Refletindo sobre o desafio da formação do profissional de saúde
Refletindo sobre o desafio da formação do profissional de saúde
Reflecting on the challenge to train health professionals
Reflexión sobre el desafío de la formación del profesional de la salud
Maria Alves BarbosaI; Virgínia Visconde BrasilII; Ana Luiza Lima SousaIII;
Estelamaris Tronco MonegoIV
IProfessor Titular e Diretora da Faculdade de Enfermagem da Universidade
Federal de Goiãs - UFG
II Professor Adjunto e Coordenadora do Curso de Graduação em Enfermagem da UFG
IIIProfessor Adjunto e Pró-reitora de Extensão e Cultura da UFG
IVProfessor Assistente da Faculdade de Nutrição da UFG. E-mail do autor:
malves@ih.com.br
1 Introdução
Pensar a formação do profissional de saúde nos remete a uma análise crítica da
trajetória e das correlações históricas entre o modelo de desenvolvimento
adotado, as demandas sociais e as pressões do mercado sobre os profissionais
que são formados pela academia.
Na área da saúde isso pode ser claramente identificado ao se comparar a prática
profissional percebida na assistência e normatizada pelas políticas públicas da
área e o modelo de formação presente hegemonicamente.
O distanciamento entre o saber e o saber torna-se mais evidente no momento em
que a instituição formadora apresenta à sociedade o profissional que passou
alguns anos em seus bancos, e que pretensamente teria findado seu papel.
Este profissional recebe uma formação e participa de um modelo de construção do
conhecimento instituído, que vai se descobrir anacrônico em relação à prática
de assistência existente além dos muros da academia.
A globalização, a transversalidade na formação e a educação profissional são
temas que devem estar na agenda diária das instituições formadoras, do seu
quadro docente e permear as políticas públicas na formação e na saúde.
Uma reflexão sobre esse assunto permite salíentar aspectos relevantes para a
formação profissional, objetivando contribuir com as díscussões que emergem das
propostas legais que desafiam as instituições formadoras a redirecionar e
questionar os marcos referenciais e conceituais de seus currículos, enquanto
espaços de construção e circulação de saberes, que possibilitem a
transversalidade do conhecimento.
2 Globalização
A globalização situa-se como elemento determinante deste processo, como uma
tentativa irreversível de diminuir a distância entre pessoas e culturas. É
aparente a construção de um novo modelo na forma de viver dos cidadãos em todo
o mundo, porém suas implicações, a cada dia, entranham outras ações e
acontecimentos na sociedade.
A raiz da fragmentação que se processa na educação, como de resto na sociedade,
está nos modelos de Ford e Taylor, que evidenciaram a divisão do trabalho como
facilitador do controle e dominação de trabalhadores, que executavam as mesmas
tarefas com pequenas variações(1). Na seqüência histórica surge mais tarde o
modelo da qualidade com f1exibilização dos mercados, da produção e do trabalho,
trazendo a competitividade, a exigência do trabalho em equipe e a autonomia
relativa do trabalhador e também apontando para uma fragmentação entre o pensar
e o fazer.
E isso é mais evidente quando se olha para as práticas profissionais e para as
novas exigências do mercado, criando a cada dia demandas diferentes. O
profissional recebe uma formação que não se compatibiliza com o que ele
encontra no mercado de trabalho. Esta nova realidade, que propõe aos cidadãos
um mundo globalizado, vem operando várias mudanças nas relações sociais. Porém,
do ponto de vista educativo a mais evidente é a impossibilidade de explicar a
realidade e seu dinamismo a partir dos conceitos e práticas até então
disseminados na escola.
Nesta perspectiva, a escola enquanto instituição formadora perdeu seu foco, uma
vez que o paradigma do ensino tradicional, mecanicista não dá conta de
apresentar alternativas de saber e fazer capazes de enfrentar esta realidade.
O salto qualitativo está na relação que se dá no processo de aprendizado. "Os
procedimentos incorporados ao conhecimento que são valorizados na prática da
sala de aula determinam e são determinados pelo tipo de educação pretendida
(2)", fazendo com que conteúdos percam sua história no afã dos professores de
se tornarem menos complexos e mais técnicos. É a racionalidade do pensamento
positivista se sobrepondo à realidade, com a preponderância absoluta da análise
do que é acessível aos sentidos.
A superação deste modelo está nas metodologias de ensino que privilegiam o
real, a partir de onde os significados são construídos e transformados
coletivamente. Neste caminho a evidência está no modelo da Pedagogia Baseada em
Problemas (PBL), que busca uma aproximação do conhecimento científico com o
cotidiano.
3 Interdisciplinaridade e transversalidade
A globalização do currículo aproxima-se da interdisciplinaridade, uma vez que o
saber e o fazer integrados permitem uma leitura mais reflexiva e crítica da
realidade, pela possibilidade de conexão da produção e transformação do
conhecimento!l). Esta possibilidade traz a mudança do foco do sujeito docente
para o discente, com este "construindo e exercitando sua autonomia ... ", re-
significando e articulando seu conhecimento a partir de uma `eitura própria e
dialogada com os colegas, e ao mesmo tempo mediada pelo professor(2).
As instituições formadoras dos profissionais que adentram ao mercado também
estão vivendo este momento de reformulação e de mudanças. Os profissionais
continuam sendo formados dentro de um modelo vertical, fragmentado e
compartimentado e saem para este mundo globalizado, onde o emprego formal está
desaparecendo e as exigências apontam para um profissional com formação plural
e que, sempre, saiba trabalhar de modo transversal, em todas as direções.
A transversalidade é a
representação do conjunto de valores, atitudes e comportamentos mais
importantes que precisam ser ensinados. É símbolo de inovação, de
abertura da escola à sociedade, sendo inclusive, às vezes, utilizada
como paradigma da atual reforma educativa(3).
Sua ênfase está nos aspectos sociais da prática educativa, onde o ideal dá
lugar ao possível e onde conhecimentos, habilidades e atitudes do aluno são
mesclados por meio do fio condutor que liga uma disciplina às outras e todas ao
cotidiano vivenciado, objeto da ação profissional.
Dessa forma abre-se a possibilidade da renovação pedagógica, trazendo à luz da
discussão as insuficiências do sistema de ensino em vigor. Porém, está sujeita
a vários equívocos quando reduzida a normas, unidades didáticas isoladas,
relacionada a eventos temáticos ou ainda a um conjunto de temas que não mantêm
relação entre si.
Ora, a transversalidade deve necessariamente remeter à globalização do
currículo, seja nas suas dimeFlsões éticomorais, no planejamento sistêmico e
na possibilidade histórica de fazer frente à fragmentação do saber(4).
Romper com a compartimentalização do saber, impregnar-se da vida cotidiana sem
renunciar aos requisitos teóricos, contextualizar as relações interpessoais,
potencializando valores, conceitos, procedimentos e atitudes são os
pressupostos que ancoram a transversalidade como fio estruturador e condutor da
aprendizagem.
No processo pedagógico de formação profissional, a ponte entre a formação
teórico-cientifica realizada intramuros e a realidade do meio, do mercado, é
fundamental. O impacto de transição da vida acadêmica para a atividade
profissional poderia ser diminuído por meio de experiências de trabalho
integrado, crítico, participante e transversal entre as diversas áreas do
saber, desde o momento da formação de cada profissão. Uma experiência banhada
de realidade, em situação concreta, daquilo que será exigido na vida
profissional(5). Ou seja, trabalhar de modo transversal e interdisciplinar,
reintegrando conhecimentos.
A interdisciplinaridade e a transversalidade são abordagens cujas diferenças
"ainda não estão definitivamente estabelecidas [ ... ] é certo que para ambas é
possível utilizar a perspectiva metadisciplinar, com o uma ferramenta [ ... ] a
partir da qual se possa organizar o currículo escolar"(2). Esta perspectiva
abre possibilidades de rompimento com a fragmentação do saber e a construção de
uma nova perspectiva de ensino, calcado na modificação da relação professor e
aluno, saber e fazer, real e conceitual.
Prosseguindo neste raciocínio, podemos afirmar que ambas se contrapõem ao
conhecimento Iivresco e acabado que se distancia da realidade e suas
contradições. E, mesmo sendo complementares na prática pedagógica, cabe à
interdisciplinaridade o questionamento da segmentação dos campos do
conhecimento que leva a uma visão compartimentada do saber, onde a escola e o
ensino nos seus diferentes níveis historicamente se apóiam. Já a
transversalidade traz a possibilidade de estabelecer uma relação entre o
aprendizado dos conhecimentos teoricamente sistematizados e as questões da vida
real. O profissional em formação precisa sentir-se comprometido com seu meio,
pois realiza sua formação nesse meio, a partir dele e para ele.
O compromisso social é construído na medida que o educando exercita seu
potencial criador e alia o pensar e o fazer em um processo dialético, crítico
(5).
4 Educação profissional
A discussão dessas questões não é nova. Elas têm sido colocadas no borbulhar de
reflexões de três movimentos sociais ocorridos nos anos 80 e 90, que orientaram
a atual mudança no ensino de graduação do país. Foram eles o movimento
sanitário (na saúde), o Movimento Participação com o projeto político-
pedagógico de enfermagem (na enfermagem) e a mudança das diretrizes e bases da
educação nacional (na educação)(6).
Em 2001 o Conselho Nacional de Educação instituiu as Diretrizes Curriculares
Nacionais para os Cursos de Graduação, definindo os princípios, fundamentos,
condições e procedimentos da formação dos profissionais brasileiros, para a
organização, desenvolvimento e avaliação dos projetos pedagógicos de cada curso
(7).
Essas diretrizes estimulam as Instituições de Ensino Superior a superar as
práticas vigentes derivadas da rigidez dos currículos mínimos, com carga
horária elevada e excesso de disciplinas com pré-requisitos, e também a superar
os cursos estruturados mais na visão profissional corporativa que nas
perspectivas de atentarem para o contexto científicohistórico do conhecimento
e atendimento às demandas existentes da sociedade(8).
As diretrizes estimulam também uma mudança de foco, a partir de uma reflexão e
construção coletiva nas instituições formadoras, direcionando o olhar para uma
nova forma de construção do saber e do fazer.
São propostas referências para a formação profissional, sustentadas no atual
sistema de saúde do país que é presidido pelos princípios da universalidade,
eqüidade e equanimidade, indicando a necessidade de formar enfermeiros que "
[... ] contribuam, de forma efetiva, para implantação e/ou aprimoramento de uma
proposta de atenção à saúde mais justa, mais igualitária e de melhor qualidade"
(9).
É necessário que os profissionais se comprometam com o estudo e o investimento
de estratégias na busca de soluções para os problemas da sociedade,
responsabilizandose por transformações em seu ambiente de trabalho.
O desenvolvimento de competências para o trabalho em enfermagem seja ele qual
for, constitui-se num desafio para as escolas, pois se busca enfermeiros
capazes de ver a realidade, fazer o diagnóstico da situação, distinguir
prioridades e intervir com competência(10).
Independente da avaliação que se faça da Resolução no. 3 CNE/CES(7), é
necessário lembrar que as alterações da grade curricular, apesar de já
reiteradas como ineficazes, ainda são uma prática constante em vários lugares
do país e ainda que as instituições adotem no papel as diretrizes curriculares,
é necessário o envolvimento e o entrosamento do grupo de formadores, para que
haja coerência e adequação entre o que se propõe, o que se faz e a forma como é
feito, tendo claro as razões do que se faz e para que se faz. Do contrário
estaremos apenas maquiando com nova roupagem algo já pronto e estabelecido,
pela conveniência da manutenção do velho ao invés da incômoda insegurança dos
caminhos a que levarão o novo.
5 Considerações finais
Enfim, a proposta interdisciplinar aponta para uma tentativa de globalização, e
a transversalidade aponta para o reconhecimento de que é possível transitar
pela multiplicidade das áreas do conhecimento, estabelecendo inúmeras conexões,
que ensinem o profissional a pensar o conhecimento como forma de estar no páreo
da concorrência do mercado de trabalho.