O trabalho na enfermagem e seu significado para as profissionais
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O trabalho na enfermagem e seu significado para as profissionais
Nursing work and its meaning to female professionals
El trabajo de enfermería y su significado para las profesionales
Thelma SpindolaI; Rosângela da Silva SantosII
IDoutora em Enfermagem. Professora Adjunto da Faculdade de Enfermagem da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Enfermeira do HUGG da
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNI-RIO)
IIDoutora em Enfermagem. Professora Titular do Departamento de Enfermagem
Materno-Infantil da EEAN/UFRJ. spindola@centroin.com.br
1. INTRODUÇÃO
O interesse pela temática - a mulher e o trabalho - emergiu no contexto
familiar onde as mulheres não exerciam atividades remuneradas. Cresci sendo
estimulada a ter um destino diferente, assumindo uma profissão. Ao realizar o
Vestibular optei pela enfermagem, pela afinidade com a área e em decorrência de
minha vivência como instrumentadora cirúrgica.
A inserção da mulher no mercado de trabalho mudou o curso da história. Tem sido
uma caminhada longa e árdua, com perdas e conquistas, às custas de dor e
sofrimento(1). Os patrões muitas vezes preferiam a mão-de-obra feminina por ser
mais barata e melhor. Entretanto, as qualidades inerentes ao gênero são
deturpadas em seu próprio detrimento e os elementos morais e delicados de sua
natureza são utilizados contra ela, escravizando-a e fazendo-a sofrer, lembra a
autora.
O trabalho feminino foi lenta e tardiamente regulamentado em decorrência da
falta de organização das mulheres em sindicatos, da sua tradição de resignação
e submissão e da falta de solidariedade e consciência coletiva diante das novas
possibilidades que se apresentavam. Assim, as trabalhadoras contentavam-se com
os baixos e distintos salários que recebiam, denotando que não sabiam defender-
se de seus exploradores(1). Quando as mulheres se integraram na vida sindical,
é que puderam defender seus próprios interesses e deixar de pôr em perigo os da
classe operária em seu conjunto. A despeito de todas essas dificuldades, a
evolução do trabalho feminino prosseguiu(1).
Mas as condições de trabalho não são semelhantes para mulheres e homens.
Existem distinções nas atividades realizadas, nos cargos ocupados e na
remuneração que, em muitas situações, é inferior à do homem no desempenho da
mesma função. Este problema decorre da diferença entre a natureza das ocupações
e a magnitude das jornadas de trabalho, fatores que pressionam a mulher a
tentar conciliar sua vocação profissional com a necessidade financeira visando
a sobrevivência e/ou o desenvolvimento da família, levando-as a buscar e/ou
aceitar ocupações que possam desenvolver em tempo parcial, o que resulta em
menor rendimento salarial(2).
A inserção da mulher no mercado de trabalho provocou alterações significativas
em seu cotidiano num processo que adquiriu dimensão estrutural no mundo
contemporâneo. Um dos fatores que mais radicalmente contribuíram para a
redefinição da posição social da mulher foi o advento de métodos
anticoncepcionais, com conseqüências decisivas nas relações familiares,
gradativamente modificadas em sua organização, inclusive em relação à divisão
de tarefas domésticas e educação dos filhos(3). Entretanto, no Brasil, a
entrada feminina no mundo do trabalho, nas duas últimas décadas, não teve o
mesmo impacto para todas as mulheres: o trabalho remunerado implicou uma
mudança significativa no modo de vida das mulheres com qualificação
profissional, que graças não só a expansão do mercado de trabalho mas também do
sistema educacional brasileiro, tiveram condições de romper com o padrão de
divisão sexual da geração de suas mães, que "não trabalhavam" (leia-se
remuneradamente) , alterando, assim, a organização de sua vida familiar(3).
As mulheres trabalhadoras concentram-se em verdadeiros guetos ocupacionais,
diferenciados por classes sociais e nível de escolaridade em especial no setor
terciário da economia, e, dentro destes, no ramo do trabalho doméstico, cujas
atividades têm pouco ou nenhum prestígio social. Apesar disto, têm estado
presentes nas atividades de nível médio, especialmente naquelas de cunho
administrativo e comercial, sendo que o ensino e a enfermagem, por suas
características femininas, as carreiras preferidas daquelas que completam o
nível superior(4).
Acerca da relação escolaridade/inserção no mercado de trabalho, autoras(4,5)
destacam que as mulheres instruídas são as que, proporcionalmente, mais
integram o sistema produtivo, em função do tipo de atividade mais gratificante
que realizam ou de uma remuneração que compense os gastos necessários para
justificar sua ausência do lar.
Por outro lado, vale salientar que a participação da mulher no sistema
produtivo é definida não só pelas condições oferecidas no mercado de trabalho,
como também pelas potencialidades da mulher para inserir-se neste espaço.
Assumem importância, neste contexto, características individuais como condição
marital, número de filhos, idade e escolaridade que, com outros atributos,
determinam e/ou facilitam/dificultam a sua inserção no sistema produtivo(5).
Quanto à enfermagem como opção profissional decorre do fato de ser uma
profissão de mulheres, do gênero feminino, que envolve representações sociais
inerentes às "características" da mulher ideal numa sociedade ainda dominada
pelos homens, tais como: submissão, abnegação, disciplina, pureza, humildade e
domesticidade(6).Assim sendo, foi só deslocar uma cultura pronta, que era da
mulher, mãe e esposa no espaço privado cuidando da casa, dos filhos e do
marido, para o espaço público: substitui-se, neutralizando, a casa pelo
hospital, os filhos pelos sujeitos do cuidado, o povo e o marido pelo médico
(6).
Neste sentido, o fato de a enfermagem ser exercida majoritariamente por
mulheres torna-se relevante quando se analisam os determinantes e a organização
dessa prática social, que a associam aos estereótipos que cercam a vivência
feminina na sociedade(4). O trabalho da enfermagem é característico sendo um
meio rico em que rola a valorização do único, do particular, do específico, do
subjetivo, do senso comum, das crenças, dos mitos, dos rituais, do místico, do
conhecimento popular e do benefício social. A procura do significado e
compreensão para os próprios hábitos de vida dos trabalhadores de enfermagem
inseridos no dia a dia de uma dinâmica organizacional pode ser encontrada
através das categorias compreensivas de análise sócio-antropológica do
quotidiano destes trabalhadores(7).
Deste modo, as singularidades do trabalho da enfermagem são marcantes não
somente por caracterizar-se como profissão essencialmente integrada por
mulheres, como também, pela especificidade das ações que desenvolvem no dia-a-
dia.
O trabalho de enfermagem é constituído por atividades relativas ao cuidado e
administração do espaço assistencial, organizado sob a égide da divisão
parcelar ou pormenorizada do trabalho.Desde sua organização, a profissão "é
predominantemente subordinada e assalariada"(8).A profissão organiza-se dentro
do sistema capitalista de produção e, apesar de deter certa autonomia em
relação aos demais profissionais de saúde, encontra-se subordinada ao
gerenciamento do ato assistencial realizado pelos médicos(8).
Ao discutirem alguns problemas ocupacionais da enfermagem no Brasil, as autoras
(9) afirmam que em grande parte da nação brasileira, a Enfermagem ainda
encontra-se cerceada, sem soberania, submissa ao seu empregador que, em geral,
espera que ela cumpra apenas as ordens médicas, sem grandes questionamentos.
Com a fala resignada que tudo acaba sobrando para a Enfermagem, seus
profissionais suportam ordens agressivas, descasos de outros profissionais,
opressão de seu empregador, entre outros problemas(9).
A assistência de enfermagem nas instituições públicas, em geral, tem sido
penalizada com a deficiência dos recursos humanos e materiais, o que interfere
diretamente na qualidade da assistência prestada à população, gerando
insatisfação nos profissionais que se sentem impotentes e frustrados com a
situação. Este quadro foi analisado por autores(10-12)dentre outros, ao
descreverem a realidade dos profissionais de enfermagem nos Hospitais
Universitários, retratando o sofrimento dos trabalhadores com as condições
cotidianas de trabalho.
Para clarificar o pensar das trabalhadoras de enfermagem acerca das ações que
desenvolvem em seu cotidiano, optamos pela realização de um estudo tendo como
objetivos: Descrever o cotidiano da mulher-mãe-trabalhadora de enfermagem e
analisar a percepção da mulher-mãe-trabalhadora de enfermagem em relação ao seu
cotidiano tomando como base suahistória de vida.
2. METODOLOGIA
Trata-se de um estudo descritivo em abordagem qualitativa com emprego do método
de história de vida o qual, trabalha com a estória ou o relato de vida, contada
por quem a vivenciou(13). Assim, o que interessa ao pesquisador "é o ponto de
vista do sujeito. O objetivo desse tipo de estudo é justamente apreender e
compreender a vida conforme ela é relatada e interpretada pelo próprio ator"
(14).
O método de história de vida é necessariamente histórico (a temporalidade
contida no relato individual remete ao tempo histórico), dinâmico (apreende as
estruturas de relações sociais e os processos de mudança) e dialético (teoria e
prática são constantemente colocados em confronto durante a investigação)(15).
O estudo foi realizado em um Hospital Público Federal do Município do Rio de
Janeiro, onde foram entrevistadas 25 trabalhadoras, sendo 08 enfermeiras e 17
técnicas ou auxiliares de enfermagem lotadas no serviço diurno, em função da
maior concentração de mulheres/mães no referido horário. Seguindo-se as
recomendações da resolução 196/96 de pesquisas com seres humanos(16) foi
solicitada autorização à Superintendência de Enfermagem e Direção do Hospital.
Ressalta-se que, na ocasião da coleta dos dados, a Comissão de Ética da
Instituição estava em fase de transição e o Diretor do Hospital e a
Superintendente de Enfermagem concederam a autorização solicitada que,
posteriormente, foi ratificada pela Comissão de Ética.
Participaram do estudo trabalhadoras de enfermagem que tinham filhos. Não foram
delimitadas as idades das mulheres e dos seus filhos, uma vez que não houve
preocupaçãoem formar grupos, e sim compreender melhor como elas vivenciavam seu
cotidiano de mãe, mulher e trabalhadora. Nesse sentido a autora ressalta que "é
através da análise das práticas diárias dos indivíduos que se pode chegar a uma
compreensão da dinâmica da personalidade de uma pessoa, ou das características
e atitudes de um grupo social"(14).
Às mulheres foi apresentada a questão: Fale-me de sua vida, de seu cotidiano
como mulher, mãe e trabalhadora de enfermageme, em conformidade com o método
história de vida.Utilizamos o recurso de gravação em fita magnética, mediante
prévia aquiescência das depoentes, visando a garantia do anonimato e a
fidedignidade daquilo que havia sido dito durante as entrevistas.Foram
realizadas 25 (vinte e cinco) entrevistas, julgadas suficientes após a
constatação de que os relatos tornavam-se repetitivos, significando terem
atingido o ponto de saturação, ou seja, não acrescentavam fatos novos ao que
fora dito anteriormente(13).
A análise dos relatos permitiu a categorização das entrevistas traduzindo o
pensamento das mulheres sem omitir a sua opinião. Assim, foram organizados em
três grandes categorias com sub-categorias dentre essas "O trabalho e seu
significado" onde foi explicitado o pensar das trabalhadoras acerca do trabalho
remunerado e o significado deste em suas histórias de vida. Uma das sub-
categorias deste grupo é a visão das mulheres em relação ao tipo de atividade
que realizam como profissionaisde enfermagem denominada O trabalho na
enfermagem e suas condições. Para garantir o anonimato das depoentes foram
utilizados pseudônimos.
3. ANÁLISE DOS RELATOS
O trabalho remunerado assume papel importante nos relatos das mulheres
entrevistadas, sendo percebido como uma forma de a mulher adquirir sua
independência, conquistar seu espaço na sociedade e ver seu trabalho
reconhecido. O trabalho na enfermagem e suas condições foram ressaltados nos
relatos a seguir, evidenciando o que é ser uma trabalhadora desta área e como
ocorre sua prática profissional nas instituições de saúde pública do município
do Rio de Janeiro:
[...] É aquele que resolve tudo, o polivalente. [...] Trabalha [...]
antes, [....] durante e [...] depois [...] e [...] se cansa mais.
[...] Porque a gente anda mais, [...] carrega mais peso, [...] tem
que se preocupar com o que aconteceu ontem, o [...] hoje, e o [...]
amanhã. [...] Nós lidamos diretamente com todas as pessoas do
hospital [...] o elo entre todos os outros funcionários [...] (Maria,
31 anos, Enfermeira)
[...] eu acho que temos uma profissão difícil que exige muito da
gente física e emocionalmente [...] já estou me sentindo cansada,
exausta porque vejo que a cada dia as dificuldades se tornam maiores
em termos de pessoal, de material [...]. A gente se sente impotente
[...] quer fazer o melhor e acha que[...] não tem condições [...]
porque isso envolve muita coisa [...] me deixa frustrada, [...]
angustiada. Tem dias que eu chego em casa muito triste, com vontade
de [...] abandonar tudo; mas, são 18 anos na profissão, e eu acho que
vale a pena esperar mais um pouquinho para [...] me aposentar.
(Alcina, 39 anos, Aux. Enfermagem)
Nestes relatos notamos que o enfermeiro é visualizado como um profissional que
se envolve em muitas ações na organização hospitalar, e fica sobrecarregado com
o acúmulo de funções e preocupado com a organização e planejamento das ações de
enfermagem. A precariedade das condições do hospital público, também foi
retratada, evidenciando uma interferência negativa no fazer da enfermagem, ao
gerar sensações de impotência, frustração e angústia entre as trabalhadoras.
Aspectos como a deficiência relacionada aos recursos humanos e materiais, a
própria estrutura física da instituição, que não dispõe de acomodações
apropriadas para os profissionais de enfermagem realizarem suas refeições e/ou
descansarem, contribui para a insatisfação das servidoras, como afirma Alcina.
O fazer e as ações de enfermagem foram descritos por diversos autores. Mais
recentemente, discutindo o processo de trabalho nas organizações de saúde do
Brasil, verificou-se que o trabalho assistencial institucionalizado resultava
do trabalho em equipe "no qual o médico é o elemento central que detém o
controle do processo assistencial e delega atividades a outros profissionais de
saúde"(8). Sendo assim, a enfermagem é a responsável pelo cuidado direto aos
pacientes, assistindo-os durante as 24 horas do dia, num trabalho realizado por
uma equipe integrada por enfermeiro, técnico, auxiliar de enfermagem com
formação diferenciada e funções distintas.
As ações da enfermagem estão amparadas pela Lei do Exercício Profissional Lei
nº 7498/86(17), que define as competências de cada profissional. O enfermeiro
gerencia o trabalho dos demais membros da equipe; presta cuidados especiais,
definidos pela legislação como de sua exclusiva competência; e domina os
conhecimentos relativos ao exercício do trabalho assistencial da enfermagem,
avaliando as necessidades de cada paciente. Os demais membros da equipe
executam as ações prescritas pelo médico e pelo enfermeiro, sempre sob sua
supervisão.
Discutindo as condições psicológicas do trabalho e suas conseqüências sobre a
saúde do trabalhador, os autores(18) afirmam que a organização do trabalho é um
fator potencialmente desestabilizador da saúde mental dos trabalhadores. Assim
correlacionam o fazer dos trabalhadores com seus sentimentos, acreditando que
as pessoas, em muitas situações, somatizam e acabam ficando doentes em
decorrência de situações insatisfatórias no próprio ambiente de trabalho. No
caso da enfermagem a insatisfação e a frustração das trabalhadoras ficou clara
nos relatos, sendo citados como aspectos negativos o ambiente físico onde as
ações se desenvolvem, a deficiência de recursos humanos e materiais, a própria
organização do trabalho (fragmentado pela divisão de tarefas executadas em
turnos) todos eles alienantes e, portanto, prejudiciais à saúde das mesmas.
A adaptação/identificação com o local de trabalho e a necessidade de reciclagem
dos profissionais são aspectos, também, presentes nos relatos das
trabalhadoras, como podemos observar:
[...] porque eu acho muito ruim você fazer o que não gosta, (...) eu
aprendi a gostar porque eu sou sanitarista eu não sou intensivista,
(...) Quando eu vim para cá como eu não tive condições de trabalhar
nisso, então eu comecei a investir em outra coisa, mas para mim tudo
era um desafio, (...) e acho que o aprendizado assim nunca se perde
nada com ele pelo contrário, (...) agora estou até pensando em fazer
um curso de especialização em CTI [...] (Selma, 35 anos, Enfermeira)
[...] porque nem sempre a gente trabalha dentro daquilo que gostaria
de trabalhar. (...) eu passei por vários setores (...) mas não era o
setor que eu me identificava mais, (...) procurei desenvolver da
melhor maneira possível a atividade. (...) Falta de uma estrutura que
dê para você trabalhar melhor (...) para você fazer até um curso para
se atualizar, (...) isso também a gente não consegue fazer, se você
sai para um curso todo mundo fala (...) que já está sem pessoal.
[....] (Maria, 31 anos, Enfermeira)
Os relatos deixam transparecer duas situações bastante comuns no trabalho da
enfermagem: a primeira, relacionada com a adaptação/identificação com setor de
trabalho; a segunda, diz respeito à reciclagem de conhecimentos. Em geral,
infelizmente, são poucas as Instituições de saúde que se preocupam em fazer um
levantamento das aptidões/áreas de interesse de seus servidores, antes de
alocá-los em determinado setor. Com isso os ajustes acabam ocorrendo
naturalmente,pois a pessoa precisa se adaptar ao serviço. Se não ocorrem,
causam sofrimento ao trabalhador designado para aquele setor, como o relato de
Selma explicita.
Em grandes organizações são comprovados os resultados em que o trabalhador,
satisfeito com o local e tipo de trabalho que executa, tem um desempenho
melhor. Todavia, na enfermagem nem sempre este fator é considerado gerando
insatisfação entre os profissionais. Isto porque, poucos são os gerentes de
enfermagem que estão atentos para a tríade identificação/satisfação/melhor
aproveitamento do trabalho. Neste sentido o autor(19) lembra que "a relação do
homem com a organização do trabalho é a origem da carga psíquica do trabalho".
Ou seja, quanto mais harmoniosa for a relação do homem com o seu trabalho,
melhor será a sua saúde psíquica. Assim, quanto maior for o equilíbrio entre a
relação de trabalho e o trabalhador, mais capacitado estará para utilizar
plenamente suas potencialidades no desenvolvimento de suas aptidões, e em
condições de sentir prazer na realização destas tarefas.
Em relação à reciclagem de conhecimentos, foram explicitadas pelas
trabalhadoras a importância e a necessidade de fazê-la; todavia, deixaram claro
que esta não é uma constante na referida Instituição, em função do déficit de
pessoal e da falta de uma política de capacitação profissional. Assim,
entregues à própria sorte, a iniciativa de procurar aperfeiçoar-se fica a
critério de cada servidora, que não recebe estímulos ou qualquer tipo de apoio
financeiro/institucional para realizar estas ações, como reforça Selma. Deixam
também transparecer que, no caso de alguma indicação para o profissional
capacitar-se, o grau de insatisfação entre os demais colegas será grande, sob a
alegação de déficit de pessoal, o que na verdade evidencia a falta de uma
política de investimentos nos trabalhadores e a própria fragilidade da
organização, que acaba não avaliando adequadamente o retorno do benefício, para
a Instituição através destas ações.
A responsabilidade do profissional de enfermagem, seu compromisso e a falta de
valorização dos trabalhadores pelos demais membros da equipe de saúde foram
verbalizados pelas entrevistadas, conforme os relatos a seguir:
[...] Outros profissionais não te valorizam, (...) os auxiliares e
técnicos. (...) A área acadêmica, o profissional de enfermagem
(refere-se ao docente) é mais valorizado, tem oportunidade de se
reciclar, (...) de cursos. O profissional de assistência, como eu,
quase não tem. (...) eu não gosto de não ser valorizada. Eu acho que
(...) a enfermagem não é valorizada. É sempre o último que sabe das
coisas (...) que resolve.(...) Por não ser valorizada, não crescer,
não vê crescimento.(...) É sempre a mesma coisa.[...] (Eduarda, 42
anos, Enfermeira)
[...] Aquela forma de ver o enfermeiro como um profissional de nível
superior, que fez também uma faculdade, que tem (...) consciência da
administração hospitalar e faz tudo com embasamento técnico-
científico (...) tudo isso se perde entre os outros profissionais.
(...) porque você é muito cobrada. (...) Então se não tem alguma
medicação na Farmácia, (...) você é o culpado de não ter vindo.(...)
Se o exame não foi feito é porque você não orientou bem o cliente
[...] (Maria, 31 anos, Enfermeira)
As profissionais de enfermagem percebem em seu cotidiano a grande
responsabilidade que têm, envolvidas que estão com a preservação da vida das
pessoas a quem prestam cuidados. Na prestação da assistência as atividades da
equipe de enfermagem são diferenciadas conforme a categoria funcional, como
preconiza a Lei nº 7498/86 que normatiza o exercício profissional de enfermagem
(17). Os enfermeiros realizam a gerência do cuidado, ou seja, o planejamento
das ações de enfermagem, a provisão e previsão de material, além de prestarem
cuidados aos pacientes mais graves, que exijam conhecimentos científicos e
tomada de decisões. O técnico e o auxiliar de enfermagem realizam atividades de
naturezarepetitiva, sob supervisão do enfermeiro. Na verdade, muitas vezes,
esta é a razão dos conflitos existentes no relacionamento entre estes
profissionais, ou seja o fracionamento das ações que desenvolvem e a própria
divisão do trabalho. Como existem trabalhadores de níveis distintos de
escolaridade, àquele que determina/orienta a ação e o que executa, a harmonia
entre estas pessoas fica muito prejudicada, ocorrendo mais em função da empatia
e integração que se estabelece entre eles.
Por outro lado, a desvalorização da profissão, mencionada pelas entrevistadas,
está associada à distinção entre o Saber e o Fazer. Assim é que a enfermagem,
como um todo, é percebida pelos demais profissionais da área de saúde como
aquela que faz, que está diretamente em contato com os pacientes, a cuidadora.
O fato de a profissão ser realizada por pessoas de níveis diferenciados
contribui para que os demais profissionais da saúde nem sempre enxerguem o
enfermeiro como um profissional de nível superior, com embasamento científicoe
assim, acabam por tratá-lo sem a devida consideração, como refere Maria em seu
relato. Todavia, existe outro fator a ser considerado, e que está relacionado
ao gênero, ou seja, o de que a enfermagem é uma profissão
essencialmentefeminina e, neste sentido, a desvalorização decorreria disso?
Trabalhando com a questão do gênero na enfermagem, a autora(20) discutiu este
aspecto da desvalorização da profissão afirmando que "o fato da Enfermagem ser
uma profissão majoritariamente feminina se constitui em uma das possibilidades
para se chegar à explicação e compreensão do seu estado atual de crise de
identidade, de prestígio social, de força política dentre outras, sendo
portanto, impossível descolar as questões que envolvem essa profissão da
própria história das mulheres".
Outro aspecto que merece ser pontuado está relacionado à falta de delimitação
das ações de enfermagem, referida por Maria, levando a que sejam consideradas
culpadas pelas falhas administrativas do hospital. Assim, toda a infra-
estrutura relativa à prestação de assistência oferecida pelas instituições de
saúde acaba se refletindo no processo de cuidar. Na falta dos recursos
necessários para a realização das ações de saúde, alguém será responsabilizado
e, freqüentemente, conforme a trabalhadora afirma, a culpa recai sobre a
enfermagem.
Neste sentido, ratifica-se o pensamento da autora(8), que afirma a enfermagem é
"cobrada" pelos médicos, pelos pacientes, por familiares e pela administração.
No entanto, o seu poder decisório é pequeno, depende de outros setores e as
regras de funcionamento da instituição delimitam as suas potencialidades de
ação.
A relação do homem com o trabalho é significativa para a sua saúde psíquica
conforme ressalta o autor(19), o organismo do trabalhador não é um "motor
humano", na medida em que é permanentemente objeto de excitações, não somente
exógenas, mas também endógenas. O trabalhador não chega a seu local de trabalho
como uma máquina nova. Ele possui uma história pessoal que se concretiza por
uma certa qualidade de suas aspirações, de seus desejos, de suas motivações, de
suas necessidades psicológicas.
Assim sendo, é necessário que o trabalhador sinta-se estimulado, que se
identifique com o tipo de tarefa que está realizando, para que se estabeleça
uma relação de prazer com o trabalho. Do contrário, o trabalho tornar-se-á uma
fonte de tensão e desprazer.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A vivência de uma das pesquisadoras como trabalhadora de enfermagem no contexto
de uma instituição pública de assistência à saúde e as dificuldades do dia-a-
dia, inerentes ao desempenho profissional, foram o ponto de partida para a
realização deste estudo.
A partir dos relatos das mulheres, foi possível construir o cotidiano e as
vivências de cada trabalhadora, retratando-se a frustração e a impotência das
mesmas diante da percepção acerca da assistência prestada num hospital público
do município do Rio de Janeiro, onde atuam profissionalmente, decorrente da
insuficiência de recursos materiais e humanos para o atendimento da clientela,
da falta de reconhecimento da profissão pelos demais membros da área de saúde e
pela própria sociedade.
Segundo as depoentes, o profissional de enfermagem é reconhecidamente
polivalente e tende a envolver-se com a dinâmica da organização hospitalar, em
geral, por falta de delimitação do seu campo de atuação. Este fato, associado a
fatores como remuneração insuficiente, desvalorização do seu trabalho, cobrança
excessiva por eventuais falhas no atendimento e falta de incentivo para
capacitação, pode levá-lo a sentir angústia e sofrimento no exercício de suas
funções.
O perfil da enfermeira como pessoa devotada, abnegada, observadora, fiel e de
sentimentos delicados, conforme definido na segunda metade do século XIX por
Florence Nightingale(21), persiste entre as profissionais ainda hoje, embora
reconheçam as limitações do sistema de saúde vigente e a complexidade do
assistir. E assim, esforçam-se no desempenho de suas funções para prestar um
atendimento à clientela com base em princípios de dignidade e respeito à pessoa
humana. Suas atividades fazem com que convivam diariamente com a morte e o
morrer, com o sofrimento alheio, as carências da população e a dificuldade no
processo de assistir, situações que as levam a ter suas vidas invadidas, de
certa forma, pela história e problemática daqueles de quem cuidam, resultando
num cotidiano repleto de emoções.
A situação atual da mulher brasileira difere bastante de outrora. Hoje ela
necessita trabalhar para ajudar a compor a renda familiar. Seus ganhos, muitas
vezes, não permitem que tenha apenas um emprego, como é o caso da maioria das
trabalhadoras de enfermagem. Em geral, residem longe dos empregos, fazendo com
que aumente o tempo em que permanecem ausentes de casa. Têm dupla ou tripla
jornada, provocando esgotamento físico e mental, não restando tempo suficiente
para dedicar aos seus interesses pessoais e assim, viver com tranqüilidade.
As profissionais de enfermagem do estudo têm estes comprometimentos em suas
vidas. Trabalhar na área de enfermagem, com especificidade ímpar, associado às
demais tarefas cotidianas como mulheres e mães, faz com que se sintam
consumidas. Correlacionando a história de vida de cada uma às condições de
trabalho que vivenciam no seu dia-a-dia nos deparamos com a questão da saúde
mental das mesmas, lembrando que, em muitas situações, a mulher está assumindo
sozinha o sustento da família e a educação dos filhos. Dentre as entrevistadas
09 mulheres não tinham companheiro e, portanto, são totalmente responsáveis por
suas famílias.
Sendo o trabalho vital para o ser humano e interferindo diretamente em sua
capacidade física e mental, como mencionado ao longo deste estudo, torna-se
relevante a observação pelos gerentes das instituições de saúde dos fatores
alienantes e nocivos à saúde dos trabalhadores, especialmente às mulheres
profissionais de enfermagem, que necessitam manter-se íntegras física e
mentalmente para o pleno exercício de suas atividades como trabalhadoras,
mulheres e mães.