas que também seja flexível e permeável à
dinâmica social em curso.
A experiência do Projeto UNI (Almeida; Feuererker; Llanos, 1999), mesmo
naqueles projetos onde as mudanças não se efetivaram, foi capaz de produzir
reflexões sobre os limites e dificuldades face a transformações em contextos
desfavoráveis, nos ensinou sobre a importância da vivência cotidiana das
contradições e a compreensão dos elementos de cunho políticos, históricos,
sociais que reduzem a adesão, seja ela acadêmica, dos grupos sociais ou dos
trabalhadores da saúde em projeto como o PSF.
Do lado dos nossos alunos, aprendemos a vivenciar as suas decepções e temores a
respeito da nova estratégia da saúde familiar no início da Disciplina,
sentimentos estes que gradativamente deram lugar a um otimismo com base na sua
melhor compreensão e no desenvolvimento da capacidade de observar, refletir,
agir ou propor soluções.
Do lado da equipe da Unidade de Saúde, aprendemos que na situação analisada,
não lhes punha medo a questão "por onde começãmos", pois PSF está no início e
isto é um processo. Parecenos que a questão central que se coloca para a equipe
é a construção da sua direção, para onde caminhar, de modo aliado com a
população.
Da mesma forma, outras experiências mais avançadas em Saúde da Família, com
pólos de capacitação mais estruturados, fornecem-nos sinais da possibilidade de
avanços de um projeto pedagógico articulado às práticas de saúde, sem contudo
dar-nos as soluções, mas mostrando caminhos possíveis diante da estrutura das
nossas práticas de saúde.
Com relação à Disciplina de Saúde Familiar, considerou-se que da forma como foi
estruturada, ela está apropriada para estudantes a partir do quarto ou quinto
semestre. No entanto, avaliou-se, a possibilidade de que ela fosse recriada na
versão I e II. Saúde Familiar I, de cunho obrigatório, seria destinada aos
alunos do primeiro semestre, inclusive aqueles oriundos da Psicologia e Serviço
Social; e Saúde Familiar II seria oferecida como Disciplina optativa a alunos
interessados em um nível de intervenção mais direto e complexo.