Formação do enfermeiro na perspectiva das competências: uma breve reflexão
REFLEXÃO
Formação do enfermeiro na perspectiva das competências: uma breve reflexão
Nurse training in the area of abilities: a short reflection
Formación del enfermero en la perspectiva de las competencias: una breve
reflexión
Geralda Fortina dos Santos
Enfermeira. Professora da Escola de Enfermagem da UFMG. Doutoranda em Educação
pela Faculdade de Educação da UFMG.
1 Introdução
Tenho constatado durante a trajetória de docência na Escola de Enfermagem da
Universidade Federal de Minas Gerais, que o tema currículo tem ocupado lugar de
destaque no âmbito instituciona,l em virtude de processos de reforma, adaptação
ou mudança curricular com vistas a atender aos ditames legais ou a demandas
internas, surgidas em prática de avaliação curricular, instituída na Escola,
desde 1980. Nessas circunstâncias, o debate, geralmente, centra-se no perfil do
profissional que se quer formar, muitas vezes, sem uma manifestação explícita
sobre as exigências e expectativas do mercado de trabalho, em relação ao
profissional que ele necessita.
A formação do enfermeiro e sua articulação com o mercado de trabalho, no
contexto da realidade brasileira, tem como marco o trabalho realizado, na
década de 1950, pela Associação Brasileira de Enfermagem - ABEn, que deu origem
ao Relatório final do levantamento de recursos e necessidades de enfermagem no
Brasil. Entretanto, os discursos que acontecem no cotidiano escolar e nos
serviços de saúde, que absorvem o profissional, enfatizam a dissociação da
teoria e da prática, no sentido de uma possível desvinculação da formação
teórica da formação prática do enfermeiro. Por outro lado, se o mercado de
trabalho está a exigir uma formação profissional que o atenda, a Escola parece
não estar preocupada com essa exigência. Na verdade, quem dita as formas de
organização curricular de determinado curso? Quais os critérios e os parâmetros
utilizados para seleção dos saberes e dos fazeres necessários a uma formação
profissional competente e de qualidade? Quem determina a qualidade e a
competência profissional? Por que e pra quê, os currículos estão em constantes
mudanças? Entende-se que:
O currículo é a síntese dos processos que ocorrem no interior da
escola, e que sua concepção não se constitui num meio neutro de
transmissão de conhecimentos desinteressados, mas num mecanismo
essencial de construção de identidades individuais e sociais,
atravessadas por relações de poder(1:12).
Além disso, "o currículo não é um elemento transcendente e atemporal - ele tem
uma história, vinculada a formas específicas e contigentes de organização da
sociedade e da educação"(2:8). Nesta linha de pensamento, "a história do
currículo vem sendo marcada pela luta de interesses, muitas vezes conflitantes
e que revelam posturas diferentes quanto à educação escolar"(3:44). Enquanto um
grupo de educadores considera a educação como um processo de formação humana,
outros consideram-na sob um ponto de vista mais instrumental. Estes últimos
tendem a relacionar o currículo com as demandas econômicas, ligadas ao mercado
de trabalho.
É importante destacar que a idéia de realizar este trabalho teve como ponto de
partida a temática desenvolvida na disciplina Tendências do Pensamento
Educacional do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação da
Universidade Federal de Minas Gerais, particularmente, no tópico sobre
"Currículo e práticas pedagógicas: diferentes perspectivas de análise". Foi um
momento oportuno para reflexões que trouxeram à tona indagações, incompreensões
sobre a questão curricular, especificamente, sobre a formação de enfermeiros.
Portanto, o objetivo deste texto foi refletir sobre o campo do currículo,
particularmente, sobre o currículo do curso de Enfermagem.
Além disso, vale ressaltar, também, que a educação brasileira vem sofrendo
profundas transformações no sentido de se reestruturar diante de uma nova
dinâmica cultural e sócio-econômica que reordenou o mundo do trabalho
Neste sentido, as mudanças no campo educacional brasileiro que têm como marco a
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, n. 9.394(4), estão relacionadas
com a reestruturação do mundo do trabalho que vem exigindo "novos mecanismos de
inserção e de aferição das capacidades e conhecimentos dos trabalhadores no
processo de trabalho". Sendo que "um deles é a noção de competência, que já
extrapolou o mundo do trabalho e atingiu a formação profissional e, em alguns
casos, a educação em geral, como na França"(5:21).
Assim, o discurso atual da reforma educacional volta-se ou centra-se na questão
da formação de competências. É uma ampla reforma, implementada pelo Ministério
da Educação - MEC, no sentido de modernização do sistema de formação
profissional, que prevê, dentre outras ações, o Sistema de Formação, Avaliação
e Certificação, baseado em Competências. Qual é a noção de competências ou de
competência profissional que será avaliada e certificada? Ainda estão presentes
na minha memória os debates ocorridos na área da Enfermagem, na década de 1980,
que giravam em torno da ênfase na competência técnica, ou na competência
científica e política, na formação do enfermeiro. É como se se pudesse
desarticular o técnico do científico e do político, dentre outras dimensões
inerentes ao exercício da profissão. Como avaliar por competências? É possível
fragmentar o profissional em múltiplas competências? Eu sempre pensei em
competência como um conjunto de conhecimentos e habilidades, adquiridos
formalmente no sistema escolar, que fosse aperfeiçoando-se no exercício da
profissão, e que permitisse ao profissional desempenhar o seu trabalho com
qualidade, com competência... Entretanto, é uma nova noção de competência que
se coloca. Como afirma Demo(6), o perfil da competência profissional mudou
muito nos dias atuais, mesmo estando atrelada à face formal. Para este autor,
trata-se, num primeiro momento, da própria definição de competência, "que
encontra na capacidade de permanente recuperação seu dinamismo maior e típico",
englobando, assim, "os desafios do saber pensar e do aprender a aprender". Num
segundo momento, "cabe realçar que o fazer desloca-se para o saber fazer,
sobretudo para o constante refazer", o que significa que "a formação básica é o
cerne da profissionalização, não a especialização propriamente dita". Assim, o
profissional não é aquele que apenas executa sua profissão, "mas sobretudo quem
sabe pensar e refazer sua profissão"(6:67).
Considerando a formação por competências um novo produto no mercado, o artigo
de Rios(7), procura mostrar que nem sempre "a novidade tem um caráter
original". E, no momento em que ela explora as noções "novidade" e
"originalidade", destaca-se uma de suas inúmeras reflexões, ao se referir à
"origem" associada à "raiz". Assim:
Quando falamos, por exemplo, em formação continuada, estamos nos
referindo a algo que mantém suas raízes e que a cada etapa do
processo ganha originalidade, renovando-se na transformação.
Importante, pensar, portanto, em algo novo que, por ser original, tem
caráter de permanência(7:157).
Diante do exposto, serão destacados elementos que estão contidos nas Diretrizes
Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em Enfermagem - DCN(8)
instituídas pelo Conselho Nacional de Educação/Câmara de Educação Superior -
CNE/CES que enfatizam a questão da formação por competências.
2 Breve histórico do currículo de enfermagem no Brasil
Desde a profissionalização da Enfermagem no Brasil, o currículo para a formação
dos enfermeiros visa a atender às demandas das políticas de saúde emergentes,
atreladas aos interesses políticos e econômicos do sistema capitalista. É na
década de 1920 que se esboça uma primeira política de saúde, com a criação do
Departamento Nacional de Saúde Pública - DNSP, em 1922, objetivando o
saneamento dos portos e dos núcleos urbanos, no combate às epidemias que
prejudicassem o comércio exterior. Foi implantado um modelo sanitarista com
forte influência da estrutura sanitária norte-americana, através da Fundação
Rockfeller, que financiou a ida de médicos brasileiros para fazerem cursos na
Escola de Saúde Pública da John Hopkins University - EUA(9). Com a
regulamentação do DNSP, é criada, em 1923, a Escola de Enfermagem Anna Nery,
que introduz o modelo nightingalianode formação de enfermeiras no país,
importado dos Estados Unidos. De acordo com Barreira(10), "as circunstâncias
favoráveis a uma reforma sanitária haviam ensejado a criação de uma enfermagem
de alto padrão no país, por iniciativa do cientista e sanitarista Carlos
Chagas, no interior do aparelho de Estado"(10:129).
Ao analisar o surgimento da enfermagem profissional no Brasil, Silva(11)
conclui que este fato foi marcado por paradoxos, considerando-se que "buscou-se
atingir o objetivo de atender a problemas imediatos de saúde pública de país
pobre implantando-se um modelo de escolarização de país rico"(11:78). Além
disso, as primeiras escolas de enfermagem criadas nos Estados Unidos tiveram o
objetivo primordial de atendimento, a baixo custo, da demanda de mão-de-obra de
instituições hospitalares privadas e, no Brasil, a finalidade básica era a de
atender aos interesses governamentais. Outro paradoxo, é o fato de que estes
interesses estavam voltados para a resolução de problemas de saúde pública,
enquanto os estágios hospitalares ocupavam a maior parte do tempo das alunas.
Com a intensificação da industrialização e da urbanização no país nas décadas
de 1940 e 1950, as políticas de saúde são voltadas para atender às necessidades
dos setores produtivos. Urge a criação de um modelo de assistência à saúde
individual, priorizando o atendimento hospitalar. Diante da necessidade de
pessoal de enfermagem qualificado para atender a esta demanda e para dar nova
orientação ao ensino de Enfermagem, é promulgada a Lei n. 775 de 06 de agosto
de 1949(12). Ocorre, assim, a consolidação do ensino de Enfermagem como matéria
de lei; cria-se o ensino de enfermagem em nível de primeiro grau, amparando
legalmente o auxiliar de enfermagem, uma vez que foi nessa lei que se
"determinou os requisitos mínimos para a organização e funcionamento dos cursos
de Auxiliar de Enfermagem, com a finalidade de preparar esse pessoal para
auxiliar o enfermeiro no seu trabalho no campo hospitalar"(13:130).
O currículo previsto na Lei 775/49 e Decreto 27.426/49 representava uma
adaptação do previsto pelo 'Curriculum Guide', elaborado em 1937, pela National
League of Nursing - EUA" e que "pouco inovaram em relação ao programa de
instrução inicial (Decreto 16.300/23) para a Escola Anna Nery"(9:75).
Em 1961, com a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases, a Enfermagem passa a
ser reconhecida em três níveis: o superior, o técnico e o auxiliar. O Conselho
Federal de Educação, ao legislar sobre o currículo dos cursos superiores, fixa,
com o Parecer 271/62, o currículo mínimo do curso de Enfermagem. É um currículo
com ênfase na assistência hospitalar, voltado para atender às necessidades do
mercado de trabalho e não às reais necessidades de saúde da população. Enquanto
os currículos anteriores, de 1923 e o de 1949 privilegiavam a saúde pública,
com ênfase na prevenção, o aprovado em 1962, passa a privilegiar as
especializações com enfoque na atenção à saúde individual e curativa(12).
Assim:
O período de vigência do parecer nº 271/62, foi o mais curto até
agora na história da enfermagem brasileira. (...) Mas esta vida
curta, pode ser considerada bastante longa se analisarmos todas as
contradições embutidas na proposta e as inúmeras críticas registradas
ao longo período. Ao mesmo tempo que confirmava a enfermagem como
curso universitário, de "status" superior, procedia o "enxugamento"
de importantes áreas do conhecimento como as ciências biológicas e a
saúde pública...ao mesmo tempo que centrava a formação nas
disciplinas práticas orientadas para a ação, "enxugava" a carga
horária destinada ao desenvolvimento de habilidades técnicas. Mudam,
precipitadamente, os rumos que a enfermagem vinha trilhando ao longo
dos trinta anos anteriores que, apesar de um desenvolvimento mais ou
menos desordenado, era eminentemente orientado para a saúde da
totalidade da população e, então passa a concentrar na assistência
prestada aos pacientes hospitalizados(14:44).
Em 1968, é promulgada a Lei n. 5.540, que fixou normas de organização e
funcionamento do ensino superior e sua articulação com a escola média(12). Esta
Lei impulsiona a reestruturação dos cursos superiores. Para o ensino da
Enfermagem foi um momento propício para que o seu currículo sofresse mudanças
direcionadas pelas críticas e falhas levantadas no currículo anterior, e pela
amplitude do movimento da Reforma Universitária.
Assim, "o Parecer 163 de 28 de fevereiro de 1972 e a Resolução n. 4 de 25 de
fevereiro do mesmo ano e que vigoraram até 1994, confirmam a Reforma
Universitária na Enfermagem"(14:45). O currículo mínimo fixado por este Parecer
continuou privilegiando a formação do enfermeiro, orientado pelo modelo
biomédico de assistência hospitalar.
Em trabalho sobre formação do enfermeiro Saupe(14)afirma que a evolução do
currículo para o preparo de enfermeiros inicia-se com um enfoque generalista e
comunitário e vai se adaptando às políticas de saúde emergentes e ao modelo de
privatização dos serviços de saúde, levando à valorização da especialização
precoce e ao domínio de tecnologias, nem sempre adequadas à nossa realidade.
Com o processo de redemocratização do país, na década de 1980, novas propostas
de organização dos serviços de saúde vão surgindo. Essas transformações foram
respaldadas pelas recomendações da VIII Conferência Nacional de Saúde, as quais
nortearam os princípios da Reforma Sanitária, cujos desdobramentos resultaram
na implantação do Sistema Único de Saúde em vigor, até os dias atuais.
Dentre as organizações profissionais que estiveram presentes e intervindo nas
mudanças curriculares, destaca-se a Associação Brasileira de Enfermagem - ABEn,
que desde a sua criação, em 1926, nunca mediu esforços para interferir em
imposições governamentais que se confrontavam com os interesses e princípios
básicos da profissão. Como esclarece, a ABEn, a partir de 1985, busca
reorientar a estrutura de formação do enfermeiro. Para isso, articula-se com a
Comissão de Especialistas em Enfermagem da SESU/MEC e as demais entidades e
escolas de enfermagem do país, realiza seminários regionais, oficinas e comitês
de trabalho(9). Em documento final, a ABEn traça orientações sobre a formação
do enfermeiro:
Deve-se pensar a formação do profissional enfermeiro voltada para uma
prática onde se possibilite maior aproximação com a produção e
domínio de tecnologias apropriadas; sistematização do conhecimento
que lhe é específico; capacidade para articular o seu fazer/pensar
com o saber de outras áreas que conformam a produção em saúde;
competência técnica, científica e política para participar,
efetivamente, da consecução do direito universal à saúde dentro dos
princípios de resolutividade, eqüidade e integralidade; a capacidade
para definir seu pensar/fazer a partir da compreensão do perfil
epidemiológico da população, inserindo-se adequada e dinamicamente na
produção de novas tecnologias e conhecimentos para a assistência à
saúde(9).
Em 1994 tem início nova mudança curricular, com a promulgação, pelo MEC, da
Portaria n. 1.721 determinando novo currículo mínimo para os cursos de
Enfermagem.
Enquanto as escolas de Enfermagem reestruturam e/ou adaptam seus currículos de
acordo com a Portaria 1.721, novo movimento de reforma já estava sendo
implementado pelo MEC. Na verdade, esse movimento de mudança curricular na
formação do enfermeiro já estava sendo gestado no mundo da Enfermagem,
envolvendo docentes e discentes de escolas de enfermagem, enfermeiros de
serviços e entidades da categoria. Foram realizados diversos seminários para
debater o "Perfil e Competência do Enfermeiro e o Currículo Mínimo para a
Graduação em Enfermagem", como o que ocorreu em 1988. Assim, em 9 de novembro
de 2001, o Conselho Nacional de Educação/Câmara do Ensino Superior instituiu as
Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Enfermagem.
3 Diretrizes Curriculares para a formação do enfermeiro
Por que o MEC resolveu mudar as bases de formação do enfermeiro em um curto
período de tempo? Na verdade, essas mudanças atingiram todas as profissões de
nível superior. Em documento do MEC, "Enfrentar e vencer desafios", o ministro
Paulo Renato de Souza diz que, a partir de 1995, o ministério procurou;
Imprimir uma visão ampla do ensino superior, entendendo-o como um
conjunto complexo de instituições públicas e privadas, do qual as
universidades são uma parte do sistema, mas que, por sua própria
natureza, não podem e não devem responder a todas as demandas da
sociedade em matéria de ensino-pós-secundário(15:5) .
Para uma ampla reforma no sistema educacional, "a primeira providência foi a
aprovação da Lei n. 9.131, de dezembro de 1995, que reformulou o Conselho
Nacional de Educação e redefiniu as bases de criação de novas instituições". O
novo sistema "assenta-se em três pontos: flexibilidade, competitividade e
avaliação"(15:8). A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB,
aprovada em dezembro de 1996 constitui a peça fundamental dessa reforma.
O MEC ressalta que, alicerçado em alterações de caráter quantitativo,
qualitativo, institucional e legal, o processo de mudanças, deflagrado a partir
de 1995, orienta-se por cinco princípios gerais: A expansão do sistema; a
diversificação para democratizar o acesso; a avaliação da graduação; a
supervisão para garantir a qualidade e qualificação e modernização(15).
A reestruturação curricular tem por objetivo flexibilizar a estrutura dos
cursos de graduação, permitindo certificações parciais para cursos de curta
duração e abandonando a idéia, até então vigente, da fixação de currículos
mínimos para cada carreira, substituindo-a pelo conceito de diretrizes
curriculares por área de ensino(15).
Neste sentido, as diretrizes curriculares são orientações gerais que devem ser
seguidas por todas as instituições do sistema de educação superior do país.
Para as áreas de conhecimento que integram a saúde, no caso, a Enfermagem, a
CES/CNE adotou um formato que contempla os seguintes aspectos: Perfil do
formando egresso/profissional; Competências e habilidades; Conteúdos
curriculares; Estágios e atividades complementares; Organização do curso e
Acompanhamento e avaliação. Estabeleceu, também, que o objetivo das Diretrizes
Curriculares é:
Levar os alunos dos cursos de graduação em saúde a aprender a
aprender que engloba aprender a ser, aprender a fazer, aprender a
viver juntos e aprender a conhecer. Capacitar profissionais para
assegurar a integralidade da atenção e a qualidade e humanização do
atendimento prestado aos indivíduos, famílias e comunidades (grifos
meus).
Em se tratando das Diretrizes Curriculares do Curso de Graduação em Enfermagem,
os artigos 4° e 5º estabelecem, respectivamente, que a formação do enfermeiro
tem por objetivo dotar o profissional dos conhecimentos requeridos para o
exercício de competências e habilidades gerais e capacitá-lo com conhecimentos
requeridos para o exercício de competências e habilidades específicas.
As competências e as habilidades gerais prescritas são: Atenção à saúde; Tomada
de decisões; Comunicação; Liderança; Administração e gerenciamento e Educação
permanente. Para cada competência e habilidade são estabelecidas formas de
atuação que se espera do exercício profissional, não só do enfermeiro, mas, dos
profissionais de saúde em geral.
Consideram-se básicas essas competências para serem desenvolvidas pelo
enfermeiro e que dizem respeito à sua formação pessoal ou humana, referem-se às
capacidades pessoais que transcendem os temas estudados, que sobrevivem às
transformações cada vez mais rápidas nos cenários dos equipamentos e da
produção material. Além disso:
É evidente que essas competências não se desenvolvem em um vazio de
conteúdos disciplinares ou sem o exercício de atividades concretas,
por intermédio de equipamentos disponíveis; entretanto, nem conteúdos
nem equipamentos são fins em si mesmos(16:152).
Em relação às competências e habilidades específicas estabelecidas, observa-se
que as mesmas orientam, de forma explícita e bastante direcionada, o desempenho
prático que se espera do profissional; isto é, competências e habilidades
representando o resultado contínuo e progressivo que se espera das ações
desenvolvidas no seu exercício profissional.
Constata-se, portanto, que o termo competências, como está sendo usado, refere-
se aos fazeres profissionais, a partir de conhecimentos (saberes) requeridos
que possibilitam ao profissional desempenhar, com competência, o seu papel,
pois,
a competência se revela na ação - é na prática profissional que se
mostram suas capacidades, que se exercitam suas possibilidades, que
se atualizam suas potencialidades. É no fazer que se revela o domínio
dos saberes e o compromisso com o que é necessário, concretamente, e
que se qualifica como bom - por quê e para quem(7:167).
Santos(3) diz que as pessoas são consideradas competentes quando diante de uma
situação inédita e complexa, resolvem-na com segurança e rapidez e da forma
mais adequada do que uma outra pessoa, que tivesse o mesmo grau de conhecimento
da primeira, mas não soubesse mobilizar esses conhecimentos de forma tão eficaz
(3).
Neste sentido, a noção de competência relaciona-se com a noção de desempenho,
competência é:
Um saber interiorizando, de aprendizagens orientadas para uma classe
de situações escolares ou profissionais que permite ao indivíduo
enfrentar situações e acontecimentos com iniciativa e
responsabilidade, guiado por inteligência prática sobre os eventos e
coordenando-se com outros atores para mobilizar suas capacidades. O
desempenho seria a expressão concreta dos recursos que o indivíduo
articula e mobiliza no enfrentamento dessas situações. [...]
competência é a condição do desempenho(17:19).
Perrenoud(18), ao buscar a noção de competência, diz que o fato de a
competência ser invisível e que "só possa ser abordada através de desempenhos
observáveis não acaba com a questão de sua conceitualização"(18:20) .
Do ponto de vista pedagógico, duas tendências têm sido observadas no debate
sobre a pedagogia das competências: a primeira nega a associação com a
pedagogia por objetivose a segunda aceita a associação da pedagogia por
competências com a pedagogia por objetivos(17). Perrenoud(18) considera que as
abordagens por objetivos não estão superadas totalmente, mas que seus excessos
foram controlados. Santos(3) esclarece que, enquanto os "objetivos educacionais
estavam mais voltados para a aquisição de conhecimentos e de habilidades
cognitivas", ou seja, "um desenvolvimento mais rígido e sistemático do
currículo escolar", por sua vez, (...) "as competências se voltam mais para as
ações, que envolvem conhecimentos teóricos e práticos, habilidades e atitudes
relacionadas à atuação em situações definidas". Ainda:
O ensino por competência representa uma avanço em relação ao ensino
por objetivos, sobretudo por reconhecer que as competências não
resultam apenas na aplicação de conhecimentos para a solução de
problemas, mas que envolvem uma série de outros tipos de saberes,
como o saber prático e também atitudes e valores morais(3:45).
Portanto, o que tem sido observado nas reformas educacionais de diversos
países, inclusive no Brasil, é a busca de formalização de uma pedagogia das
competências. Entende-se, por pedagogia em seu sentido amplo como uma atividade
social que engloba seleção de saberes a serem transmitidos pela escola, sua
organização, distribuição numa instituição diferenciada e hierarquizada,
transmissão por agentes especializados e sua avaliação por métodos apropriados.
As idéias que estão sendo construídas no debate da pedagogia por competências
têm se convergido para uma denominação geral de pedagogia diferenciada, tendo
como fundamentos: "processo centrado mais na aprendizagem do que no ensino,
valorização do aluno como sujeito da aprendizagem e construção significativa do
conhecimento(17).
Por outro lado, a crítica que tem sido feita ao ensino por competências é em
relação ao "caráter instrumental que acaba assumindo a educação, quando passa a
colocá-las como objeto central no processo ensino-aprendizagem". Ao se pensar a
educação como formação humana, "não é possível reduzi-la, apenas, à posse de
uma série de competências"(3:46).
Considerando que a formação humana se constrói ao longo da trajetória de vida
dos indivíduos, pode-se pensar a noção de competência como algo que "vai-se
construindo a partir mesmo da praxis, do agir concreto e situado dos sujeitos".
Assim, tem-se "necessidade de fazer referência a uma formação continuada dos
educadores, que significa uma ampliação constante de sua competência. A
competência não é algo que se adquire de uma vez por todas, pois vamos nos
tornando competentes"(7:169).
Para Santos(3), a resistência que existe em relação ao ensino por competência
tem origem no temor de que prevaleçam, na educação, interesses instrumentais,
em detrimento do processo de formação do cidadão crítico, que deve ser o
objetivo central da educação. E Rios(7) diz que o importante, portanto, é
"afastar do conceito de competência uma compreensão ideologizante, que parece
ensejar um novo tecnicismo"(7:170).
Após esta breve incursão sobre as noções de competências, o que dizer sobre a
formação do enfermeiro na perspectiva das competências?
A primeira questão que se coloca é o fato do enfermeiro estar predominantemente
lidando com o outro que vivencia uma situação de saúde-doença, uma situação em
que a pessoa necessita de ajuda, em que o cuidar profissional se faz
necessário. Isto exige do profissional competência não só técnica, mas também a
de natureza estética, ética e política; competências estas que se imbricam e se
manifestam no momento do cuidar em saúde, mais propriamente, no momento em que
ocorre o autêntico e efetivo cuidar em enfermagem, em todas as suas dimensões.
Ao se apropriar das idéias de Rios(7), transpondo o que se espera da formação
do professor para a formação do enfermeiro, tem-se que: para dizer que um
enfermeiro é competente, deve-se levar em conta a dimensão técnica - ele deve
ter domínio dos conteúdos de sua área específica de conhecimento e de recursos
para socializar esse conhecimento; a dimensão estética - ele deve ter um
movimento de compreensão, que articula o intelectual e o afetivo; a dimensão
política - ele deve definir finalidades de suas ações e comprometer-se a
caminhar para alcançá-las; e a ética, elemento mediador - ele deve assumir
continuamente uma atitude crítica, que indaga sobre o fundamento e o sentido da
definição dos conteúdos, dos métodos, dos objetivos, tendo como referência a
afirmação dos direitos, do bem comum.
Uma segunda questão é que as diretrizes curriculares para o curso de Enfermagem
permitem que cada instituição formadora organize seu currículo, com vistas a
uma educação tecnicista e/ou humanista. Por outro lado, discutir novas
diretrizes para a educação em enfermagem, é uma questão de discutir não apenas
o cumprimento de uma legalidade, mas é, também, o reconhecimento de uma
necessidade e o resultado de um movimento histórico, pois:
A enfermagem discute a sua formação desde os primórdios da instalação
de sua organização no País. Este é o papel da ABEn, este é o papel
das escolas. Porém, mais contemporaneamente, todos identificaram com
muita clareza a necessidade de mudar, não só na aparência, não só na
mudança estética dos currículos, mas mudar a essência dos currículos,
da relação professor/aluno, da relação daquele curso com o mundo, com
a sociedade, com as necessidades de saúde. A discussão sobre as
diretrizes curriculares provoca as escolas a terem de fato, talvez
pela primeira vez na história, um projeto político pedagógico
explícito(19).
4 Considerações finais
O ensino de Enfermagem no Brasil sempre acompanhou as políticas de educação e
de saúde do país, atendendo aos seus diplomas legais. Nos dias atuais, a
questão da formação do enfermeiro e o fato dos currículos dos seus cursos
estarem ou não atendendo ao mercado de trabalho, ao sistema produtivo, às reais
necessidades de saúde da população merece estudos. Se as escolas de enfermagem,
em parcerias com os serviços de saúde não conseguiram, até agora, criar e
implantar projetos educacionais vinculados e comprometidos com as
transformações sócioeconômicas e culturais da sociedade brasileira, o momento
em que se encontra é propício. É mais do que necessário que ocorra uma
vinculação efetiva entre a teoria e a prática. Como diz, Perrenoud, a idéia de
dicotomia entre formação teórica e formação prática precisa ser combatida
ativamente, e "afirmar que a formação é uma só, teórica e prática ao mesmo
tempo, assim como reflexiva, crítica e criadora de identidade"(20:23). Com
relação à formação do enfermeiro, desde os primórdios da Enfermagem
profissional no país, houve preocupação com a formação humana fundamentada nas
dimensões do ideal, da ciência e da arte.
De acordo com a UNESCO, a educação deve fundamentar-se em quatro pilares, os
quais estão propostos como objetivo das Diretrizes Curriculares do Curso e
Graduação em Enfermagem. Em trabalho elaborado com outras autoras, foi proposta
uma nova significação para ideal, ciência e arte. O aprender a conhecer, tendo
como objetivo o domínio dos instrumentos do conhecimento como a ciência; o
aprender a fazer, referindo-se à competência técnica, à disposição para o
trabalho em equipe, á capacidade de ousar e tomar iniciativas, como a arte. O
aprender a viver juntos que remete à descoberta, ao reconhecimento do outro, à
participação em projetos comuns e o aprender a ser que engloba dimensões que
têm o objetivo de preparar o ser humano para a autonomia intelectual e uma
crítica da vida, o que corresponde ao ideal. Como foi dito, longe de nós
asseverar que o enfermeiro está estagnado nas décadas iniciais da profissão.
Nosso intento é mostrar que, de alguma forma, o novo contém o velho(21).