A pesquisa na área de Gerenciamento em Enfermagem no Brasil
PESQUISA
A pesquisa na área de Gerenciamento em Enfermagem no Brasil
Research in Nursing Administration area in Brazil
La investigación en la area de Gerencia en Enfermería en Brasil
Paulina KurcgantI; Maria Helena Trench CiamponeII
IProfesora Titular do Departamento de Orientação Profissional da Escola de
Enfermagem da USP na área de Administração em Enfermagem no âmbito de Programas
de Graduação e Pós-Graduação
IIProfesora Livre-Docente do Departamento de Orientação Profissional da Escola
de Enfermagem da USP na área de Administração em Enfermagem no âmbito de
Programas de Graduação e Pós-Graduação
1. INTRODUÇÃO
A produção do conhecimento na área do Gerenciamento em Enfermagem no Brasil,tem
sido objeto de alguns estudos e discussões, no âmbito dos Programas de Pós-
Graduação e tem subsidiado importantes transformações no que se refere, tanto
às práticas de ensino como do gerenciamento da assistência e dos serviços de
Enfermagem.
O processo de pesquisa tem complementado e integrado o processo gerencial,
principalmente pelo uso do conhecimento gerado pelas pesquisas nessa área
temática.
O resgate da trajetória desse conhecimento oriundo das pesquisas em
gerenciamento, permitem visualizar as práticas gerenciais e refletir sobre os
motivos que orientam o pensar, o sentir e o agir numa dada direção.
Assim, o presente estudo tem por objetivo identificar e analisar a produção do
conhecimento na área do gerenciamento em enfermagem, no país, resultante das
pesquisas produzidas nos cursos de Mestrado, Doutorado e Teses de Livre-
Docência.
Nessa direção, estudo denominado "Administração em Enfermagem: constituição
histórico social do conhecimento, recupera a gênese do conhecimento de
Administração na Enfermagem, considerando a dimensão histórica desse
conhecimento no Brasil. Nas considerações finais assinala a crítica feita aos
trabalhos, inicialmente desenvolvidos nessa área, que concebem a atividade
administrativa do enfermeiro como um desvio de suas funções(1).
Aponta que apesar de na década de 80 algumas pesquisas mostrarem que a
atividade administrativa era inerente ao trabalho assistencial, ainda
permanecia o conflito de posições acerca do gerenciar e do cuidar.
Chama também a atenção para o fato da necessidade do conhecimento da
Administração em Enfermagem constituir um instrumento do processo de trabalho
do enfermeiro, sendo determinado pelas transformações históricas do processo de
trabalho em saúde advindas da instalação do modo de produção capitalista.
Essa abordagem administrativa que predominou até quase o final do século XX, e
que exerce, ainda, nos dias atuais, importante influência na prática
administrativa dos enfermeiros, teve como embasamento a Teoria Geral da
Administração (TGO), ancorada na vertente do pensamento funcionalista.
Nessa vertente, conforme estudo realizado sobre a influência das teorias
administrativas na prática gerencial da enfermagem, as variáveis enfatizadas no
trabalho gerencial foram, em diferentes momentos, ênfase nas tarefas, nas
pessoas, na estrutura e no ambiente(2).
Segundo esse referencial, predominou na administração a abordagem prescritiva e
normativa, caracterizando uma condução estritamente racional das atividades.
Avançando nessas reflexões, outra autora(3) aprofunda a idéia de que a gerência
na enfermagem, constitui um processo de trabalho específico. Ressalta que é
preciso compreender as práticas de saúde enquanto práticas imediatamente
sociais. Desse modo, essas práticas são historicamente estruturadas e
socialmente articuladas. De acordo com esse entendimento as práticas de saúde
tem que ser concebidas de modo articulado às demais práticas sociais, sendo
assim, parte que contém as determinações da totalidade desse social.
Essa concepção teve por base estudos desenvolvidos(4), onde o trabalho em saúde
foi analisado nas relações de dependência e de determinação recíprocas, ou
seja, como um trabalho que não se dá isoladamente. Os modelos assistenciais,
clínico e epidemiológico são analisados segundo paradigmas diferenciados de
concepção de saúde, que se articulam a projetos distintos de efetivação de
praticas, tanto assistenciais como gerenciais.
Nessa concepção a gerência constitui um importante instrumento para a
efetivação de políticas, incorporando um caráter articulador e integrativo, ou
seja, "a ação gerencial é determinada e determinante do processo de organização
de serviços de saúde e fundamental na efetivação de políticas sociais e, em
específico, as de saúde"(3).
Assim, investigações na área do gerenciamento em enfermagem, ao enfocarem como
objeto de estudo elementos do cotidiano das práticas desenvolvidas no trabalho
da enfermagem, em diferentes contextos, no seu embasamento, de forma implícita
ou explícita, permitem a identificação de pressupostos das correntes de
pensamento funcionalista/positiva; compreensiva ou do materialismo histórico e
dialético.
2. METODOLOGIA
Para realização desta pesquisa foram utilizadas as informações contidas no CD-
Room Volume 1 a 18, denominado "Informações sobre pesquisas e Pesquisadores em
Enfermagem" da ABEN/CEPEn, correspondentes ao período 1979-2000(5,6) e as
informações oriundas dos Anais do CEPEn, dos anos 2001 a 2003(7,8).
Dessas fontes foram coletados os seguintes dados: titulação obtida Mestrado
(M), Doutorado (D) ou Livre-Docência (LD); nome do autor; título do trabalho;
ano de conclusão; local/Estado e respectivo resumo. Para fins de análise os
estados foram agrupados segundo as regiões geopoliticas do país.
A população do estudo constituiu-se de: 138 Dissertações, 50 Teses de Doutorado
e 10 de Livre-Docência, totalizando 198 produções científicas.
Essas informações foram lançadas numa planilha do MS Excel, com a finalidade de
realizar cruzamentos e análise dos dados.
3. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS
O referencial de análise dos dados pautou-se, num primeiro momento, no esquema
categorial segundo o Documento aprovado na Reunião de Coordenadores de Pós-
Graduação em Enfermagem no 11º SENPE, 2001, onde estão definidas três áreas/
campos denominadas de Profissional, Assistencial e Organizacional. Por se
tratar de pesquisas desenvolvidas com temáticas relacionadas ao Gerenciamento
em Enfermagem, foram adotadas para a análise e classificação dos dados, as
linhas de pesquisa "Políticas e Práticas em Saúde e Enfermagem; Políticas e
Práticas de Educação e Enfermagem; Produção Social e Trabalho em Saúde e
Enfermagem; Gerenciamento dos Serviços de Saúde e de Enfermagem e Informação/
Comunicação em Saúde e Enfermagem", pertencentes à área/campo, do documento,
denominada área Organizacional.
Estas linhas foram respectivamente codificadas como A, B, C, D e E, na planilha
do estudo, no sentido de facilitar a tabulação dos dados.
Também foram considerados como subsídios para a análise dos dados, a
identificação do método adotado na pesquisa (quantitativo, qualitativo, ou
quanti-qualitativo) e a vertente de pensamento (Positivista, Compreensiva e
Materialismo Histórico e Dialético)(9) .
A operacionalização da análise deu-se pela leitura analítica dos 198 resumos;
categorização segundo esquema categorial supramencionado e lançamento do
resultado da categorização na planilha.
Esta etapa apresentou às pesquisadoras, dificuldades, pois, muitas vezes, os
resumos não constavam dos anais e, em outras, não permitiam o resgate dos dados
essenciais para a análise, devido à omissão e/ou à falta de objetividade na
descrição dos mesmos. Nesses casos, procedeu-se à busca bibliográfica na
própria dissertação ou tese, ou em bancos de dados científicos.
Chama a atenção que na base de dados do CEPEn, não se encontram alguns
trabalhos, comprovadamente, desenvolvidos na área de gerenciamento. Este fato
mostra uma limitação desse tipo de estudo e da importância do envio e
cadastramento sistemático das informações sobre pesquisas e pesquisadores no
âmbito nacional.
Uma vez imputados os dados na planilha do MS Excel, para a análise, os mesmos
foram transpostos para outra planilha do Access, de modo a favorecer o
cruzamento das informações.
Os procedimentos de análise permitiram a apresentação dos seguintes resultados
que, conforme definidos pelas autoras em alguns momentos, foram agrupados por
décadas.
A tabela_1 permitiu verificar que quanto à titulação dos autores, foram
encontradas 138 dissertações correspondentes a 70% da produção; 50 Teses de
Doutorado, equivalentes a 25% do total e 10 Teses de Livre-Docência, que
correspondem a 5% do total dos estudos.
De acordo com a Tabela_2, apreende-se que a produção, no âmbito do
gerenciamento em Enfermagem, ao longo das décadas, evidencia incremento
significativo do número de pesquisas, na década de 90, que pode ser explicado,
em parte, pelo processo de expansão dos Programas de Pós-Graduação em
Enfermagem no país. Na década de 2000, transcorridos apenas 3 anos, titularam-
se 28 Doutores e 61 Mestres, sendo que na década de 90 esses números foram 20
Doutores e 72 Mestres, o que mostra um importante crescimento na formação de
Mestres e Doutores e conseqüente incremento do conhecimento na área.
Conforme ilustram as Tabelas_3 e 4, a seguir, a linha de pesquisa denominada
Gerenciamento dos Serviços de Saúde e de Enfermagem (D) foi a que concentrou
maior número de estudos 115, (58%); seguida da linha Produção Social e Trabalho
em Saúde e Enfermagem (C) com 52, (26 %); a linha Políticas e Práticas de
Educação e Enfermagem (B) com 14, (7%); a linha Políticas e Práticas em Saúde e
Enfermagem (A) com 13, (7 %) e finalmente 4, (2 %) de estudos na linha
Informação/Comunicação em Saúde e Enfermagem (E).
Quanto ao método adotado nos estudos, a tabela_5 e a tabela_6, permitem
visualizar que do total dos trabalhos, 94, (47%) adotam métodos quantitativos;
92, (46%) correspondem a metodologia qualitativa, e 7, (4%) correspondentes a
métodos quanti-qualitativos. Vale salientar que do total de 198 trabalhos, 5
(3%) não apresentaram dados suficientes para a análise.
As tabelas_7 e 8 permitem considerar que a trajetória da adoção de diferentes
enfoques metodológicos apoiados em diferentes correntes de pensamento, pelos
pesquisadores da área, evidencia a mudança de paradigmas, quando enfocam
objetos distintos em consonância com os movimentos da sociedade.
Segundo a tabela_8, fica evidente que até a década de 80 prevalecia a abordagem
positivista. Esse dado coincide com a tendência onde, de modo geral, na década
de 70 e de 80, as pesquisas estiveram marcadas pelas teorias funcionalistas
aderentes ao método positivista(10). No presente estudo, na década de 90,
evidencia-se que o número de trabalhos que adotam métodos compreensivos supera
os que adotam métodos positivistas. Chama a atenção, que na década de 2000,
apenas no triênio estudado, a adoção de métodos compreensivos, nas pesquisas,
já se igualam ao número de métodos positivistas.
Embora seja salientado que nas décadas de 60 e 70 as abordagens compreensivas
se faziam presentes no campo do pensamento sobre saúde(10), pode-se afirmar que
o mesmo não ocorreu com as pesquisas em Enfermagem, pois somente a partir da
década de 90 as abordagens compreensivas, pautadas principalmente na
fenomenologia, no interacionismo simbólico, na etnografia, na teoria
fundamentada em dados e na representação social, se fazem presentes nos estudos
em Gerenciamento de Enfermagem. O Materialismo Histórico e Dialético, quando
adotado como corrente de pensamento, incorpora, nos estudos, uma crítica
social.
De acordo com a tabela_9, é possível verificar que a região Sudeste, concentra,
158 estudos 80%, seguidos pela região Sul com 25, (13%); pela região Nordeste
com 11, (5%) e 4 na região centro-oeste (2%). Na região Norte não foi
encontrado registro de pesquisa sobre Gerenciamento em Enfermagem.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Análise da produção científica na área de Gerenciamento em Enfermagem , no
período de 1979 a 2003, analisada segundo as linhas de pesquisa propostas no
documento norteador, onde estão definidas as três áreas/campos denominadas
"Profissional, Assistencial e Organizacional", possibilitou evidenciar o
incremento do número de pesquisas na área Organizacional,nas diferentes linhas
de pesquisa englobadas nessa área/campo.
Possibilitou, também, visualizar essa produção científica diferenciada pela
titulação dos pesquisadores; pelas temáticas investigadas; pelo ano em que
ocorreu a pesquisa; pelas regiões geopolíticas do país; pelo método adotado e
pelas correntes de pensamento que embasaram esses estudos.
Vale considerar como pontos de destaque: a ampliação da adoção de diferentes
vertentes de pensamento pelos enfermeiros pesquisadores possibilitando
verticalizar e ampliar o resgate e análise dos diferentes temas e objeto das
investigações; a incorporação e valoração crescente das temáticas de
investigação vinculadas à saúde do trabalhador de enfermagem, evidenciando
ênfase, também na dimensão de quem cuida.
Entretanto, denota-se que a concentração dessa produção, ainda se concentra na
região sudeste e sul, mostrando a necessidade de se continuar investido na
expansão dos Programas de Pós-Graduação nas demais regiões do país.
Quanto à concentração de pesquisas na linha de Gerenciamento dos Serviços de
Saúde e de Enfermagem, seguida da linha Produção Social e Trabalho em Saúde e
Enfermagem; Políticas e Práticas de Educação e Enfermagem; Políticas e Práticas
em Saúde e Enfermagem e Informação/Comunicação em Saúde e Enfermagem, apreende-
se que o foco dos estudos se atem, ainda, à dimensão instrumental das práticas
gerenciais estando menos vinculados às políticas determinantes dessas práticas.
Também é possível apreender que a investigação sobre os processos de informação
ainda é incipiente.
Se por um lado o conhecimento gerado pelas pesquisas influencia as
transformações nos processos de trabalho, entre eles o processo educacional,
por outro lado mostra que a capacitação no âmbito para o gerenciamento em saúde
e em enfermagem, ainda carece de fortalecimento das competências que integram
as dimensões ético-políticas, que compreendem a instância relacional e de
responsabilidade social da profissão.
Embora considerando que o presente estudo contribui para o resgate do
conhecimento gerado pela pesquisa em Gerenciamento em Enfermagem, as autoras
consideram como uma limitação do mesmo, o fato de ter sido adotado apenas uma
fonte de coleta de dados, que restringiu, as pesquisas desenvolvidas, ao âmbito
da Pós-graduação e da titulação docente. Desse modo, recomenda-se à
continuidade de estudos que ampliem as fontes de coleta de dados e permitam
trabalhar outros elementos de análise.