Criatividade no ensino de enfermagem - enfoque triádico: professor, aluno,
currículo
Criatividade no ensino de enfermagem - enfoque triádico: professor, aluno,
currículo1
Creativity in nursing education - a triadic approach: teacher, student,
curriculum
Creatividad en la enseñanza de enfermería - enfoque triádico: profesor, alumno,
currículo
Onã SilvaI;Eunice Maria Lima Soriano AlencarII
IEnfermeira, Arte-educadora, Licenciada em Artes Cênicas, Mestre em Educação,
Escritora brasiliense, Trabalha na Secretaria de Estado de Saúde - Brasília -
DF
IIDoutora em Psicologia, PhD, Docente do Programa de Mestrado da Universidade
Católica de Brasília, Pesquisadora CNPq, Orientadora da Dissertação. E-mail dos
autores:onatil@aol.com
1 Introdução
Neste intróito, destacamos que a construção desta pesquisa alicerçou-se em
reminiscências e ideações profissionais. Além do benefício intelectual-
científico, as leituras foram terapêuticas contagiando-nos até o self - são
vívidas as lembranças da essência da criatividade jorrando aos borbotões nas
páginas de obras criativas(1-4).Boas lembranças das palavras "Saber é sentir o
sabor"(5:73).
Mas, desde a fase embrionária, este trabalho estava amalgamado à célula mater:
o encontro entre a primeira autora e seu espelho profissional: a Enfermagem.
Observando a imagem da profissão refletida no espelho - inexpressiva -,
emergiram as questões para se delinear o problema de pesquisa. Assim, a
estrutura do estudo advém de momentos reflexivos-catárticos, gerados pela nossa
angústia ante o tecnicismo infiltrado há décadas na enfermagem, impedindo o
ensino e o exercício profissional crítico, criativo, político e com marcante
inserção social.
Vislumbrando novos rumos para a enfermagem, recorremos ao espírito investigador
para coletar e analisar dados empíricos e responder à questão: em que medida a
criatividade é contemplada no Curso de Graduação em Enfermagem?(6).Apegamo-nos
à máxima coragem para ser criativo(7)e dedicamo-nos a esta obra científica,
mesmo diante de bloqueios e fatores inibitórios que surgiram nesta trajetória.
2 Revisão da literatura
2.1 Teorias sobre criatividade no processo ensino-aprendizagem
O estudo sobre o paradigma da criatividade se acentuou devido às mudanças na
concepção da inteligência e o surgimento do Movimento Humanista da Psicologia
(8). No pensar humanístico a criatividade é o encontro do ser humano consciente
das nuanças-mundo, e o processo criativo uma expressão de saúde emocional(7).
Os primeiros empreendimentos científicos defenderam a tese de que a
criatividade é inata, enfatizando os aspectos individuais, estilos de pensar,
traços de personalidade, ignorando as implicações do contexto sócio-histórico.
Porém, arrazoados hodiernos(2-4,9-11) explicam que os sujeitos podem se tornar
mais criativos, influenciados por fatores extrínsecos como as experiências
criativas no sistema família-escola. A teoria sistêmica, por exemplo, apresenta
argumentos relevantes para explicar o fenômeno da criatividade, destacando as
forças sociais, culturais e pessoais. Para a teoria sistêmica a espécie humana
não sobrevive sem o realce criativo e assevera: ser humano significa ser
criativo(3).
Renzulli(4) ressalta a interação entre contexto social e expressão criativa. Os
principais argumentos referem-se ao encorajamento da produção criativa e das
experiências de aprendizagem. O modelo teórico é representado por três círculos
que interagem simultaneamente, correspondendo às estruturas fundamentais do
processo ensinar-aprender: professor, aluno e currículo.
A primeira estrutura - o professor - deve apresentar conhecimento da
disciplina, dominar técnicas instrucionais e ter romance com a disciplina.
Renzulli(4) apresenta um elenco de atitudes docentes que estimulam a
criatividade: visão menos ortodoxa, entusiasmo pelo ensino, estilo menos formal
de ensinar, senso de humor, dentre outras. Referindo-se ao aluno - o segundo
anel -, a aprendizagem efetiva baseia-se em interesses individuais, estilos de
aprender e habilidades cognitivas, afetivas e sociais aliadas ao contexto. É
mister que o aluno reconheça as suas habilidades, interesses e estilos de
aprendizagem; a escola precisa envolvê-lo em modelos educativos diversos (aulas
expositivas, palestras, role-playing, simulações, jogos), para ele ser
partícipe das atividades afins ao seu estilo de aprender. O currículo é o
terceiro anel representado pela tríade: estrutura, conteúdo e metodologia da
disciplina e sintonia com a imaginação. O currículo desejável requer um plano
escolar de modo que o aluno não seja mero aprendiz.
2.3 Desenvolvimento e estímulo à criatividade no contexto universitário
Na esfera educacional, os estudos sobre criatividade, contemplam o ensino
fundamental e médio; sendo escassos àqueles dirigidos ao ensino superior quando
neste nível, os alunos deveriam ser estimulados a desenvolver o potencial
criativo(12,13). Assim, num momento de tantas dúvidas e poucas certezas,
podemos afirmar que nossas faculdades são, no geral, pouco ou nada criativas"
(14:77). Para este pensar o ensino superior deve comprometer-se na formação de
jovens com autonomia intelectual, apaixonados pela busca do saber e cujas
atitudes tenham reflexos sociais positivos.
Vale ressaltar uma pesquisa (15) que apresentou dados relevantes: alerta que
esta área tem forçado a memorização e o regurgitar de conteúdos excessivos;
cita atitudes docentes errôneas como gratificar e aplaudir as respostas
programadas às questões programadas; aborda que a raiz do ensino repetitivo
advém, em geral, do desinteresse docente pró-ensino criativo e, propõe um
modelo de ensino superior criativo mediante a reestruturação metodológica,
realizando workshops de criatividade, cujo objetivo é a produção de novas
idéias.
Atualmente, o ensino superior nomeado Curso de Graduação em Enfermagem - CGE
segue as diretrizes do Currículo Mínimo regulamentado pela Portaria 1721/94,
incluindo a metodologia da pesquisa na pauta curricular, visando o
aprimoramento e a produção científica (16,17). Ao se examinar a literatura
brasileira, observam-se raros artigos focalizando criatividade em cursos de
Enfermagem. Ademais, ao cotejar a história da profissão e a publicação dos
estudos mencionando criatividade, os mesmos sucederam no contexto da validação
do Currículo Mínimo. Dentre as publicações, notou-se que nenhuma era norteada
por dados empíricos em criatividade.
Todavia, cinco destas publicações mencionam metodologias de ensino inovadoras,
incluindo a criatividade(18-22). Dentre estas, destaca-se a advertência de que
o dogmatismo bloqueia o saber em enfermagem e que o saber necessita aliar-se à
estética, à intuição e à criatividade(21) e o relato de experiência dos autores
- alunos de Especialização em Administração dos Serviços de Saúde e Enfermagem
- que frente ao trabalho sobre criatividade, analisaram idéias, gerenciaram
conflitos, pró solução criativa da temática(22). Afora os artigos citados,
chamou-nos a atenção o artigo sobre a teoria de Martha Rogers, A ciência do ser
humano unitário, cuja ênfase é o potencial criador no universo da Enfermagem
(23). Esta teoria descreve o mundo de forma holístico-integrada, contrapondo a
visão cartesiana infiltrada há décadas na enfermagem.
A despeito da tênue expressão criativa na enfermagem, merecem destaque os
enfermeiros vanguardistas que lutam contra o tecnicismo, divulgando as bênçãos
advindas do ensino criativo. O ensino envolto pela dimensão criativa - quiçá
uma diretriz na enfermagem do Século XXI -é uma necessidade. A criatividade é
vital para a enfermagem, posto que o ato de cuidar expressa-se de forma global,
criativa e criadora e requer profissionais intuitivos(24). Em conclusão, o
destaque ao aforismo:"sempre precisaremos de criatividade! Esse fato é
inegável"(25:20).
Essa pesquisa decorre de uma questão orientadora básica: na opinião de
professores e alunos, o CGE tem favorecido o desenvolvimento e a expressão da
criatividade, considerando as três estruturas fundamentais do processo ensino-
aprendizagem: o professor, o aluno e o currículo?
Visando facilitar a operacionalização, desmembrou-se o problema em seis
questões: Na avaliação dos professores, a atuação dos mesmos em sala de aula
favorece o desenvolvimento e a expressão do potencial criador de seus alunos?
Qual a avaliação dos alunos sobre a extensão em que os seus professores têm
favorecido no decorrer da(s) disciplina(s) que leciona(m) o desenvolvimento e a
expressão do potencial criativo de seus alunos? Há diferenças entre a avaliação
de professores e alunos quanto à extensão em que a atuação do professor vem
favorecendo o desenvolvimento e a expressão do potencial criativo dos
estudantes? Como os professores avaliam a si mesmos, os seus pares e seus
alunos, em relação ao grau de criatividade? Como os alunos avaliam a si mesmos,
os seus pares e seus professores, em relação ao grau de criatividade? De acordo
com os professores e alunos, o currículo teórico e prático do Curso de
Graduação em Enfermagem tem contemplado o desenvolvimento e a expressão do
potencial criativo do estudante?
3 Metodologia
3.1 Sujeitos
Participaram deste estudo 65 alunos de 5º a 8º períodos e 15 professores do
CGE, vinculado a uma Universidade Pública do Distrito Federal. Atinente à
descrição das amostras, os dados revelaram o predomínio de respondentes
femininos: 80% mulheres e 20% homens (grupo docente) e 84,6% mulheres e 15,4%
homens (grupo discente). A maior parte dos docentes (60%) tinha entre 36 a 45
anos, sendo que 5 (33,3%) eram Mestres, 5 (33,3%) Especialistas, 4 (26,7%)
Doutores e 1(6,7%) Graduados; 10 (66,6%) encontram-se na docência entre 5-10
anos. Predominaram docentes em dedicação exclusiva (60%). No tocante à amostra
discente, a idade variou entre 19 e 36 anos. Trinta alunos (46,2%) informaram
que trabalham e 35 (53,8%) não trabalham. Ao relacioná-los aos respectivos
semestres, observou-se os seguintes grupos: 5º semestre (13 sujeitos), 6º
semestre (27 sujeitos), 7º semestre (17 sujeitos) e 8º semestre (8 sujeitos).
3.2 Instrumentos
Utilizou-se um instrumento que permite mensurar os aspectos inerentes à
criatividade estimulados pelosdocentes(12,13) denominado de Questionário de
Avaliação de Procedimentos Docentes; apresenta-se em duas versões - para o
docente e discente -; contém 19 itens sobre desenvolvimento e expressão
criativa: traços de personalidade, pensamento criativo, metodologia de ensino e
condições da aprendizagem. Cada item apresenta cinco alternativas de respostas,
variando de discordo plenamente a concordo plenamente. Adicionalmente,
apresenta a Escala de Avaliação do Nível de Criatividade, contendo três itens,
visando identificar como professores e alunos avaliam a si mesmos,
reciprocamente, e aos respectivos pares - definiram-se sete alternativas em
cada item: de nada criativo a extremamente criativo. Dispõe ainda de uma
pergunta aberta que investiga se o currículo do CGE favorece a criatividade.
3.3 Procedimentos e aspectos éticos
O projeto foi previamente analisado pela Direção do Departamento de Enfermagem
e Comitê de Ética da Universidade. Após assentimento, realizou-se a pesquisa,
explicando aos respondentes - professores e alunos - os objetivos da mesma,
aplicando o instrumento após o consentimento livre dos sujeitos, assegurando o
sigilo e a não-identificação. Coletaram-se os dados da amostra docente no
Departamento, enquanto que dos alunos, nas salas de aulas referentes às
disciplinas eleitas: Enfermagem em Saúde Mental 2 (5º Semestre), Enfermagem
Médico-Cirúrgica2 (6º Semestre), Enfermagem em Urgências Pediátricas (7º
Semestre) e Enfermagem em Saúde da Comunidade 2 (8º Semestre). Aplicou-se o
instrumento no momento do ensino teórico, haja vista a dificuldade no estágio
prático.
4 Resultados
Ao analisar as respostas dos professores ao Questionário de Avaliação de
Procedimentos Docentes predominaram as opções concordo (valor 4) e concordo
plenamente (valor 5) - excetuando os itens 13 e 17 que investigam se a atuação
docente é baseada na reprodução de conhecimentos - nestes, as opiniões
voltaram-se às opções discordo plenamente (valor 1) e discordo (valor 2).
Cotejando tais resultados com a questão 1, os dados permitem interpretar que na
avaliação docente, o próprio desempenho favorece a expressão criativa discente.
Contudo, percebeu-se variação nas respostas discentes que, em todos os itens do
questionário, marcaram desde discordo plenamente (valor 1) a concordo
plenamente (valor 5), predominando as opções discordo (valor 2) e estou em
dúvida (valor 3). Reportando à questão de pesquisa 2, o resultado revela que os
alunos discordam ou estão em dúvida se a atuação docente contempla a
criatividade.
Ao comparar a média geral de professores e alunos no questionário verificou-se
uma nítida diferença nos resultados amostrais. Para análise estatística da
média geral, os valores de dois itens (13 e 17) foram convertidos: as opções
discordo plenamente, discordo, concordo e concordo plenamente, foram analisadas
com valores contrários: 5, 4, 2 e 1, respectivamente. Após tal conversão, as
médias foram assim identificadas: 4,43 (docente) e 2,80 (discente); quanto aos
desvios padrões, os valores respectivos foram 0,24 e 0,53. Visando responder à
questão 3, aplicou-se o teste t de Student, cujo valor encontrado t=18,258
(p=0,0001) revelou a média docente significativamente superior à discente. Ao
comparar as respostas, notam-se opiniões amostrais distintas acerca das
condições favoráveis à expressão criativa.
Referente ao grau de criatividade, observou-se na auto-avaliação docente
percentuais similares: 46,7% se julgam criativos e 46,7% muito criativos.
Quanto ao nível criativo discente, 53,3% dos mestres avaliaram-nos criativos, e
26,7% consideraram-nos pouco criativos. Ao avaliar o nível criativo dos pares,
60% considerou-os criativos e 13,3% pouco criativos. Aplicou-se o teste t de
Student para analisar as diferenças entre as médias dos três itens, constatando
que os docentes se perceberam como significativamente mais criativos do que os
seus alunos (t=3,674, p=0,003). Não foi significativa a diferença entre auto-
avaliação docente e avaliação docente dos pares (t=1,948, n.s), assim como a
avaliação docente entre seus alunos e seus pares (t= 0,211, n.s). Estes
resultados respondem à questão 4.
A avaliação discente do nível criativo - sobre si mesmos, pares e professores -
indicou que os alunos julgaram-se criativos (47,7%) e muito criativos (23,1%).
Ao avaliar os mestres, 64,6% consideram-nos pouco criativos, e para 16,9% são
muito pouco criativos. Atinente aos pares, os alunos julgaram que 50,8% são
criativos e 29,2% muito criativos. Mediante o teste t de Student, observou-se
que a diferença entre a auto-avaliação discente e dos pares não era
significativa (t=0,085, n.s). Porém, constatou-se diferença altamente
significativa entre auto-avaliação discente eavaliação discente dos mestres
(t=7,526, p=0,0001), e entre avaliação discente dos pares e mestres (t=9,959,
p=0,0001), indicando que os alunos perceberam a si e aos pares como mais
criativos que os seus professores. Tais resultados respondem à questão de
pesquisa 5.
Para responder à questão de pesquisa 6, utilizaram-se os dados extraídos da
pergunta aberta: de acordo com os professores e alunos, o currículo teórico e
prático do CGE tem contemplado o desenvolvimento e a expressão do potencial
criativo do estudante? Para a análise qualitativa dos dados recorreu-se a
fundamentos reconhecidos no campo científico (26); assim, ao elaborar as
categorias representativas, concentrou-se na leitura das respostas para
apreender o significado dos conteúdos.
A pergunta aberta permitiu duas classes de respostas: na primeira, o partícipe
expressou-se através de sim ou não, e na segunda redigiu uma justificativa
relacionada à pergunta. Referente a primeira classe - se o currículo favorece o
ensino criativo: 60% dos docentes assinalaram não, 26,7% algumas vezes e 13,3%
não opinaram. Quanto aos discentes: 76,9% assinalaram não, 10,8% algumas vezes
e 12,3% não opinaram. Após examinar as justificativas - segunda classe -,
identificaram-se as unidades de significação, classificando-as em categorias.
Ao final da análise de conteúdo das respostas docentes, identificaram-se sete
categorias representativas; dentre estas, as que mais obtiveram freqüência
foram: o desenvolvimento da criatividade é contemplado em algumas disciplinas;
o currículo influenciado pelo modelo educacional tecnicista e hospitalocêntrico
impede o desenvolvimento da criatividade.Em relação as respostas discentes,
identificaram-se 11 categorias representativas; as mais destacadas foram: o
desenvolvimento da criatividade é contemplado em algumas disciplinas; o
currículo influenciado pelo modelo educacional tecnicista e hospitalocêntrico
impede o desenvolvimento da criatividade; a estrutura curricular caracterizada
pela desarticulação entre a teoria e a prática impede o desenvolvimento da
criatividade; a falta de tempo e a carga horária reduzida das disciplinas
impedem o desenvolvimento da criatividade; atitudes de dominação, poder e
repressão, exercidas pelos professores, inibem o potencial criativo do aluno; a
falta de criatividade, iniciativa e interesse do professor impedem o
desenvolvimento da criatividade; atuação docente e currículo voltados para a
reprodução de conhecimento e memorização inibem a criatividade do aluno.
5 Discussão
Esta trajetória científica alertou-nos sobre a escassez de pesquisas relativas
ao estímulo à criatividade no contexto universitário(13) e a inexistência de
pesquisas empíricas sobre o tema criatividade no ensino superior de enfermagem.
Portanto, o presente estudo é relevante pela contribuição ao avanço científico,
mediante divulgação de dados empíricos gerados a partir das respostas dos
sujeitos que integram o ensino de enfermagem: o professor e o aluno.
Ao analisarmos a questão 1, despertou-nos o fato de os professores se auto-
avaliaram de modo extremamente favorável, afirmando que estimulam o potencial
criativo discente. Cotejando tal resultado com estudos sobre atuação docente na
área de enfermagem, verificamos que se contrapõem à história: a prática
pedagógica norteada pelo paradigma cartesiano, uma realidade impregnada há
décadas no universo da profissão (27). Os estudos sobre docência em enfermagem,
geralmente, caracterizam os mestres pela tendência de realizarem o ensino
tradicional: "[...] este ensino adquire uma forma (disciplinar), expressa
principalmente, através de instrumentos como o controle do corpo, do tempo
[...]"(28:286) e "[...] em parte, há aceitação e tendência das Escolas de
Enfermagem para o ensino tecnológico [...] o ensino é apolítico, ahistórico e
desvinculado da realidade [...]"(29:177-8). Na questão aberta, alguns
professores alegaram que o ensino tecnicista é uma barreira à expressão
criativa - explicitou-se, porém, que o docente não se referia à própria
atuação, mas a de seus pares.
Visando elucidar o resultado - atuação docente favorecedora à expressão
criativa discente -, relacionamos hipóteses para compreender o fenômeno
apresentado: a) inicialmente, pareceu-nos que os professores transcenderam o
ensino tradicional e adotam uma postura criativa na docência, contudo, na nossa
acepção, a decisão inovadora é fruto do engajamento somente de alguns; b) as
respostas docentes revelam que, para os mesmos, a própria atuação é norteada
pela criatividade, pois o Questionário de Avaliação de Procedimentos Docentes
fundamenta-se nesta temática. Mas, de fato a atuação docente norteia-se pelos
princípios criativos? Esta indagação suscitou-se frente a observação de que o
processo criativo requer um trabalho sistemático do professor, que precisa
envolver os elementos inerentes à criatividade (14); c) supõe-se que, na
utilização da amostra de conveniência ao compor o grupo docente, houve seleção
majoritária daqueles que exercem a docência integrada ao Projeto Uni-Brasília;
baseamo-nos na resposta de um docente que destacou o aludido projeto como
promotor da criatividade.
Atinente à questão 2, verificou-se que os reflexos da criatividade oriundos da
prática pedagógica não estão nítidos para os alunos, a despeito do autoconceito
docente positivo. Esse resultado permitiu-nos tecer estas considerações: a) as
universidades ao serem consideradas pouco ou nada criativas (14) explicam, em
parte a opinião discente, ou seja, o professor sem o suporte institucional para
atuação criativa; então, o aluno - sujeito do processo - não o perceberá como
estimulador da criatividade; b) possivelmente o resultado relaciona-se à
composição amostral. Planejou-se a participação de alunos dos últimos
semestres, considerando a avaliação destes à performance docente ao longo da
trajetória estudantil no curso em foco. Talvez as respostas fossem diferentes
com amostra estudantil dos semestres iniciais, conforme detectado em outro
estudo de temática similar(13); c) os resquícios do ensino tradicional no CGE
revelam a existência de professores voltados para tal modelo. Supõe-se que os
discentes referiram-se a tais professores, que marcaram a trajetória dos mesmos
de forma negativa. Corroboram neste sentido diversos estudiosos(4,11-14)- para
estes, atitudes docentes negativas impedem o ensino criativo, pois dificultam a
interação professor-aluno, condição básica para a criatividade fluir no
ambiente escolar.
Na análise da questão 3, opiniões amostrais distintas evidenciaram que o curso
analisado não adota um plano educacional que contempla a criatividade, criando
uma lacuna na formação dos enfermeiros devido à raiz do ensino tradicional.
Evidenciou-se a seguinte dicotomia: os docentes referemque lutam por uma
educação diferente e inovadora; os alunos não reconhecem a atuação docente
favorecedora à criatividade, e reclamam do ensino que limita os traços
criativos dos mesmos. Tal dicotomia remete-nos à seguinte asserção: "não
podemos pretender formar seres criativos com base em posturas passivas e
despersonalizadas dosalunos"(11:165); destarte, é inevitável rever a ação
docente. Frente aos resultados, pareceu-nos que não há encorajamento docente
para o aluno ser criativo no ensino superior de enfermagem analisado.
Respeitante à questão 4, acerca de si mesmo, o docente avaliou-se criativo,
resultado que pode estar associado ao autoconceito, que é um fator importante
no comportamento humano, podendo restringir (autoconceito negativo) ou
facilitar (autoconceito positivo) o potencial criativo(30). Na avaliação
docente, a maioria dos pares foi considerada criativa, o que nos leva às
conjecturas: proteção aos pares, preferindo uma resposta positiva aos mesmos;
ou a convivência subsidiou-os na análise real do nível criativo do seu par.
Quanto à análise dos alunos, julgando-os entre pouco criativos e criativos,
deduz-se que o grau criativo docente é equivalente; ou seja, neste enfoque o
aluno é o sujeito e o mestre o facilitador, e é condição sine qua non que este
último seja um modelo de criatividade(11).
Ao examinar a questão 5, percebeu-se que os resultados - os alunos se julgarem
mais criativos do que os professores - são similares a pesquisa anterior (13).
Nesta questão, considerou-se que a auto-avaliação discente relaciona-se também
ao fator autoconceito. Conjecturamos que os discentes, ao considerarem o nível
criativo dos pares, equivalente ao de si-mesmos, tenham protegido ou
reconhecido o potencial criativo dos colegas. Neste estudo, as lembranças
negativas de professores foram elevadas, reforçando a opinião discente acerca
do nível criativo dos mestres: pouco criativos. Há relatos discentes
denunciando o desinteresse docente ao ensino criativo no curso de enfermagem
pesquisado.
No processo analítico da questão 6, desvelou-nos um fato desconhecido: o
Departamento de Enfermagem deste estudo até a presente data (2001) não publicou
o Currículo Pleno, em atenção à Portaria 1721/94. A validação do Currículo
Mínimo do CGE foi um marco histórico, recomendou-se às Escolas: discussão,
aprovação e publicação no Diário Oficial da União o Novo Currículo Pleno até
Dezembro de 1995 e implantação no 1º Semestre de 1996 (16,17). A hipótese
inicial era que, no curso ora analisado o Currículo Pleno vigorasse, visto que
o mesmo está inserido no contexto de uma Universidade Pública reconhecida no
cenário distrital e nacional como instituição de vanguarda. Ante aos dados, o
Curso está deslocado do novo caminho paradigmático educacional. Esta realidade,
somada à opinião docente e discente sobre o currículo é preocupante, visto que,
não superada, exacerba o problema levantado neste estudo: o ensino tecnicista.
Ademais, a concepção tecnicista teimosamente continua no século XXI, pois o
currículo de enfermagem ainda centra-se no modelo que ressalta as dicotomias:
básico-profissionalizante, ensino-serviço, teoria-prática. Em tal concepção, os
elementos do processo ensino-aprendizagem - professor, aluno e currículo -
apegam-se à minimização do saber e ao aspecto biológico da doença. Por
conseguinte, a visão fragmentada causa prejuízos na formação do enfermeiro,
pois ressalta o pensamento convergente e a reprodução do saber que impedem
desenvolver o ensino norteado pela dimensão criativa.
Não obstante a auto-avaliação docente positiva sobre a própria atuação,
entendemos que o curso de Enfermagem selecionado não está envolvido pela
dimensão criativa integralmente: primeiro, está preso a uma estrutura
curricular arcaica; segundo, os discentes não observam os reflexos da
criatividade na prática docente; terceiro, nem docentes nem discentes
consideram que o plano curricular favorece o processo ensino-aprendizagem
criativo. As respostas quali-quantitativas que emergiram de ambas amostras
explicitam que não existe a inter-relação das três estruturas fundamentais -
professor, aluno e currículo - preconizada na teoria de Renzulli(4).
6 Conclusões
Com efeito, o fenômeno criatividade não pode ser estudado isolando o sujeito do
contexto social. É mister conhecer a diretriz que a escola adota: se está
direcionada para aquisição de conhecimentos, competências e habilidades; ou
está envolvida por um conjunto de decisões favoráveis ao desenvolvimento e à
expressão criativa discente. Destarte, ao tecer as considerações a respeito da
criatividade no ensino superior de enfermagem, é indispensável reportar-se aos
diplomas legais que regulamentam as diretrizes curriculares desta área do
saber. Neles, estão registradas as orientações atinentes às novas concepções
desta modalidade de ensino; o teor destes documentos é incisivo quanto à
necessidade de mudar as mentalidades dos agentes educacionais - gestores,
coordenadores, docentes. Todos devem somar esforços pró-ensino significativo,
considerando que o aluno está inserido em um mundo globalizado que requer dele
soluções criativas ante as situações novas a que está exposto(11,14,25,31-34).
No campo saber-enfermagem, há inúmeros problemas e situações complexas a serem
resolvidas, exigindo, dos profissionais, o perfil criativo. Suprir esta demanda
é tarefa da educação(14), por isso o professor deve atentar-se às mudanças no
contexto social, destacando que toda decisão curricular deve ser delineada pela
decisão valorativa, objetivando a formação global do ser humano(34). A atuação
do professor é relevante, pois requer do mesmo visão prospectiva em relação ao
papel que o aluno desempenhará no futuro profissional. Por isso, adotar o
ensino criativo no curso de Enfermagem em questão, requer ação conjunta de
todos os envolvidos. É imperativo inovar e vivenciar a interação proposta por
Renzulli (4)entre professor, aluno e o currículo.
Por fim, a nossa esperança como pesquisadoras-enfermeiras é testemunharmos o
momento histórico em que a enfermagem transcenderá as barreiras em prol do
ensino criativo. Enquanto esse tão almejado momento não chega, congregamo-nos
com o ideal apregoado de que chegou o tempo de reencantar a educação(1). AHA!
2
O tempo favorável para desenvolver criativa(-)mente o processo ensinar-
aprender na área de enfermagem é AGORA!