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BrBRCVHe0034-71672005000200021

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National varietyBr
Country of publicationBR
SchoolLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN0034-7167
Year2005
Issue0002
Article number00021

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Suporte humanizado no pronto socorro: um desafio para a enfermagem RELATO DE EXPERIÊNCIA

Suporte humanizado no pronto socorro: um desafio para a enfermagem

Humanized support in emergency: a challenge for nursing

Soporte humanizado en un servicio de emergencia: un desafío para la enfermería

Daiane Dal PaiI; Liana LautertII IEnfermeira. Mestranda do Curso de Pós Graduação em Enfermagem da Escola de Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Bolsista CAPES.

daiadalpai@yahoo.com.br IIDoutora. Professora adjunto da Escola de Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. lila@enf.ufrgs.br

1. INTRODUÇÃO A unidade de emergência oferece serviços de alta complexidade e diversidade no atendimento a pacientes em situação de risco iminente de vida. No entanto, as tecnologias avançadas utilizadas neste atendimento nem sempre garantem a qualidade da assistência, pois influência decisiva de fatores relacionados ao objeto e à força de trabalho neste processo.

Na busca pela estabilização das condições vitais do paciente, o atendimento se por meio do suporte à vida, exigindo agilidade e objetividade no fazer.

Neste sentido, o processo de trabalho molda-se na luta contra o tempo para alcance do equilíbrio vital tido como objetivo do trabalho.

Para além, todavia, das lesões que caracterizam o objeto de trabalho da unidade de emergência, pode-se compreender o que este cenário muitas vezes representa: um verdadeiro espelho da situação de miséria da sociedade brasileira. Baleados, suicidas, violentados, politraumatizados caracterizam grande parcela dos usuários, vítimas da imprudência e da desinformação, entre outros males.

Isto posto, surge a tensão como uma característica decisiva deste ambiente de trabalho, ambiente no qual a equipe de saúde responsável pelo serviço de emergência vive diariamente sob pressão ocasionada pela necessidade do ganho de tempo, pela rapidez e precisão da intervenção/atenção, pela elevada demanda de atendimentos e experiências diárias de morte.

Os pacientes, por sua vez, encontram-se tensos e temerosos perante o desconhecido - ambiente e profissionais - e sentem-se fragilizados, reagindo muitas vezes com agressividade. A passagem, repentina e inesperada, de um estado de saúde plena à proximidade com a morte pode afetar o equilíbrio emocional das vítimas - pacientes e famílias -, os quais, por vezes, se expressam por agressões físicas e verbais, evidenciando revolta contra as carências das políticas públicas e deparando no profissional de saúde o seu representante e o responsável, portanto.

Torna-se, pois, um desafio para a enfermagem a construção de seu fazer, considerando as dimensões - éticas, subjetivas, técnicas e institucionais - do cuidado e - valores, sentimentos e limites - do ser de cuidado e do ser cuidador, especialmente quando o cenário laboral é uma unidade de emergência e suas especificidades. Isto posto, este artigo apresenta o relato da vivência da utilização dos pressupostos do cuidado humanizado proposto por Watson(1-3), durante o atendimento de indivíduos em situação crítica de saúde no serviço de emergência do Hospital de Pronto Socorro de Porto Alegre*.

2. AÇÕES HUMANIZADAS NA PRÁTICA DA ENFERMAGEM NA PERSPECTIVA DE WATSON O cuidado, objetivo da prática da enfermagem, desenvolve-se no encontro com o outro, sendo facilmente reconhecido como uma necessidade nos momentos críticos da existência do ser humano, isto é, o nascimento, a doença e a morte. Precisa, no entanto, ser sentido, assumido e exercitado no dia-a-dia da enfermagem para evitar que sua prática se torne mecânica, impessoal e até desumana.

A evolução tecnológica da saúde garante a precisão de alguns procedimentos, mas, por outro lado, parece contribuir para o esquecimento das necessidades integrais do ser humano, em especial, a necessidade psico-espiritual, à medida que o trabalhador desloca sua atenção do ser assistido para o equipamento.

Para Kohlrausch(4), as enfermeiras preferem a área instrumental da enfermagem para diminuírem o envolvimento com o cliente, construindo um distanciamento imaginário entre o cuidador e o ser cuidado e, portanto, minimizando o envolvimento emocional e suas relações. A autora considera este um "falso pressuposto", uma vez que, mesmo não conscientizadas, permanecem as marcas do encontro.

Na enfermagem, a assistência humanizada visa ao ser humano em sua integralidade, ocupando-se tanto dos componentes adoecidos quanto dos sadios do ser, tais como o senso crítico e a espiritualidade. Para Watson(1) a ciência do cuidado enfoca predominantemente a promoção da saúde e, para tanto, necessita expandir a visão de mundo e a habilidade de pensamento crítico. E, para Waldow (5), o cuidado deve conjugar expressões de interesse, consideração, respeito e sensibilidade, demonstradas por palavras, tom de voz, postura, gestos e toques.

Essa é a verdadeira expressão da arte e da ciência do cuidado: a conjugação do conhecimento, das habilidades manuais, da intuição, da experiência e da expressão da sensibilidade.

Acredita-se que esta conjugação, indispensável para a experiência e a demonstração do cuidado humano nas relações e atividades, deve envolver todos os atores no cenário da enfermagem, destacando-a como um valor, um imperativo moral, uma filosofia para a ação.

Nesta perspectiva encontra-se Jean Watson, autora da Teoria de Enfermagem, que promoveu o cuidado transpessoal, publicada em 1979, o qual atribui à enfermagem a necessidade de construção de um sistema humanístico de valores para sustentar a construção da ciência do cuidado(1). Portanto, o cuidado holístico fundamental à prática da enfermagem, deve buscar mais conexões do que separações entre as partes que compõem o ser; necessita associar o conhecimento científico a fatores de cuidado que derivem da perspectiva humanística, ressaltando a transcendência ao mundo emocional e subjetivo da pessoa como rota para o ser interior e seu sentido mais alto(3). Destaca ainda a formação de relacionamentos pessoa a pessoa em oposição aos relacionamentos manipuladores (1).

São dez os fatores básicos de cuidado propostos por Watson(1) como estruturantes da ciência do cuidado: formação de um sistema de valores humanista-altruísta; instalação da fé/esperança; cultivo da sensibilidade do self próprio e alheio; desenvolvimento de uma relação de ajuda/confiança; promoção e aceitação da expressão de sentimentos positivos e negativos; uso sistemático do método científico de solução de problemas para a tomada de decisões; promoção do ensino-aprendizagem impessoal; provisão de um ambiente de apoio, proteção e/ou de neutralização mental, física, sócio-cultural e espiritual; assistência com a gratificação das necessidades humanas e permissão de forças fenomenológico-existenciais.

Os dez fatores de cuidado de Watson constituem-se em aspectos inovadores e de desafio para a prática profissional. São motivadores, levando ao autoconhecimento e à humanização das relações e do cuidado de enfermagem(6).

3. O CUIDADO HUMANIZADO E O SERVIÇO DE EMERGÊNCIA: RELATO DE UMA EXPERIÊNCIA Considerando a imprevisibilidade, o ritmo acelerado de trabalho, a vigilância constante, a sobrecarga física e a busca incessante pela manutenção da vida, seria possível pensar em assistência humanizada no âmbito emergencial? Em meio às freqüentes agressões que o trabalhador recebe diariamente provindas do usuário, teria sentido exigir da equipe de enfermagem a prestação de um cuidado mais humano? Acredita-se que, em meio às limitações existentes, planejar o cuidado de enfermagem nesta perspectiva pode vir a ser uma alternativa para a inclusão desta prática no cotidiano de trabalho. As verdadeiras dimensões do cuidar - éticas, subjetivas, técnicas e institucionais devem ser claras para o planejamento da humanização da assistência. Esta pode ser pensada enquanto acolhimento que permita reflexões e criações coletivas, com comprometimento dos envolvidos e poderá iniciar pelo resgate do sentido da enfermagem enquanto profissão do cuidado.

Inserir a humanização nas práticas de suporte avançado à vida, realizadas na unidade de emergência, torna-se possível caso se desenvolver a competência humanística no mesmo nível em que se estimula a competência técnico-científica dos trabalhadores, oferecer-lhes incentivos ao comprometimento com a qualidade do cuidado de enfermagem e envolvê-los numa nova atitude frente às demandas cotidianas.

Para Watson(1), isso requer que o profissional, a priori, integre sensibilidade às atividades realizadas, invista nas qualidades subjetivas e comunicativas que tem a oferecer em meio às exigências de agilidade e eficiência técnica deste cenário laboral.

Norteada por estas reflexões, na tentativa de unir à prática uma teoria de enfermagem, busquei nos pressupostos de Jean Watson(1-3) o embasamento para desenvolver atividades de suporte humanizado em emergência, inserida no contexto do Hospital de Pronto Socorro de Porto Alegre (HPS). Apresento a seguir os fatores que se destacaram no decorrer dessas atividades.

3.1 Estabelecendo uma relação de ajuda e confiança Quando Watson(1) propõe a promoção e a aceitação de sentimentos positivos e negativos como fator de cuidado para melhorar a comunicação entre as pessoas, refere-se à abertura que a enfermagem deve proporcionar à colocação dos pensamentos e/ou sentimentos do paciente. Assim sendo, procurava aproximar-me do olhar dos pacientes e estimular a expressão do que sentiam ou pensavam. A abertura inicial geralmente era dada por mim nesta interação, mas normalmente um único estímulo de atenção e demonstração de interesse bastava para a conversa fluir, emergindo dúvidas, desabafos e indicações das necessidades de auxílio.

Desta forma desenvolvia-se uma comunicação capaz de estabelecer um relacionamento de ajuda-confiança, a qual é apontada por Watson(1) como um dos melhores instrumentos da enfermeira para garantir uma relação harmônica e cuidadosa. A autora(1), ao desenvolver esta idéia, sinaliza a empatia, a congruência e o calor como características para o alcance da ajuda-confiança.

Busquei ser verdadeira em minhas interações, desenvolver a empatia para alcançar sintonia com o outro (paciente) e, inúmeras vezes, estimulei a expressão de aceitação através da linguagem corporal aberta, do toque afetivo e do tom de voz utilizado. E pude verificar a importância destes instrumentos, que fazem a grande diferença na qualidade do cuidado. Ao longo do tempo percebi que os pacientes me buscavam com os olhos como se precisassem garantir a minha presença na sala como referência de segurança.

Em se tratando de pacientes infantis, o desenvolvimento do sentimento de ajuda- confiança parecia tornar-se ainda mais necessário ao cuidado. Lembro-me de um menino de onze anos, vítima de traumatismo crânio-encefálico, que requeria cateterização vesical devido à suposta cirurgia. Encontrava-se consciente e emocionalmente chocado, e busquei de saída construir a ajuda-confiança na relação com ele por meio de conversa informal, demonstração de carinho e informação clara sobre o procedimento a ser realizado. Meu sentimento inicial foi de fracasso ao sentir-lhe o olhar de medo e raiva que ele, calado, emitia.

Contudo, no plantão seguinte, quando passava distraída pelos corredores do HPS, fui surpreendida por uma voz que me dizia: "Oi, oi, sou eu, enfermeira!" e com uma mãozinha que me abanava. O menino, transportado por uma maca, reconheceu-me com alegria, alegria que também encheu meu coração. Obtive, assim, uma prova a mais do quanto vale a pena investir na qualidade do cuidado.

3.2 Formação de um sistema de valores humanístico-altruístas Watson observa que a formação de um sistema de valores humanístico-altruístas em princípio se constrói desde a infância e durante o desenvolvimento humano.

Creio, contudo, na possibilidade de se agir nesta direção por meio de atividades de educação continuada das equipes de saúde. Em contraponto com os olhares surpresos, desesperançados, de integrantes da equipe de enfermagem em relação ao afeto e à atenção de minha parte para com os pacientes, penso que o comportamento altruísta, seguidamente ausente, pode ser não estimulado, mas também sistematizado na estruturação do cuidado.

O fator que trata do estímulo da fé-esperança(1) foi posto em prática nos momentos em que fui questionada sobre as "chances de se salvar". Esta pergunta esteve inúmeras vezes presente no diálogo com familiares e pacientes que referiam o medo de morrer.

Por outro lado, muitos são os casos de atendimento a pacientes suicidas trazidos ao HPS em estado de urgência ou emergência. Além do comprometimento em estabelecer seu equilíbrio vital, a enfermagem deve considerar a necessidade de cuidados quanto ao desequilíbrio psicológico, mais do que isso, deve respeitar a condição do paciente. Para isso recorri ao fator de cuidado que Watson denomina de Aceitação das forças existenciais fenomenológicas(1). Nessa vivência desafiei minhas limitações, buscando resgatar o sentido da vida, sua significação nos momentos difíceis tanto para mim quanto para os pacientes.

Segundo Watson(3) é necessário que a enfermeira compreenda o significado que a pessoa à própria vida e/ou que a auxilie a encontrar sentidos nos acontecimentos penosos; a fim de que isso seja possível, ela mesma deve voltar- se para seu próprio interior e conhecer suas indagações existenciais.

O dia-a-dia no HPS proporcionou uma aproximação com as diversas classes sociais, visto que a clientela dessa instituição provém tanto das classes mais altas quanto da pior miséria. Atendem-se indivíduos profissionalmente reconhecidos pela sociedade ao lado de marginais trazidos diretamente da cena do crime, de prostitutas agredidas, de crianças violentadas, entre outros tantos.

Trata-se de uma realidade que parece pertencer somente aos noticiários da TV: se, num momento, a equipe de emergência presta cuidados ao jovem universitário, vítima de acidente automobilístico, alguns minutos depois a assistência caberá ao bandido baleado, arrastado pelos policiais, ou ao velho morador de rua encontrado inconsciente, sem documentos, sem história.

Relembro certa orientação que planejei prestar a um senhor que deixava a sala de Urgência Clínica após o término do atendimento. Procurando encaminhá-lo a uma Unidade Básica de fácil acesso, perguntei-lhe em que região morava, ao que ele me respondeu, olhando-me nos olhos: "Eu moro na rua, dona!". A resposta me surpreendeu, o rumo da conversa fora inesperado e me senti impotente. Para Watson(2), a busca pela formação de relacionamentos pessoa a pessoa situa-se em oposição aos relacionamentos manipulativos. Compreendi, assim, que me servir de um diálogo preestabelecido, padronizado, desqualifica a assistência, mais do que isso, pude, nessa ocasião, reavaliar o modo unidirecional do processo de educação em saúde que necessitamos abandonar para alcançarmos a verdadeira construção dessa educação, com a participação e autonomia do ser cuidado e assim promover o ensino-aprendizagem humanista proposto por Watson.

3.3 Promoção e aceitação da expressão de sentimentos positivos e negativos Presenciei algumas agressões físicas e/ou verbais provindas de pacientes voltadas aos trabalhadores da equipe de saúde. Em alguns casos isso se devia ao efeito provocado por drogas ou álcool, mas em outras não. Esses comportamentos são recebidos pela equipe de forma intolerante, pois são entendidos como injustos e acabam gerando reações do mesmo nível.

Em se tratando de crianças como personagens desse cenário, era alarmante a variedade de casos. Havia vítimas de acidentes domésticos nos quais os pais, muitas vezes, se sentiam culpados, autopunindo-se e envergonhando-se frente à equipe. Em outros momentos, sua preocupação desencadeava pressão e raiva, multiplicando a tensão, graças ao despreparo dos profissionais no manejo destas experiências.

Watson(1) propõe a promoção e a aceitação de expressões de sentimentos como forma de se permitir que sejam exteriorizadas, tanto as positivas quanto as negativas. Para a autora, esta seria uma medida terapêutica de cuidado.

Idêntica alternativa serve para se compreenderem os sentimentos expressos nos relacionamentos interpessoais da equipe. Afinal, os comportamentos agressivos, comumente sob forma verbal, encontram-se cotidianamente presentes nas relações humanas do ambiente tenso da emergência e, portanto, seria conveniente interpretar as expressões de sentimentos de estresse e desgaste profissional, sob a ótica proposta por Watson, como um fator de cuidado direcionado também ao cuidador. Este, ao conhecer os comportamentos humanos, suas respostas, necessidades, forças e limites, compreenderá que, com freqüência, as agressões se voltam ao cuidador apenas porque é ele quem está mais próximo da pessoa a ser cuidada, tanto paciente quanto familiar.

3.4 Provisão de ambiente de apoio à família Em uma dada ocasião em que uma intensa ansiedade caracterizava os familiares que povoavam os corredores do HPS, procurei construir um espaço, embora breve, de acolhimento para essas pessoas, normalmente atores ocultos nesse cenário, aflitos por informação e atenção. Os agradecimentos transmitidos com sinceridade logo revelavam o efeito benéfico de uma ação tão simples - o acolhimento ao familiar - no fazer da enfermagem.

Por vezes, quando a situação o permitia, proporcionava um momento de encontro entre a família e o paciente. Isto acontecia durante o transporte do enfermo para exames, na transferência para outra unidade, ou até na própria sala de emergência, quando possível. Pude sentir, nessas oportunidades, a influência positiva da presença do núcleo social no processo de cuidar.

No debate sobre a relação íntima entre cura e atenção é oportuno resgatar as palavras de Watson, quando nos coloca que "enquanto os fatores curativos objetivam curar a doença do paciente, os fatores de interesse objetivam o processo de atenção que ajuda a pessoa a atingir (ou manter) a saúde ou morrer em paz"(1). Neste sentido, considero a atenção terapêutica à família fator a ser investido pelos cuidados da enfermagem na unidade de emergência.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS A relevância dos saberes exclusivos da enfermagem para o cuidado tornou indispensável a busca por subsídios teóricos que fortalecessem o desejo de pôr em prática a humanização nas atividades do serviço de emergência.

A teoria de Watson auxiliou-me na medida em que propõe fatores fundamentais de cuidado que serviram de base em minha atuação neste propósito. Este referencial foi vivenciado por meio da aplicabilidade dos pressupostos da Teoria.

Considerando que os resultados dessa experiência não podem ser quantificados devido a sua complexidade, busquei transmiti-los com objetividade, embora a subjetivação dos acontecimentos apreendidos e aqui narrados incluam necessariamente a representação de um real permeado pelos sentimentos de quem os viveu.

Em análise para a epistemologia do cuidado humano enquanto arte e ciência da enfermagem, Zagonel(7), em 1996, destacava a difícil aplicabilidade prática da teoria de Watson, assim como a ausência de seus conceitos no norteamento dos currículos de enfermagem, o que resultaria na não formação de enfermeiros aptos a desempenharem o papel que Watson lhes atribui. A autora destaca também os serviços de saúde como despreparados para a implementação dos ideais de Watson, porém classifica a teoria como "fértil para um cuidado inovador, desenvolvendo a arte e a ciência da enfermagem, efetivamente".

Durante essa experiência de buscar desenvolver um cuidado inovador, em momento algum precisei desconsiderar a suma importância dos procedimentos técnicos nas atividades da enfermagem para a qualidade do serviço e para desenvolver o cuidado. Pelo contrário, acredito, isso sim, na necessidade de aliarmos a competência humanística à técnico-científica, por isso parti da lógica de que a segunda acompanha as atividades da enfermagem enquanto princípio da assistência emergencial. Venho pois, expor o relato de situações em que foi possível ir além desses e perseguir o cuidado de enfermagem integral, alcançando esferas que ultrapassam o corpo físico. Exponho também como tais situações permitiram uma mudança favorável no bem-estar dos pacientes e de suas famílias bem como meu crescimento profissional.

Em meio a todas as reflexões desencadeadas pelo interesse no tema da humanização da assistência à saúde, concordo com Hoga(8) sobre a necessidade de uma filosofia organizacional que venha a nortear e alinhar os inúmeros aspectos que envolvem a humanização e os princípios de viabilidade de sua concretização prática.

Neste sentido, as limitações que encontrei, na experiência de aplicar os pressupostos da teoria de Watson à prática assistencial, destacam a relevância dos fatores institucionais e sócio-políticos na concretização da assistência humanizada que, hoje, concluo não dependerem tão da relação que se estabelece entre o ser cuidado e o ser cuidador, mas ainda da estrutura política e econômica em que ocorrem os fenômenos.

Basear-me no estabelecimento de uma relação afetiva com o paciente para promover a humanização do seu cuidado, algumas vezes, trouxe-me o sentimento de estar envolvida com uma integralidade que qualifica o atendimento, não pelo carinho e sensibilidade do profissional com a situação do enfermo, mas também pela real garantia de uma assistência mais completa à saúde, para além de um bem-estar físico.

Ao longo dessas experiências, senti a necessidade de analisar os acontecimentos, inclusive de ver as relações sociais do cenário de emergência de um hospital público como um espelho da organização social em que nos inserimos. Muitas vezes, devido à realidade cotidiana em que se constróem as práticas de enfermagem, o investimento na humanização do preparo profissional - com alternativas como o autoconhecimento por exemplo torna-se uma alternativa válida, porém insuficiente.

Diante disso destaco a imensa contribuição profissional e pessoal que me proporcionou a experiência de realizar o cuidado baseado em pressupostos de Watson. Reconhecidas suas limitações, atribuo a essas a justificativa de que teorias são, em princípio, limitadas, na medida em que contêm um paradigma e tratam de um determinado fenômeno sob um determinado prisma, do que resultou, para algumas situações, a teoria ter se apresentado restrita.


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