Incidência de infecção em pacientes com cateter peridural tunelizado
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Incidência de infecção em pacientes com cateter peridural tunelizado
Infection incidence in patients with tunneled peridural catheter
Incidencia de infección en pacientes con cateter peridural tunelizado
Maria Cecilia IksilaraI; Solange DicciniII; Dulce Aparecida BarbosaIII
IEnfermeira responsável pelo Centro de Dor e Neurocirurgia Funcional do
Hospital Nove de Julho. Mestranda em Enfermagem pela Universidade Federal de
São Paulo (UNIFESP)
IIEnfermeira. Professora Adjunto da Disciplina de Fundamentos de Enfermagem e
Enfermagem médico-cirúrgica do Departamento de Enfermagem da Universidade
Federal de São Paulo (UNIFESP)
IIIEnfermeira. Professora Adjunto da Disciplina de Fundamentos de Enfermagem e
Enfermagem médico-cirúrgica do Departamento de Enfermagem da Universidade
Federal de São Paulo (UNIFESP)
1. INTRODUÇÃO
A analgesia peridural foi utilizada pela primeira vez em 1885 por Corning, que
teve a idéia de que os medicamentos injetados dentro do canal espinhal pudessem
ser absorvidos pelos plexos de vasos sangüíneos da vizinhança e serem
transportados para a substância da medula raquiana, fornecendo uma analgesia
cirúrgica. Em 1901, Tuffier tentou a analgesia peridural pela via de acesso
lombar, mas não obteve sucesso. Foram décadas de tentativas, mas a maioria dos
anestesiologistas achava que era um método pouco seguro e até mesmo perigoso.
Fidel Pagés, em 1921, renovou o interesse pelo acesso lombar, salientando a
maior facilidade de acesso e ampla aplicabilidade dessa via em comparação a via
caudal. Em 1949, Curbello, com a introdução da agulha de Tuohy e do cateter
peridural de demora, promoveu um refinamento da técnica, tornando-se possível
manter a analgesia contínua ou intermitente, estendendo-se por dias ou semanas,
se necessário(1).
Atualmente, a via peridural é segura e efetiva para administração de opióides,
principalmente quando a administração de analgésicos por via oral ou venosa não
proporcionam alívio satisfatório da dor. Além do rápido efeito com menor
concentração de analgésicos, pode-se associar um anestésico local, que quando
administrados no espaço peridural ligam-se aos receptores de morfina do sistema
nervoso central (SNC) e do sistema nervoso periférico (SNP), proporcionando
analgesia de longa duração sem bloquear as vias sensitivas, neurovegetativas
simpática e motora(2,3).
Bonica, o precursor dos modernos estudos sobre dor, valorizava muito o
tratamento da dor crônica e, após muito estudo e por uma experiência pessoal,
notou que o tratamento da dor aguda é igualmente importante(3). A dor pós-
operatória é o exemplo mais freqüente de dor aguda e até o século passado, era
aceita pelo paciente com resignação. Hoje é considerada omissão da equipe
médica ou até desinformação sobre farmacologia(4).
Em cirurgias de grande porte, quando utilizada a anestesia peridural contínua,
o mesmo cateter pode ser mantido no pós-operatório para infusão de solução
analgésica, proporcionando uma analgesia eficaz. As vantagens evidentes de uma
boa analgesia são a cooperação do paciente nos exercícios respiratórios e a
deambulação precoce, diminuindo o risco de complicações como atelectasias,
pneumonias, trombose venosa profunda, entre outras(5).
A dor crônica é a segunda causa de procura pela assistência médica(6).
Geralmente está relacionada com lesão do sistema nervoso e, além de gerar
incapacidade, interfere no estudo, trabalho, apetite, lazer e sono. O
tratamento depende de uma boa avaliação, analgésicos adequados, exercícios
fisioterápicos e, muitas vezes, de acompanhamento psicológico. É comum o
paciente necessitar de medicações em altas doses por via oral, o que não
garante o alívio da dor. Nesses casos, há indicação do implante do cateter
peridural por tempo indeterminado, utilizando a técnica de tunelização(7), que
consiste em, após o implante do cateter no espaço peridural, fazer um trajeto
lateralmente ao local da punção pelo subcutâneo, até atingir a região do
hipocôndrio, onde é fixado.
No início da década de 80, o cateter tunelizado foi utilizado para os pacientes
com dor crônica intensa, que necessitavam uso prolongado de morfina,
principalmente nas neoplasias(8). Atualmente, também é utilizado para dores
causadas por úlceras e neuropatias diabéticas por insuficiência arterial
periférica, fibromialgia, fraturas vertebrais, lombociatalgias, entre outras.
A tunelização diminui o risco de deslocamento, facilitando a movimentação do
paciente e permitindo fazer a higiene pessoal normalmente. É possível fazer a
troca do curativo, sempre que necessário, o que diminui o risco de infecção(7-
9), que é a maior complicação do uso dessa via. Caso não seja detectado a
tempo, pode evoluir para um abcesso peridural(10-12),com incidência de 0,05%
(13).
Além da infecção, outras complicações relacionadas ao cateter peridural
tunelizado são a migração do cateter para o espaço subaracnoideo, saída
acidental, dobra e quebra(14,15).
As contra-indicações para o implante do cateter peridural são pacientes que
fazem uso de anticoagulantes e antiinflamatórios, por causarem disfunção
plaquetária com conseqüente risco de hematoma; anormalidades importantes na
coluna vertebral que dificultem a passagem do cateter e a falta de
profissionais de enfermagem treinados para freqüente avaliação desses pacientes
(8).
Na década de 1950, vários centros médicos norte-americanos foram criados no
intuito de melhorar o tratamento da dor crônica. Entre 1960 e 1970, surgiram
clínicas de dor na Europa e nos EUA e, dez anos depois, tornou-se uma
obrigatoriedade a existência de grupos especializados para assistência ao
paciente com dor nos hospitais(16,17). Para isso, é necessário um profissional
enfermeiro nos Centros de Dor, uma tendência nos hospitais atualmente.
No início de 1990, no Hospital Nove de Julho, um grupo de neurologistas e
neurocirurgiões começou a tratar pacientes com dor crônica, mas foi em 2000 que
foi oficilaizado o Centro de Dor na instituição, para o tratamento da dor aguda
e crônica. Nesse mesmo ano, uma enfermeira foi designada para coordenar o
Serviço, com equipe multiprofissional, entre eles, acupunturista,
fisioterapeutas, psiquiatra e psicólogas. Hoje, uma área do hospital está
disponível para assistência às pessoas portadoras de qualquer tipo de dor, com
um número maior de profissionais, visando a melhora global dos pacientes.
Para um manejo eficaz da dor, o enfermeiro deve ter conhecimento sobre teoria e
conceitos de dor, fisiologia dos trajetos de dor e da medula espinhal, métodos
de avaliação e mensuração da dor, manejo farmacológico e não-farmacológico da
dor e prevenção e manejo de complicações(4).
Na nossa vivência, o alívio da dor com cateter peridural tunelizado é excelente
e com poucos efeitos colaterais, tendo uma relação risco-benefício favorável e
melhora da qualidade de vida, porém o receio de infecção e dúvidas no manuseio
e na troca do curativo ainda é muito evidente por parte dos profissionais de
saúde. A atuação do enfermeiro é fundamental, não só pelo aspecto da
humanização ao aliviar a dor, como na educação e supervisão da equipe de
enfermagem em relação a manutenção do cateter peridural, proporcionando um
atendimento com qualidade.
2. OBJETIVO
O objetivo do trabalho foi avaliar a incidência de infecção no uso do cateter
peridural tunelizado, utilizado para analgesia de pacientes com dor crônica.
3. MÉTODO
Estudo coorte prospectivo, foi realizado de novembro de 2002 a julho de 2004,
no Hospital Nove de Julho, na cidade de São Paulo. Os critérios de inclusão
compreenderam pacientes de ambos os sexos, de 15 a 90 anos, com cateter
peridural tunelizado instalado, com tempo de permanência maior ou igual a 3
dias. Foram excluídos os pacientes que apresentavam alguma infecção confirmada
em outro sítio, através de exames laboratoriais e pela Comissão de Controle de
Infecção Hospitalar. O projeto de pesquisa foi submetido e aprovado pelo Comitê
de Ética em Pesquisa do Hospital Nove de Julho e da Universidade Federal de São
Paulo. Os pacientes incluídos nesse estudo assinaram o termo de consentimento
livre e esclarecido. A indicação do implante do cateter peridural e sua
retirada obedeceram a critérios médicos e, depois de instalado, foi acompanhado
pela enfermeira responsável pelo Centro de Dor do hospital.
Na instituição do estudo, o cateter peridural utilizado para a técnica de
tunelização foi da marca Arrow®, próprio para longa permanência, com infusão
contínua de solução analgésica através de bomba infusora ou intermitente, em
bolus com seringa. O cateter foi implantado pelo médico anestesista, no centro
cirúrgico, com paramentação. Dependendo do estado geral do paciente, permanece
internado ou tem alta hospitalar para acompanhamento ambulatorial, com um
retorno semanal.
A técnica de passagem do cateter peridural consiste em punção lenta e cuidadosa
com agulha Tuohy no espaço intervertebral, próximo a área que se deseja
analgesia. Posiciona-se o paciente sentado ou em decúbito lateral com a cabeça
fletida, realiza-se anti-sepsia da pele da região dorsal com
polivinilpirrolidona-Iodo (PVPI) e anestesia local. Localizado o espaço
peridural, implanta-se o cateter e retira-se a agulha. Lateralmente à punção,
fazendo um túnel no subcutâneo com a própria agulha, o cateter é passado até
sair na região do hipocôndrio. Na saída do cateter, são feitos pontos de
mononylon 3,0 para melhor fixação, conecta-se o filtro antibacteriano e faz-se
curativo com fita adesiva hipoalergênica à base de papel.
O instrumento de coleta de dados incluiu registros sócio-demográficos e
informações como data da internação, diagnóstico da doença primária e
secundária e uso de antibiótico, presença de cateter central, sonda vesical,
dreno pleural ou outros. Dados referentes ao cateter peridural, como data do
implante, nível de inserção, intercorrências no manuseio, presença de sinais
flogísticos no local da inserção, sintomas de infecção sistêmica, tempo de
permanência do cateter e motivo da retirada.
O curativo foi trocado pela enfermeira da unidade de internação ou do Centro de
Dor, quando estivesse úmido ou solto e a solução analgésica também preparada e
trocada pelas enfermeiras. Para a troca do curativo, foram utilizados soro
fisiológico 0,9% e PVPI tópico no local da inserção e sendo feito a cobertura
com fita adesiva hipoalergênica à base de papel. Em seguida, o filtro
antibacteriano era fixado no abdome também com a mesma fita adesiva.
Quando solicitada a retirada do cateter peridural, a ponta era enviada para o
laboratório para cultura. O paciente era orientado quanto ao procedimento e
posicionado sentado ou em decúbito lateral. O curativo era removido e feito a
anti-sepsia da pele ao redor da inserção com PVPI tópico. Apenas 5 cm da ponta
inserida no espaço peridural era cortada com tesoura estéril, dentro de um tubo
seco e enviada para cultura, logo após a retirada.
A metodologia laboratorial utilizada foi recomendada por Maki et al(18),
cultura pela técnica semiquantitativa, onde o resultado com crescimento de 15
ou mais unidades formadoras de colônias de determinado organismo deve ser
considerado positivo para infecção. Quando a cultura foi positiva e havia
presença de um dos sinais flogísticos, foi considerado infecção(19). Porém, na
ausência de sintomas e sinais clínicos de infecção, considerou-se colonização
(20). Nos casos em que os pacientes apresentaram febre, foi colhida uma amostra
de hemocultura em 2 tubos, com 8 a 10 ml de sangue, para pesquisa de aeróbios e
fungos.
4. RESULTADOS
Dos 27 pacientes que utilizaram cateter peridural tunelizado, 13 (48,14%) eram
do sexo feminino e 14 (51,85%) masculino. A média de idade era 61,7 anos,
variando de 26 a 82 anos. Em relação ao nível de inserção, 20 (74,04%)
pacientes tinham inserção lombar e 7 (25,9%) torácica. O tempo de permanência
do cateter foi em torno de 10,2 dias (variação de 3 a 65 dias -ver detalhes na
tabela_1). Não foram utilizados antimicrobianos em nenhum dos casos.
Dentre os 17 pacientes com dor crônica não-oncológica, três eram portadores de
polineuropatia diabética, 03 de dor pós-operatória, 03 decorrente de
Vasculopatia Isquêmica, 02 eram portadores de dor por apresentarem Distrofia
Simpático-Reflexa (Síndrome Complexa de Dor Regional Tipo I), 02 de dor em
Fibromialgia, 01 de Síndrome Dolorosa Pós-Laminectomia, 01 de Dor Mielopática
secundária a infecção pelo vírus da varicela, 01 de dor decorrente de fratura
dorsal e 01 por Mononeuropatia Sural.
Nesse estudo, 04 (14,8%) cateteres foram considerados colonizados e os
microorganismos presentes foram Staphylococcus sp em dois pacientes
(Pseudomonas aeruginosa e Staphylococcus aureus). Neoplasia em estágio avançado
foi a doença primária nos 04 pacientes (tabela_2). Vale ressaltar que não
apresentavam sinal de infecção, somente resultado da cultura positiva. Após a
retirada do cateter permaneceram sem nenhuma manifestação infecciosa.
Apenas 01 paciente (3,7%) apresentou infecção, tendo cultura positiva da ponta
do cateter para Staphylococcus sp. A indicação do implante do cateter foi por
dor intensa persistente por compressão medular à nível torácico por fratura de
vértebra. A paciente estava sem mobilidade devido ao quadro álgico, apresentava
início de úlcera por pressão em região sacral e estado geral regular. Após 19
dias de instalação, a paciente apresentou hipertermia (38,5ºC), sendo colhida a
hemocultura. Como a febre permanecia, foi retirado o cateter peridural no 23º
dia e enviada a ponta para cultura, a qual apresentou positividade para
Staphylococcus sp. O resultado da hemocultura foi negativo e a febre cessou
após a retirada do cateter peridural.
5. DISCUSSÃO
Os pacientes que utilizaram cateter peridural tunelizado formaram um grupo
heterogêneo quanto à patologia, idade, estado geral e tempo de permanência do
cateter. A dor foi satisfatoriamente aliviada em todos os pacientes. O paciente
que apresentou infecção teve o cateter retirado no 4º dia de febre, evoluindo
sem complicações.
Acreditamos que a baixa taxa de infecção deve-se ao cuidado no momento de
instalação do cateter peridural, no Centro Cirúrgico. Porém, ainda devem ser
implementados protocolos pelo número de cateteres colonizados. A orientação
continuada à equipe de enfermagem tem sido de grande importância para a
manutenção sem intercorrências do cateter por vários dias. O cuidado no preparo
das soluções analgésicas nas unidades de internação, a troca do equipo a cada
72 h, a observação da pele no local da inserção e a troca do curativo são
medidas que fazem do cateter peridural tunelizado um método de analgesia
seguro.
Segundo Mann(11), a infusão contínua de analgésicos por via peridural
revolucionou a qualidade da analgesia, mas questionava se os mesmos estavam
aptos a evitar a infecção peridural. Cita que Yuste et al relataram um caso de
abcesso peridural, o qual associaram à disseminação hematogênica que colonizou
um local de baixa resistência e que, Darouiche et al também acreditavam ser
essa a causa mais freqüente de abcesso peridural. Mann(11) ainda discorda
afirmando que. no seu estudo, a infusão contaminada e a manipulação de seringas
foram as maiores causas de infecção.
Cabe salientar que, no presente estudo, em um dos casos a apresentar
colonização por Staphylococcus sp, o cateter foi utilizado por somente cinco
dias, sendo interrompido devido ao óbito do paciente. Em outro caso, o cateter
permaneceu por 68 dias, sem sinais de contaminação.
Poderia ser considerado que os 04 pacientes que apresentaram colonização são
pacientes imunodeprimidos pelo estágio avançado do câncer e provavelmente já se
apresentavam colonizados? Byers et al(10) referiram ter baixa taxa de infecção,
mesmo considerando a gravidade da doença dos pacientes em tratamento de câncer
e com longo tempo de uso do cateter. Bengtsson(21) concluiu que pacientes com
feridas contaminadas têm potencial risco de apresentar infecção no cateter
peridural. Em seu artigo, nos 03 casos apresentados de infecção peridural com
uso de analgesia pelo cateter, nenhum estava imunodeprimido ou tinha alguma
doença associada, como Diabetes Mellitus. Porém, dois pacientes fizeram
amputação de membro inferior e o terceiro internou com úlcera infectada no pé.
Smitt et al(22), em estudo com pacientes oncológicos, concluíram que a infecção
peridural é freqüente e que, na presença de qualquer sintoma, como dor nas
costas persistente, febre ou déficit neurológico deve ser prontamente avaliado
por ressonância magnética.
Acreditamos que o acompanhamento rigoroso dos pacientes que estão com cateter
peridural tunelizado, os protocolos e o treinamento da enfermagem permitem que
a técnica seja benéfica com eficiente controle dos riscos.
6. CONCLUSÃO
Observando os cateteres acompanhados, foi evidenciada presença de
microorganismos em N=5 (18,51%), dos quais apenas um paciente (3,7%) evoluiu
com sinais e sintomas de infecção, resultando na perda do cateter. Comparando
os dados encontrados com a literatura, comprovamos que o cateter tunelizado é
um método seguro para o alívio da dor crônica. Protocolos para o preparo da
pele no momento da inserção e para a troca do curativo devem ser implantados,
visto que os microorganismos encontrados são colonizantes de pele.