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BrBRCVHe0034-71672004000100005

BrBRCVHe0034-71672004000100005

National varietyBr
Country of publicationBR
SchoolLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN0034-7167
Year2004
Issue0001
Article number00005

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Como os enfermeiros percebem a sua atuação nos conselhos de saúde?

1 Introdução A participação da população foi incorporada como diretriz do Sistema Nacional de Saúde na Constituição Federal, no inciso III do artigo 198, Seção II(1), como resultado de muitas lutas e pressões conduzidas pelo movimento sanitário brasileiro, a partir de meados da década de 1970.

Essas lutas, protagonizadas por amplos movimentos sociais, expressam a tentativa de ampliar esferas públicas, conquistas e direitos, e tiveram um papel fundamental na construção do Estado e da sociedade brasileira a partir de 1980, início do período de transição para a democratização no país.

Essa nova visão da participação, que aqui se denomina de participação social, ao pretender dar conta das relações entre o conjunto dos segmentos sociais e o Estado, não se apresenta propriamente como proposta de um sujeito social específico, mas vai ganhando o status de um modelo geral/ideal de relação Estado-sociedade(2:25).

A Lei Orgânica da Saúde, lei federal 8.080, de 19 de setembro de 1990, no Capítulo II, art. , inciso VII(3), explicita mais detalhadamente o que está disposto na Carta Magna a respeito da participação da comunidade, e a lei federal 8.142, de 28 de dezembro de 1990, dispõe sobre essa participação no Sistema Único de Saúde (SUS)(4).

A lei n. 8.142/90, em seu artigo , determina a participação da comunidade no setor da saúde por meio de duas instâncias colegiadas, a Conferência de Saúde e o Conselho de Saúde. Presentes nas três esferas do governo, essas instâncias conformam o que, na atualidade, denominamos de mecanismos de controle social na saúde.

Em Goiânia, tem-se observado que a participação dos enfermeiros nos Conselhos e nas Conferências de Saúde tem avançado a partir de 1995. O processo da municipalização, descentralizando as ações de saúde, tem alavancado a criação dos Conselhos Locais, e os enfermeiros têm contribuído nesse processo.

Pode-se observar que existem enfermeiros participando como membros dos Conselhos Municipais e do Estadual e outros coordenando os Conselhos Locais de Saúde. Verifica-se que a presença desses profissionais nas Conferências de Saúde demonstra que eles estão preocupados em dar sua contribuição.

Esse artigo é parte da dissertação de mestrado intitulada A Participação dos Enfermeiros nos Conselhos de Saúde em Goiânia, Goiás. Uma das motivações para a escolha desse objeto de estudo deve-se à implicação dos investigadores com movimentos de organização política no setor da saúde e na enfermagem, pois, como presidente da Associação Brasileira de Enfermagem da Seção Goiás na gestão 1998-2001, tivemos a oportunidade de representar a entidade no Conselho Municipal de Saúde (CMS) de Goiânia como Conselheiro Titular e como Conselheiro Suplente representando o Sindicato dos Enfermeiros do Estado de Goiás, no Conselho Estadual de Saúde; ainda continuamos no Conselho Municipal de Saúde, no momento representando a Universidade Católica de Goiás.

Como membros da Comissão de Acompanhamento e Assessoria aos Conselhos Locais de Saúde de Goiânia, acompanhamos a participação dos enfermeiros tanto nesses Conselhos e no CMS quanto em outras instâncias de controle social, como o Conselho Estadual de Saúde, ou como delegados, no Orçamento Participativo do município de Goiânia.

Pudemos observar que, no dia-a-dia, até enfermeiros aposentados davam a sua contribuição. Isso nos levou a indagar pelos motivos que levam esses enfermeiros a esse agir, quais as suas concepções e os seus propósitos e que dificuldades são por eles enfrentadas, bem como a forma que percebem a sua atuação nesses fóruns, sendo apenas essa última abordagem tratada no presente artigo.

Embora o enfoque social da profissão, como o compromisso social, ético e político, venha sendo tratado por diversos autores, entendemos que ainda seja pouco tratado na literatura de enfermagem. Por isso, propomo-nos fazer um estudo sobre esse tema, levando em conta, num primeiro momento, apenas os enfermeiros, pela posição de coordenadores que ocupam em relação à equipe de enfermagem.

Como trabalhadores do SUS, os enfermeiros atuam em centros de saúde, hospitais, prontos-socorros, Programas de Saúde da Família, postos de saúde e unidades de pronto atendimento exercendo funções relacionadas à gerência, ao cuidado, à educação permanente, promoção da saúde, pesquisa e assessoria(5).

Tanto os campos de atuação como as funções citadas permitem um contato direto com as demandas e necessidades de saúde das coletividades, conferindo ao enfermeiro um conhecimento da problemática de saúde da sua região, o que é fundamental para o controle social no setor da saúde.

É importante o compartilhamento entre enfermeiro e clientela nos processos e mecanismos de luta popular como Conselhos de Saúde, Conferências e Orçamento Participativo entre outros: É constatável que o trabalho compartilhado entre profissional de saúde e clientela traz imenso benefício para o processo da luta popular pela garantia de direitos e para a visibilidade do profissional de enfermagem como aquele que está ao lado das pessoas e coletividades, na qualidade de trabalhador de saúde e atuante cidadão defensor das políticas de bem-estar social(6:12).

Ao se pensar claramente sobre a quem os enfermeiros estão servindo, será possível identificar quais as alianças e os pactos assumidos na prática cotidiana, pois é esta que delineia a imagem pública do profissional "e não o discurso acadêmico idealizado"(6:13). E completa: Na visualização de espaços vazios ou pouco trabalhados, carentes de atuação política, duradoura e aberta a inovações, a enfermagem deve ser capaz de reconhecer onde sua força de trabalho tem mais significado para as pessoas e coletividades(6:14).

Este estudo tem como objetivo analisar como as enfermeiras que participam dos Conselhos de Saúde em Goiânia percebem a sua atuação nesses fóruns.

2 Metodologia No intuito de captar informações que comumente não são apreensíveis por metodologias preocupadas com a generalização, optou-se por uma abordagem qualitativa pois esta incorpora a questão do significado e da intencionalidade como inerentes aos atos, às relações, e às estruturas sociais, sendo essas últimas tomadas tanto no seu advento quanto na sua transformação, como construções humanas significativas(7:10).

Do cenário do estudo fizeram parte o Conselho Municipal de Saúde de Goiânia, Goiás, o Conselho Estadual de Saúde, sediado em Goiânia, e os Conselhos Locais de Saúde localizados nas Unidades de Saúde do município, coordenados pelo Conselho Municipal.

Os sujeitos da pesquisa foram escolhidos entre os enfermeiros que atuam ou atuaram nos Conselhos Estadual, Municipal ou Locais de Saúde a partir de 1995 e que aceitaram participar do estudo. Esse período foi escolhido por duas razões: os Conselhos de Saúde se encontravam mais consolidados nessa época e foi nesse período que a Associação Brasileira de Enfermagem - Seção Goiás deu início à sua representatividade nos Conselhos.

Outro critério utilizado para a escolha dos sujeitos foi o de região do município, de modo que contemplasse a atuação dos enfermeiros conselheiros nas diversas regiões.

As informações foram colhidas por meio de entrevista não estruturada, reconhecendo-a como uma situação de interação pesquisador/pesquisado(7).

O encerramento do número de entrevistas deu-se quando foram entrevistadas as representantes de todos os segmentos que compõem o sistema paritário de representatividade nos Conselhos de Saúde do município de Goiânia em diferentes regiões. Foram analisadas 14 entrevistas com enfermeiras conselheiras.

O anonimato foi preservado(8). Foram feitos os esclarecimentos necessários, explicação detalhada do estudo e colhida a assinatura no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Todas as entrevistadas são mulheres, 14,2% com idade entre 20 e 30 anos; 42,9%, entre 31 e 50 anos, e 42,9%, acima de 51 anos. Existe um pequeno número de enfermeiras formadas pouco tempo, nos Conselhos de Saúde. A maioria formou- se antes da criação dos Conselhos de Saúde em Goiânia, isto é, antes de 1991.

Quanto ao local de trabalho, 78,6% trabalham na Secretaria Municipal de Saúde; 14,3%, em universidades, como professores, e 7,1% são aposentadas. A maioria revela que atuou ou ainda atua em outras frentes de movimentos comunitários.

Das entrevistadas, 85,8% possuem especialização, que são, em sua maioria (57%), em Saúde Pública, e 50% fizeram o Curso de Capacitação para Conselheiros promovido pelo Ministério da Saúde e pela Secretaria Estadual de Saúde em abril de 2003. Esse foi o primeiro curso mais sistematizado oferecido aos conselheiros do município de Goiânia.

Para o tempo de participação nos Conselhos, observamos que 71,6% dos enfermeiros situam-se entre dois e quatro anos, tempo, a nosso ver, suficiente para adquirir uma razoável experiência.

Quanto à representatividade desses profissionais, pode-se perceber que as enfermeiras estão fazendo parte de todos os segmentos que compõem o sistema paritário dos Conselhos de Saúde, pois 43% são representantes dos gestores, 14,2% representam os usuários, 35,7%, os trabalhadores em saúde e 7,1%, os prestadores de serviços de saúde.

Para a análise das informações, foi considerado o quadro epistemológico da proposta de Análise do Discurso(7), a qual trabalha a linguagem como unidade significativa e pragmática, expressando o contexto situacional pelo sentido.

3 A percepção da própria atuação pelas enfermeiras Existem diferenças significativas nos modos como as enfermeiras conselheiras percebem a sua atuação. As formas de percepção relacionam-se ao contexto e à subjetividade de cada uma delas.

As conselheiras representantes dos usuários dizem: Eu tenho muito interesse em estar participando das reuniões, refletindo com o grupo, discutindo os problemas, analisando a situação e a gente tentando dar resolutividade aos problemas que são abordados, destacados [...](E7).

Ela diz ainda: [...] porque fui escolhida pela comunidade como representante dos usuários, houve uma eleição toda é... criteriosa, as pessoas escolhem a gente, então é um privilégio estar representando(E7).

A fala traduz uma postura de respeito com o usuário e de reverência com o cargo que ocupa, considerando um privilégio a representação.

Eu analiso a minha participação como boa... boa. Sou assídua, não falto às reuniões, tento, realmente, levar alguma contribuição nas nossas reuniões mensais, depois a gente tenta repassar para a comunidade(E2).

Essas falas traduzem o pensamento de que a sua participação no Conselho é importante, por isso, o interesse para uma efetiva contribuição.

Ser assíduo, refletir com o grupo, discutir problemas, analisar situações, resolver problemas são, como se sabe, um trabalho árduo e longo, pois envolve tanto a autoprodução como a produção de outros sujeitos coletivos para a autonomia e apreensão de responsabilidades sociais.

Uma representante dos gestores diz: Eu cheguei no Conselho nua e crua; eu acredito que aprendi muito, eu mais aprendi com eles do que passei, e estou vendo a minha participação como um crescente aprendizado em relação ao controle social, à minha profissão e ao sistema de saúde (E10).

Essa entrevistada é gestora, mas se coloca na posição de aprendiz no Conselho, na busca de crescimento. Outra expressão dela em relação a sua atuação é: Eu me sinto bem; eu me sinto bem em estar junto com a população, junto com esses conselheiros, porque nosso Conselho é aberto à população e a população que não é conselheira também participa ativamente desse Conselho (E10).

Percebe-se um entusiasmo na fala de E2, motivado, certamente, pela participação de todos no Conselho, o que coincide com a fala de outras entrevistadas quando afirmam que o envolvimento da comunidade é estimulador para elas.

Outra gestora percebe a sua atuação da seguinte forma: [...] Eu acho que é motivo de preocupação quando existe corporativismo. Agora, analisando a minha participação é uma coisa que me preocupa, é que haja realmente um questionamento, que os conselheiros tenham aquele senso crítico, de participar, eu tento sempre me policiar para que isso não aconteça, eu enquanto gestora...

nós não podemos cair nessa tentação de monopolizar... eu tenho me preocupado com isso, com o crescimento dos conselheiros, que sejam autônomos, que representem, e que não haja corporativismo (E1).

Essa fala revela preocupação com a ampliação da politização em relação aos conselheiros.

São duas falas diferenciadas em razão do tempo de participação, uma gestora participa do Conselho apenas sete meses (E10) e a outra, quase quatro anos (E1). Percebe-se a evolução da politização nas falas, que se traduz no uso de termos como questionamento, autônomos, monopolizar, corporativismoe que nos permite visualizar como os sujeitos se autoproduzem no exercício democrático.

Assim, para revolucionar a base da sociedade, é necessário transformar "a cabeça e o comportamento de cada trabalhador, alterando as normas e procedimentos de cada e da maioria das instituições e modificando a cultura e a distribuição de poder em toda a sociedade". Acreditamos nessa possibilidade ou nos "descabelamos" ou nos "transformamos em neoliberais: que tudo se privatize e que cada um cuide do seu próprio interesse".(9:46) As enfermeiras conselheiras gestoras demonstram acreditar nessa possibilidade de transformação, como vimos, e expressam as contradições do seu contexto vivencial, como se transformar primeiro em aprendiz, policiar-se para não monopolizar, preocupar-se com a politização dos usuários e outras.

Outra dimensão notada nas falas é que a existência da busca ou do exercício da democracia permite a explicitação de conflitos os mais diversos advindos dos interesses, dos preconceitos, das diferenças e dos egoísmos de cada grupo ou segmento, os quais devem ser tratados cotidianamente, regularmente. Nesse ponto, as conselheiras gestoras têm um papel preponderante no encaminhamento dessas questões, o que preocupa a entrevistada E1, quando se refere aos corporativismos.

A representante dos prestadores de serviços no Conselho Estadual, no caso a Universidade, diz: Eu creio que o meu papel fundamental é de apoio técnico, porque é uma das coisas que mais faltam pras pessoas poderem tomar uma decisão (E13).

A conselheira percebe, como docente, os limites de outros participantes na capacidade de intervenção política evidenciada pelo despreparo técnico e posiciona-se como elemento de apoio, como referido. Ela diz sentir-se Algumas vezes impotente, algumas vezes frustrada, outras vezes satisfeita, conforme as coisas vão se passando; por exemplo, faz-se um projeto estabelecendo metas para os municípios, cobertura vacinal, quanto vai melhorar a mortalidade infantil, quanto que vai ter de controle de DST etc., que, no final do ano, daria agilidade no sentido de identificar os problemas e transformar em soluções, em propostas razoáveis, que, infelizmente, os municípios não dispõem de técnicos para elaborar essas propostas então, passou, mas não passou, passou teoricamente, não funciona e a gente tem que compreender por quê(E13) A conselheira expressa um sentimento de impotência resultante da não- resolutividade dos problemas por despreparo técnico dos recursos humanos nos municípios, no sentido de elaborar propostas com base em resultados de projetos estabelecidos com metas para a atenção à saúde.

Um dos motivos de a Reforma Sanitária não ter avançado mais em relação à resolutividade está relacionado à ausência da articulação entre instituição de ensino e serviço. A qualificação dos recursos humanos para a saúde deve partir de situações concretas e consonantes com a política de saúde(10). Como refere a mesma entrevistada, [...] eu acredito que o principal problema hoje é a capacitação dos profissionais de saúde. Capacitar os profissionais para a sua realidade, para ter uma maior eficiência no trabalho. Eu acho que esse é o fundamental. Não para os profissionais que estão na ponta, mas no nível central(E13).

Uma representante dos trabalhadores no Conselho Municipal diz: A minha participação poderia ser muito boa, poderia [...] e às vezes, algum dia, eu possa vir a ser uma boa conselheira [...] eu estou presente, mas eu não teria capacitação para apresentar propostas que beneficiasse [...] para a enfermagem e para a população conseqüentemente; então hoje eu me acho uma conselheira medíocre, mas estou sabendo escutar(E14).

A enfermeira/conselheira coloca-se numa posição dequase ouvinte porque se considera despreparada para enfrentar os desafios decorrentes das complexidades que o papel de conselheiro exige. Ela vai ainda mais longe: Eu me sinto tímida e me sinto também escanteada, escanteada não por colegas, eu me escanteio, eu me ponho na reserva, talvez pela minha insegurança de expor [...](E14).

A problemática da formação para uma qualidade política é expressa nessa fala em que a conselheira expõe a sua insegurança para a participação no Conselho. Esse fato o que pensar, isto é, refletir criticamente sobre a politicidade versusinstrucionismo imperante no ensino de Enfermagem.

Com respeito à qualidade política, além da óbvia conveniência do exercício próprio da cidadania, participar do sindicato, por exemplo, torna-se crucial aflorar no saber pensar o saber intervir. Sem desvincular artificialmente qualidade formal e política, precisa potenciar as energias disruptivas da capacidade de argumentar, fundamentar, pesquisar, elaborar, de tal sorte que o conhecimento formal compareça como estratégia diretamente conectada com a possibilidade de intervenção alternativa. Não é assim que, primeiro se faz a qualidade formal, e somente depois se pensa na qualidade política(11).

Percebe-se que existem diferenças entre a atuação de uma enfermeira conselheira representante de trabalhadores em âmbito local e de uma outra em âmbito municipal, pois, nos Conselhos Locais, a percepção da própria atuação é propositiva, as enfermeiras sentem-se, de forma geral, mais capacitadas em relação ao seu papel que os demais conselheiros, com exceção das mais novas, com menos tempo de atuação.

Nesse ponto, é possível questionar as nossas diferentes posturas em relação aos demais conselheiros quando estamos na ponta dos serviços (nível local) ou num patamar mais elevado na hierarquia desses serviços ou Conselhos.

Também, pode-se reportar a um aspecto abordado por Gerschman(12) sobre a necessidade da construção de sujeitos sociais capazes de reproduzirem a democracia.

também expressões de frustração na atuação, como na seguinte fala da representante dos trabalhadores: Olha, frustrada, não é? Porque a população não participa [...] então eu fiquei um pouco assim [...] triste com isso [...] mas ninguém quer, ninguém se dispõe a trabalhar, passar um sábado numa reunião, domingo, uma reunião o dia todo, isso me deixa um pouco frustrada (E6).

Essa fala expressa a frustração e tristeza da entrevistada E6 pelo não- envolvimento da comunidade.

A questão da participação dos usuários foi tratada, entretanto, a fala reporta aos meios que utilizamos e que podem não ter correspondência junto a população. Não questionamos a esse respeito no momento da entrevista, mas pode- se pensar no porquê das reuniões serem aos sábados ou domingos e o dia todo.

Como representa os trabalhadores, a fala dessa entrevistada E6, também, coincide com outras em relação a querer a presença da comunidade nas reivindicações.

Pode-se perceber que as políticas de saúde estão sendo construídas, os espaços de participação, embora incipientes, estão abertos, o corpo teórico relacionado à participação social em saúde vai-se conformando gradativamente e crescendo em importância, até com reconhecimento internacional, várias estratégias para provocar mudanças são utilizadas como laivos reformistas e governos populares.

Entretanto, esses fatores não se traduzem em um salto maior na resolutividade dos problemas de saúde da população.

Campos(9) julga que um dos motivos dessa situação é que não se tem dado a importância devida aos processos de produção de sujeitos sociais dotados de vontade política e de projetos de reformas. Portanto, nada vai acontecer se não houver a incorporação dos profissionais de saúde ao projeto da Reforma Sanitária(9).

Campos(9) com base em Gramsci, diz que a existência de sujeitos autônomos e instituições democráticas podem acontecer no dia [...] em que descobrirmos que todo homem pode ser um filósofo, sujeito, gestor do bem estar da civilização. Todos, sem exceção de renda, raça, credo, escola, partido, religião e nacionalidade. [...] Todos(9:78).

Nesse sentido, a escola e as organizações produtoras de bens culturais e outros podem desempenhar um papel importante na formação humana, modificando o papel de sujeição, de alienação, de 'engessamento' e de mediocridade das pessoas.

De acordo com a representante dos trabalhadores, [...] por um lado, realizada porque é uma conquista, a gente não pode negar essa conquista, mas, por outro lado, muito frustrada, porque a gente que ainda não existe muita [...] credibilidade, sabe, conselheiros ainda são vistos como pessoas que não são bem quistas pelos gestores de uma forma geral [...](E5).

A conselheira expressa frustração porque percebe-se malvista pelo gestor, ao ser considerada como fiscal, como diz: [...] então, essa visão, como você está me fiscalizando, e a cultura, não é? Você está querendo pegar o que eu estou fazendo de errado e não o que eu estou fazendo de certo [...](E5).

Mas, ao mesmo tempo em que se percebe frustrada, ela pensa que é uma honra: [...] você ter o prazer, você ter a honra, porque é uma honra você ser representante, você considerar essa representação como uma responsabilidade e falar realmente em nome de uma comunidade [...] um líder, um representante de 100, 200, 300 pessoas [...](E5).

Considera o seu cargo uma honra, um cargo de relevância pública. Finalmente, pode-se considerar que o pensamento dos enfermeiros conselheiros sobre a sua atuação expressa-se de diversas formas, dependendo da situação e das contradições que permeiam a condição real vivenciada com os desejos de mudanças.

As entrevistadas expressaram suas perspectivas em relação à atuação e aos Conselhos, algumas demonstraram preocupação relacionada à ingerência de políticos nos Conselhos, à ausência de infra-estrutura que garanta a participação e à questão da autonomia.

Entretanto, as perspectivas, de modo geral, são de esperança de mudanças relacionadas à capacitação de maior número de conselheiros, à possibilidade de crescimento da conscientização das pessoas para a participação, para a cidadania e aos resultados alcançados, apontando para a continuidade de mudanças e a confiabilidade nas atuais gestões.

A fala que reporta uma perspectiva mais preocupada com o processo de ingerência política no Conselho diz assim: [...] a próxima chapa que vai entrar tem alguns interesses (políticos) dizem; se for, eu não vou participar; eu posso ir até pra brigar, pra falar [...] o gestor pode participar como ouvinte, (com direito a voz) prefiro ficar de fora(E9).

A fala da entrevistada E9 denota preocupação com corporativismos no seu Conselho. Ela ressalta que, se houver interesse corporativista, prefere ficar como ouvinte, mas falar e brigar, se preciso. O de fora, no caso, significa não ser membro efetivo. A esse respeito, todavia, uma outra conselheira diz: [...] melhorou essa postura bairrista, corporativista, isso tem sido assim sistematicamente barrado nas discussões dos Conselhos [...] (E13).

As falas seguintes traduzem perspectivas de esperanças: Eu tenho muita esperança de que esses Conselhos vão ter uma atuação muito melhor e também depende da capacitação dos conselheiros(E11).

Agora, com esse curso de capacitação, eu tenho muita esperança que isso vai melhorar, vai melhorar [...](E2).

[...] nas três esferas do governo, municipal, estadual, federal, a gente percebe claramente que um interesse crescente [...] e discussões para melhorar ainda mais(E4).

[...] teve grandes conquistas dentro da nossa Unidade de Saúde (reforma do CAIS, chequinho), e em relação a outras Unidades (do bairro), como o frigorífico que falei [...] outras foram encaminhadas pro Conselho e eu espero que sejam atendidas, vamos estar lutando pra isso(E10).

[...] e a mudança vem com a educação e educação é uma coisa que se conquista, se constrói, não é? Eu acho que vai ocorrer isso , mas num tempo demorado [...](E7).

As perspectivas dessas conselheiras, portanto, são de esperança, mesmo que algumas mudanças concretizem-se a longo prazo, como a educação, geradora de cidadania.

A propósito da educação para a cidadania, surgiu, recentemente, no Brasil (agosto de 2003), a Articulação Nacional dos Movimentos e Práticas de Educação Popular em Saúde (Aneps), que teve a sua primeira plenária no VII Congresso da Abrasco, em Brasília, no início de agosto. Essa articulação conta com o apoio do Ministério da Saúde e da Fiocruz e, a nosso ver, pode-se tornar um espaço importante para a enfermagem brasileira, que tem, historicamente, inerente à sua prática, a educação em saúde. Com esse apoio, as nossas esperanças também se renovam.

4 Considerações finais A percepção das enfermeiras quanto a sua atuação nos Conselhos expressa as contradições entre uma situação real, concreta, e a transformação desejada e se relaciona ao contexto e às subjetividades de cada enfermeira conselheira.

Assim é que foram considerados, pelas enfermeiras representantes dos usuários, os aspectos de interesse em participar de reuniões de forma efetiva, assídua, o refletir junto com o grupo, o conferir resolutividade aos problemas, o respeito ao usuário, o privilégio de representar e a contribuição que podem dar.

As enfermeiras conselheiras que são gestoras preocupam-se em não monopolizar o Conselho, em evitar corporativismos, em promover questionamentos e com o crescimento da politização dos conselheiros.

A conselheira que representa os prestadores, no caso a Universidade, sua atuação como de apoio técnico ao Conselho Estadual e considera muito importante a sua participação pela contribuição que pode dar.

Em relação aos representantes dos trabalhadores, que se considerar duas dimensões: quando essa atuação se em âmbito local ou quando acontece em âmbito municipal.

No âmbito municipal, a enfermeira conselheira pensa que sua atuação deixa a desejar, pois considera-se despreparada para a função tanto no sentido político como no técnico.

Nos Conselhos Locais, a atuação das enfermeiras conselheiras representantes dos trabalhadores é percebida por si mesmas como propositiva, participante, com maior qualificação para a função. As exceções reportam, naturalmente, às recém- formadas ou mais novas nos Conselhos.

Expressões de gratificação, satisfação, realização, alegria, honra e privilégio contrapõem-se às de frustração, impotência, insegurança, timidez, tristeza e demonstram as contradições da práxis das enfermeiras conselheiras na dialética entre o real e a utopia possível.

Esperamos que esse estudo possa contribuir para reflexões dos enfermeiros sobre a nossa participação consciente, crítica e ativa na esfera social e, como docentes ou não, sobre os processos de formação que possam apontar para a emancipação cidadã, a politização de estudantes de enfermagem, trabalhadores e usuários do SUS.


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