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BrBRCVHe0034-71672003000500023

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National varietyBr
Country of publicationBR
SchoolLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN0034-7167
Year2003
Issue0005
Article number00023

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Um relato de experiência de quem vivencia a reforma psiquiátrica no Brasil Um relato de experiência de quem vivencia a reforma psiquiátrica no Brasil

Report on the experience of an individual involved in the psychiatric care reform in Brazil

Un relato de experiencia hecho por quien vive la reforma psiquiatrica en Brasil

Maria Luisa Rietra MarzanoI; Célia Antunes C. de SousaII IEnfermeira, mestranda do Curso de Pós-graduação da Escola de Enfermagem Alfredo Pinto da Universidade do Rio de Janeiro (UNIRIO) IIEnfermeira, doutora em enfermagem, docente do Programa de Pós-graduação da UNIRIO. E-mail do autor: emarzano@uol.com.br

1 Introdução Este estudo é resultado de um trabalho final realizado na disciplina de Políticas de Saúde, ministrada no curso de Mestrado da Escola de Enfermagem Alfredo Pinto da Universidade do Rio de Janeiro (UNIRIO), com o objetivo de relatar nossa experiência de trabalho na atenção psicossocial, a qual estivemos envolvidas nos últimos 4 anos, abordando as estratégias do Ministério da Saúde direcionadas para a reestruturação da atenção à saúde mental no Brasil.

Atualmente, estamos presenciando uma notável transformação na assistência ao portador de transtorno mental, concretizada a partir da Conferência Regional da Atenção Psiquiátrica na América Latina, realizada em Caracas em 1990(1). A partir de então, iniciou-se uma grande produção teórica no campo da saúde mental, a criação das leis de reforma psiquiátrica e a proliferação de novas modalidades assistenciais, como Centros de Atenção Psicossociais (CAPS), Núcleos de Atenção Psicossociais (NAPS), residências terapêuticas, hospitais- dia, dentre outros.

Amarantel(2) refere que a Organização Mundial da Saúde (OMS) aspira a uma integração dos modelos de serviços de saúde mental, direcionados para a prevenção e focalizado na participação ativa da comunidade. Considera que algumas intervenções objetivas são necessárias para efetivar este processo - construção sólida de rede ampliada de atenção ao portador de sofrimento psíquico, a municipalização das ações de saúde, reduzindo o risco de uma fragmentação dos serviços e a implicação dos familiares e da comunidade na atenção a esta pessoa.

1.1 Implicação da Lei nO 10216/01 na realidade do Brasil Em entrevista concedida ao Jornal Tribuna de Minas(3) em 17/04/2001, o deputado federal Paulo Delgado abordou as mudanças implicadas na saúde mental com a nova legislação. Refere que a lei vai transferir recursos da internação para o sistema aberto de assistência. Relata que o SUS tem um gasto anual em internações psiquiátricas, de aproximadamente R$ 450 milhões, e ressalta que até aquela data, cerca de 95% do orçamento para a saúde mental era dirigido para o modelo manicomial, ou seja, hospitalar. Reforça, na entrevista, que o tratamento aberto será uma regra, enquanto a internação será a exceção; que a lei é progressiva, e sua aplicação não será imediata devido ao risco de colapso no sistema, podendo demorar até 5 anos; e que as altas serão planejadas e executadas de forma responsável.

Diz ainda que resistências à lei consistem em resistência cultural. Reforça que as pessoas terão que aprender a conviver com os portadores de transtorno mental e a dsenvolver um olhar diferente sobre estes. Outro tipo de resistência que pode acontecer são as possíveis sabotagens dos hospitais, dando altas para pacientes e abandonando-os.

O deputado enfatiza a importância da transferência dos recursos do Ministério da Saúde (MS) para as secretarias municipais de saúde (SMS), para que haja estimulação da criação de serviços abertos para o atendimento ao portador de sofrimento psíquico. Finaliza dizendo que a partir da transfência de recursos, vai-se conseguir dar ao usuário uma maior perspectiva de integração com a sociedade, onde este poderá trabalhar, desenvolver suas características pessoais. tornando uma pessoa estável e conhecedora da sua doença.

2 Desenvolvimento 2.1 Breve história da psiquiatria no Brasil Anteriormente ao processo da reforma psiquiátrica no Brasil, a assistência psiquiátrica reduzia-se ao asilamento e exclusão social.

O Estado intervém na assistência à loucura a partir do momento em que a Família Real chega no Brasil, no início do século XIX(4).

Nesta época, a psiquiatria desenvolveu-se com a função de cooperar com a reorganização do espaço urbano, saneando a cidade do Rio de Janeiro e Iibertando-a da presença dos "loucos" que viviam pelas ruas e que perturbavam a ordem social(5).

Em 1830, segundo essa mesma autora, um grupo de médicos, criadores da Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro, protestou contra o tratamento desumano ao qual eram submetidos os "loucos" e pediram a construção de um hospício. Até então, essas pessoas viviam nas ruas, ou aprisionadas em porões das Santas Casas.

Neste período, D. Pedro 11, imperador do Brasil, ordenou a construção do Hospício Pedro 11, que começou a funcionar em 1852 sob intervenção da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro. Somente em 1890, o hospício é desvinculado da Santa Casa e passa a denominar-se Hospício Nacional de Alienados, ficando subordinado à administração pública(5).

Ainda em 1890, foi criada a Assistência Médico-legal aos alienados, cujo diretor geral da instituição, Dr. João Carlos Teixeira Brandão, estabeleceu algumas modificações, como por exemplo, a "criação de seção masculina, cuja vigilância ficou sob a responsabilidade dos `guardas' e `enfermeiros' " e também "dispensou as irmãs de caridade [ ... ] até então responsáveis pelo serviço de Enfermagem e pela administração interna do Hospício"; essa atitude levou-as a abandonar o hospício, pois "sentiram-se diminuídas em sua autoridade"(5).

Com a saída das irmãs de caridade, houve uma crise gigantesca no hospício, que levou alguns anos para ser solucionada. No mesmo ano de 1890, diante da ausência de pessoal para cuidar dos "loucos", foi criada a Escola Profissional de Enfermeiros e Enfermeiras (em 1942 esta escola passa a denominar-se `Escola de Enfermagem Alfredo Pinto'), com a justificativa de suprir a falta de pessoal e também "resolver o problema das pessoas de sexo feminino, com dificuldade de profissionalização"(584l . A Escola foi beneficiada pelas orientações de enfermeiras vindas da França e "era mantida à sombra das injunções do Hospital Nacional de Alienados, o qual funcionava em condições precárias"(3).

Apesar da Escola Profissional de Enfermeiros e Enfermeiras passar por períodos difíceis e sofrer influências da psiquiatria, beneficiou-se da autonomia desta, no que diz respeito ao importante aumento do número de instituições destinadas aos `loucos'(5).

Foram criadas as colônias de São Bento e de Conde de Mesquita, na atual Ilha do Governador, colônia de Vargem Alegre, no estado do Rio de Janeiro, e colônia de Juqueri, em São Paulo, todas inspiradas em experiência européias, que tinham como idéia principal a formação de uma comunidade onde os `loucos' podiam conviver fraternalmente(4).

Até 1920, houve uma ampliação do espaço asilar e mais espaços são criados: a Colônia de Alienadas do Engenho de Dentro, a Colônia de Alienados de Jacarepaguá e o Manicômio Judiciário. Todo processo de criação das colônias foi iniciado por dr. Teixeira Brandão, que tinha como assessor e sucessor Juliano Moreira, que buscou a legitimação jurídico-política da psiquiatria no Brasil, concretizada com a Lei nO 1132, de dezembro de 1903. Juliano Moreira passou a ser conhecido como o Mestre da Psiquiatria Brasileira e o seu ensino teve um significado importante na descoberta da etiologia das doenças mentais(4).

Na década de 30, a psiquiatria torna-se mais poderosa e o asilamento mais frequente. Após a Segunda Guerra Mundial, na década de 40, surgiram experiências locais variadas, destacando-se as comunidades terapêuticas, a psicoterapia institucional, a antipsiquiatria, entre outras, mas todas à margem das propostas e dos investimentos públicos, o que resultou no seu insucesso(4).

Em 1952, surgiram os primeiros neurolépticos, aos quais os psiquiatras passaram a fazer amplo uso, com o objetivo de reduzirem a excitação, a agitação, as alucinações e os delirios dos ditos `loucos'(6). Os neurolépticos muitas vezes eram utilizados como meios de repressão e de violência, contribuindo para tornar os enfermos `mais dóceis' e a internação mais tolerável(4).

Na década de 60, foi criado o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), e "o Estado passa a comprar serviços psiquiátricos do setor privado e, ao ser privatizada grande parte da economia, o Estado concilia no setor saúde pressões sociais com o interesse de lucro por parte dos empresários". O portador de transtorno mental tornou-se, portanto, um objeto de lucro(4).

No início dos anos 80, a Previdência Social entrou em crise institucional e financeira, sendo implantado, então, um processo de co-gestão entre os Ministérios da Saúde e da Previdência Social. Foram criados o Conselho Nacional de Administração da Saúde Previdenciária (CONASP), responsável pela proposta de uma plano de reorientação da assistência psiquiátrica, os Sistemas Unificados e Descentralizados de Saúde (SUDS), e posteriormente, em 1990, o Sistema Unificado de Saúde (SUS), cujas diretrizes estão presentes na Constituição de 1988, ainda em vigor(4).

A partir daí, desencadeia-se no Brasil uma ampla discussão sobre os rumos e diretrizes da saúde, embasadas em propostas avançadas de reforma sanitária, e também da assistência à saúde mental.

2.2 Início do movimento da reforma psiquiátrica no Brasil No Brasil, o início do movimento da reforma psiquiátrica contou com o envolvimento de diversas instituições, entidades, movimentos e militâncias para a formulação de políticas de saúde mental.

A trajetória da reforma psiquátrica [ ... ] tem início na segunda metade dos anos 80 e se insere num contexto político de grande importância para a sociedade brasileira.

É um período marcado por muitos eventos e acontecimentos importantes, onde destacam­se a realização da VIII Conferência Nacional de Saúde e da I Conferência Nacional de Saúde Mental, o 11 Congresso Nacional·de Trabalhadores de Saúde Mental, também conhecido como o `Congresso de Bauru', a criação do primeiro Centro de Atenção Psicossocial (São Paulo), e do primeiro Núcleo de Atenção Psicossocial (Santos), a Associação Loucos pela Vida (Juqueri), a apresentação do Projeto de Lei 3.657/89, de autoria do deputado Paulo Delgado, ou `Projeto Paulo Delgado', como ficou conhecido, e a realização da 11 Conferência Nacional de Saúde Mental(3).

Nesta época era consenso entre trabalhadores da área de saúde, prestadores de serviços e do Governo que a assistência psiquiátrica no Brasil era de péssima qualidade. Este consenso devia-se à inúmeras denúncias de maus-tratos a que os loucos eram submetidos no interior dos hospitais psiquiátricos, única alternativa de assistência oferecida até então.

Em 1980 o Ministério da Saúde (MS) redige as Diretrizes para a área de Saúde Mental,que preconizavam a substituição do modelo assistencial vigente por um modelo mais avançado, englobando um entendimento e uma abordagem holistica do transtorno mental, dando importância à integração da rede de saúde com as ações de saúde mental, a importância da criação de novas modalidades assistenciais, a participação da sociedade na discussão das propostas, entre outras. Estas diretrizes vieram orientar as políticas de saúde mental em vigor(7).

A Declaração de Caracas(1) recomendou aos países participantes a viabilização para a implantação de um modelo assistencial centrado na comunidade, com diminuição progressiva da internação psiquiátrica, resguardando a dignidade e os direitos humanos às pessoas portadoras de transtorno mental em seu meio comunitário. De acordo com esta Declaração, os hospitais psiquiátricos impedem que estas recomendações sejam concretizadas ao isolar a pessoa do seu meio, criando condições desfavoráveis que ferem seus direitos humanos e civis, e requerindo a maior parte dos recursos humanos e financeiros destinados aos serviços de saúde mental(8).

Foram criados os Programas de Saúde Mental para a implantação do novo modelo assistencial extra-hospitalar: centros e núcleos de atenção psicossocial, hospitais-dia, hospitais-noite, ambulatórios e residências terapêuticas. A Portaria 224/92, regulamentou o funcionamento dos serviços de saúde mental, tendo como diretriz os princípios do SUS, a diversidade e a garantia de ações terapêuticas nos vários níveis assistenciais, o atend imento realizado por uma equipe multiprofissional, a participação social na formulação e controle das políticas de saúde mental, as normas para a diversidade dos atendimentos e assistência nesta área(8).

Também em 1992, realiza-se em Brasilia a 11 Conferência Nacional de Saúde Mental, visando uma reorientação mais ampla da assistência à saúde mental. Esta conferência foi marcante na história da psiquiatria brasileira e inaugurou um novo espaço para a saúde mental no âmbito das políticas públicas(9).

Em 1999 a Secretaria de Politicas de Saúde, do Ministério da Saúde, através do documento Por uma política de saúde mental,determinou medidas para garantir a implantação e o funcionamento efetivo da política ministerial: a garantia do fornecimento de psicofármacos básicos para a rede ambulatorial, o suporte para os centros de atenção psicossociais do pais, a elaboração de projetos para a criação de residências terapêuticas e para o funcionamento dos CAPS e NAPS por 24 horas, além da capacitação dos profissionais implicados nesta proposta de assistência(7).

De acordo com o Relatório Final da 11 a Conferência Nacional de Saúde, no que refere-se à Saúde Mental, um entendimento de que a reforma psiquiátrica brasileira tem mostrado, na prática, a possibilidade de fazer psiquiatria sem necessidade de violência, de exclusão e de negação(10).

Em 06 de abril de 2001 é aprovada a Lei da Reforma Psiquiátrica, cujo projeto original é de autoria do deputado Paulo Delgado, que "após ter tramitado por doze anos no Congresso Nacional e no Senado, coroa o processo de luta pela transformação da assistência psiquiátrica no pais"(7), influenciando também na elaboração de legislações tanto estaduais quanto municipais.

Neste mesmo ano, a Organização Mundial da Saúde (OMS) elegeu a Saúde Mental como tema de trabalho a partir do lema: "Cuidar, sim; excluir, não". Este lema também foi título da 111 Conferência de Saúde Mental, realizada em dezembro de 2001 em Brasília - DF. Segundo o Relatório Final desta Conferência, foram elaboradas propostas e estratégias visando a efetivação e consolidação do modelo de atenção em saúde mental, totalmente substitutivo ao manicomial(11).

Percebe-se, assim, que os serviços substitutivos a cada dia rompem com a estrutura manicomial, pois infelizmente, segundo o Relatório Final da 111 Conferência Nacional de Saúde Mental, o modelo manicomial ainda predomina e essa desconstrução é uma tarefa e um exercício cotidiano(11).

2.3 Breve relato de experiência O trabalho que desenvolvemos como enfermeiras em saúde mental iniciou-se quando, em 1998, participamos, juntamente com uma equipe multiprofissional, da implantação de um CAPS na Zona da Mata do estado de Minas Gerais. Esta implantação foi possível através da assinatura de um contrato entre a Prefeitura Municipal e uma cooperativa de profissionais em saúde mental. A proposta imediata da equipe era garantir a manutenção da pessoa portadora de sofrimento mental no tratamento e sua inserção na família, no trabalho e na comunidade, embasada nas diretrizes da Portaria 224/92(8),que determinam, entre outras, a organização do CAPS. Segundo esta Portaria, a assistência ao usuário consiste nas seguintes atividades: Atendimento individual (medicamentoso, psicoterápico, de orientação, entre outros); Atendimento em grupos (psicoterapia, grupo operativo, oficinas terapêuticas, atividades socioterápicas, entre outras); Visitas domiciliares; Atendimento à família; Atividades comunitárias enfocando a integração do usuário na comunidade e sua inserção social.

Estas atividades assistenciais foram sendo criadas aos poucos, através de inúmeras discussões, reuniões e supervisões realizadas entre a equipe multiprofissional.

A partir de janeiro de 1999, começamos a funcionar como "porta de entrada" para toda microrregião do município, a qual abrangia 23 municípios, com uma população total de 250 mil habitantes. Vale destacar que a Portaria 224/928 (8)preconiza que o CAPS pode constituir-se também como "porta de entrada" da rede de serviços para as ações relativas à saúde mental, considerando sua característica de unidade de saúde local e regionalizada.

Como consequência, houve um aumento da demanda, o que obrígou-nos a repensar estratégias para viabilizar a assistência ao usuário numa rede ampliada de saúde mental. Ao longo do tempo, criamos várias alternativas para atender a demanda, reordenando a proposta inicial. Tais alternativas de atendimento compõem uma rede de assistência multifacetada: trabalha-se com a proposta do CAPS, com ambulatório de saúde mental, com atendimento à urgência psiquiátrica, com visita domiciliar, com acompanhamento da internação-noite e internação psiquiátrica, efetiva-se parceria com os Programas de Saúde da Família (PSF) e, finalmente, trabalha-se com centro de convivência.

Sendo o primeiro serviço da região a desenvolver um projeto para toda a rede de saúde mental, foi provocador de mudanças expressivas: as internações prolongadas referenciadas para outro município mineiro, a 124 quilômetros de distância, tiveram uma significativa queda. Antes da implantação do serviço, o número de encaminhamentos por mês, apenas deste município e microrregião, ultrapassava 40. Em dezembro de 2001, quando encerrei meu trabalho nesta unidade, esse número atingia a média de apenas 3 encaminhamentos por mês.

Anteriormente, não havia nenhum controle sobre estas internações e o suporte extra-hospitalar, muitas vezes, funcionava como campo de triagem para novas internações, que com certa frequência eram desnecessárias.

Também foram implantados 5 leitos-noite, como retaguarda, em um hospital clínico estadual, o que possibilitou­nos evitar internações em hospitais psiquiátricos. A internação psiquiátrica era utilizada como último recurso, quando outras formas e possibilidades terapêuticas estavam esgotadas. Nesta fase, a equipe multiprofissional desenvolvia um trabalho de acompanhamento da pessoa durante todo o periodo de internação, preparando-a para a alta e para a continuidade do tratamento, paralelamente ao atendimento de sua família.

Neste momento do tratamento do portador de sofrimento psíquico, ou seja, no período póc;-alta, é imprescindível uma intervenção maciça da equipe multiprofissional. A cooperação da política local e da comunidade, a existência de modalidades assistenciais que dêem conta de suas carências, associados à possibilidade de oferecer serviços para acolhê-Io são também condições necessárias para o sucesso da sua reinserção.

A equipe atuante no serviço tinha como estratégias de tratamento do usuário as seguintes intervenções: a) relacionadas ao usuário: a partir do momento em que o usuário comparecia ao CAPS e apresentava um quadro de sofrimento psíquico, um membro da equipe elaborava uma proposta de atendimento, que consistia numa ação voltada para a individualidade daquela pessoa, englobando o contexto familiar, econômico- social, seu cotidiano, levando em conta a sua demanda, suas possibilidades e favorecendo sua autonomia.

b) relacionadas aos membros da equipe: tínhamos como atividades, entre outras, a elaboração e efetivação dos projetos de atendimento para cada usuário. Havia uma integração que possibilitava uma comunicação clara, uma discussão de casos e do funcionamento do trabalho, uma socialização dos conhecimentos e uma avaliação periódica realizada por um supervisor.

c) relacionadas à sociedade: pessoas da comunidade participavam na organização do centro de convivência (que era também integrado por usuários do CAPS), envolviam­se juntamente com a equipe na elaboração de eventos, como por exemplo festas juninas, festas de natal, etc, proporcionando uma maior integração e solidariedade.

A assistência em saúde mental, portanto, engloba inúmeros atores e serviços, rompendo os tradicionais modelos propostos pela abordagem biomédica e correlacionando-se com dimensões legislativas, sociais, econômicas, culturais e políticas.

Como enfermeiras atuando em saúde mental, pudemos vivenciar e perceber que essa assistência permitiu que aproximássemos mais do portador de transtono mental, como também dos outros profissionais da equipe.

3 Considerações finais Verificamos neste estudo que no Brasil o modelo assistencial ainda concentra-se no hospital psiquiátrico, sendo raras as modalidades intermediárias, serviços ambulatoriais e de reabilitação. Portanto, é preciso destacar que a equipe do Ministério da Saúde conseguiu concretizar propostas para a reforma, tendo amplo apoio da Organização Panamericana da Saúde (OPAS), de profissionais, da sociedade e de líderes culturais, políticos e sociais. Estes apoios consistiram em movimentos e manifestos, como o Encontro Nacional da Luta Antimanicomial, realizado em setembro de 1993, as portarias ministeriais que regulamentaram os serviços de saúde mental, dentre outros(12).

A dificuldade de implantação da política de reestruturação deve-se à inúmeros fatores: a) a proposta sofre forte influência do modelo estrangeiro, tornando- a muitas vezes, desapropriada à nossa realidade; b) não foram realizados estudos da demanda anteriores à implantação da reestruturação, o que resultou, muitas vezes, à não adequação da oferta às necessidades da população; c) a avaliação das ações teve um cunho meramente administrativo, onde foram utilizados indicadores inadequados para o monitoramento da conveniência dessas ações e do verdadeiro benefício recebido pela população alvo; d) o Brasil é atravessado por dificuldades econômicas e, consequentemente, redução de gastos com áreas sociais, em especial na saúde, havendo, portanto, poucos investimentos em formação profissional e em novos dispositivos de atenção à saúde mental(7).

Preocupações semelhantes são abordadas por Amarante(1) sobre o movimento da reforma psiquiátrica no Brasil, de forma que, mesmo diante de propostas revolucionárias ou utópicas, pragmáticas e normativas em alguns momentos, é cumpridor de um único papel no campo das transformações na assistência em saúde mental.

Portanto, é possível mudar este quadro, que no nosso entender pode ser efetuado a partir de novas diretrizes voltadas para a clientela, com ênfase na implicação e participação da comunidade, na melhoria do acesso à assistência, com garantia de sua continuidade e na integração de todos os serviços, além da criação de dispositivos de reabilitação psicossocial.


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