A pesquisa na graduação em enfermagem: requisito para conclusão do curso
DIRETRIZES CURRICULARES - IMPLEMENTAÇÃO E AVALIAÇÃO - RELATOS DE EXPERIÊNCIA
DAS DCN
A pesquisa na graduação em enfermagem: requisito para conclusão do curso
Reseach at the nursing undergraduate level: a requirement for graduation
La investigación en la graduación en enfermería: requisito para concluir el
curso
Maria Silvana Totti HeydenI; Zélia Marilda Rodrigues ResckI; Clícia Valim
Côrtes GradimII
IEnfermeira, Mestre, Professora Adjunta do Curso de Enfermagem do Centro
Universitário Federal de Alfenas-MG/ Ceufe, Doutoranda do Programa
Interunidades da EERP-USP
IIProfessora Adjunta do Curso de Enfermagem Centro Universitário Federal de
Alfenas - MG
IIIProfessora Adjunta do Curso de Enfermagem do Centro Universitário Federal de
Alfenas- MG, Doutoranda do Programa Interunidades da EERP-USP, E-mail:
cliciaqval@int.efoa.br
1 Introdução
O contexto sócio-político cultural influenciou reformas significativas no
ensino da enfermagem especialmente, a Lei nº 1721/94 que regulamenta as
propostas para a implantação de um novo currículo e a Lei de Diretrizes e Bases
para Educação/96 que determinam mudanças curriculares importantes baseando-se
na realidade do mercado de trabalho.
A obrigatoriedade da pesquisa incentiva o aluno a utilizar a metodologia
científica como ferramenta para resolução dos problemas, permitindo o
desenvolvimento da criatividade e a continuidade dos estudos.
Dentre as propostas de mudança curricular, a implantação do Trabalho de
Conclusão de Curso (TCC) é uma das modificações que devem ser implementadas em
todos os cursos de graduação de enfermagem. Em consonância com as modificações
propostas pela a legislação o Curso de Enfermagem do Centro Universitário
Federal de Alfenas-MG - CEUFE, implanta o novo currículo em 1996, tendo o TCC
como um dos requisitos para a formação do aluno de graduação.
O TCC tem como finalidade introduzir o aluno à pesquisa, fazendo-o utilizar a
metodologia científica para detectar, conhecer, resolver situações e propor
ações que necessitam da intervenção da enfermagem, além de incentivá-lo a
prosseguir com sua formação acadêmica. O conhecimento científico proporciona
uma base especialmente sólida, sendo que as enfermeiras que embasam suas
decisões administrativas e clínicas em informações cientificamente documentadas
são responsáveis de uma maneira profissional por seus pacientes, além de
estarem auxiliando a enfermagem a atingir sua própria identidade profissional
(1).
O relatório final do 5º Seminário Nacional de Diretrizes em Ennfermagem(2)
declara que o TCC deve expressar as características do processo ensino-
aprendizagem, a história cultural da instituição que normatizará os propósitos
e objetivos, garantindo padrões de qualidade para a execução e avaliação do
mesmo.
O CEUFE, antiga Escola de Farmácia e Odontologia de Alfenas (Efoa) é uma
Autarquia Federal situada na mesorregião sul do estado de Minas Gerais. Dentre
os cursos oferecidos, o Curso de Graduação em Enfermagem iniciou suas
atividades em 1977, formando a primeira turma em 1979. Oferece 40 vagas anuais,
mas funciona com sistema semestral totalizando oito períodos; sendo que nos
sétimo e oitavo períodos desenvolvem-se o Estágio Curricular I e II e o TCC. O
corpo docente do ciclo profissionalizante é constituído por dezessete
professores e um enfermeiro.
O incentivo à pesquisa surgiu formalmente em 1991 através do Programa Especial
de Treinamento (PET) financiado pela Capes. Outras pesquisas que ocorriam eram
derivadas de projetos de extensão, que sempre foi uma área forte desta
Instituição de Ensino ou atividades isoladas de professores-pesquisadores.
O presente trabalho é um relato de experiência dos professores, envolvidos no
processo de implantação do TCC, do CEUFE e objetivando apresentar as diretrizes
de implantação do mesmo, apontando as facilidades, dificuldades e os resultados
destes quatro primeiros anos.
2 Resultados
Não é somente uma grade curricular e regulamentações que conseguem por em
prática a exigência do TCC, mas um processo contínuo, dinâmico, flexível às
reformulações e adequações. Considerando que a exigência do trabalho de
pesquisa como requisito para a conclusão de curso era previsto para 1999, a
Comissão de Estágio, que fazia o acompanhamento da implantação do novo
currículo, no ano anterior mobilizou os docentes solicitando o envolvimento e a
colaboração dos mesmos, para a construção conjunta desse processo.
Em assembléia departamental foi discutido o tipo de trabalho que seria exigido
e todos concordaram que o Método de Projeto seria o ideal. No entanto, tendo em
vista a situação em que se encontrava o curso, os campos de estágios
conveniados e o número reduzido de docentes, decidiu-se que o TCC poderia ser
uma monografia, trabalho de pesquisa de campo, relato de experiência ou estudo
de caso, seguindo a linha de pesquisa do orientador.
Quanto aos orientadores decidiu-se por limitá-los aos docentes do Departamento
de Enfermagem abrindo a co-orientação para a participação de enfermeiros de
campo, visando maior integração ensino-prática e a garantia de que os temas das
pesquisas fossem de interesse da Enfermagem. Decidiu-se também sobre a
titulação dos orientadores, sendo estabelecido como requisito à pós-graduação
com strito sensu ou cursando mestrado, visto que o departamento está em fase de
titulação de seus professores.
Estava se cumprindo uma das recomendações do 4º SENADEn(3) no seu relatório
final; que é manter a exigência da elaboração de monografia sob orientação
docente para a conclusão em enfermagem, defendendo que esta seja parte inerente
do processo político pedagógico do curso e, que ainda, a monografia represente
a consolidação desse processo de trabalho, ao mesmo tempo em que possibilite o
incremento da produção científica em enfermagem e conforme o hábito de
produzir, como também de consumir pesquisas.
A Comissão de Estágio elaborou normas para o TCC do Curso de Enfermagem, visto
que a Escola não tinha uma norma única, pois o Curso de Enfermagem foi o
primeiro a implantar a pesquisa como exigência para a graduação. A elaboração
das normas pela Comissão de Estágio foi baseada em França(4) e nas Normas para
Apresentação de Trabalhos Científicos da ABNT(5). As primeiras normas
elaboradas para apresentação do projeto e do trabalho final estabelecem regras
de digitação e formatação da capa, página de rosto e sobre a estrutura básica
do trabalho. É recomendada a importância da revisão gramatical e regulamenta-se
que o projeto deve ser encaminhado ao Comitê de Ética da Instituição onde será
realizada a pesquisa e a da escola. Anexar a declaração de aceite pelo Comitê
de Ética de ambas as Instituições, assim como, o modelo do termo de
consentimento do participante da pesquisa e o instrumento e outros anexos que
se fizerem necessários. Assim o projeto deveria ter capa, folha de rosto,
sumário, introdução, justificativa, objetivos, metodologia, o cronograma de
atividades, referências bibliográficas, o instrumento e o modelo de
consentimento. Os alunos e seus respectivos orientadores receberam um manual,
no início do sétimo período, com as normas e critérios para análise do TCC.
Adotamos o seguinte protocolo: 1- apresentação do projeto no início do 7º
período; 2- análise pela Comissão de Estágio; 3- devolução aos autores com
sugestões de alteração; 4- encaminhamento ao Comitê de Ética com as
autorizações das instituições envolvidas, quando fosse o caso; 5-
desenvolvimento da pesquisa, 6- solicitação de constituição de banca
examinadora a partir do mês de setembro; 7- análise do trabalho pela banca; 8-
realização das correções sugeridas; 9- apresentação oral pública do trabalho
obedecendo à data determinada pela Comissão de Estágio.
Os trabalhos foram distribuídos nas três grandes áreas da enfermagem: Materno-
Infantil, Médico Cirúrgica & Administração e Saúde Coletiva.
Neste primeiro momento, coube a Comissão de Estágio proceder a avaliação de
todos os projetos, fazer sugestões e autorizar o encaminhamento ao Comitê de
Ética.
Esse esquema adotado gerou críticas e divergências de opiniões entre docentes,
discentes e comissão, pois os membros desta, também pertenciam ao grupo de
orientadores. A referida comissão, para minimizar os conflitos, estabeleceu que
cada trabalho final fosse avaliado por uma Banca Examinadora e que a mesma
fosse constituída por quatro elementos, dois indicados pelo orientador, um pelo
aluno e um pela comissão. O trabalho final após avaliação pela banca seria
apresentado em público.
Com a criação de diversas bancas examinadoras houve sobrecarga entre os
docentes, segundo eles, pelo fato de participarem de mais de uma banca. Por
outro lado diminuiu a responsabilidade da Comissão de Estágio, mesmo tendo essa
que fazer indicação para um dos membros para a banca.
A proposta da participação dos alunos nas apresentações públicas dos trabalhos
com a finalidade de incentivá-los ao hábito de conhecer outras pesquisas,
estimular a análise crítica dos mesmos e a postura em público, acabou por não
ocorrer, pois os alunos neste momento só se preocupavam com o seu próprio
trabalho.
Apesar das dificuldades neste ano foram apresentados doze trabalhos de
conclusão de curso com a colaboração de doze professores orientadores.
Neste primeiro ano a Comissão de Estágio foi responsável por todo o processo de
implantação e acompanhamento do TCC, respondendo por todas atividades
administrativas, procurando preservar o espírito democrático no relacionamento
entre os docentes e resolvendo os problemas que surgiram. Foi um período de
muitas situações novas, de tomada de decisões e de muito estudo.
Essas situações nos levaram a reestruturar as atividades do TCC para o ano
2000, sendo que neste ano, as normas foram revistas e atualizadas conforme a
ABNT(6) para publicações científicas. Na tentativa de fazer o aluno participar
da apresentação de outros trabalhos, decidiu-se tornar obrigatório a
participação do aluno no mínimo 30% das apresentações orais. Elaboramos uma
ficha de avaliação individual do aluno a ser preenchida pelo docente
orientador, já que o TCC poderia ser feito em trios, o que levou uma
participação mais ativa de todos os elementos do grupo e estabelecemos uma
banca examinadora única para analisar o projeto e o trabalho final. Foram
constituídas três bancas, cada uma analisando seis trabalhos de áreas afins,
compostas por docentes ligados a área.
Assim todos os professores se envolveram nas atividades do TCC, não somente
como orientador, mas também como avaliador, motivando todos no processo ensino
e pesquisa e diminuindo a responsabilidade da Comissão de Estágio.
Após a aprovação do projeto, o trabalho passava para a responsabilidade dos
alunos e do orientador, sendo que à Comissão competia somente estabelecer as
bancas que iriam avaliar o trabalho final e marcar a sala para apresentação do
mesmo.
A exigência da apresentação ser aberta ao público e do aluno ter que assistir
30% dos trabalhos no mínimo aumentou o público e incentivou os acadêmicos a
melhorarem suas apresentações e posturas. Isso reflete claramente que a
pesquisa ao fazer parte do cotidiano do aluno sensibiliza-o e incentiva-o a
repensar sobre a aplicação da ciência na prática profissional.
No ano de 2000 foram apresentados quinze trabalhos e contamos com a colaboração
de treze professores como orientadores.
O ano de 2001, mesmo com as dificuldades causadas pelo movimento de greve dos
docentes, foi o ano que o processo ocorreu com menos problemas, com maior
envolvimento de docentes, discentes e parceiros. Nesse ano totalizamos dezoito
trabalhos de conclusão de curso e onze orientadores, pois dois professores
foram liberados para pós-graduação strito sensu - doutorado.
A mesma banca avaliou o projeto e o produto final, evitando-se muitos
conflitos, assim sendo, foi constituída uma banca para cada trabalho, não mais
adotando o sistema de uma banca avaliar vários trabalhos. As bancas foram
reduzidas para três elementos, um indicado pela Comissão de Estágio, dois pelos
autores e orientador, tendo a obrigatoriedade de pelo menos um deles ser
docente.
Os alunos já estavam mais estimulados a assistirem o trabalho de seus colegas e
verificamos uma freqüência bem maior nas apresentações finais, além do
percentual obrigatório.
Os atritos entre alunos e orientadores, orientadores e comissão foram
resolvidos com maior maturidade e o processo de aprender contínuo foi entendido
por todos.
A Comissão de Estágio esse ano somente coordenou os prazos, a entrega dos
trabalhos e das notas e encaminhou os resumos dos trabalhos à Revista da
própria Instituição para serem submetido à aprovação do conselho editorial para
serem publicados.
Em 2002, após três anos de coordenação do TCC a Comissão de Estágio solicita ao
departamento a formação de uma comissão exclusiva para os assuntos referentes
ao mesmo. Cria-se então a Comissão do Trabalho de Conclusão de Curso que se
baseando nas normas já existentes continua o processo.
No ano de 2002 os trabalhos da Comissão transcorreram sem transtornos. Foi
adotado o Manual de Normas para elaboração do TCC criado a partir das normas já
existentes.
Optou-se por limitar o número de alunos por grupo para o máximo de dois, por
constatarmos que em grupos de três ou quatro alunos, a incidência de discórdia
era maior. Limitamos o número de trabalhos por docente para dois, visando o
envolvimento de todos os docentes em orientação.
Neste ano surgem os primeiros trabalhos na linha qualitativa, visto a formação
de alguns professores nesta modalidade de pesquisa com boa aceitação por parte
dos alunos.
Mesmo estando todo ano fazendo pequenas alterações nas normas para melhor
funcionamento do TCC, no período de 1999 a 2002 apresentamos 60 trabalhos.
A implantação do Trabalho de Conclusão de Curso na Enfermagem da Ceufe/Efoa tem
proporcionado novas experiências a cada ano e apesar das dificuldades e
problemas que surgiram, nos ensina que a pesquisa é possível de acontecer e que
os alunos têm interesse em realizá-la.
Apesar das dificuldades para a de implantação do TCC podemos considerar como
pontos positivos:
- Incentivo aos docentes e discentes a desenvolverem trabalho em equipe,
melhorando a relação entre os mesmos.
- Melhora no relacionamento multi e interprofissional, aumentando as parcerias
entre a Escola e os profissionais de serviço.
- Maior freqüência pelos discentes na utilização da sala de informática, a da
biblioteca e as consultas em periódicos, assim como a utilização dos sistemas
LILACS, MEDLINE e outros.
- Incentivo à participação de docentes e discentes em eventos regionais e
nacionais para apresentação de trabalhos de pesquisa desenvolvidos.
- Ampliação de assinaturas de periódicos em enfermagem e uso mais freqüente por
docentes e discentes destes.
- Preocupação em atualizar as bibliografias utilizadas em sala de aula por
parte dos docentes.
- Implementação do processo ensino-aprendizagem pela pesquisa.
- A Comissão de Estágio preocupada em qualificar os TCCs e divulgá-los vem
incentivando para que sejam apresentados em congressos e/ou publicados em
periódicos, o que já vêm acontecendo.
Entre as dificuldades enfrentadas na implantação do TCC pôde-se verificar:
- Dificuldades em estabelecer normas para apresentação de trabalhos
científicos, uma vez que a Escola não adota uma norma padronizada.
- Questionamentos quanto às normas de apresentação devido à diversidade na
formação dos docentes e a participação destes em programas de iniciação
científica, que têm suas próprias normas.
- Desentendimento dos autores entre si e com o orientador e vice-versa. Cabe
ressaltar em alguns casos a situação resolveu-se após reunião com a Comissão de
Estágio e em outros houve a necessidade de iniciar nova pesquisa com o aluno,
pois este que não conseguiu trabalhar com o grupo ou com o orientador.
- Certo grau de desconforto entre docentes orientadores e os constituintes de
bancas examinadoras.
- Dificuldades em conciliar horário de apresentação de trabalhos e as
atividades de estágio dos docentes.
3 Considerações finais
A implantação de algo novo é um desafio, principalmente quando se têm que
construir toda uma regulamentação iniciando-se do zero.
Dificuldades foram muitas, mas não se comparam com a vivência positiva dos
acertos, da aprendizagem contínua, do aprimoramento nas relações humanas, do
uso da técnica e da metodologia, compartilhando com os membros da equipe, com
os docentes e alunos.
Acreditamos que esse é um processo dinâmico em que o aprender a aprender está
presente diariamente tanto para os discentes como para os docentes.