O ensino de enfermagem em tempos de mudança
CURRÍCULOS DE ENFERMAGEM - HISTÓRIA
O ensino de enfermagem em tempos de mudança
The teaching of nursing in times of change
La enseñanza de enfermería en tiempos de cambio
Raimunda Medeiros Germano
Professora do Departamento de Enfermagem da UFRN, E-mail:wgermano@digi.com.br
Falo de uma reforma que leve em conta nossa aptidão para organizar o
conhecimento - ou seja, pensar. Edgar Morin(1).
O ensino de enfermagem no Brasil data dos anos 20, do século passado,
precisamente 1923, quando se institui, na cidade do Rio de Janeiro, a primeira
Escola de Enfermeiros do Departamento Nacional de Saúde Pública (DNSP), anexa
ao Hospital Geral de Assistência daquele departamento, hoje Escola Ana Néri. É
importante ressaltar que, na ocasião, foi decisiva a contribuição de Carlos
Chagas, diretor do referido Departamento, pois, recorreu à Fundação Rockefeller
(EUA) e contou com sua colaboração, tendo recebido nove enfermeiras americanas
que, além de fundarem a Escola, estruturaram o serviço de enfermagem de saúde
pública naquela cidade. Vale lembrar que uma crise decorrente das epidemias e
endemias ameaçava a população, bem como a economia brasileira, movida nas
primeiras décadas do século XX pelo setor agrário-exportador cafeeiro, que,
dessa forma, dependia do saneamento dos portos, para continuidade de suas
transações comerciais.
Não temos o propósito de nos determos no ensino de enfermagem desse período,
pois são muitos os trabalhos publicados sobre o tema; no entanto, faremos uma
breve retrospectiva histórica, situando apenas as principais mudanças ocorridas
nesse ensino, ao longo desses oitenta anos. Nosso esforço de análise se
centrará, neste texto, sobretudo, nas duas últimas décadas (80/90), por sua
significação nos rumos da enfermagem, na atualidade.
Assim sendo, de volta ao passado, devemos registrar que, em 1949, tivemos a
primeira mudança no currículo de enfermagem, por força do decreto nº 27.426 de
14 de novembro de 1949. Essa reforma se inclui nos desdobramentos de lei nº 775
de 06 de agosto de 1949 do Governo Federal, que dispõe sobre o ensino de
enfermagem no país e determina, outrossim, outras prerrogativas no que se
refere ao nível de escolaridade dos candidatos para o ingresso no curso. Fica
estabelecido, por exemplo, que, por um período de sete anos, as escolas
poderiam continuar recebendo candidatos portadores de certificados de curso
ginasial ou equivalente; esse prazo se prorroga mais uma vez, e somente em
1961, quando por força da lei n° 2.995/56 que o havia prorrogado por mais cinco
anos, as escolas passaram a exigir, de seus candidatos, o curso secundário
completo, o que equivale, hoje, a ter cursado o nível médio.
Ainda nessas primeiras décadas, alguns feitos foram e continuam sendo marcantes
no ensino de enfermagem e, por isso mesmo, devem ser registrados. Assim, merece
destaque a criação da Associação Nacional de Enfermeiras Diplomadas (ANED),
atual ABEN, no ano de 1926, por iniciativa das ex-alunas da primeira turma da
Escola Ana Néri. A mesma entidade, ao participar, em 1929, do Congresso do
Conselho Internacional de Enfermeiros em Montreal - Canadá, foi incentivada,
pelos promotores do evento, a criar uma revista, pela importância que concediam
a um veículo de comunicação para o desenvolvimento da profissão. Com esse
propósito, o grupo brasileiro - Edith Magalhães Fraenkel, Zaíra Cintra Vidal e
Rachel Haddock Lobo - envidou todo o esforço nessa função e, em maio de 1932,
foi impresso nas oficinas gráficas do Jornal do Brasil, no Rio de Janeiro, seu
primeiro número, intitulado, Anais de Enfermagem. Por ocasião do VII Congresso
Nacional de Enfermagem - como era denominado - realizado na cidade de São
Paulo, em Assembléia Geral de 16 de agosto de 1954, foi proposto e votado por
unanimidade na mudança do nome daquele periódico para Revista Brasileira de
Enfermagem, mantendo até o momento presente a mesma denominação. A importância
da ABEn e de sua revista na direção da enfermagem brasileira e de seu ensino é
indiscutível e muitos estudos realizados confirmam essa afirmação(2-5).
Além da reforma curricular de 1949, outras reformas ocorreram no ensino de
enfermagem, as quais comentaremos a seguir. Todavia, devemos ressaltar que, nos
anos 40 e 50, o mundo hospitalar passa por um processo de transformação em suas
práticas, em decorrência do desenvolvimento técnico-científico e da utilização
de equipamentos modernos e sofisticados para a época. A inserção do modelo
capitalista de produção, no setor saúde, se fez cada vez mais presente,
passando a criar novas necessidades e exigências em relação aos trabalhadores
da área da saúde. Na enfermagem, por exemplo, o ensino profissional de nível
médio teve seu primeiro curso criado em 1936, na Escola Carlos Chagas, em Belo
Horizonte, MG, passando os novos profissionais - auxiliares de enfermagem - a
substituir os práticos de enfermagem e atendentes que predominavam nos
hospitais. Os dois níveis de ensino entram em processo de expansão por todas as
regiões do país e o setor hospitalar se destaca como aquele que mais emprega os
egressos dos cursos.
A área preventiva, antes enfatizada, cede lugar a um modelo curativo que
concentra nas clínicas e hospitais o maior número de profissionais. Por outro
lado, sem maior resistência, o ensino de enfermagem adapta-se a nova ordem e a
próxima reforma curricular, ocorrida em 1962, com a aprovação do parecer 271/
62, do Conselho Federal de Educação, privilegia, sobremaneira,a área curativa.
Essa tendência se acentua e, dez anos depois, o Parecer n° 163/72 e a Resolução
4/72 apenas reafirmam essa orientação. O preâmbulo do referido Parecer conclama
os enfermeiros a dominar, cada vez mais, as "técnicas avançadas em
saúde", em razão da evolução científica. Não defendemos aqui o retrocesso
da ciência, nem tampouco desconhecemos que o mercado aponta tendências que
terminam por influir na formação dos profissionais mas, por outro lado, não há
registro de crítica a essa realidade. Como sabemos, até a saúde pública foi
dispensada nesses currículos e, se ela não pode ser considerada uma panacéia,
parece esdrúxulo desconsiderá-la, em um país cujos índices de morbi-mortalidade
são muito elevados, há presença de doenças infecto-contagiosas, carenciais,
parasitárias, morte por causas externas, violência, entre outros problemas.
No transcorrer desse período, anos 70, registra-se um acentuado processo de
privatização e especialização excessivas, em virtude da monopolização da
economia, transformando os serviços de saúde, de certa maneira, em mercadorias
que, pelo seu alto preço, passam a ser consumidas por aquela parcela da
população de maior poder aquisitivo, no caso a minoria. Isso repercute nas
práticas de saúde e na formação de seus profissionais.
A repressão política que se instala a partir de 1964, decorrente do golpe de
Estado que implantou uma ditadura militar no país, conduzia o ensino para uma
visão meramente tecnicista da saúde, dificultando a compreensão do processo
saúde/doença como determinante social, além de concorrer para aumentar o
descompasso entre o que se privilegiava nesse ensino e as necessidades de saúde
da maioria da população brasileira. O modelo biologicista, individualista,
voltado para o hospital, pontificava nesse contexto e o ensino se pautava em
uma vertente muito autoritária, dificultando o debate dentro de uma visão
crítica da realidade social do país e das políticas de saúde adotadas pelo
governo brasileiro no período.
Porém, naturalmente, essa situação não se perpetua, pois, ainda na década de
70, o Plano Decenal de Saúde para as Américas (1972) e alguns eventos
internacionais, como a IV Reunião especial de Ministros de Saúde das Américas -
Washington (1977), a Conferência Internacional de Alma Ata - ex - URSS (1978),
entre outras iniciativas, vêm reforçar a organização de alguns grupos de
estudos e debates já existentes, como o Centro Brasileiro de Estudos em Saúde
(CEBES), criado em 1976, a Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde
Coletiva (ABRASCO), em 1979, além de outros fóruns que começam a despontar com
vistas a contribuir, criticamente, com a discussão no campo da saúde, dando
início aos primeiros debates em direção à Reforma Sanitária. E oportuno
lembrar, apenas a título de exemplificação, que o slogan Saúde para todos no
ano 2000, como meta universalista, ganha uma nova dimensão, pós-Alma Ata, em
virtude da projeção dessa Conferência e de suas recomendações, particularmente
na América Latina, onde, diante das precárias condições de vida e saúde de suas
populações, agravava, a cada dia, a crise do setor saúde que vai se tornando
impotente para responder à maioria de suas demandas, mesmo aquelas ditas de
menor complexidade.
Face a essa realidade ocorre uma intensificação dos debates, em consonância com
o processo de redemocratização do país, fortalecendo, assim, o Movimento da
Reforma Sanitária, que, na década seguinte, 80, se fortalece com a adesão de
novos atores sociais. Devemos reconhecer que esse Movimento, entre tantas
idéias defendidas, ressaltava a importância da formação de recursos humanos
como meta prioritária e imprescindível para se pensar e fazer saúde em uma
outra perspectiva, diferente, portanto, do modelo elitista e discriminador que
pontificava na área da saúde. Trata de imprimir uma nova compreensão ao
processo saúde/doença, buscando entendê-lo em sua estreita relação com as
condições de vida e trabalho da população. O novo contexto propicia o
crescimento de uma produção teórica, na área da saúde, com a participação
marcante de alguns cientistas sociais, que contribuíram para uma visão ampliada
do conceito de saúde e das conseqüências deste no ensino e na direção da
prática profissional.
Esse debate não foi assimilado, necessariamente, com a mesma intensidade, por
todos os cursos da saúde, mas na enfermagem ele fez eco, pois se incorpora à
pauta de uma discussão que já vinha se processando nas escolas e entidades da
categoria, em parte, motivada pelo Movimento Participação - MP
1
. Contudo, embora de forma tímida, a enfermagem dos anos 80 divergia,
substancialmente, de outros momentos anteriores, quer na direção de sua
produção intelectual, quer na organização de seus profissionais. A conjuntura
política desse período, marcada pela abertura política do regime militar e
agravada pela crise econômica que tornava extremamente vulnerável a estrutura
de proteção social, aumentando os problemas já existentes, favorece, por outro
lado, o fortalecimento de forças oposicionistas, nas quais a enfermagem se
incorpora, através das suas entidades representativas.
É importante salientar que, internamente, na segunda metade da década de 80,a
enfermagem brasileira enfrenta um embate entre o grupo tido como conservador e
o chamado grupo progressista. Este último, sob a égide do MP, ganha a direção
da Associação Brasileira de Enfermagem (ABEn), precisamente em 1987, e, de
alguma forma, passa a integrar as lutas existentes em prol de uma maior
democratização da saúde e da educação.
Não é demais relembrar, mais uma vez, a força que teve a VIII Conferência
Nacional de Saúde, realizada em Brasília, em 1986, como marco significativo na
concepção do Sistema único de Saúde (SUS), proposto na Reforma Sanitária
Brasileira. E uma de suas prerrogativas diz respeito, justamente, à importância
que deve ser concedida à política de formação de recursos humanos para o setor.
A ABEn, reconhecida como a mais importante instância de sustentação na condução
estratégica da formação e qualificação da força de trabalho em enfermagem, para
a consolidação do SUS, propunha integrar os seus três níveis de ensino (médio,
graduação e pós-graduação) com o mundo do trabalho(6).
Por isso mesmo, a ABEn, através de sua Comissão de Educação, abraça a causa do
ensino e envida todos os esforços no sentido de mobilizar docentes, discentes,
profissionais dos serviços, grandes e pequenas escolas, com vistas a consolidar
a construção de um projeto educacional em curso. Para isso promove seminários
nacionais, regionais, oficinas de trabalho, fóruns de debate, incentivando, de
todas as formas, a participação de seus atores nesse processo de construção
coletiva. Sobre esse aspecto diverge das experiência anteriores vivenciadas no
ensino de enfermagem, quando as reformas se davam pelo alto, pelas instâncias
hierárquicas da profissão.
Portanto, construir coletivamente um projeto político pedagógico constitui uma
experiência nova e desafiadora para a enfermagem brasileira. Por essa razão,
demandou um longo período de debates e embates na definição das bases teórico-
filosóficas que lhe dão suporte, na dimensão metodológica a ser adotada, na
própria resistência de grande parte dos atores envolvidos, enfim, na descoberta
de estratégias para sua operacionalização, face às estruturas arcaicas de
muitos cursos e universidades.
Não pretendemos aqui polemizar sobre as divergências que se fizeram presentes
no transcorrer de todo esse período de discussão, para a construção de um
projeto político pedagógico para a enfermagem. Preferimos afirmar que, apesar
da existência de tendências diferentes nesse processo - uma mais técnica -,
privilegiando a definição do perfil e competência do enfermeiro - outra mais
política -, discutindo a enfermagem como prática social, defendendo uma
proposta curricular pautada na problematização da realidade, mesmo assim, não
são necessariamente excludentes. E, por outro lado, é preciso reconhecer que o
processo de elaboração em si, mobilizando um enorme contingente de
profissionais e estudantes envolvidos com a causa política da educação, contém
ganhos que não se materializam de forma completa e definitiva, apenas com a
definição de uma Portaria. Representam sempre mais e abrem perspectivas de
experiências criativas para o ensino e para a prática profissional, resultante
da troca de saberes e de riqueza das discussões.
Portanto, a proposta, ora vigente, foi aprovada conforme o Parecer 314/94 do
CFE, homologado pela Portaria n° 1.721 no Ministério da Educação e do Desporto,
em 15 de dezembro do mesmo ano.
Vale ressaltar que a ABEn manteve-se vigilante no acompanhamento de todo o
processo, desde 1991, quando ocorreu sua formalização protocolar, junto ao
referido Ministério, como forma de assegurar as conquistas nele contida. Isso
não significa dizer que as mesmas tenham sido asseguradas, pois, entre as áreas
temáticas, definidas para o curso de enfermagem, a área de ensino foi
suprimida. A justificativa de que seria dos cursos ou faculdades de educação,
embora possa parecer plausível, trouxe dificuldades à enfermagem, pela
importância dessa competência pedagógica para a profissionalização dos
trabalhadores de nível médio, principalmente nos dias atuais, com o Programa de
Profissionalização dos Trabalhadores da Área da Saúde - Enfermagem (PROFAE).
Este Programa, para sua operacionalização, instituiu, em caráter emergencial,
um curso de especialização para enfermeiros, na área pedagógica, na modalidade
de "ensino a distância", pois são esses profissionais os instrutores
nos cursos de profissionalização dos trabalhadores na área de enfermagem.
Essa referência à lacuna deixada pela subtração da área de ensino, entre as
áreas temáticas do curso, diz respeito não somente à carência da formação
pedagógica para a inserção do enfermeiro no processo de profissionalização,
mas, igualmente, pela importância da dimensão educativa de seu trabalho, em
qualquer que seja o campo de atuação.
De todo modo, apesar de algumas perdas na proposta definida pela Portaria
Ministerial n. 1.721/94, já citada, os ganhos são incomensuráveis. Em primeiro
lugar, resultou de um amplo processo de discussão na formulação da proposta,
envolvendo docentes, estudantes, enfermeiros e demais segmentos interessados no
tema. E, nesse sentido, se distancia diametralmente das reformas curriculares
anteriores. Em segundo lugar, o fato de ter sido construída coletivamente gerou
uma expectativa e um compromisso entre seus atores, no sentido de acompanhar
todos os desdobramentos de um projeto político pedagógico assim concebido. Isso
implica, naturalmente, avaliá-lo em todas as suas dimensões.
Portanto, fazendo jus a esse propósito, tem sido destinado em todos os eventos
da categoria, particularmente aqueles que têm a chancela da ABEn, um
considerável espaço ao ensino, a fim de propiciar o debate, análise, avaliação
e troca de experiências entre os interessados e responsáveis pela educação na
área de enfermagem. E mais do que isso, pois, a partir de 1994 foram criados os
Seminários Nacionais de Diretrizes para a Educação em Enfermagem no Brasil -
SENADEns, um fórum para tratar esse fim específico. O primeiro destes aconteceu
na cidade do Rio de Janeiro, em 1994; outros se sucederam, embora sem muita
regularidade, por razões adversas. O último desses seminários, precisamente o
sexto, foi realizado em Teresina/PI, em junho de 2002.
Torna-se importante assinalar que esses eventos têm representado o espaço por
excelência para consolidação e, ao mesmo tempo, avaliação dos projetos
político-pedagógicos dos cursos de enfermagem de todo o Brasil, em virtude de
congregar um grande número de pessoas comprometidas com a educação. Outrossim,
vem possibilitando a interlocução mantida com os fóruns de escolas,
coordenadores de cursos, entidades, entre outros segmentos. Portanto, faz-se
necessário reconhecer a importância desse momento para o crescimento
intelectual e político da profissão, embora com isso não queiramos afirmar ser
um processo tranqüilo, sem conflitos e contradições.
A aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), Lei nº 9.394/96,
por exemplo, gerou novas polêmicas no interior da enfermagem, tanto é assim que
o III SENADEn (1998) foi realizado com o fim precípuo de discutir as diretrizes
para o ensino de enfermagem, no contexto da LDB. Todavia, a ABEn já havia se
antecipado na promoção do debate em torno das Diretrizes Curriculares porquanto
o tema educação foi, desde a primeira hora, e continua sendo a principal
bandeira da entidade, haja vista que naquela ocasião, 1998, os cursos de
graduação já trabalhavam no sentido de consolidar seus projetos político-
pedagógicos.
Passado o calor da polêmica, a experiência vem demonstrando não existir uma
incompatibilidade entre o que preconizava os princípios defendidos pela
enfermagem brasileira, sob a coordenação da Associação Brasileira de Enfermagem
e as Diretrizes Curriculares. No nosso entender, a construção de um projeto
político-pedagógico, da forma como esta se processa, envolvendo tantos atores e
tantas discussões, é muito maior que as referidas diretrizes. Naturalmente,
estas não devem ser desconsideradas, mas nenhum projeto pedagógico deve ficar
restrito a elas.
Um aspecto comum entre ambos, e de maior significação, diz respeito à
flexibilização do currículo, e, nesse sentido, é preciso ousar propondo e
construindo experiências acadêmicas criativas e inovadoras. As diretrizes, como
o próprio nome sugere, representam apenas um norte; o fazer pedagógico tem uma
dimensão maior e, portanto, asas para um vôo mais alto.
Mas, mesmo pensando as diretrizes, devemos reconhecer a existência de um marco
estruturante importante na construção desse novo paradigma para a educação na
área de saúde e na enfermagem em particular. Trata-se da relação educação/
trabalho, por elas preconizada, uma idéia, há muito, perseguida por todos
aqueles que acreditavam e acreditam na política do SUS e, por isso mesmo, lutam
pela efetivação de seus princípios, pois, como sabemos, o SUS que temos ainda
não é o que queremos e isso tem desdobramentos para o ensino. Basta lembrar a
falta de resolutividade para muitos dos problemas de saúde identificados nos
serviços e na comunidade. No entanto, algumas iniciativas devem ser
registradas, particularmente, no que se refere à atenção básica à saúde, como a
Estratégia de Saúde da Família, ainda denominado, por alguns, Programa de Saúde
da Família (PSF).
Por outro lado, a institucionalização dessa parceria educação/trabalho, em uma
referência aos serviços de saúde, termina por contribuir para sustentação
dessas mesmas diretrizes. Um outro aspecto que merece referência diz respeito
ao ensino por competência, comentários à parte, privilegia o pensar
criticamente a realidade da saúde, com vistas a transformá-la. E assim sendo,
ressalta a importância de uma proposta metodológica de ensino que trabalhe na
perspectiva do paradigma ação-reflexão-ação.
Ao apontar essas dimensões, queremos enfatizar os ganhos decorrentes de todo
esse esforço de discussão, na proposição de um projeto político pedagógico para
a enfermagem brasileira, mais centrado na realidade social e, sobretudo, mais
flexível. Essa flexibilidade deve ser enfatizada por possibilitar uma maior
interlocução entre as áreas temáticas que compõem o corpo de conhecimento do
curso, propiciando o diálogo entre os saberes, conforme sugerem os grandes
pensadores de educação, como Paulo Freire, Edgar Morin, Humberto Maturana,
entre outros. Além disso, representa um incentivo à criação de estratégias
inovadoras, tanto no ensino de sala de aula, quanto nas atividades práticas.
É importante assinalar que a própria designação, grade curricular,
anteriormente utilizada, nos remete à idéia de prisão, inflexibilidade, dureza,
rigidez; incompatíveis, portanto, com o sentido conferido ao ato de educar.
Termina por contribuir para a formação de uma cultura pedagógica que se associa
mais ao aprisionamento que a autonomia intelectual, a emancipação política.
Contudo, a constatação desse crescimento, reconhecido pela grande maioria dos
atores envolvidos no processo educativo, não significa afirmar que ele
transcorrerá e se desenvolverá sem dificuldades. É preciso lembrar que a
estrutura universitária é por demais arcaica e tradicional e o ensino na área
da saúde sempre se pautou por uma vertente muito conservadora. Essa afirmação
não tem o intuito de provocar desestímulo, em qualquer que seja o ator desse
processo, mas, antes, alertá-lo para a busca constante de estratégias que
possam vencer barreiras institucionais, por vezes, engessadas e difíceis de
serem transpostas. Além disso, em grande medida, essas barreiras povoam também
nossas próprias cabeças, levando-nos ao imobilismo ou mesmo a uma atitude de
rejeição diante da perspectiva de qualquer mudança.
Esse é um grande desafio, entre tantos outros que se interpõem quando fazemos a
pergunta: O que queremos com a educação? Para que um novo projeto político
pedagógico? No dizer de Maturana(7), temos que antes perguntar: Que país
queremos? Isso implica em enfrentar, por exemplo, o dilema entre preparar o
aluno para competir no mercado profissional e contribuir para mudar uma ordem
político-cultural geradora de excessivas desigualdades, que trazem pobreza e
sofrimento material e espiritual.
Na área da saúde, essas contradições, embora visíveis, não são devidamente
consideradas; a própria fragmentação do saber, presente tanto no ensino como na
prática profissional, termina por ocultar a realidade e fragmentar o próprio
homem.
Por isso, é preciso sermos vigilantes, pois, a excelência técnica não deve ser
divorciada da relevância social das ações de saúde e do próprio ensino. E
ainda, conforme adverte Morin(7:82), ao referir-se a dupla função da
Universidade: "adaptar-se à modernidade científica e integrá-la; responder
às necessidades fundamentais de formação, mas também, e, sobretudo, fornecer um
ensino metaprofissional, metatécnico, isto é, uma cultura".
Daí a importância de refletir sempre, de cultivar a construção de uma cultura
ética, quer na saúde, quer na educação, ou em qualquer outra área. Com isso
queremos enfatizar a força de um projeto político pedagógico que, como
processo, se enriquece a cada nova discussão e cria estratégias de intervenção
na realidade, na direção da mudança.