A atuação do agente comunitário de saúde na promoção da saúde e na prevenção de
doenças
PESQUISA
1 Introdução
O Programa de Saúde da Família - PSF é adotado pelo Ministério da Saúde desde
1994 como modelo substitutivo da rede básica tradicional, de cobertura
universal, assumindo como princípio norteador a eqüidade(1).
Este programa, considerado uma estratégia de mudança de modelo da assistência à
saúde, tem como ponto central a criação de vínculos e de laços de compromisso e
de co-responsabilidade entre os profissionais de saúde e a população, dentro de
um espaço geograficamente delimitado.
Essa inversão só é possível por meio da mudança do objeto da atenção à saúde,
deslocando-se do individual para o coletivo e da mudança de atuação e
organização geral dos serviços, com a reorganização da prática assistencial dos
profissionais em novas bases e critérios.
A organização de uma equipe de saúde da família - ESF, constituído por médico
generalista, enfermeiro, auxiliar de enfermagem e agente comunitário de saúde,
torna-se então o principal instrumento para a consolidação do Programa de Saúde
da Família, por trabalhar com a família, em uma área adstrita e ter acesso ao
modo de vida dessa população.
Nesse contexto, acredita-se que o Agente Comunitário de Saúde - ACS se torna o
articulador do processo de trabalho da equipe, exatamente por morar na sua área
de atuação, conhecer muito bem a comunidade em que vive e ter maior facilidade
de acesso aos domicílios.
Por definição, o ACS "trabalha fora do posto, fazendo a ligação entre a
comunidade e os serviços de saúde"(2:71). Esse elo acontece de várias maneiras,
mas principalmente na visita domiciliar, quando o ACS tem a oportunidade de
conhecer os agravos que acometem aquela população, percebidos ou explicitados
pelas pessoas, comunicar à equipe do PSF a sua percepção e retornar à
comunidade com orientações, encaminhamentos ou outras atividades que possam
evitar, diminuir ou solucionar os problemas encontrados, juntamente com os
profissionais de saúde e a própria população.
Em Minas Gerais, grande parte dos municípios já implantaram o PSF. Divinópolis,
situado na região Centro-Oeste do Estado, iniciou esse trabalho em 1996, sem a
estrutura proposta pelo Ministério da Saúde, ou seja, a Equipe de Saúde da
Família - ESF - não tinha na sua constituição o Agente Comunitário de Saúde.
Com o propósito de estender a Saúde da Família a mais regiões do município, em
1998 novas equipes foram implantadas e as existentes reformuladas de acordo com
o modelo proposto pelo Ministério da Saúde.
O Ministério da Saúde define como atribuições básicas do ACS realizar
mapeamento de sua área de atuação; cadastrar as famílias e atualizar
permanentemente este cadastro; identificar indivíduos e famílias expostos a
situações de risco; identificar áreas de risco; orientar as famílias para a
utilização adequada dos serviços de saúde, encaminhando-as e até agendando
consultas, exames e atendimento odontológico, quando necessário; realizar ações
e atividades, no nível de suas competências, nas áreas prioritárias da Atenção
Básica; realizar, por meio da visita domiciliar, acompanhamento mensal de todas
as famílias sob sua responsabilidade; estar sempre bem informado, e informar
aos demais membros da equipe, sobre a situação das famílias acompanhadas,
particularmente aquelas em situações de risco; desenvolver ações de educação e
vigilância à saúde, com ênfase na promoção da saúde e na prevenção de doenças;
promover educação e a mobilização comunitária, visando desenvolver ações
coletivas de saneamento e melhoria do meio ambiente, entre outras; traduzir
para a ESF a dinâmica social da comunidade, suas necessidades, potencialidades
e limites; identificar parceiros e recursos existentes na comunidade que possam
ser potencializados pela equipe(3).
Neste texto aborda-se como foco principal as ações do ACS na Promoção da Saúde
e na Prevenção de Doenças, porém como várias das atribuições acima são
intrínsecas a estas atribuições, serão descritas ao longo do trabalho.
2 Um caminho a percorrer: promover a saúde e prevenir as doenças
Há o reconhecimento pela sociedade de que saúde não é uma conquista, nem uma
responsabilidade exclusiva do setor, mas o resultado de um conjunto de fatores
sociais, econômicos, políticos e culturais, que se articulam de forma
particular em cada sociedade, a partir de conjunturas específicas, o que
possibilita a existência de sociedades mais ou menos saudáveis. A Promoção da
Saúde, a prevenção de doenças e o tratamento e reabilitação das enfermidades
são as três principais estratégias para intervir no processo saúde-doença.
Essas estratégias encontram-se situadas em campos de conhecimento bastante
complexos e exigem esforços integrados para levá-las a melhorar a saúde das
populações(4). Ainda que muitas pessoas tenham vidas saudáveis, mas para isso
"necessitam de situações sociais, econômica e cultural favoráveis, ambiente
saudável, alimentação adequada, prevenção de problemas específicos de saúde e
informação"(4:50).
Na realidade concreta, a percepção de que os problemas de saúde das diferentes
sociedades não são decorrentes da capacidade da atenção médica curativa para
manejar a enorme demanda representada pelos problemas sanitários originados
pelo subdesenvolvimento e pelos agravos à saúde decorrentes das doenças
crônico-degenerativas tem levado as sociedades a buscarem novos caminhos para
dar maior efetividade às ações derivadas de uma das estratégias
supramencionadas. Isso nos revela que as sociedades estão incorporando novos
saberes no seu cotidiano a partir do conhecimento de que a saúde de um
determinado grupo populacional, em um dado momento, está recebendo os efeitos
de múltiplos processos determinantes e condicionantes que na realidade
expressam o modo de vida da sociedade e suas interações em processos mais
singulares inerentes ao estilo de vida pessoal(5).
Outro ponto de convergência para a aplicação das estratégias é o reconhecimento
de que a situação de saúde está intimamente ligada com o modo de vida do
indivíduo e das populações. O dia-a-dia do indivíduo na sociedade é, portanto,
o espaço onde se manifesta a articulação entre os processos biológicos e
sociais que determinarão o seu processo saúde-doença naquela sociedade.
Todavia, desde o surgimento da promoção da saúde para o enfrentamento dos
problemas que afetam a saúde das populações, essa tem sido incorporada em
diferentes contextos e em propostas distintas de intervenção. assim, dividimos
a prática da promoção em dois grandes grupos(6):
a- aquelas atividades voltadas à transformação dos comportamentos do indivíduo,
dirigidas ao estilo de vida e localizando-os no seio da família e, no máximo,
no ambiente cultural. A adesão a esta linha nos conduz à realização de
atividades de promoção da saúde voltadas para os componentes educativos
relacionados com os riscos comportamentais passíveis de mudança e sob o
controle do próprio cidadão. Exemplo: higiene pessoal, hábito de fumar, etc.;
b - aquelas atividades relacionadas ao coletivo de indivíduos e ao ambiente no
sentido amplo (ambiente físico, social, político, econômico e cultural). As
atividades de promoção neste segundo grupo se dariam através de políticas
públicas intersetoriais, participação da sociedade e do poder público.
2.1 Promoção da saúde
A compreensão do que seja 'Saúde' é imprescindível para desenvolvermos
estratégias que permitam aos serviços de saúde atuarem no nível da promoção da
saúde. Saúde é entendida como"estado de completo bem-estar físico, mental e
social, e não simplesmente a ausência de doença ou enfermidade"(5:15). Neste
sentido, as condições e os recursos fundamentais para atingirmos o proposto
neste conceito são: paz, habitação, educação, alimentação, renda, ecossistema
estável, recursos sustentáveis, justiça social e eqüidade(5).
O termo promoção da saúde tem sido associado a valores como qualidade de vida,
saúde, solidariedade, eqüidade, democracia, cidadania, desenvolvimento,
participação e parceria, e a uma combinação de estratégias tais como ações do
Estado (políticas públicas saudáveis), da comunidade (reforço da ação
comunitária), de indivíduos (desenvolvimento de habilidades pessoais), do
sistema de saúde (reorientação do sistema de saúde) e de parcerias
intersetoriais(7).
Faz-se claro que a promoção da saúde não é só responsabilidade do setor saúde,
mas de uma integração entre os diversos setores do governo municipal, estadual
e federal na articulação de políticas e ações que culminem com a melhoria das
condições de vida da população e da oferta de serviços essenciais ao ser
humano.
A promoção da saúde vem sendo discutida por diversas instâncias na área da
saúde ao longo das últimas três décadas, principalmente no Canadá, Estados
Unidos e países da Europa Ocidental. Podemos destacar como marco no
desenvolvimento de suas bases conceituais e políticas as Conferências
Internacionais sobre promoção da saúde realizadas em Ottawa (1986), Adelaide
(1988), Sundsvall (1991) e Jacarta (1997).
O movimento de promoção da saúde foi formalizado no Canadá, em 1974, com a
divulgação do Informe Lalonde - A New Perspective on the Health of Canadians. A
elaboração deste documento parece ter sido ocasionada pelos crescentes custos
da assistência médica e pela abordagem exclusivamente médica para as doenças
crônicas, que apresentava poucos resultados na melhoria da saúde dos
canadenses.
Os fundamentos do Informe Lalonde baseiam-se no conceito de campo da saúde,
composto por quatro amplos componentes: biologia humana, ambiente, estilo de
vida e organização da assistência à saúde, nos quais estão presentes diversos
fatores que influenciam a saúde(4).
O informe Lalonde e a abertura da China Nacionalista ao mundo exterior serviram
de bases para a Conferência de Alma-Ata (1978), cujas metas foram a de alcançar
a "Saúde Para Todos no Ano 2000" e a formulação da estratégia de Atenção
Primária da Saúde, composta por oito elementos essenciais: a educação sobre os
principais problemas de saúde e sobre os métodos de prevenção e de luta
correspondentes; a promoção da aportação de alimentos e de uma nutrição
apropriada; um abastecimento adequado de água potável e saneamento básico; a
assistência materno-infantil, com inclusão da planificação familiar; a
imunização contra as principais enfermidades infecciosas; a prevenção e luta
contra enfermidades endêmicas locais, o tratamento apropriado das enfermidades
e traumatismos comuns; e a disponibilidade de medicamentos essenciais(5).
Outros elementos da Declaração de Alma-Ata que devem ser considerados são a
necessidade da intervenção de diversos setores sociais e econômicos, além do
setor saúde, para se atingir um elevado grau de saúde; a promoção e proteção da
saúde é fundamental para o desenvolvimento econômico e social sustentável, para
a melhoria da qualidade de vida e para a conquista da paz mundial; e a
participação individual e coletiva na planificação e aplicação das ações de
saúde como um direito e dever da população(5).
A Declaração de Alma-Ata deu um novo direcionamento às políticas de saúde, com
ênfase na participação comunitária, na cooperação entre os diferentes setores
da sociedade e nos cuidados primários de saúde como seus fundamentos
conceituais(5).
A declaração foi um estímulo para a continuidade da luta pela estratégia da
promoção da saúde, que culminou com a I Conferência Internacional sobre
Promoção da Saúde, realizada em Ottawa, Canadá, 1986.
A Promoção da Saúde foi definida, neste documento, como "o processo de
capacitação da comunidade para atuar na melhoria de sua qualidade de vida e
saúde, incluindo uma maior participação no controle deste processo"(5:19).
A Carta de Ottawa deixa claro que a saúde é o maior recurso para o
desenvolvimento social, econômico e pessoal, assim como importante dimensão da
qualidade de vida. Portanto, a saúde é compreendida como um recurso essencial
para a vida cotidiana(4).
Este documento apresentou como condições e requisitos necessários à saúde a
"paz, educação, habitação, alimentação, renda, ecossistema estável, recursos
sustentáveis, justiça social e eqüidade"(6:158), assim como a defesa da saúde,
a capacitação e a mediação política como indispensáveis para alcançá-la.
Na Carta de Ottawa são identificados cinco campos de ações para a promoção da
saúde: "construção de políticas públicas saudáveis; criação de ambientes
favoráveis à saúde; desenvolvimento de habilidades; reforço da ação
comunitária; reorientação dos serviços de saúde"(5:25).
A construção de políticas públicas saudáveis implica que a saúde tenha
prioridade entre políticos e dirigentes de todos os setores e em todos os
níveis, com responsabilização pelas conseqüências das políticas sobre a saúde
da população.
A criação de ambientes favoráveis à saúde se dá a partir da inserção, na agenda
de prioridades da saúde, de ações como a proteção do meio ambiente e a
conservação dos recursos naturais, o acompanhamento sistemático do impacto que
as mudanças no meio ambiente causam sobre a saúde, a conquista de ambientes que
facilitem e favoreçam a saúde, como o trabalho, o lazer, o lar, a escola e a
cidade(4).
O desenvolvimento de habilidades favoráveis à saúde acontece em decorrência da
divulgação de informações e da educação para a saúde, em todos os espaços
coletivos, preparando o indivíduo para as diversas fases da existência e o
enfrentamento das enfermidades. Neste campo também está presente a idéia de
empowerment, ou seja, a aquisição de poder técnico (capacitação) e político
pelos indivíduos e pela comunidade.
O incremento do poder das comunidades, por meio da posse e controle dos seus
próprios esforços e destino, produz ações comunitárias concretas e efetivas no
desenvolvimento das prioridades, na tomada de decisão, na definição de
estratégias e na sua implementação, com vistas à melhoria das condições de
saúde.
A proposta de reorientação dos serviços de saúde se direciona no sentido da
promoção da saúde, além de prover serviços clínicos e de urgência, evidenciando
a intenção de superar o modelo biomédico, centrado na doença e na assistência
médica curativa desenvolvidas em instituições médico-assistenciais. Esta
reorientação requer maior investimento na pesquisa em saúde, bem como mudanças
na educação e ensino dos profissionais da área de saúde. Isto implica uma
mudança na organização dos serviços de saúde e nas práticas dos profissionais.
A II Conferência Internacional sobre Promoção de Saúde, realizada em Adelaide,
na Austrália, no ano de 1988, teve como tema central as políticas voltadas para
a saúde (políticas saudáveis), mantendo o direcionamento estabelecido nas
Conferências de Alma-Ata e Ottawa.
Foram consenso, nesta Conferência, as seguintes estratégias para as políticas
públicas voltadas para a saúde: as políticas públicas saudáveis, a saúde como
um direito humano fundamental e um sólido investimento social, a eqüidade em
saúde, o acesso a bens e serviços de saúde, o desenvolvimento, o governo e os
setores sociais detentores de recursos como responsáveis pela saúde, a promoção
da saúde numa abordagem integrada do desenvolvimento social que extrapola os
atuais sistemas de cuidados à saúde e a parceria dos diversos setores da
sociedade no processo político de incremento das ações de saúde(5).
Esta Conferência reafirmou o compromisso por uma forte aliança na saúde pública
global e ressaltou a responsabilidade internacionalista da promoção da saúde,
ao estabelecer que os países desenvolvidos devem desenvolver políticas públicas
que possam resultar em impactos positivos na saúde dos países em
desenvolvimento.
A III Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde - Ambientes Favoráveis
à Saúde, realizada em junho de 1991, em Sundsvall, na Suécia, convocou todas as
nações para participarem ativamente na promoção de ambientes mais favoráveis à
saúde.
O evento trouxe, definitivamente, o ambiente para a área da saúde,
considerando-o em suas dimensões física ou natural, social, econômica e
cultural. Ambiente entendido como espaços em que as pessoas vivem: a
comunidade, suas casas, o trabalho, as áreas de lazer e as estruturas que
determinam o acesso aos recursos para viver e as oportunidades para ter maior
poder de decisão(4).
A Conferência destacou quatro aspectos para um ambiente favorável e promotor da
saúde(5): a dimensão social, aqui incluídas as maneiras pelas quais normas,
costumes e processos sociais afetam a saúde, chamando a atenção para a mudança
que está ocorrendo nas relações sociais tradicionais, como o crescente
isolamento social, a perda de significados e propósitos coerentes de vida ou a
perda de valores tradicionais e da herança cultural; a dimensão política, que
requer dos governos a garantia da participação democrática nos processos de
decisão e a descentralização dos recursos e das responsabilidades, além do
compromisso com os direitos humanos, a paz e a realocação de recursos
provenientes da corrida armamentista; a dimensão econômica, que requer o
reescalonamento dos recursos para o alcance da meta Saúde Para Todos no Ano
2000 e o desenvolvimento sustentável; a necessidade de reconhecer e utilizar a
capacidade e o conhecimento das mulheres em todos os setores, inclusive os
setores político e econômico.
O documento menciona como áreas para ações de saúde pública a educação,
alimentação, moradia, apoio e atenção social, trabalho e transporte, e reforça
a importância da ação social na criação de ambientes favoráveis à saúde.
A IV Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde - Novos Protagonistas
para uma Nova Era: Orientando a Promoção da Saúde no Século XXI, realizada em
Jacarta, Indonésia, em julho de 1997, aconteceu quase 20 anos depois da
Declaração de Alma-Ata, num momento crítico das estratégias internacionais de
desenvolvimento em favor da saúde.
Esta foi a primeira Conferência a ser realizada em um país em desenvolvimento e
a agregar o setor privado no apoio à promoção da saúde. Ela permitiu refletir
sobre o que se aprendeu em relação ao tema, e rever os determinantes da saúde,
além de traçar diretrizes necessárias ao enfrentamento dos desafios da promoção
da saúde neste século.
A Declaração de Jacarta define como pré-requisitos para a saúde: paz, abrigo,
instrução, segurança social, relações sociais, alimento, renda, direito de voz
das mulheres, um ecossistema estável, uso sustentável dos recursos, justiça
social, respeito aos direitos humanos e eqüidade.
A Conferência de Jacarta reafirmou as cinco estratégias propostas na Carta de
Ottawa para a promoção da saúde e ressaltou que a abordagem ampla no
desenvolvimento da saúde é mais eficiente, sendo que as localidades oferecem
condições para sua implementação. A participação popular é imprescindível para
a promoção da saúde e aprender sobre saúde incentiva a participação.
No documento são priorizadas cinco ações para a promoção da saúde no século XXI
(5): a)Promover a responsabilidade social para com a saúde; b) Aumentar os
investimentos para fomentar a saúde; c) Consolidar e expandir parcerias em prol
da saúde; d) Aumentar a capacidade comunitária e dar direito de voz ao
indivíduo; e) Conseguir uma infra-estrutura para a promoção da saúde.
A proposta de uma aliança mundial para acelerar o processo para a promoção da
saúde foi assumida pelos participantes da Conferência e um apelo foi feito aos
governos nacionais no sentido de estimular este processo, tanto dentro como
fora de seus países.
Além destas Conferências destacamos como fóruns de discussão e reafirmação dos
princípios estabelecidos na Carta de Ottawa a Conferência Internacional de
Promoção da Saúde, realizada em Bogotá, em novembro de 1992 que assumiu a
relação mútua entre saúde e desenvolvimento e cujo documento afirma que "a
promoção da saúde na América Latina busca a criação de condições que garantam o
bem-estar geral como propósito fundamental do desenvolvimento"(5:39), a Rede de
Megapaíses para a Promoção da Saúde em Genebra, Suíça, 1998, que estabeleceu
como missão "fortalecer a capacidade de promoção da saúde, nos âmbitos mundial
e nacional, no sentido de ampliar a oferta de saúde às populações dos
megapaíses, e também à população mundial"(5:51) e a V Conferência Internacional
sobre Promoção da Saúde, realizada na Cidade do México, em junho de 2000,
concluindo que muitos problemas de saúde ainda interferem no desenvolvimento
social e econômico, o que requer medidas urgentes no sentido de "promover uma
situação mais eqüitativa em termos de saúde e bem-estar"(5:53).
A Promoção da Saúde conforme o estabelecido nessas conferências internacionais,
requer ações muito amplas que extrapolam o sistema de saúde. No Brasil, mesmo
com os avanços obtidos desde a Oitava Conferência de Saúde, ainda estamos
centrados dentro do próprio setor saúde na tentativa de organização dos
serviços e na adequação dos recursos disponíveis para o financiamento do
sistema.
A expansão da estratégia da Saúde da Família, na qual a Promoção da Saúde é uma
das principais ações desenvolvidas pela equipe, e, principalmente, pelo Agente
Comunitário, pode significar a transformação da realidade brasileira.
2.2 Prevenção das doenças
Baseado no conceito de saúde da OMS, Leavell & Clark(8) consideram que
todos indivíduos têm algum "grau" de saúde, seja quando se encontra em ótimas
condições até quando estão enfermos, o que permite pensar na saúde, na doença e
na invalidez em uma "escala graduada". A perda da saúde pode ser causada por
"agentes patológicos animados e inanimados, pelas características inerentes ou
adquiridas pelo homem e pelos muitos fatores de meio ambiente em que o homem
vive"(8:10). Assim, a doença é vista como um processo contínuo, ocasionada pelo
desequilíbrio entre as forças biológicas, físicas, mentais e sociais.
Estes autores acreditam que o processo da doença acontece em dois períodos,
denominados pré-patogênese e patogênese. O primeiro ocorre por meio da
interação entre os fatores relacionados com o agente potencial, o hospedeiro e
o meio ambiente. No segundo, a primeira interação do homem com os fatores
determinantes da doença, sem que o equilíbrio seja restabelecido ou alcançado,
resulta na mudança de forma e função, até um defeito, invalidez ou morte.
A associação destes dois períodos, com vistas às ações preventivas, foi
denominada a História Natural de uma Doença que
compreende todas as inter-relações do agente, hospedeiro e do meio
ambiente que afetam o processo global e seu desenvolvimento, desde as
primeiras forças que criam o estímulo patológico no meio ambiente ou
em qualquer outro lugar, passando pela resposta do homem ao estímulo,
até às alterações que levam a um defeito, invalidez, recuperação ou
morte(8:15).
Assim, baseados na história natural, sugerem a prevenção da doença em três
níveis: primário, secundário e terciário. Prevenção entendida como o ato de
"antecipar, preceder, tornar impossível por meio de uma providência precoce"(8:
10).
A prevenção primária, feita no período da pré-patogênese, desenvolve medidas de
proteção específica do homem contra agentes patológicos ou estabelece barreiras
contra os agentes do meio ambiente. Na prevenção secundária, o processo
patológico já está instalado (patogênese), portanto a mesma se dá por meio do
diagnóstico precoce e tratamento imediato e adequado, procurando evitar as
seqüelas e a invalidez. Posteriormente, na presença de defeitos ou invalidez,
atua-se na prevenção terciária, por meio da reabilitação.
A medicina preventiva tem como objetivos "promover um estado de saúde positivo
ou ótimo, evitar a perda da saúde e a invalidez depois que o homem foi atacado
pela doença"(8:10). Neste contexto, a clínica tem como objeto a doença em sua
dimensão individual. Assim, considera que a medicina preventiva amplia o objeto
de intervenção à categoria problemas de saúde, incluindo não só as doenças em
sua expressão populacional, mas também os fatores populacionais que a
condicionam(7).
Esta noção de níveis de prevenção foi incorporada ao discurso da Medicina
Comunitária, na década de 60, e serviu de orientação para o estabelecimento de
níveis de atenção no sistema de serviços de saúde, o que foi amplamente
difundido com o movimento da Saúde Para Todos no Ano 2000 e da Atenção Primária
à Saúde - APS(9).
Nos países em desenvolvimento, a APS vem subsidiando a elaboração e
implementação de políticas de descentralização da gestão e redefinição da
oferta de serviços nos sistemas de saúde, constituindo-se um dos eixos das
propostas de reforma preconizadas pelos bancos credores por meio da implantação
de programas de saúde da família(9).
O modelo biomédico hegemônico e o desenvolvimento de práticas de saúde
centradas no cuidado individual, com a incorporação de tecnologia de produção
extremamente desenvolvida e de elevados custos, têm gerado a necessidade de
reformas dos sistemas de saúde.
No Brasil, a maior parte das propostas de reforma do modelo médico-
assistencial, têm como centro de discussão a integração entre ações coletivas e
individuais, tomando como base a concepção ecológicaª do processo saúde-doença
e a organização dos níveis de prevenção /níveis de atenção à saúde em sistemas
descentralizados, hierarquizados, regionalizados(9).
No momento atual, a tensão conceitual e política em torno de distintas
abordagens acerca do processo saúde-doença e das formas de organização social
que respondem aos problemas e necessidades de saúde, evidencia-se em duas
tendências (opostas, mas complementares) na produção científica em saúde,
originando várias propostas e estratégias de ação no âmbito da atenção médica,
da saúde pública e da saúde coletiva(9).
Na produção de conhecimentos observa-se o desenvolvimento de um neo-organicismo
com o avanço da engenharia genética e da biologia molecular, trazendo no
universo microscópico a gênese dos processos mórbidos individuais. Nas
propostas de mudança das práticas de saúde, este processo inclui o debate sobre
o desenvolvimento de tecnologias diagnósticas e terapêuticas originadas da
aplicação das descobertas do Projeto Genoma Humano, o que tem sido denominado
de Medicina Preditiva(9).
Nas políticas e práticas de saúde, evidencia-se a coexistência de vários
processos e movimentos, que se articulam e se contrapõem. Assim, desenvolve-se
um processo de reprodução do modelo de atenção médico-hospitalar de alta
tecnologia e, paralelamente, busca-se a redefinição das ações coletivas
instrumentalizada pelos avanços da investigação clínico-epidemiológica (Saúde
baseada em evidências), ao mesmo tempo em que se difunde a proposta de Promoção
da Saúde como um modelo de maior consenso com a complexidade da situação de
saúde, principalmente nas áreas urbanas.
O avanço no campo de Saúde Coletiva tem possibilitado um outro olhar na
articulação da Epidemiologia crítica com a elaboração de propostas de mudanças
nas formas de organização tecnológica do processo de trabalho em saúde. Assim,
tratamos da proposta da construção da Vigilância da Saúdeb, que integra os
vários níveis de prevenção, com ênfase nas políticas públicas saudáveis e em
ações sociais organizadas, objetivando a defesa da saúde e a melhoria das
condições de vida(9).
A Vigilância da Saúde procura articular o enfoque populacional (promoção) com o
enfoque de risco (prevenção) e o enfoque clínico (assistência), conforme a
proposta da História Natural da Doença, porém com uma visão ampliada do
processo saúde-doença, constituindo-se, assim, uma estratégia de organização de
um conjunto heterogêneo de políticas e práticas que assumiriam configurações
específicas dependendo da situação de saúde da população em cada localidade
(país, estado, município)(9).
Neste contexto, a prevenção de doenças e dos acidentes organiza-se como modo de
olhar e estruturar intervenções que procuram antecipar-se a estes eventos,
atuando sobre problemas específicos ou sobre um grupo deles, de modo a alcançar
indivíduos ou grupos em risco de adoecer ou acidentar(10).
A implementação da proposta de Vigilância da Saúde é um desafio em todos os
níveis do sistema e, principalmente, para o nível municipal, que no processo de
consolidação do SUS, busca reorientação do modelo assistencial, desenvolvendo
ações de promoção da saúde, reorganizando os programas e as práticas de
prevenção de riscos e agravos em grupos populacionais específicos e redefinindo
o perfil de oferta de serviços médico-hospitalares.
3 Percurso metodológico
A importância da incorporação dos Agentes Comunitários de Saúde no trabalho da
saúde e o desafio de buscar compreender na realidade empírica as atividades por
eles realizadas levou-nos à opção pelo Materialismo Histórico e Dialético como
referencial teórico metodológico, porque este nos permite conceber que a
realidade nunca é captada na sua totalidade e ainda porque nos propicia
estabelecer relações entre o teórico e o empírico e a possibilidade de fazer
transformação a partir de uma nova visão da realidade construída pela relação
dialética.
No nosso entendimento a concepção dialética significa o modo de pensar as
contradições na qual a realidade é essencialmente processo, mudança e devir. É
essa contradição que permite a constante transformação da realidade pela ação
dos homens(11).
Este estudo foi descritivo-analítico de abordagem qualitativa, pois "um
fenômeno pode ser melhor compreendido no contexto em que ocorre e do qual é
parte, devendo ser analisado numa perspectiva integrada"(12:21).
Os dados foram coletados com os ACSs integrantes das 12 (doze) equipes de saúde
da família, utilizando-se questionário, observação direta do trabalho dos
sujeitos da pesquisa e entrevistas individuais não-estruturadas. As informações
coletadas nas entrevistas individuais com os ACSs foram organizadas de acordo
com o processo metodológico do Discurso do Sujeito Coletivo - DSC, "proposta de
organização e tabulação dos dados qualitativos de natureza verbal, obtidos de
depoimentos, artigos de jornal, matérias de revistas semanais, cartas, papers
de revistas especializadas, etc"(13:5).
4 O agente comunitário de saúde de Divinópolis
No município de Divinópolis, o ACS deve ter idade acima de 18 anos, ter
concluído o 1º grau, morar no município e na área de atuação por no mínimo 02
anos, estar disponível para trabalhar 08 horas diárias, ter espírito de
liderança e de solidariedade.
Os ACSs foram selecionados por meio de um processo no qual estiveram envolvidos
a comunidade, os profissionais das equipes e a coordenação do PSF. Inicialmente
cada comunidade das áreas de abrangência do PSF indicou, após eleição por
expressivo contingente populacional, dois candidatos que estivessem dentro dos
critérios pré-estabelecidos e já citados neste texto. Os candidatos passaram
pela capacitação, com o Curso Introdutório, e submetidos a exame escrito em
relação ao conteúdo dado. Em seguida, foram entrevistados individualmente,
sendo selecionado um ACS de cada microárea. O processo de seleção realizado
naquela época condiz com a atual Lei n. 10.507 de 10.07.2002, que cria a
profissão de ACS e preconiza que o mesmo deve residir em sua área de
abrangência(14).
Os ACSs são predominante do sexo feminino, correspondendo a 87,75% do total.
Conforme nos diz Silva, M.J. (1997), historicamente, a participação feminina
sempre esteve ligada ao cuidado, seja com o doente, a criança ou a família.
A maioria dos ACSs está na faixa etária entre 20 a 39 anos, ou seja, são
considerados adultos jovens, no auge da capacidade produtiva.
Mais de 50% dos ACSs são casados. Se considerarmos que a maioria é mulher e
casada, pressupõe-se uma segunda jornada de trabalho, o doméstico, o que pode
ser um dificultador, pois acrescenta mais esforço físico a um trabalho que já
demanda elevada atividade física.
O município de Divinópolis exige o 1º grau completo para o cargo de ACS, como
foi dito anteriormente, porém os dados nos mostram que 77,55% dos agentes têm
2º grau completo e até mesmo estão cursando o 3º grau, fato surpreendente se
considerarmos que este cargo não tem progressão funcional e conta com baixos
salários.
Um estudo realizado no estado do Ceará, com os ACSs, menciona que a
escolaridade destes fica em torno do 4ºano primário, e alguns são analfabetos.
Em outro contexto, a escolaridade fica em média 50 % acima do 1º grau completo
(15,16).
Mais de 80 % dos ACSs trabalham no PSF de Divinópolis por um período superior a
dois anos, com predominância entre dois a três anos. Esta permanência se
justifica por não haver influência político-partidária na forma de contratação,
haja vista que o processo seletivo teve a participação efetiva da comunidade,
com a aquiescência do poder público. Podemos também observar em equipes
formadas há mais de 1 ano, que os ACSs permanecem por tempo superior a este
período, gerando uma certa 'estabilidade' nas equipes e a possibilidade de
manter a continuidade, sem idas e vindas, no processo de trabalho(15,16).
Em relação à experiência anterior na área da saúde 87,50% dos ACSs não
apresentavam nenhuma no momento da seleção, demonstrando que a maioria não tem
nenhum saber formal na área da saúde. Dos que responderam positivamente, 50%
são auxiliares de enfermagem.
Verificamos, também, que 97,92% dos agentes fizeram o curso introdutório,
elaborado pela Secretaria Municipal de Saúde, consubstanciado nos dados
epidemiológicos do município. Pelos dados do monitoramento 60,90% dos ACSs do
estado de Minas Gerais receberam o treinamento introdutório, o que demonstra
que Divinópolis se encontra em situação mais favorável do que a maioria dos
municípios(14). Estes agentes continuam em um programa de educação continuada,
elaborado pelo próprio município, onde mensalmente são ministrados conteúdos
relevantes identificados como vazios de conhecimentos e necessários à prática
cotidiana deles.
O conteúdo do Curso Introdutório (Gontijo, 1998) foi ministrado por uma equipe
multiprofissional, formada de técnicos do próprio município, para todos os
componentes das equipes e contemplou os seguintes temas:Trabalho em equipe,
Sistemas locais de saúde, Atenção primária à saúde, Diagnóstico de saúde da
comunidade, Análise da situação de saúde, Planejamento estratégico e
participação social, Programas Prioritários e Supervisão e avaliação.
Quanto ao conteúdo dos temas da educação continuada, podemos observar a
predominância de assuntos relacionados ao cuidado individual e às doenças, o
que contradiz a própria concepção da estratégia da Saúde da Família, do
trabalho coletivo e de ações voltadas para a promoção da saúde e a prevenção de
agravos, sem desconsiderar que a doença existe(17).
5 Ações desenvolvidas pelo ACS no cotidiano da ESF do PSF de Divinópolis
Os ACSs das equipes do PSF de Divinópolis desenvolvem um amplo leque de ações,
algumas estabelecidas de acordo com sua capacidade de exercê-las e dentro do
proposto pelo MS, outras fora do seu âmbito de ação, pois dizem respeito ao
exercício de outros profissionais.
O processo de trabalho das equipes é bastante diversificado, mas no geral os
ACSs executam atividades que podem ser classificadas em burocráticas,
vigilância à saúde, informação, comunicação, educação para a saúde, organização
da demanda, de outros profissionais, apoio social e outras.
Nas ações denominadas burocráticas os ACSs estão o planejamento das ações,
registros e consolidação dos dados e cadastramentos e reuniões de equipe.
As ações de Vigilância à saúde, realizadas pelos ACSs, têm na visita domiciliar
um instrumento para sua efetivação, uma vez que é por meio desta que vão
conhecer a população de sua área de abrangência e perceber os riscos à saúde
das famílias das áreas de atuação(10).
Assim, os ACSs fazem o acompanhamento mensal de hipertensos, diabéticos,
gestantes, crianças de 0 a 5 anos, acamados, de parturientes e recém-nascidos,
mulheres, ou seja, aos grupos considerados de risco, onde orientam o
autocuidado e a prevenção de agravos à saúde, e ainda aos completamente sãos
para verificar se o indivíduo permanece sem doença. Durante a visita os ACSs
verificam o ambiente domiciliar no sentido de orientarem a higiene, evitando
assim a presença do mosquito da dengue e a verminose, e o plantio de hortas.
A educação para a saúde é realizada por meio de orientações individuais aos
grupos de risco, como citado anteriormente, à participação nos grupos de
hipertensos, diabéticos, gestante e mulheres, e em palestras para famílias e
comunidade, nas quais, entre outros temas, são abordados a higiene, o uso de
drogas e a hipertensão arterial.
As ações que denominamos organização da demanda são os agendamentos, de
consultas, preventivo, puericultura,e visitas domiciliares com os profissionais
de nível médio e superior.
Nas ações de comunicação e as de informação, respectivamente, estão presentes
atividades comoavisar reuniões de hipertensos, diabéticos, gestantes, mulheres,
data dos agendamentos, dar informações sobre o funcionamento da unidade de
Saúde da Família, além de servir como 'mensageiro' da equipe entregando exames
e pedidos de exames, medicamentos, receita, às vezes multimistura,
acompanhamento para especialista(16).
Ainda neste contexto, o ACS se articula com a comunidade para estimular a
participação popular, através das Associações Comunitárias e dos Conselhos
Locais de Saúde.
Além de desenvolver ações atribuídas à sua condição técnica, o ACS faz, no dia
a dia, atividades próprias de outros profissionais, tais como ajudar na
recepção, na pré e pós-consulta, na puericultura, a organizar o arquivo, quando
há ausência de algum profissional ou se a auxiliar de enfermagem precisar de
apoio. E, atualmente, os agentes são responsáveis pela limpeza da unidade de
Saúde da Família.
Na comunidade o agente ainda exerce um papel social, em decorrência do
envolvimento com a comunidade, auxiliando-a em momentos das mais variadas
dificuldades(17).
6 Considerações finais
O ACS tem como papel fundamental, senão prioritário, desenvolver ações que
estimulem a comunidade à promoção da saúde e prevenção de doenças.
Muitos avanços foram obtidos neste sentido, sendo a implantação do Programa de
Saúde da Família um dos que mais proporcionam a efetivação destas ações, uma
vez que atinge a população em sua comunidade e em seu domicílio, além de dar um
enfoque diferente na atenção à saúde, ou seja, está tentando sair do modelo de
assistência biomédico para o modelo de vigilância da saúde. Assim o PSF, entre
outras ações, pode proporcionar um estímulo à qualidade de vida e às condições
de saúde, sob a visão da promoção da saúde(4).
No PSF de Divinópolis, os ACSs têm executado todas as atribuições preconizadas
pelo MS, e o que se observa é que dentro da linha da promoção da saúde,
estabelecida na Carta de Ottawa, o discurso do sujeito coletivo mostrou que sua
atuação tem se pautado na criação de ambientes favoráveis à saúde, no
desenvolvimento de habilidades e reforço da ação comunitária. Porém algumas
considerações são necessárias para a compreensão deste agir do ACS.
Na criação de ambientes favoráveis à saúde, sua ação limita-se à higiene
domiciliar e aos cuidados com lixo exposto, predominantemente nos quintais, com
vistas, principalmente, ao controle da dengue, doença que tem assolado o Brasil
nos últimos 3 (três) anos. Ou seja, neste segundo aspecto suas ações se
direcionam à prevenção de uma doença que já está acometendo a população e não
no sentido de melhorar o ambiente físico em que reside a população de sua área
de abrangência.
Em relação ao desenvolvimento de habilidades, a participação do ACS tem sido
muito ampla, pois atua na educação para a saúde individual e coletiva, por meio
da visita domiciliar, grupos e palestras, levando à comunidade informações e
conhecimento sobre o processo saúde-doença. Além disso, envolve a comunidade na
resolução de problemas, conscientizando-a sobre os agravos presentes no seu
território.
Aqui, também, se observa um enfoque na doença, pois as ações dos ACSs são,
predominantemente, direcionadas a grupos de risco. Pouco se faz no sentido de
orientar a população sadia a permanecer como tal, não só no nível individual
como no coletivo.
Outra questão interessante é que, mesmo sendo o programa direcionado à saúde da
família, em nenhum momento da fala dos agentes surge a família como seu foco de
atenção, e sim a visita domiciliar ao indivíduo, a participação em grupos
educativos para portadores de doenças crônicas. Não se observou no trabalho dos
ACSs o planejamento de ações voltadas à família, mas somente ao indivíduo.
O envolvimento da comunidade está presente quando o ACS a insere nas resoluções
sobre problemas de saúde que afetam a população e nas decisões acerca de
alternativas para os diversos agravos presentes na área de abrangência, por
meio da efetiva participação nos Conselhos Locais de Saúde.
Nos outros campos de ação defendidos na Carta de Ottawa, 'construção de
políticas públicas saudáveis e reorientação dos serviços de saúde', não se
evidencia o envolvimento dos ACSs em ações que possam ter influência nestes
campos.
Em relação à prevenção de doenças, estas podem estar direcionadas a indivíduos,
grupos sociais ou para a sociedade em geral(10). Neste sentido, os ACSs têm
atuado de maneira bastante ampla, por meio da vigilância à saúde, com controle
pré-natal e da imunização, uso adequado de medicamentos, controle da dengue,
melhoria dos hábitos de higiene, entre outros, e educação para a saúde,
utilizando a orientação individual e em grupo e divulgação do conhecimento para
a coletividade.
Mesmo sendo política do governo municipal a reorganização do modelo
assistencial com ênfase na promoção da saúde e prevenção de doenças, e levando-
se em consideração o conceito ampliado de saúde, ainda não ocorreu esta mudança
do modelo, pois o ACS e a ESF estão sendo capacitados em função das doenças
(17).
Os ACSs estão desenvolvendo ações que não são de sua atribuição, as quais, além
de consumir parte significativa do seu trabalho, descaracterizam-nos aos olhos
da comunidade, que passa a vê-los como auxiliares de serviços gerais e de
enfermagem, dando-lhes uma conotação de 'faz tudo' dentro do PSF.