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BrBRCVHe0034-71672003000300016

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National varietyBr
Country of publicationBR
SchoolLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN0034-7167
Year2003
Issue0003
Article number00016

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Cuidadores de idosos e o sistema único de saúde ENSAIO/ESSAY/ENSAYO

Cuidadores de idosos e o sistema único de saúde

Caretakers of the elderly and the Public Health System (SUS)

Cuidadores de ancianos y el Sistema Único de la Salud

Ana Cristina Passarella Brêtas Enfermeira, Doutora em Enfermagem, Professora adjunto do Departamento de Enfermagem da Universidade Federal de São Paulo, E-mail: jbretas@uol.com.br

1 Introdução O material que neste momento torno público tem por objetivo traçar algumas considerações teóricas, conceituais e políticas sobre a temática cuidadores de idosos. Foi escrito sob a ótica da enfermeira sanitarista que trabalha com idosos e compreende que este tema não tem apenas a dimensão privada, ele também é uma questão pública, foco de políticas públicas, portanto requer respostas imediatas às demandas individuais e sociais postas no que tange ao cuidado prestado aos idosos, fundamentalmente àqueles dependentes do Sistema Único de Saúde (SUS) - por opção e/ou por necessidade.

O texto está estruturado em quatro tópicos. No primeiro discuto com brevidade as interfaces das áreas temáticas Envelhecimento e Saúde com vistas a situar o campo teórico onde localiza-se o tema proposto. No segundo apresento o SUS como cenário da discussão sobre a questão do cuidador de idosos. No terceiro destaco alguns paradigmas referentes ao cuidado enquanto uma atitude humana e trago para a discussão a figura do cuidador de idosos. Finalmente no quarto procuro associar os conceitos discutidos à guisa de efetuar as considerações finais.

2 Envelhecimento e Saúde: um convite à reflexão.

O envelhecimento é um processo complexo, pluridimensional, revestido não apenas por perdas mas também por aquisições individuais e coletivas, fenômenos inseparáveis e simultâneos. Por mais que o ato de envelhecer seja individual, o ser humano vive na esfera coletiva e como tal, sofre as influências da sociedade. A vida não é biológica, ela é social e culturalmente construída, portanto pode-se dizer que os estágios da vida apresentam diferentes significados e duração. Entendo que o envelhecimento é um fenômeno natural e processual, compreendido como o processo de vida, ou seja, envelhecemos porque vivemos, muitas vezes sem nos darmos conta disto. O processo de envelhecimento contém, pois, a fase da velhice mas não se esgota nela. A qualidade de vida e, consequentemente, a qualidade do envelhecimento relacionam-se com a visão de mundo (mentalidade) do indivíduo e da sociedade em que ele está inserido, bem como com o "estilo de vida" conferido a cada ser e é nesse contexto que busco compreender o processo de envelhecimento e sua relação com a saúde individual e coletiva (1) e consequentemente com o cuidado enquanto uma atitude para a manutenção da vida.

Buscando situar a Saúde enquanto campo teórico optei pela utilização do referencial de Canguilhem, que propõe que em se tratando de defini-la é necessário partir da dimensão do ser, pois é neste contexto que ocorrem as definições do que é normal ou patológico. O que é considerado normal em um indivíduo pode não ser para outro; não rigidez nesse processo, "a fronteira entre o normal e o patológico é imprecisa para diferentes indivíduos considerados simultaneamente, mas é perfeitamente precisa para um único e mesmo indivíduo considerado sucessivamente" (2:145).

Assim podemos ir deduzindo que o ser humano precisa se auto conhecer, necessita saber avaliar as transformações que o seu corpo sofre e identificar os sinais expressos por ele. Este processo é viável apenas na perspectiva relacional, uma vez que o normal e o patológico podem ser apreciados numa relação.

Considerando essa dimensão nas práticas de saúde, os profissionais de saúde precisam estar preparados para atender as particularidades individuais, mesmo em situações que demandem ações coletivas.

Destaco que o que caracteriza a saúde "é a possibilidade de ultrapassar a norma que define o normal momentâneo, a possibilidade de tolerar infrações à norma habitual e de instituir normas novas em situações novas". Desta forma pode-se afirmar que "estar em boa saúde é poder cair doente e se recuperar; é um luxo biológico". Onde "(...) a possibilidade de abusar da saúde faz parte da saúde" (2:158).

Nesta dimensão a saúde expressa um sentimento de segurança na vida, uma vez que representa "uma maneira de abordar a existência com uma sensação não apenas de possuidor ou portador, mas também, se necessário, de criador de valores, de instaurador de normas vitais" (2:163). A saúde torna-se a capacidade que o ser humano tem de gastar, consumir, a própria vida, sendo que não sente o bem- estar, pois esse é a consciência de viver, é o seu impedimento que provoca a reação do indivíduo com vistas a restabelecê-lo (2). Vale destacar que a vida não admite a reversibilidade, ela aceita apenas reparações. Cada vez que o indivíduo fica doente esta reduzindo o poder que tem de enfrentar outros agravos, ele gasta o seu seguro biológico, sem o qual não estaria nem mesmo vivo.

Mesmo pensando em saúde nas dimensões do coletivo e do planeta é imprescindível considerar o indivíduo como ponto de referência. existe o social e o planetário porque existe o ser. Pensemos o envelhecimento nesta lógica: por mais que se aborde a perspectiva populacional, quem envelhece é o indivíduo e como tal deve ser considerado. A maneira como cada ser na sua especificidade "gasta" a vida será o delimitador da qualidade do envelhecimento, vivemos porque consumimos vida. Quem não consome a vida não a tem, não envelhece, simplesmente porque não existe enquanto ser. "A utopia do corpo conservado para sempre se realiza com a mumificação. Dura-se para sempre, que à custa do movimento, do prazer, da dor e da vida " (3:33).

Acredito que a cidadania é obtida plenamente quando o indivíduo conhece o seu próprio corpo e a partir daí passa a ter condições para praticar e reivindicar ações que assegurem a qualidade da sua existência. Assim, visualizo o profissional da saúde, como alguém capaz de instrumentalizar, mediante práticas de saúde, os usuários e excluídos do sistema de saúde sobre o funcionamento do corpo, ampliando as possibilidades de sobrevivência e de qualidade de vida dos seres humanos por ele assistidos(2).

Nesta linha de reflexão a saúde pressupõe uma certa capacidade de utilização de instrumentos naturais e artificiais - socialmente construídos, como o foram a Clínica e a Saúde Pública - com o intuito de afastar a dor, o sofrimento e a morte,onde o objetivo de todo o trabalho na área da saúde se direcionasse para ampliar a capacidade de autonomia dos clientes. As instituições de saúde deveriam existir tanto para ajudar cada cliente a melhor utilizar os recursos próprios, partindo sempre do reconhecimento da vontade e desejo de cura de cada um, como para lhes oferecer recursos institucionais também voltados para melhorar as condições individuais e coletivas de resistência à doença (3).

Pensar em autonomia dos seres na ótica da saúde e do envelhecimento remete-nos a duas reflexões: a primeira implica em visualizar não o usuário dos serviços, mas também o profissional da saúde como seres autônomos, portanto capazes de gerir sua própria vida; a segunda introduz no tema a noção de auto- cuidado como uma maneira dos indivíduos assumirem para si o controle do seu próprio corpo, no entanto sem desresponsabilizar o Estado do seu dever com a saúde, no sentido de prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício (4).

O ser humano se distingue dos animais pelo fato de existir além de viver, ou seja, vive obedecendo e questionando um sistema de regras socialmente instituídas. Nesta perspectiva dialética do viver - existir, existir - viver, a dimensão do auto-cuidado assume um significado importante, pois é por meio dele que o ser mantêm seu corpo vivo, sua saúde egarante a sua existência (5). A possibilidade da manutenção do auto-cuidado durante todo o processo de vida é condição básica para um envelhecimento bem sucedido, visto que a integridade física e psíquica do corpo, representadas pela capacidade de autonomia do ser humano no desenvolvimento de habilidades cognitivas, controles fisiológicos do organismo e controles emocionais, é o marco delimitador entre o processo de envelhecimento saudável e o patológico, além do que a perda desses controles e capacidades leva a estigmatização das pessoas idosas (6).

Desta forma um grande desafio posto para os profissionais da saúde que trabalham com o processo de envelhecimento é saber discernir como se pode cuidar sem possuir. Em outras palavras, "como cuidar sem anular a autonomia do cliente?"(5:55).

Pretendo trazer a discussão sobre cuidadores de idosos para este campo teórico onde os conflitos e as contradições emergem à luz das reflexões do envelhecimento enquanto processo vital e, da saúde como a capacidade de consumo da vida. Nesta ótica o cuidado assume a dimensão da manutenção da vida durante todo o processo de envelhecimento, neste caso em particular na fase da velhice, onde a meta é preservar a autonomia do ser assegurando o autocuidado, introduzindo o cuidador de idosos no cenário apenas quando necessário, respeitando ao máximo a capacidade de tomada de decisão do geronte a ser cuidado.

3 SUS: (re)vendo caminhos.

Como mencionado o cenário deste ensaio é o SUS, local onde ocorre o enfrentamento dos paradigmas da saúde e portanto os relativos à saúde dos idosos.

Considero a Saúde como um campo ideológico, historicamente concebido e que espelha o resultado das políticas sociais e econômicas adotadas pelos países e ditadas por agrupamentos econômicos internacionais. Pode-se afirmar que a área da saúde veicula interesses e visões de mundo diversos, produto de conflituosas relações sociais construídas por atores e atrizes políticos com distintos projetos e objetivos. Majoritariamente identifico a disputa entre dois grupos ideológicos, um representado pelo pensamento neoliberal que defende o modelo privativista e elitista das práticas de saúde, com ênfase na utilização de tecnologia de ponta, o outro, construído à luz do socialismo, idealiza um sistema de saúde público, eqüânime, de alcance coletivo. Desta forma, a saúde não é um campo neutro mas um campo de saber portanto local de disputa de relações de poder (7).

Vale destacar que o SUS tem suas raízes históricas nas lutas sociais dos anos 70 e 80 e surge como uma conquista envolvendo movimentos populares, trabalhadores da saúde, usuários, intelectuais, sindicalistas e militantes dos mais diversos movimentos sociais fundamentados no paradigma da saúde pública (8). Pode-se afirmar que se constitui "na mais importante e avançada política social em curso no país" (9:141). É formado pelo conjunto de todas as ações e serviços de saúde prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público. À iniciativa privada é permitido participar deste sistema de maneira complementar (10).

O SUS está consolidado na Constituição Federal de 1988, na Lei Orgânica de Saúde (8080/90), na Lei Federal 8142/90 e por outras legislações. Tem por princípios básicos a universalidade, eqüidade e integralidade nos serviços e ações de saúde, a descentralização dos serviços, regionalização e hierarquização da rede e participação social.

A sua implantação/ implementação no país tem ocorrido de forma desigual, se em algumas cidades brasileiras é possível colher o fruto do bom trabalho plantado, em outras, infelizmente, a sua operacionalização ainda deixa muito a desejar. Destaco que o problema não está no sistema em si como esbravejam parte da mídia e dos porta-vozes do neoliberalismo, mas na escassez de vontade política, no imobilismo assustador de alguns profissionais de saúde, na ausência de controle social atuante para efetivá-lo - pontos possíveis de revisão e intervenção.

Acredito e defendo o SUS como um sistema público e democrático de assistência à saúde, entretanto não faço de forma passional e irresponsável, sei que ainda temos um longo caminho para efetivar os seus princípios. No que tange aos idosos nem sempre o acesso universal à saúde está assegurado, não é rara a entrada no serviço pelas portas dos pronto socorros. A ausência da capacitação de profissionais na área da Gerontologia/ Geriatria também é uma realidade, implicando em enfoques equivocados de assistência.

Situo nesta reflexão a Política Nacional de Saúde do Idoso destacando que está em conformidade com a legislação e princípios do SUS. Tem como propósito basilar a promoção de envelhecimento saudável, a manutenção e a melhoria, ao máximo, da capacidade funcional dos idosos, a prevenção de doenças, a recuperação da saúde dos que adoecem e a reabilitação daqueles que venham a ter a sua capacidade funcional restringida, de forma a garantir aos idosos a permanência no meio em que vivem, exercendo de forma independente suas funções na sociedade (11).

Compreendo que a tarefa esperada e cobrada do SUS pela sociedade é a de pensar a enfermidade, o risco de adoecer, para daí inventarmos mecanismos para produzir saúde (12). O objetivo do SUS é a saúde, mas o objeto de investigação e de trabalho é a enfermidade ou o risco de enfermar-se, são os processos saúde-doença-atenção. A indefinição desta questão pode fazer com que confundamos o papel da Saúde com o das instituições políticas, ou dos movimentos sociais, ou de outras agências governamentais.

Nesta perspectiva defendo que o SUS tem o dever de assegurar atendimento integral para todos os brasileiros e brasileiras. Compreendo o cuidado como uma interface da saúde, portanto também é um direito do cidadão e um dever do Estado, entretanto trago para discussão a amplitude que a palavra cuidado tem.

Sustento que é de responsabilidade deste sistema o cuidado profissional, prestado por profissionais e ocupacionais regidos e fiscalizados por conselhos de classe, que precisam estar comprometidos com a assistência além do equipamento de saúde, adentrando também nos domicílios, construindo um novo pensar sobre o processo saúde-doença-atenção. Neste momento temporal não acho prudente inserir o cuidador de idosos no âmbito funcional e trabalhista do SUS, ainda não estamos preparados técnica e politicamente para essa amplitude assistencial, no entanto não nego em absoluto a necessidade do Estado dar respostas aos idosos e/ou a seus familiares que necessitam da especificidade do cuidado desempenhado pelo cuidador de idosos formal. A questão está em analisar qual o melhor setor público para inserir este ocupacional.

A seguir busco apresentar alguns paradigmas referentes ao cuidado enquanto uma atitude humana, trazendo para a discussão o cuidador de idosos. Espero com isso ir tecendo argumentos para sustentar a colocação acima.

4 O cuidado e o cuidador de idosos: partes de uma mesma moeda? Acredito que "o cuidado pelo doente não deve ser apenas coisa dos médicos e dos enfermeiros, mas também dos familiares, dos conselheiros espirituais (sacerdotes, pastores e pastoras, rabinos, pais ou mães de santo, etc.) e dos amigos próximos"(13:96). Entretanto saliento que a prestação do cuidado é permeada por graus de especificidade, que necessitam ser considerados. Cabe definir e delimitar as linhas que dividem (embora tenuamente) o cuidado prestado pelos diferentes atores e atrizes sociais.

Adoto o conceito de que "cuidar é mais que um ato, é uma atitude. Portanto, abrange mais que um momento de atenção, de zelo e de desvelo. Representa uma atitude de ocupação, preocupação, de responsabilização e de envolvimento afetivo com o outro"(14:33).

Sob esta ótica o cuidado é um modo-de-ser do ser humano, expresso na sua natureza e constituição, portanto corresponde à essência humana - é ontológico.

Sem o cuidado não existe o ser, quem não recebe ou se cuidados no curso da vida não sobrevive. Destaco o fato de que o cuidado significa "desvelo, solicitude, diligência, zelo, atenção, bom trato" e que a atitude de cuidado "pode provocar preocupação, inquietação e sentido de responsabilidade"(14:91).

Nesta lógica pode-se dizer que o cuidado surge quando a existência de alguém é significativa para mim, então me disponho a buscar formas para cuidar dela.

Introduzo nesta discussão o preceito de que existem diferentes formas de envelhecimento e consequentemente de velhice. O lugar que o indivíduo ocupa na sociedade interfere na maneira como obtém condições para manejar o cuidado que dispensa a si. Tal fato remete à afirmação de que a injustiça social impacta na relação do cuidado, portanto não pode ser desprezada na análise.

A questão do cuidador de idosos veio para mesas de discussão no momento em que a dimensão do cuidado passou para o âmbito público, uma vez que enquanto a responsabilidade por ele ficava apenas na esfera do privado, assegurado pelas famílias, não era tão debatido. Algumas causas são citadas como desencadeadoras deste processo: como o impacto das mudanças causadas pelas novas conformações da dinâmica interna das relações familiares; o aumento da expectativa de vida trazendo consigo novas demandas no que tange ao atendimento das necessidades de manutenção da vida; o empobrecimento populacional marcado pela distribuição de renda; entre tantas outras.

Indubitavelmente as mudanças na sociedade acabam implicando em novos arranjos sociais para suprir as necessidades sentidas e expressas pela população. O cuidado, no meu entendimento, entra neste rol de demandas. Não nego a importância de se discutir as causas desencadeadoras destes arranjos sociais, entretanto, neste momento creio que o mais emergente é responder às conseqüências deste processo, neste caso em particular, buscar formas para estimular a criação de redes de apoio formais e informais ao cuidado de idosos.

Não podemos, enquanto profissionais das áreas da Gerontologia e Saúde, nos darmos ao luxo de achar que este problema não é nosso, escamoteando-o em discursos técnicos grandiloqüentes e, porque não dizer, corporativos.

Entretanto este enfrentamento da questão cuidado/ cuidador de idosos deve ser feita de forma cautelosa e fundamentada tecnicamente, sob o risco de promovermos uma saúde pobre para idosos pobres. Se do ponto de vista constitucional o Brasil adota que a Saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (15:47), Isso vale para todos os brasileiros e brasileiras, neste caso em particular, para todos os idosos e idosas que dela necessitem.

Se algumas famílias e/ou idosos têm condição e desejo de arcar com o custo da contratação de cuidadores de idosos, e portanto selecionam à luz do mercado o trabalhador que desejam empregar, cabe ao Estado a discussão sobre alternativas àqueles idosos que por desejo ou necessidade são dependentes do SUS. Não nego o fato, em hipótese alguma, de que em ambas as situações postas existe o desconhecimento das atribuições e habilidades do ocupacional cuidador de idosos, o que muitas vezes faz com que o cuidado seja passível de imperícia, negligência e imprudência. Quem contrata no mercado também esta sujeito à iatrogenias, e porque não dizer à charlatanice, decorrentes da não fiscalização desta atividade. Entretanto, gostaria de focar a discussão sobre os cuidadores de idosos na dimensão do setor público, local que enquanto enfermeira sanitarista, trago algumas inquietações técnicas.

Reforço a idéia central de que não tenho dúvidas sobre a necessidade de se ter cuidadores de idosos, meus questionamentos ficam muito mais na forma de como operacionalizar tal demanda e assegurar a sua fiscalização.

Entendo que é papel do Estado construir políticas públicas para atender as necessidades dos indivíduos, entretanto defendo que as ações governamentais devam ser compreendidas numa dinâmica de co-responsabilidade com a sociedade civil, mas com a fiscalização técnica do poder público. Nesta lógica o SUS é um parceiro a mais no processo de concepção e implantação/ implementação de ações governamentais voltadas ao cuidado dos idosos, em particular à participação do cuidador de idosos.

No meu entendimento ao SUS cabe garantir o atendimento com qualidade aos idosos em todos os seus equipamentos de saúde (Unidades Básicas de Saúde, Unidades de Saúde da Família, ambulatórios, hospitais gerais e especializados, entre outros) assegurando a especificidade que este segmento etário requer, discordo da formação de Centros de Referência exclusivos para idosos. Deve, em conformidade com estudos de territorialização, implantar serviços de atendimento e internação domiciliar, com equipe preparada para desempenhar ações gerontológicas/ geriátricas no domicílio do idoso. Nestas instâncias certamente o profissional da saúde se deparará com a figura do cuidador de idosos (familiar ou não) e cabe o trabalho de educação in loco visando maximizar a qualidade do atendimento prestado.

Dado a especificidade do cuidado prestado pelo cuidador de idosos compreendo que enquanto ações governamentais esse ocupacional deva estar lotado na área da assistência social. O diálogo com a Saúde ocorre na interface do atendimento prestado aos idosos, mas a responsabilidade contratual e de acompanhamento técnico não é do SUS.

5 Considerações finais Defendo que o cuidado gerontológico precisa ser trabalhado enquanto práxis, deve se olhar além da doença, no sentido de que o gerador do cuidado é o idoso (com todas as suas peculiaridades resultantes da sua história de vida) e não o procedimento decorrente da situação de vida por ele enfrentada. Assim, o cuidador principal do idoso deve ser o próprio idoso. No entanto, existirão situações em que ele não será capaz de exercer o autocuidado, necessitando da ajuda de outra pessoa. Neste momento tem entrado em cena a figura do cuidador - majoritariamente mulheres que por delegação familiar ou por necessidade de emprego tomam para si esta ocupação, na primeira situação abdicando de outros interesses ou afazeres, na segunda vendendo sua força de trabalho cuidando do outro.

Acredito que por mais que o cuidado seja ontológico, portanto não é prerrogativa de nenhuma profissão, existem especificidades do cuidado realizado com idosos que precisam ser consideradas à luz do exercício profissional, sob o risco da geração de iatrogenias. Definir este território é tarefa de todos aqueles que estão comprometidos com a área da Gerontologia. É necessário evitar discussões permeadas apenas por questões corporativas e buscar formas de inserir o cuidador de idosos também na dinâmica do sistema público. Para tal, não basta capacitá-los e colocá-los no mercado de trabalho, é necessário desenvolver um sistema de apoio formal e informal de cuidados para os idosos que tenham dificuldade na manutenção das atividades de vida diária (AVD) e instrumentais de vida diária (AIVD), na lógica intersetorial e com controle social.

Destaco com pesar que a implantação/ implementação de políticas públicas à luz da intersetorialidade tem sofrido interferência marcante do preceito de "governabilidade" defendido por alguns prefeitos, que em nome da maioria de apoio nas bancadas do poder legislativo municipal dividem nacos de poder, nem sempre pautados na dimensão ética e técnica dos setores envolvidos. Tal fato vem inviabilizando, em alguns municípios, a operacionalização das políticas públicas, particularmente àquelas voltadas ao atendimento dos idosos.

Creio que uma saída para este impasse seja o fortalecimento do controle social, no caso específico do cuidador de idosos, implica em ampliar a discussão para a sociedade civil e dar subsídios técnicos para o segmento organizado dos idosos defender seus propósitos e direitos. À nós técnicos cabe o engajamento ético e político na defesa de uma rede de apoio formal e informal de cuidados aos idosos.


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