Diretrizes curriculares e projetos pedagógicos: é tempo de ação!
DIRETRIZES CURRICULARES EM DEBATE
Diretrizes curriculares e projetos pedagógicos: é tempo de ação!
Curricular guidelines and pedagogical projects: it's time to act!
Directrices curriculares y proyectos pedagógicos: es tiempo de acción!
Laura FeuerwerkerI; Marcio AlmeidaII
IMédica, coordenadora geral de Ações Estratégicas de Educação na Saúde da
Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde, Ministério da Saúde
IIMédico, professor da Universidade Estadual de Londrina, coordenador da
secretaria executiva da Rede UNIDA, E-mail: marcio49@uol.com.br
O texto de Meyer & Kruse é analítico e crítico e aponta questões relevantes
para o debate acerca da formação de enfermagem (e dos profissionais de saúde)
em nosso país. Perde força, no entanto, ao ser publicado um ano e meio após ser
escrito e também ao não entrar no campo das proposições, num momento em que as
escolas estão se mobilizando em torno da necessidade de mudanças.
Vale a pena, muito brevemente, comentar alguns dos temas levantados pelas
autoras. Em primeiro lugar, dizer que as Diretrizes Curriculares expressam uma
orientação geral, algumas vezes genérica, justamente porque não pretendem ser a
expressão de um Currículo Nacional. As orientações das Diretrizes estimulam as
escolas a superar as concepções conservadoras, a rigidez, o conteudismo e as
prescrições estritas existentes nos Currículos Mínimos, mas não definem um
caminho único.
Objetivamente, ao interior das formulações expressas nas Diretrizes, há espaço
para que as escolas, como convidam as autoras, "no exercício de sua
autonomia", formulem e organizem seus projetos pedagógicos, elejam
estratégias e modos de fazer "articulados, ao mesmo tempo, às demandas
políticas e sociais da sociedade brasileira mais ampla e às necessidades e
interesses dos "locais" onde se inserem de modo a reordenar a
formação dos recursos humanos em saúde e, em especial na enfermagem, no sentido
de criar outras possibilidades de desenhar um modelo de atenção à saúde que
contemple práticas sanitárias relacionadas a um conceito ampliado de saúde e de
justiça social".
Em segundo lugar, o contexto em que foram definidas as diretrizes curriculares
no Brasil não pode ser omitido. Ou seja, se de maneira genérica a orientação
das políticas educacionais no Brasil nos últimos anos esteve sintonizada com as
definições dos organismos internacionais, no caso das diretrizes curriculares
houve uma efetiva modulação - produzida pela mobilização dos vários segmentos
interessados em defender mudanças na formação que a aproximassem das
orientações do sistema público de saúde (público, democrático, em busca da
universalidade e da integralidade da atenção). Não seria o nosso o único caso
em que, no contexto da globalização, uma proposição de reforma universitária
conseguiria escapar das tendências racionalizadoras, orientadas ao mercado e à
competição(1).
De um modo geral, as diretrizes expressam o compromisso dos movimentos por
mudanças na formação dos profissionais de saúde com uma compreensão ampla do
que signifique currículo, considerando que ele deva expressar o posicionamento
da universidade diante de seu papel social, dos conceitos de saúde e educação
etc. Não por outra razão aparece explicitada a necessidade de a formação estar
claramente comprometida e direcionada à concretização dos princípios da reforma
sanitária brasileira e do sistema único de saúde. É nesse contexto que muitas
das formulações genéricas devem ser interpretadas.
Certas imprecisões do texto das diretrizes curriculares, no entanto, refletem a
existência de disputa em torno da orientação das futuras mudanças. Há um
convite à formação por competências - o que, em si, tem um aspecto positivo, ao
indicar a necessidade de experiências e oportunidades de ensino-aprendizagem
que possibilitem o desenvolvimento para além do campo cognitivo. No entanto, em
torno da definição de competências e das maneiras de desenvolvê-las há um
intenso debate em torno de orientações behavoristas e construtivistas (para
citar apenas algumas delas). As diretrizes não explicitam as diferenças, nem
tampouco sugerem uma ou outra opção. Deixam a questão em aberto, mas indicam,
sim, especialmente nas competências comuns a todos os profissionais de saúde, a
necessidade de trabalhar em campos como a comunicação, o trabalho em equipe
etc.
O convite à interdisciplinaridade também não pode deixar de ser reconhecido
como avanço e como passo indispensável à superação dos currículos organizados
por disciplinas e centrados nos conteúdos. Em nenhum lugar as diretrizes
indicam ser simples essa superação.
É fato que as diretrizes não indicam com precisão se os conteúdos e
experiências de aprendizagem devem ser orientados, por exemplo, pelas
necessidades dos estudantes ou pelas necessidades de aprendizagem articuladas
às necessidades sociais. Mencionam a necessidade da aprendizagem ativa e a
necessidade de tratar dos problemas da realidade: ou seja, deixam em aberto o
tipo de orientação a ser adotado em cada escola, mas sugerem a superação das
abordagens tradicionais.
Por fim, é verdade que as diretrizes não indicam os caminhos que as escolas
devem percorrer para chegar às transformações necessárias. Mas os movimentos de
mudança na educação dos profissionais de saúde vêm acumulando experiência e
conhecimento a respeito. Sabemos que essas orientações podem propiciar
processos de mudança profundos, necessariamente baseados na constituição de
sujeitos, na democratização das escolas e no crescimento de seu compromisso
social. Mas, como as orientações são genéricas, também comportam mudanças mais
tímidas, circunscritas. A avaliação, portanto, cumprirá papel fundamental no
processo de orientação das mudanças.
É verdade que o MEC, no governo anterior, não havia atualizado os mecanismos de
avaliação (dos estudantes, das condições de ensino e do corpo docente) para que
houvesse coerência entre diretrizes curriculares e avaliação. Ou para que a
avaliação servisse como uma ferramenta para alimentar e orientar as mudanças em
curso. Mas também é verdade que o movimento de mudanças estava atento para
estas contradições e buscava caminhos para produzir sua superação.
É na falta de atualização na avaliação de contexto, entretanto, que o artigo
perde força. Existe, atualmente, por parte do novo governo, uma política que
explicitamente indica e estimula uma orientação clara para as necessárias
mudanças na formação dos profissionais de saúde. Estão sendo propostos, pelo
Ministério da Saúde, fóruns que devem possibilitar o diálogo entre instituições
formadoras, gestores do sistema de saúde e representantes do controle social
para definir os caminhos que a formação deve percorrer para atender às
necessidades do SUS. Está sendo oferecido apoio técnico e financeiro para o
desenvolvimento das mudanças na formação que adotem expressamente essa
orientação.
Por último, é importante ressaltar que durante o processo de construção das
mudanças é necessário construir e preservar os espaços coletivos para debate e
reflexão crítica(2), sobretudo porque os desafios são muitos e as áreas de
desconhecimento também são freqüentes. Desafios como a ampliação da clínica, a
articulação entre individual e coletivo, a construção da integralidade da
atenção, do trabalho em equipes matriciais, por exemplo, estão postos
simultaneamente para as escolas e para o sistema de saúde. E deverão ser
enfrentados conjuntamente no processo de transformação do processo de formação
e das práticas de saúde.
O momento atual exige convite e orientação à reflexão, mas, sobretudo, à ação!
E esse convite não está claramente expresso no artigo.