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BrBRCVHe0034-71672003000400005

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National varietyBr
Country of publicationBR
SchoolLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN0034-7167
Year2003
Issue0004
Article number00005

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Diretrizes curriculares e a potencialização de condições para mudanças na formação de enfermeiros DIRETRIZES CURRICULARES EM DEBATE

Diretrizes curriculares e a potencialização de condições para mudanças na formação de enfermeiros

Curricular guidelines and the promotion of conditions for change in nursing education

Directrices curriculares y la potenciación de condiciones para cambios en la formación de enfermeros

Edir Nei Teixeira Mandú Doutora em Enfermagem. Professora da Faculdade de Enfermagem e Nutrição da UFMT, Coordenadora de Ensino de Graduação em Enfermagem, E-mail: emandu@terra.com.br

1 Introdução As idéias e interrogações apresentadas por Dagmar e Maria Henriqueta, como elas mesmas destacam e propõem, são um convite à reflexão e suscitam inúmeras correlações com dificuldades, necessidades, possibilidades e impossibilidades por nós vivenciadas cotidianamente na formação de enfermeiras/os.

Ao tratar do tema "diretrizes curriculares e projetos pedagógicos", nossas colegas trazem à tona, numa perspectiva político-ética que considero relevante, a complexidade que envolve a formação profissional e a importância de tratá-la de forma contextualizada e crítica.

Parece-me que dois grandes pontos, que se entrecruzam e abrem espaço a outros, emergem no desenrolar do debate que encaminham: 1) a inscrição do contraponto reprodução _ problematização no âmbito das proposições e reformas curriculares; 2) a relevância, o caráter social e o sentido político das diretrizes, projetos e processos curriculares que visam a mudanças na formação de enfermeiras/os.

Ao versar sobre esses pontos, de forma problematizadora, as autoras abrem caminho à ampliação do debate e à inscrição de outras interrogações, tais como: quais são, de fato, as questões centrais da formação de enfermeiras/os? Temos nelas situado as nossas reflexões, forças, potenciais e elaborações? A despeito de seus limites e contradições, as diretrizes curriculares encetam algo de novo? Constituem-se elas, tal como elaboradas, em impedimento para significativas reconstruções político-pedagógicas dos cursos de graduação em enfermagem? Qual o lugar e a força das diretrizes curriculares à inovação do trabalho educativo cotidiano? Articulam-se as diretrizes curriculares nacionais a políticas e projetos de investimentos em educação universitária/educação em enfermagem? Certamente tais questionamentos, e outros apresentados pelas autorasDagmar e Maria, demandam a promoção de um amplo diálogo coletivo, fundado em bases teórico-práticas e posicionamento político, que apenas se mobiliza neste espaço e debate iniciado. Para contribuir com esse trabalho, concentro-me um pouco mais nessa última interrogação, olhando (na linha desenvolvida pelas autoras) para além do texto, uma vez que nesse âmbito identifico inúmeras dificuldades, conflitos e um universo fundamental à elaboração/produção pela enfermagem.

2 Diretrizes e mudanças curriculares: um olhar para além do texto Não é novidade para nenhum/a de nós que idéias, diretrizes e projetos, ainda que relevantes no trabalho educativo (ou em outros), não viabilizam, por si , as condições e os processos necessários à sua materialidade. Eles dão asas aos nossos desejos, orientam nossos caminhos, expressam posições, concentram e direcionam esforços coletivos, mas não concretizam todas as condições para o fazer.

Com contornos mais ou menos estreitos, com um caráter mais ou menos engessador, como diretrizes de fato ou como currículo nacional modelar, flexíveis ou não, as proposições curriculares nacionais perdem em potencialidade, como instrumento de inovação crítica, se permanecerem desacompanhadas de uma ampla política nacional/local de investimentos à geração concreta de certas condições, que contemplem: - a valorização do trabalhador da educação - mediante a produção de condições de trabalho, quadros docentes quantitativa e qualitativamente apropriados, salários dignos; - mudanças na estrutura organizativa das instituições formadoras - que viabilizem a pesquisa, a extensão e as articulações entre estas e o ensino, dimensionando apropriadamente o preparo profissional, condições acadêmico- financeiras, compromissos interinstitucionais; - a qualificação dos processos de gestão acadêmica - englobando a democratização das relações no interior das instituições formadoras e a participação de atores externos, enfrentando as culturas nelas comumente presentes do isolamento, do burocratismo, da negligência, da rigidez; - a articulação da educação a outros setores e, especificamente, ao setor saúde e seus serviços - aproximando-se e viabilizando compromissos e projetos conjuntos de transformação tanto da formação como das práticas em saúde; - processos de inclusão do que comumente denomina-se como periferia no âmbito das instituições, produções, trabalhos e trabalhadores universitários - no conjunto das políticas, dos projetos e processos nacionais/locais em educação, enfermagem, desenvolvimento científico-tecnológico, qualificação de potenciais humanos, etc.

De forma propositiva, transformo em afirmação parte de uma das interrogações postas por nossas colegas, ao tratarem da mediação entre parâmetros e construção curricular. Julgo que, na construção de inovações na formação de enfermeira/os, é central localizar e/ou produzir espaços (e processos) que permitam às instituições formadoras potencializar as condições específicas de cada uma.

Num paralelo entre o setor educacional e o da saúde, podemos extrair indicações valiosas do processo de construção da reforma sanitária no Brasil. Ele nos aponta a relevância, para além das diretrizes delineadas à construção do sistema e de sua inscrição legal, da tradução, destas, em políticas e práticas encaminhadas de forma integrada, inclusiva, participativa e colaborativa, valorizando e comprometendo tanto o nível nacional quanto o local.

Nesse sentido, entre outros aspectos, são essenciais a aproximação, a crítica e encaminhamentos em torno de elementos que vêm dando forma concreta aos currículos, considerando sobretudo o âmbito mais global da educação/educação superior, das instituições e processos políticos da enfermagem e, também, a dinâmica das diversas instituições formadoras.

Sem querer reduzir tais questões, mas tentando concretizá-las, falo, por exemplo: - dos contornos que vêm sendo dados aos currículos através dos processos avaliativos dos cursos universitários de formação profissional (via exames nacionais de cursos e avaliação das condições de oferta do ensino), a despeito das proposições curriculares nacionais e da necessária consideração ao local; - dos modos como se viabiliza/inviabiliza a inclusão dos potenciais educacionais/na enfermagem, presentes nos vários e distintos espaços, marcados por um evidente distanciamento e hierarquização entre o nacional e o local, com mascaramento deste último; - da necessária interface entre mudanças curriculares e o delineamento de políticas, projetos e práticas nacionais/locais no âmbito da pós-graduação e pesquisa em saúde e enfermagem; - de um certo silêncio dos organismos representativos da enfermagem diante das recentes e atuais políticas governamentais para a educação, saúde e trabalhadores públicos.

Para que as diretrizes curriculares potencializem inovações, somando-se a sua interpretação crítica, é necessário pensar/pôr em andamento, nacional e localmente - de forma integrada, estratégias de acumulação de poder, de viabilização de recursos diversos, de produção de parcerias, de formação de massa crítica, de concretização de projetos de ação dinâmicos, mobilizadores, aproximadores e inovadores.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional adota a noção de competências como um eixo estruturante dos currículos de formação, e este se exprime nas diretrizes curriculares nacionais de formação de enfermeiras/os, valorizando a relação com o mundo do trabalho, suas grandes transformações e demandas.

Dessa relação, emerge a idéia da produção social e educacional de um novo trabalhador, com competências que, para além da qualificação instrumental, demandam a construção de uma nova subjetividade. Requerem-se profissionais com qualificação técnica, com conhecimentos de caráter global, com capacidade de tomar decisões, de empreender, de trabalhar em equipe, de enfrentar contínuas situações de mudança.

Esses novos requisitos, dentre outros, tidos como imprescindíveis para os trabalhadores, não se desvinculam do conjunto de exigências postas pelo projeto de progresso dominante, atrelado ao aprofundamento das condições capitalistas e mudanças nos processos produtivos(1).

Tais exigências se expressam nos mercados de trabalho, com características diversas, e, em alguma medida, não podem ser desconsiderados pela formação.

Contudo, elas podem e devem ser criticadas levando em conta a necessidade de recuperação das responsabilidades sociais da educação/educação superior (e, especificamente, da enfermagem) _ em prol da formação de cidadãos, do resgate da integralidade do ser humano, da construção de sujeitos, da confrontação dos individualismos e exclusões diversas, da valorização da ação política e participação coletiva(2).

Nessa direção, é relevante situar-se frente à polissemia, distinções, contradições, permanências e rupturas que envolvem os conceitos e idéias postas em torno das proposições curriculares, como bem disseram Dagmar e Maria. Na busca das aproximações necessárias, é preciso dialogar e interagir com os campos de trabalho, com os sujeitos que neles atuam ou deles são alvo, compreendendo os contextos, as culturas, as diversidades, reconhecendo como as competências profissionais podem se inserir crítica e eticamente em sua dinâmica.

A projeção e a construção de novas competências profissionais não podem desconsiderar que estas requerem a qualificação dos educadores (sobretudo se sintonizadas com a formação de sujeitos criativos, questionadores e éticos), tendo em vista o desenvolvimento de suas próprias subjetividades.

Pois bem, não se trata, então, de simples incorporação das diretrizes curriculares nacionais, sem problematização e reflexão sobre os seus pressupostos, conceitos, sua aproximação e significados para as práticas educativas, e sem apoio amplo que considere os marcos teóricos, políticos e éticos eleitos à sustentação das mudanças locais. Considerado o contexto institucional pregresso e o atual de formação universitária, mudanças significativas dificilmente irão ocorrer sem condições e investimentos estrategicamente pensados e encaminhados, com suporte para além do viabilizado através de iniciativas das instituições locais (e vice-versa).

As coordenações de cursos de graduação em enfermagem requerem redefinições e qualificação para a função coordenadora e pedagógica que exercem, tendo em vista a realização da ação de planejamento, acompanhamento e avaliação curricular e a superação de uma prática de senso comum presente nas tarefas administrativas, nos processos de integração e orientação acadêmica(3).

Em nossos cenários educativos não são incomuns a falta de desejo e as resistências. Experiências pedagógicas largamente criticadas são usualmente reproduzidas e igualmente a fragmentação disciplinar. Como dito pelas colegas, é complexa a aproximação das fronteiras epistemológicas, a configuração de currículos flexíveis e de fato integrados, a viabilização de abordagens interdisciplinares e a construção da articulação teoria-prática. As incoerências entre proposições e práticas são inúmeras, acompanhadas da falta de clareza em relação ao que se elege e nomeia.

Assim, é preciso reconhecer a importância da formação político- pedagógica dos trabalhadores da educação/educação em enfermagem. São necessários investimentos planejados no crescimento desses profissionais, para o enfrentamento, de forma mais dinâmica e rápida, das transformações no campo da saúde e da enfermagem coerentemente com as idéias de promoção da saúde, de atenção integral, universal e equânime.

Dado o caráter social, contraditório e conflituoso do trabalho, das relações entre os sujeitos que o fazem e do fato de as mudanças curriculares demandarem uma profunda transformação das pessoas, também se insere, nesse conjunto, a importância de investir no incremento de uma nova ética profissional.

Parece-me que uma de nossas dificuldades encontra-se no lidar, no cotidiano dos nossos trabalhos, com os limites. as possibilidades e impossibilidades, as determinações, os potenciais, os direitos e as responsabilidades ou, dito de outro modo, com a reprodução - inovação, apoiados em uma perspectiva crítica e comprometida com a superação do estabelecido.

Isso posiciona a relevância da dimensão político-ética implicada no fazer cotidiano, abrangendo a questão da concreta tradução e incorporação, ou não, de bases (filosóficas, políticas, epistemológicas, pedagógicas, metodológicas) e conceitos (como os de educação, enfermagem, saúde-doença, autonomia, ética, etc.) comumente presentes em nossos projetos político pedagógicos idealizados.

Essa, certamente, não é uma questão simples, uma vez que se articula à inserção sócio-cultural das pessoas e a suas trajetórias de vida. Essas trajetórias, ainda que resultem em elementos comuns, geram modos peculiares das pessoas se colocarem diante das tensões, contradições e desafios da vida e do mundo do trabalho.

Por conseguinte, reconhecendo a importância e complexidade de tal dimensão na inter-relação parâmetros, projetos e processos educativos, identifica-se a necessidade de produção de estratégias favoráveis ao desenvolvimento da autocrítica e responsabilização profissional (que precisa acompanhar o terreno dos direitos sociais), enfrentando, em seus sentidos e desdobramentos, o contraponto reprodução - mudança.

As condições histórico-sociais e posicionamentos político-éticos precisam ser outros para que transformações significativas na formação de enfermeiras/os de fato se configurem e, nessa direção, não se pode excluir o reconhecimento de que caminhos e meios devem ser explorados por nós.

Nessa perspectiva, parece-me fecundo afirmar princípios, refletir e compreender, perguntar o que fazer, e agir, reconhecendo que a realidade social não é fruto de forças naturais mas de história feita pelos seres humanos, à custa de lutas individuais e sociais(4).


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