Curso de enfermagem da Universidade Estadual do Ceará: a história e o projeto
político-pedagógico atual
DIRETRIZES CURRICULARES - IMPLEMENTAÇÃO E AVALIAÇÃO - RELATOS DE EXPERIÊNCIA
DAS DCN
Curso de enfermagem da Universidade Estadual do Ceará - a história e o projeto
político-pedagógico atual
Nursing program at State University of Ceará - its history and current
political-pedagogical project
Curso de Enfermeria de la Universidad Estadual de Ceará - La historia y el
Proyecto Político-Pedagógico actual
Maria Célia de FreitasI; Maria Vilani Cavalcante GuedesII;Lúcia de Fatima da
SilvaIII
IEnfermeira, Doutoranda em Enfermagem Fundamental da Universidade de São Paulo
- Ribeirão Preto. Docente da Universidade Estadual do Ceará. Enfermeira do
Instituto Dr. Frota
IIEnfermeira, Livre Docente da Universidade Estadual do Ceará. Doutoranda em
Enfermagem da Universidade Federal do Ceará, Docente da Universidade Estadual
do Ceará
IIIEnfermeira, Doutora em Enfermagem, Docente da Universidade Estadual do
Ceará, Enfermeira do Hospital de Messejana, E-mail: luciadefatima.ce@uol.com.br
1 A história do Curso de Enfermagem da UECE
A Universidade Estadual do Ceará (UECE), criada em 1975, é mantida pelo governo
do Estado, por meio da Fundação Universidade Estadual do Ceará (FUNECE). É uma
instituição multicampi que ministra cursos de graduação, nas modalidades
bacharelado e licenciatura, e cursos de pós-graduação lato sensu (capital e
interior), além de programa de pós-graduação stricto sensu na capital.
Dentre os cursos da área da saúde que a UECE desenvolve, o de Enfermagem
destaca-se por ser o primeiro do Estado, comemorando em 2003, 60 anos. Trata-se
da primeira Escola de Enfermagem do Nordeste, criada em 15 de fevereiro de
1943, com a denominação de Escola de Enfermagem São Vicente de Paulo. O
reconhecimento institucional ocorreu em 26 de outubro de 1946.
Esta Escola, em 21 de janeiro de 1956, tornou-se uma unidade agregada à
Universidade Federal do Ceará (UFC). Em 1975, incorporou-se à Fundação
Educacional do Ceará (FUNEDUCE), como curso de Enfermagem do Centro de Ciências
da Saúde da UECE(1).
Na sua trajetória, o Curso de Enfermagem da UECE tem procurado atender às
recomendações do Conselho Federal de Educação para o ensino superior no Brasil
e, em especial, para o ensino de Enfermagem.
Nos últimos anos, têm ocorrido reformas, ajustes no fluxograma de disciplinas e
carga horária, com o intuito de atender aos preceitos legais e propiciar
formação profissional consonante com as políticas públicas de educação e saúde
do Brasil.
Por exemplo, em 1982, foi preciso realizar adequações devido à proposta
curricular para a Enfermagem, que procurava reordenar, acrescentar e retirar
disciplinas das áreas das ciências biológicas e da saúde; humanas e sociais. Na
ocasião, inseriu-se a monografia como pré-requisito parcial para a conclusão do
curso.
Em outra ocasião, no ano de 1988, foram procedidas mudanças, entretanto,
nenhuma estrutural, com vistas a incluir as disciplinas da licenciatura no
currículo do curso, transformando-o concomitantemente, em bacharelado e
licenciatura em Enfermagem. No entanto, para atender à resolução do Ministério
de Educação e Cultura (MEC), iniciou-se a revisão do currículo e a elaboração
do PPP(1).
O currículo vigente, desde 1997, é disciplinar, composto de 31 disciplinas
obrigatórias e 10 optativas complementares, distribuídas em nove semestres
letivos. Firma um total de 4.200 horas-aulas, sendo 3.300 destinadas a aulas
teóricas, teórico-práticas e ensino prático supervisionado das disciplinas das
áreas temáticas e 900 horas destinadas ao estágio curricular supervisionado,
nos dois últimos semestres. Este estágio é desenvolvido na rede hospitalar,
ambulatorial e básica da saúde comunitária.
Atento às mudanças da atualidade, exigências das Diretrizes Curriculares
Nacionais dos Cursos de Graduação em Enfermagem e Lei das Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDB) que no inciso I do artigo 12, determina que os
estabelecimentos de ensino terão a responsabilidade de elaborar e executar sua
proposta pedagógica. O nosso curso encontra-se em processo de construção e
reconstrução do PPP com reuniões, oficinas pedagógicas, dialógicas e
avaliativas para refletir as ações dos professores no processo ensino-
aprendizagem, possibilitando repensar o papel no cotidiano da educação. O
colegiado considera que o sucesso na implementação do PPP depende, em grande
parte, do comprometimento dos sujeitos envolvidos no processo.
Neste curso, compreende-se PPP como uma forma de explicitar os objetivos do
curso e orientar as estratégias a serem utilizadas. Mais do que um documento a
ser arquivado, o PPP deve ser um instrumento de integração, de coordenação das
ações dos diversos sujeitos envolvidos no processo educativo(2).
2 O curso e os corpos docente e discente
Hoje, 40 professores compõem o Colegiado do Curso de Enfermagem da UECE. Eles
são, na maioria, enfermeiros (37); os demais são médicos (3). Além destes
docentes, ministram conteúdos relativos às ciências biológicas e da saúde,
assim como, das ciências humanas e sociais, outros 18 professores não
pertencentes à estrutura de Colegiado do Curso, que pertencem aos demais
colegiados dos cursos da área das Ciências da Saúde.
Do total de professores que pertencem ao colegiado do Curso de Enfermagem da
UECE, 10 são doutores, 2 livre-docentes, 26 mestres e 2 especialistas. Dos
mestres, 4 encontram-se realizando cursos de doutoramento. Merece destacar que
31 professores pertencem ao corpo docente permanente da UECE (9 na modalidade
dedicação exclusiva, 1 na de 20 horas semanais e os demais na de 40 horas
semanais) e 9 são contratados temporariamente, por meio da modalidade professor
substituto. Os docentes são distribuídos nas atividades de ensino teórico,
teórico-prático e estágios supervisionados do Curso de Graduação.
O corpo discente é constituído por 412 alunos distribuídos nos 9 semestres da
grade curricular do curso. Estes alunos são admitidos por meio de processo
seletivo com entrada semestral de 35 vagas. Além destes ingressos, quando da
existência de vagas, admitem-se também alunos advindos de transferências de
outras universidades e graduados. Ressalte-se que os graduados têm formação em
áreas como Fisioterapia, Medicina Veterinária, Farmácia, Psicologia, Terapia
Ocupacional, Odontologia e Fonoaudiologia.
Aos alunos são oferecidas vagas de bolsista de pesquisa na qualidade iniciação
científica, seja da Universidade, seja do Programa Interinstitucional de Bolsas
de Iniciação Científica (PIBIC) do CNPq e Fundação Cearense de Apoio ao
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FUNCAP). Eles também dispõem de 12
vagas do Programa Especial de Treinamento (PET) do MEC. Além disso, a UECE lhes
oferece bolsas de extensão, na modalidade bolsa de trabalho.
3 Projeto Político-Pedagógico: análise documental
O PPP representa os anseios de educadores e educandos de um curso, voltados
para o contexto e necessidades de elaborar estratégias que fundamentem e
orientem ações interdisciplinares, tendo como predomínio o interesse de
autonomia profissional para agir e interagir, segundo a realidade e demanda da
população. Tem como base teorias pedagógicas que consideram a interação entre o
curso e o contexto geral em que se insere e traz em sua concepção um
compromisso, definido no coletivo.
Um projeto educativo pode ser tomado como promessa frente a determinadas
rupturas. As promessas tornam visíveis os campos de ação possível,
comprometendo seus atores autores(3). Para seus professores e alunos o PPP do
Curso de Enfermagem da UECE é um constante desafio à construção e à
reconstrução.
As primeiras intenções explicitadas, demonstradas na proposta atual, permitem
identificar que este adota como parâmetros a LDB da Educação Nacional, nº 9394/
96, as recomendações dos Seminário Nacional de Diretrizes para a Educação em
Enfermagem no Brasil (SENADEn), Lei do Exercício Profissional, a Carta de
Florianópolis (documento construído durante a reunião nacional de cursos de
enfermagem, ocorrida por ocasião do 51º Congresso Brasileiro de Enfermagem,
1999) e as Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Graduação em
Enfermagem, aprovado em agosto de 2001, do Conselho Nacional de Educação/Câmara
de Educação Superior.
O PPP destaca como missão, formar enfermeiros com compreensão científica,
técnica, política e ética, capazes de intervir no processo saúde-doença do ser
humano, numa perspectiva crítico-transformadora voltada para o cuidar, o
educar, gerenciar e pesquisar, caracterizando interesses técnicos, práticos e
emancipatórios. As ações desses profissionais devem se interrelacionar com os
demais trabalhadores da saúde, nos diferentes níveis de complexidade dos
serviços do Sistema Único de Saúde (SUS), tanto na instituição hospitalar,
quanto ambulatorial, comunidade e familiar(1).
A proposta apresenta os marcos filosófico e conceitual, expressando a
compreensão geral de crenças e valores, bem como, os conceitos de sociedade,
saúde, homem, enfermagem, enfermeiro, assistir em enfermagem, prática educativa
de enfermagem, processo saúde-doença, educador e educando.
4 Os marcos teóricos do projeto político-pedagógico
O marco é uma fronteira, limite daquilo que se pretende desenvolver ou realizar
no âmbito do conhecimento e da ação. No que se refere à Enfermagem, é
necessário que, através do marco, se possam identificar os significados
favoráveis às buscas da profissão e ao processo de formar enfermeiros para o
presente e o futuro(4).
Na proposta do projeto pedagógico estão ressaltados os marcos filosófico,
conceitual e estrutural. As concepções filosóficas representam crenças e
valores da comunidade envolvida na proposição e desenvolvimento do PPP, os
pressupostos ou princípios éticos-filosóficos que orientam a caminhada e re-
direcionam os rumos da profissão. Em relação ao conceitual, este se refere aos
fundamentos teóricos, conceitos construídos por seus propositores e/ou
estabelecidos por pensadores, tanto da área da profissão como outra, desde que
mantida a correlação com os demais marcos(4) .
O conjunto de definições e conceitos interrelacionados, que representam o marco
conceitual do PPP, focaliza o homem, o enfermeiro, educador, educando,
enfermagem, processo saúde-doença, prática educativa, assistir em enfermagem,
sociedade. Tais conceitos representam o compromisso do curso e do projeto com a
formação de profissionais competentes para desenvolver sua práxis segundo o
contexto vivido.
Em relação ao marco estrutural, estão incluídas a composição e organização
curricular, com seus requisitos e pré-requisitos, sua distribuição no tempo
conforme normalização a ser obrigatoriamente seguida, definições de ementas,
elaboração dos planos de ensino de disciplinas, o planejamento, a implementação
de estratégias com novos olhares em direção ao processo ensino-aprendizagem,
bem como a avaliação, formativa e somativa.
5 Perfil do enfermeiro da UECE
O Curso de Enfermagem da UECE pretende formar profissionais que desenvolvam a
práxis comprometidos com as necessidades de saúde da população, revelando em
seu desempenho competência, autonomia, iniciativa, ética, racionalidade crítica
e reflexiva para solucionar os problemas oriundos do trabalho na equipe
multidisciplinar, e em especial da profissão.
O curso forma enfermeiro bacharel generalista, com perfil crítico e reflexivo,
capaz de avaliar o ser humano em suas fases de desenvolvimento, ou cursos de
vida, e no processo saúde-doença, intervindo segundo suas peculiaridades, no
perfil epidemiológico nacional, nas políticas sociais e de saúde, articulando
com as práticas de enfermagem, reconhecendo as dimensões biopsicossociais e
seus determinantes, identificando e compreendendo os fenômenos de enfermagem,
intervindo e avaliando os resultados, com autonomia e competência(1).
Nesse sentido, o perfil do profissional competente, destaca-se como aquele
capaz de atuar em múltiplas áreas, compreendendo a natureza humana nas
diferentes expressões e fases evolutivas, utilizar a ciência/arte de cuidar
como instrumento de interpretação que garanta a qualidade do cuidado e da
assistência; trabalhar em equipe; identificar as necessidades individuais e
coletivas de saúde da população e seus determinantes; gerenciar o processo de
trabalho de enfermagem nos âmbitos de atuação profissional; organizar e dirigir
programas de qualificação contínua dos trabalhadores de enfermagem; participar
da administração da instituição em que atua; utilizar as novas tecnologias em
benefício do cuidar do indivíduo, família e coletividade; conhecer os deveres e
os dilemas éticos da profissão; desenvolver, aplicar e participar de pesquisas
e outras formas de produção de conhecimento que objetivem a qualificação
profissional e manter-se em contínuo processo de formação(1).
Compreende-se o profissional com perfil generalista aquele capaz de se inserir
no mercado de trabalho, realizando reflexão crítica, com compromisso
científico, ético, social, e político, diante da realidade sanitária,
intervindo sobre os problemas e situações de saúde e doença mais prevalentes,
enfatizando as dimensões biopsicossociais dos seus determinantes(5,6).
A construção de competências expressa nas Diretrizes Curriculares Nacionais,
depende do equilíbrio entre o trabalho isolado de seus diversos sujeitos e a
integração destes em situações de operacionalização de procedimentos. A
dificuldade didática está na gestão dialética, dessas duas abordagens. É
utopia, porém, acreditar que o aprendizado seqüencial de conhecimentos provoca
espontaneamente a integração operacional em competências(7).
Portanto, essa construção de conhecimentos deve ser pautada nos valores
socioculturais e nos pressupostos teórico-metodológicos voltados não apenas
para a qualificação e competência do profissional para ações de cuidar, mas
também, para a formação de profissionais comprometidos com o exercício do saber
do cotidiano de maneira crítica e participativa, com indivíduos, famílias e
comunidade.
Dessa forma, o PPP explicita os interesses citados, focalizando o processo
saúde-doença da população, na realidade voltada à assistência integral do
homem, na perspectiva clínica, epidemiológica e cultural. Este enfermeiro
deverá ser capaz de compreender a realidade de saúde da população e contribuir
para o desenvolvimento da profissão(1).
Percebeu-se na análise do PPP que sua proposta, identificada pela missão,
objetivos, currículo do curso, prioriza um compromisso com a construção de
conhecimentos fundamentados e interligados a interesses técnico, de consenso e
emancipatório, uma vez que tenta articular e valorizar a formação de
profissionais aptos a atuarem nos problemas de natureza específica e geral,
como resultado do saber sobre o processo saúde-doença da comunidade.
Essas dimensões da vida representada pelo interesse técnico envolvem a razão
instrumental e demonstra estratégias para guiar as ações e exercer o controle.
Inclui conhecimentos gerais e específicos valorizando a habilidade psicomotora
e o domínio de procedimentos técnicos, tais como, punção venosa, cateterismo,
sondagens, entre outros; pelo interesse de consenso, orientado pela
racionalidade centrada no entendimento.
O interesse de consenso privilegia a habilidade de interação, valoriza a
interdisciplinaridade no cotidiano da educação e posteriormente nas atividades
profissionais. Envolve a participação ativa de educadores e educandos de
ensino-aprendizagem e valoriza as experiências; e pelo interesse emancipatório,
que se preocupa em envolver o educando com a realidade social e política,
articulando conhecimentos que possibilitem desenvolver o pensamento crítico,
reflexivo e argumentativo. Fundamenta-se no conhecimento da realidade
populacional, política e social. O processo ensino-aprendizagem enfatiza
pensar, articulando conhecimentos e contextos da prática profissional.
Assim, é inegável a influência que o cenário sócio-político exerce sobre o
ensino, no âmbito das políticas educacionais e, na relação entre as pessoas
envolvidas especialmente no relacionamento entre professor e aluno; influência
esta que pode ser considerada fundamental em qualquer processo de formação.
6 Considerações Finais
A elaboração do PPP de um curso, apesar de se constituir em um processo
laborioso que requer disponibilidade e compromisso de docentes e discentes,
caracteriza-se como um instrumento que norteia todo processo ensino-
aprendizagem, permite a avaliação continuada e, por isso, contribui para a
garantia da qualidade da formação profissional.
O compromisso com a formação de enfermeiros competentes, cônscios das
responsabilidades inerentes ao saber-fazer, exige dos educadores acompanhamento
constante dos limites e possibilidades postos pelo contexto acadêmico,
profissional e social, ao longo do processo de formação, vislumbrando o
movimento dinâmico do curso da vida dos aprendizes do cuidado de pessoas,
levando-se em consideração o processo saúde-doença.
Assim, pensa-se que o PPP não deve ser elaborado visando apenas o espaço onde
se realiza o curso, a universidade, mas procurar implementar conteúdos que se
voltem a realidade local, do país para que o profissional formado possa
resgatar conhecimento que o permita exercer a práxis articulando os conceitos
postos no projeto.
Construir um PPP para os dias atuais exige atenção às mudanças na sociedade,
comunidade em que se referencia que permitem perceber a ação humana,
principalmente no tocante ao modelo de formação que se adota, a necessidade de
contrapor os conhecimentos adquiridos e o agir profissional, demandas e
expectativas de desenvolvimento do setor saúde, em determinadas situações-
problemas do cotidiano favorecendo o exercício da autonomia profissional.
Portanto, o PPP vai além de um simples documento para cumprir as exigências
burocráticas. Ele deve ser construído para ser vivenciado em todos os momentos,
por todos os envolvidos com o processo de formação do curso e instituição e
deve ser expresso pelos interesses orientadores da construção do conhecimento
que deve se preocupar com a realidade local e todo país.