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BrBRCVHe0034-71672005000300004

BrBRCVHe0034-71672005000300004

National varietyBr
Country of publicationBR
SchoolLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN0034-7167
Year2005
Issue0003
Article number00004

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A concepção da enfermeira sobre o SUS: um caminho sem volta PESQUISA

A concepção da enfermeira sobre o SUS: um caminho sem volta

Nurse's conception about the National Health System: a way without return

El concepto de la enfermera acerca del Sistema Unico de Salud: un camino sin vuelta

Maria Aparecida Santa BorgesI*; Maria Ângela Alves do NascimentoII IEnfermeira. Mestre em saúde Coletiva. Professora Assistente do departamento de ciências da saúde da Universidade estadual de santa Cruz UESC, Ilhéus-BA.

Diretora do Departamento de Planejamento e Avaliação do SUS da Secretaria Municipal de Saúde em Itabuna-BA IIOrientadora.Enfermeira. Professora titular do Departamento de Saúde da Universidade Estadual de Feira de Santana-BA. Doutora em Saúde Coletiva pela Universidade de Ribeirão Preto. Pesquisadora do Núcleo de Pesquisa Integrado em Saúde(NUPISC) do Departamento de Saúde da UEFS.

1. INTRODUÇÃO A consolidação do Sistema Único de Saúde (SUS), fundamentado na reforma sanitária sobre os pilares da universalização, da descentralização e da integralidade da assistência, estabelece uma nova concepção de saúde. Nesta perspectiva ressaltamos a importância de discutir a concepção da enfermeira sobre o processo da municipalização por entender que a enfermeira é um agente da equipe multidisciplinar em saúde que necessita conhecer, compreender e incorporar os princípios e diretrizes do SUS no intuito de também contribuir para sua efetivação e consolidação. Neste trabalho discutiremos o entendimento da enfermeira sobre os princípios e as diretrizes constitucionais que regem o SUS, no município de Itabuna-BA, no sentido dos benefícios e serviços de saúde.

Objetiva analisar a concepção da enfermeira sobre o SUS/ princípios e diretrizes e apontar os limites, avanços e as perspectivas da enfermeira frente ao processo de municipalização da saúde.

2. METODOLOGIA Estudo qualitativo. Teve como campo de estudo o município de Itabuna-BA.

Delimitando a rede básica e o serviço de saúde como abrangência da pesquisa. Os dados foram coletados através da entrevista semi-estruturada no período de outubro a dezembro de 2000. Os sujeitos da pesquisa foram treze (13) enfermeiras agrupadas em ordem crescente em: cinco (5) enfermeiras que atuam na coordenação dos serviços públicos de saúde, denominadas grupo II e oito (8) enfermeiras que atuam nas Unidades Básicas de saúde-UBS, denominadas grupo III.

Foi obedecido o aspecto ético do consentimento para as entrevistas, resguardando a fidedignidade das falas, nos discursos das entrevistadas. Para a análise dos dados utilizamos o método da hermenêutica dialética na tentativa de apreender as contradições e dinâmicas da inserção e concepção da enfermeira no processo de municipalização da saúde, analisando suas singularidades, considerando-se as determinações da totalidade(1).

3. DISCUTINDO OS DADOS O município dispõe de 19 unidades de saúde que funcionam de forma contínua nos turnos matutino e vespertino de segunda a sexta-feira com troca das equipes às treze horas. Seis unidades contam com atuação de uma enfermeira a cada turno; onze funcionam com uma enfermeira em apenas um turno. Dessas UBS, duas estão localizadas na zona rural, com atuação de uma enfermeira em dias programados.

Em relação à gestão dos serviços de saúde no município em referência a atenção básica é de responsabilidade da secretaria municipal de saúde em sua esfera de comando único e da Sétima Diretoria Regional de Saúde ( DIRES) representando a esfera do governo estadual no âmbito de competência administrativa, supervisão e acompanhamento da média e alta complexidade do sistema.

O SUS, enquanto organização e sistema de saúde compreende um conjunto de várias instituições dos três níveis de governo, setor filantrópico e privado de forma complementar, que se articulam com um fim comum que é atender as necessidades de saúde da população. Conhecer e compreender os princípios do SUS, bem como o conceito ampliado de saúde pode ser indispensável para produzir mudanças na saúde segundo sua realidade local. Todavia, apenas o conhecimento e apreensão adequada dos princípios e diretrizes constitucionais por parte das enfermeiras no processo de construção do SUS, não significam necessariamente que ocorrerá uma efetivação do arcabouço doutrinário do sistema. Reconhecemos que o conhecimento e a conscientização da enfermeira sobre o SUS não são suficientes para processar mudanças nas práticas das suas ações nos serviços de saúde, mas, poderá possibilitar maior adesão e envolvimento desta profissional(2) no referido processo conforme os depoimentos a seguir: "[...] O SUS, Sistema Único de Saúde, um sistema que prevê saúde para todos onde o indivíduo deve ser visto como cidadão,[...]. Tem como princípios a integralidade que é ver o indivíduo como um ser que possui relação. A universalidade que seria saúde para todos e equidade você tratar as desigualdades de forma desiguais.(ent 1, grupo II).

"(...) O SUS hoje, como sempre foi, continua sendo uma luta de todos nós pra fazer com que ele realmente se efetive, dentro dos seus princípios de Universalidade, de atendimento a todos sem distinção, de Integralidade, de equidade, prestar assistência conforme a necessidade de cada um"(ent, 4 ,grupo II) A luta referida neste depoimento para consolidar o SUS perpassa por uma análise das políticas sociais com destaque para a área de saúde, afetada pelas condições econômicas de racionalizações financeiras impostas pelas políticas de ajuste neoliberal(3). O depoimento da entrevistada 4, grupo II, reflete a necessidade de construção social do SUS. É preciso compreendê-lo para não cair no desestímulo do não acabado, das dificuldades constantes, pois ele vai sendo construído num espaço democrático, contudo, com projetos diversificados de diversos atores sociais.

Concordamos com Mendes(4) que " de se analisar o SUS entendendo-o como um processo em permanente construção que visa, a médio e longo prazo uma mudança de paradigma de atenção à saúde e uma busca de um sistema de saúde eficaz, eficiente, de qualidade e eqüitativo".

Ao nosso ver, para reverter tal situação tornam-se necessárias mudanças conjunturais de políticas sociais empreendidas pelo próprio movimento sanitário brasileiro, inclusive na realidade itabunense. Perpassa também, pela transformação das pessoas, entre estas a enfermeira, enquanto ator social desse processo. Campos(5) afirma que as coisas e as pessoas são inflexíveis à mudança. Mas a história confirma que mudanças acontecem. É preciso recuperar a vontade dos indivíduos, dos grupos e da coletividade no sentido de construir novos projetos. Segundo esse autor, "as transformações dependem: do desejo, da vontade desesperada de alterar o Status quo, de uma dimensão subjetiva; e também do domínio de uma certa ciência, de um projeto conscientemente construído, uma vertente, inapelavelmente vinculada ao exercício da razão".

Além da conotação na arena política como um espaço aberto à negociação como perspectiva de um produto da construção social através de práticas articuladas com novas perspectivas de intervenções(6). Mas, também entendemos que depende do nível de participação social.

"[...] Eu acredito no SUS como sistema de saúde que tem tudo pra funcionar, um sistema que contempla realmente em suas diretrizes ele contempla a integralidade do ser humano. Ele é muito completo, mas na sua operacionalização ele deixa a desejar, pela visão de saúde precária dos gestores que acabaram assumindo a responsabilidade sobre o SUS, pra que ele funcione depende muito de um nível de participação das pessoas, tem que haver participação popular"(ent 5, grupo III).

Este depoimento demonstra o entendimento da enfermeira no princípio da participação popular para o controle social do SUS nos espaços dominantes dos administradores do sistema de saúde, aqui o gestor municipal. Obviamente que este controle passa pela abertura para a participação dos grupos organizados da sociedade, num sentido de possibilitar o (a) usuário (a), a conquistar esse espaço de atuação através de seus desejos, suas necessidades e de seu engajamento. Este é um desafio discutido por diversos autores e protagonistas do projeto de construção e consolidação do sistema único de saúde, dentre eles Campos " o desafio de tornar real o sistema único de saúde com abrangência universal e de ao mesmo tempo, implantá-lo com novos modelos de gestão e de organização de serviços"(5).

"[...] Um sonho de toda a pessoa é o SUS. Ele todo certinho, o sistema público de saúde que é o plano do governo pra saúde do Brasil, ele foi elaborado em 1888, ele foi planejado de uma maneira muito eficiente, as pessoas que elaboraram o SUS, eles pensaram de uma maneira socialista, que abraçasse todas as pessoas sem distinção de cor, raça, sexo, idade, que atendesse se fosse rica, que fosse pobre, que atendesse a pessoa integralmente"(ent 3, grupo III) O sentimento implícito na fala da entrevistada 5, Grupo III sobre a questão da integralidade da assistência e o princípio da universalidade, "eu acredito no SUS... ele contempla a integralidade do ser humano..." complementa-se com a entrevistada 3 numa apreensão clara, talvez porque o sistema ainda hoje não tem conseguido efetivar em sua totalidade o acesso do indivíduo aos bens e serviços de saúde.

Discordamos da afirmação da entrevistada 3 sobre o SUS como "... um sonho de toda pessoa é o SUS ..." sonho, porque ele é uma realidade pois foi conquistado através de um movimento intenso da sociedade organizada que lutou pelo direito à saúde, pela (Re) organização do sistema de saúde e melhora das políticas sociais. Na verdade compactuamos com Merhy "que o SUS faz parte do imaginário coletivo e tem grande adesão junto aos organismos gestores do sistema de saúde, organizações não governamentais, sindicais e do movimento popular"(7), idéia reforçada pelo depoimento a seguir.

"[...] Efetivar esse SUS, você ver que não é difícil acontecer, que não é um sonho, que é viável, passa por princípios ideológicos, filosóficos, e agente fica achando que é sonho, mas é viável, é possível, que outros lugares estão funcionando.".(ent 2, grupo II).

Dessa forma, percebemos que o eixo de mudança após a regulamentação do sistema de saúde perpassa também pela transformação dos valores até então estabelecidos de uma saúde mercantilista e medicamentosa, voltada para o lucro e a produtividade constante. Significa entender que a vida é o bem maior de todo indivíduo e que é preciso entender saúde como defesa desta vida individual e coletiva. No entanto, a compreensão do SUS por parte das enfermeiras não é homogênea em sua totalidade, havendo a divergência de uma enfermeira que considera o SUS enquanto órgão, como se ele fosse parte de um sistema integrado. Na verdade o SUS, ele é o sistema integrado com mando único em cada esfera de governo. Esta mesma enfermeira ainda entende o SUS apenas como repasse de verba, divergindo dos princípios e diretrizes constitucionais do sistema único de saúde.

"[...] o SUS é um órgão responsável para gerenciar todas as ações básicas de saúde. Eu acredito que o SUS é um órgão que deveria estar mais descentralizado. Se a gente tivesse menos burocracia o serviço estaria andando de uma forma mais qualificada, porque dependemos basicamente dessa verba que é encaminhada pelo SUS" (ent 8, grupo III).

O entendimento do SUS enquanto repasse de verba reflete uma visão reducionista de uma descentralização fragmentada, contrapondo a diretriz que recomenda a descentralização de um conjunto de responsabilidade, de recursos financeiros e de poder para o município. O não entendimento do funcionamento e regulamentação do SUS pode comprometer sua implantação e sua organização no processo de descentralização da saúde em nível local.

Os depoimentos a seguir admitem a necessidade da prática da descentralização política, administrativa e orçamentária do setor saúde, representando a concepção da enfermeira em relação ao conjunto organizacional do sistema único de saúde.

"[...] com a municipalização a gestão passa a ser a nível municipal e não centralizada como era antes" (ent 6, grupo III) "[...] a descentralização ela permite a participação do município na decisão do que ele necessita pra desenvolver as ações de saúde e a população participa de forma organizada dessa decisão".(ent 2, grupo II) Estes depoimentos estão de acordo com o preconizado pelo sistema, quando diz que compete aos municípios com cooperação técnica e financeira da União e dos Estados, prestarem serviços de atendimento à saúde da população. Desta forma, esses discursos interpretam a descentralização como transferência da gestão da saúde através da responsabilização das ações e dos serviços de saúde para o município, com a finalidade de se constituir em um meio para melhorar a eficiência, a eficácia e a efetividade da administração pública.

Por outro lado, esse entendimento não é homogêneo, quando uma enfermeira entende a municipalização como ampliação do atendimento, ou seja, possibilita o acesso.

"[...] A municipalização da saúde foi um processo muito bom, principalmente, com a nossa participação como enfermeira, onde a gente abrange um número maior de cliente. porém ficou difícil para alguns clientes que chegam a unidade e não tem o programa X (ent 7, grupo III)".

Esta fala demonstra a equívoca teoria/prática do processo de municipalização vivenciado por este ator social. Se por um lado, ela entende que a municipalização trouxe uma ampliação do espaço de atuação da enfermeira, por outro, dificultou o acesso do cliente ou usuário aos programas de saúde. Cabe inferir o entendimento da descen-tralização enquanto esperança de ampliação do atendimento em programas, ou seja, ações programáticas. Dessa forma a percepção tradicional de que os problemas de saúde se resolvem com o aumento de consultas médicas e medicamentos.

O processo de municipalização do setor saúde permite teoricamente, para cada município, o planejamento, e a execução do sistema local de saúde limitados apenas pela capacidade local de condições políticas institucionais que possam impedir os avanços do sistema em busca da concretização dos princípios doutrinários do SUS.

No entanto, várias entrevistadas apresentam um outro entendimento da descentralização, talvez numa visão mais pluralista desta diretriz organizacional.

"[...] Bem o processo de municipalização tem como questão básica a descentralização das ações e dos recursos" (ent 1, grupo II).

"[...] Com a descentralização, a municipalização, o município além de gerir seus próprios recursos, ele que planeja suas estratégias de saúde, ele quem executa e que avalia o seu próprio serviço de saúde" (ent 5 ,grupo II).

Esse entendimento está em consonância com a diretriz organizacional do SUS, cujo pressuposto estabelece que a descentralização tem que ser compreendida como um processo de transformação que envolve redistribuição de poder e de recursos, redefinição de papéis das três esferas de governo, reorganização institucional, reformulação de práticas, estabelecimento de novas relações entre os níveis de governo e controle social(8).

No entanto, o processo de municipalização não vem ocorrendo de forma homogênea em sua implantação, o que implica considerar a diversidade de municipalização que vem ocorrendo no país. Neste sentido a enfermeira apreende a diretriz da descentralização, mas aponta que no município o cenário da municipalização apresenta de forma contrária do que recomenda o jurídico legal, o que vai comprometer através das dificuldades a sua implementação na perspectiva de reordenar o sistema de saúde local e a mudança do modelo de assistência.

"[...] Olha a municipalização é o caminho, o município realmente é responsável para gerir a saúde da sua população, é o caminho mais obvio. Mas a experiência da gente aqui em Itabuna não foi das mais animadoras, a municipalização realmente ficou aquela questão da prefeiturização, ficou centralizada" (ent 5, grupo III).

Este depoimento evidencia que a descentralização não está sendo implementada de acordo com as recomendações constitucionais, coadunando com diversos autores, dentre eles Campos(9) e Mendes(10), quando afirmam que a descentralização tem sido implantada de diversas formas nos Estados e nos municípios brasileiros, o que possibilita as críticas referenciadas à descentralização por grupos corporativistas que entravam esse processo por interesses exclusos. Isto significa que a descentralização para os municípios, no caso da municipalização da saúde, pode se manter centralizada ou descentralizada em nível local, na dependência da vontade política do governante municipal. No entanto é preciso responder com a participação, ampliando o processo da democratização da saúde.

SUS: os avanços...os limites...e as perspectivas "[...] Não resta dúvida se a gente for fazer uma retrospectiva do que foi o sistema de saúde e do que é hoje, não resta dúvida que o SUS é um grande avanço" (ent 1 grupo II).

"Bom, a própria municipalização é um avanço" (ent 4 grupo II).

Passada mais de uma década de criação do Sistema Único de Saúde é possível encontrar avanços. São significativas as transformações ocorridas. O arcabouço jurídico legal foi uma das maiores conquistas, no entanto o desafio a ser vencido ainda é a transição do sistema desintegrado e centralizado para um outro com comando único em cada esfera de governo e com controle popular(11).

Consideramos que a verdadeira descentralização ainda não é uma realidade em todo o território nacional, não sendo diferente na Bahia e particularmente em Itabuna, embora tenha sido ampliado o acesso da população a serviços com maior qualidade, articulando mudança do modelo de atenção à saúde, apesar de se manter excludente, curativo e hospitalocêntrico.

A dialética desse movimento é à busca da qualificação da gestão descentralizada e seu processo de construção do SUS. É considerado por diversos autores, Campos (9,12) e Mendes(4), como um movimento contra hegemônico ao modelo político- econômico concernente ao modelo neoliberal que encerra as atribuições e responsabilizações sociais por parte do Estado, imprimindo políticas que incluem privatização, focalização e até mesmo a descentralização. O depoimento a seguir demonstra essas contradições do SUS, enquanto sistema universal, igualitário e equânime.

"[...] A saúde, não é mais aquela saúde em que você precisa ter uma carteira assinada para ser atendido, apesar de às vezes a gente que, ainda não existe uma oferta igual à demanda, ainda falta muito para que a população realmente se sinta satisfeita com o serviço, mas melhoramos bastante em relação ao que era, nós estamos melhores hoje do que estivemos dez anos atrás, e isso pra mim é um avanço, a questão da acessibilidade aos serviços, a questão de existir outros profissionais nas unidades de saúde, porque anteriormente basicamente era o atendente de enfermagem ou auxiliar de enfermagem e o médico, hoje a gente ver a enfermeira tomando forma na unidade de saúde".(ent 1, grupo III).

É inegável que o SUS representa um grande avanço em relação às políticas públicas, com uma proposta de controle social, transparência administrativa e gestão participativa e democrática. Contudo, estes avanços são dificultados pelo fato de seus pressupostos serem embasados em princípios de respeito ao homem, de solidariedade social, o que não é compatível com o modelo econômico atual do país, cuja base está alicerçada no poder do mercado(4).

um aumento do acesso do usuário ao sistema de saúde, porém, a incorporação de outros profissionais ao sistema também contribuiu, favorecendo a oferta de serviços e ações, mas reconhecemos que o direcionamento neoliberal coloca em jogo a efetivação plena do SUS quanto ao seu princípio de universalidade e o valor da solidariedade(3).

"[...] até o SUS tem seus próprios limites, isso que eu quero dizer, ele vai até certo ponto, ele atende e resolve até certo ponto".(ent 6 grupo III) "[...] avanço, embora a gente saiba que tem milhões de excluídos, mas a gente sabe que tem avanços"(ent 3, grupo II).

Estes depoimentos permitem-nos visualizar que o SUS embora tenha avançado, mas sua concretude ainda está longe de se efetivar, diante dos limites apresentados pelo sistema de saúde, esgotados no modelo econômico do governo federal e comprometidos pela crise da ética e do respeito ao ser humano. Os serviços essenciais quando são oferecidos, muitas vezes são de forma precária e dificuldades no acesso à atenção de média e alta complexidade. Neste contexto a implementação do SUS é um grande desafio. É nesse cenário que as enfermeiras do serviço público de Itabuna, conseguem vislumbrar os avanços, os limites e as perspectivas do sistema, que muitas vezes se esbarram no desestímulo e no descrédito frente às situações impostas ao seu cotidiano profissional.

"[...] Eu acho que a participação popular é um avanço, um sistema que dependa da participação das pessoas pra funcionar é um avanço, eu vejo dessa forma. A própria existência dos conselhos municipais de saúde".(ent 5 grupo III) Entendemos que houve um significativo avanço no controle social do SUS, decorrente das constantes mobilizações no palco da saúde brasileira o que tem contribuindo para a melhoria do acesso, da qualidade e da humanização do atendimento. A criação dos conselhos de saúde não é apenas uma exigência legal, é a garantia de que a sociedade participe como sujeito de mudança.

Esses Conselhos podem ainda contar com outros espaços de discussão como as Conferências de Saúde e também com os Conselhos Locais, espaço mais próximo do cidadão e dos serviços, a exemplo de Itabuna que foi implantado em 1994, com participação de grupos da comunidade, representante da Secretaria Municipal de Saúde e trabalhadores de saúde, que se reuniam periodicamente para discutir propostas de resolução dos problemas do serviço local das Unidades Básicas de Saúde assim como, os problemas sociais dos bairros, no qual fomos co-participe na sua implantação e operacionalização. Foi um momento intenso de participação popular, pois, havia naquele momento (1994-1996) uma articulação da Secretaria Municipal de Saúde com os serviços e as ações de saúde como demonstra o discurso abaixo "[...] bom, conselho local hoje ele não funciona mais, funcionou.Teve uma época que o conselho local de saúde funcionava realmente, acontecia as reuniões pra depois serem levadas para o conselho municipal de saúde, mas hoje não acontecem mais".(ent 4, grupo II).

Por outro lado num movimento dialético outro depoimento situa a desarticulação e incipiência atual no município do controle social. Esta desarticulação referida na fala da entrevistada 1 do grupo II, talvez seja desencadeada por falta de informação sobre o SUS, particularmente no que diz respeito aos direitos e deveres do cidadão e Estado, provocando o distanciamento dos usuários do sistema na participação efetiva nos conselhos de saúde. Na verdade, os conselhos necessitam ser (re)estruturados, de cursos de capacitação e assessoria para assumirem efetivamente o espaço de controle do sistema de saúde.

"[...] a questão popular que é muito incipiente ainda, o conselho municipal ele não conseguiu articular com a comunidade, os conselhos locais não funcionam"(ent 1 grupo II).

Um outro limite apontado pelas enfermeiras entrevistadas é a falta de autonomia do Conselho de Saúde frente ao executivo, tornando-se cartorial, atrelado aos gestores municipais (secretário e prefeito) com desvios na lei referente às representações dos diversos segmentos, inclusive de usuários, tendo uma conotação de indicação política, ferindo a sua autonomia.

"[...] na realidade o conselho municipal(CMS) de saúde as vezes é determinado pela própria secretaria em sua grande maioria nos municípios.[...] a gente conseguiu abrir o CMS, ter conselhos locais nas unidades de saúde, hoje, isso desapareceu," (ent 1, grupo III).

"[...] Os conselheiros municipais de saúde são pessoas colocadas, isso é triste. Os gestores manipulam os conselhos em favor dos seus interesses pessoais, isso não deveria acontecer"(ent 5 grupo III).

Nestes depoimentos transparece a idéia de falta de compromisso político e perfil inadequado de determinados gestores diante da falta de responsabilidade e de compromisso com a gestão democrática e desrespeito às instâncias de controle social do SUS. Percebemos também que ferem o princípio ético de respeito às forças democráticas, no seu aspecto ético, o que poderá talvez dificultar uma participação mais efetiva da enfermeira no processo de construção do SUS.

Mas, contudo observamos que ainda assim as enfermeiras reconhecem a importância da sua participação no processo da municipalização, apesar dos limites impostos à sua atuação, o que conduz a uma perspectiva de acreditar que o SUS nesse município vai se consolidando conforme sua conjuntura administrativa e política. Neste sentido a enfermeira poderá ser influenciada, por estar ligada direta-mente a essa conjuntura.

"[...] tem sido de grande contribuição o enfermeiro neste desenvolvimento do SUS, principalmente ao nível de interior. Quem faz o SUS aqui é o enfermeiro. Seja na assistência, seja nas coordenações, quem ainda argumenta são as enfermeiras. Umas mais outras menos"(ent 2, grupo II) "[...] nós temos um papel importante nesse processo, seja na supervisão, exercendo coordenação, eu acho que o enfermeiro tem papel chave, um papel de destaque na atuação do SUS, nessa municipalização e tudo, porque ele tem algum comprometimento em saúde pública, com a questão de se preocupar com a promoção, com a prevenção"(ent 3, grupo II).

Esses depoimentos deixam explicito a importância que a enfermeira assume em sua participação efetiva no SUS, pois acreditam em seu imaginário social, ter representação social, ocupando os espaços nas instituições de saúde, aqui as instituições públicas, delimitando esse espaço com o seu conhecimento na chefia, direção, gerenciamento, coordenação, supervisão, além do avanço político, adquirindo mais autonomia profissional. Entendemos que, a enfermeira enquanto sujeito social deve participar ativamente da luta por um SUS público e voltado para as necessidades de saúde da população.

Acreditamos que esse posicionamento crítico poderá estar relacionado com a formação dessas enfermeiras entrevistadas, porque, uma parte delas é egressa do Curso de Enfermagem da Universidade de Santa Cruz - UESC, favorecendo essas discussões no campo da saúde coletiva. Assim como, a participação de algumas entrevistadas que foram ou são docentes da UESC.

Neste sentido a Universidade como espaço de formação da cidadania, deverá estar fomentando um comprometimento de seus discentes com a solidariedade, respeito ao coletivo e reflexão crítica, num intuito de formar sujeitos mais autônomos em suas ações, relacionando a teoria e a prática frente às conjunturas vivenciadas em cada contexto de ação. Corrobora neste sentido o depoimento a seguir, "[...] A participação da enfermeira, com relação às profissões que fazem parte do quadro de saúde, acho hoje, o enfermeiro aqui em nossa realidade, o profissional que foi preparado pra esse novo modelo, porque a gente aqui na UESC, a gente foi preparada para isso"(ent 5, grupo III).

Esta afirmação remete-nos a alusão do Curso de Enfermagem da UESC, que embora mantenha sua rigidez curricular, contemplam em seu quadro de professores militantes da reforma sanitária as primeiras profissionais a assumirem os serviços no processo de descentralização da saúde na região. Esses profissionais são defensores ativos do ensino público com qualidade, que em sua prática conseguem vencer o ostracismo dos demais fomentando e articulando espaços de discussão voltados para as transformações ocorridas no setor saúde.

Conseqüentemente dessa forma, o comprometimento com o sistema público e universal, embora o Curso de Enfermagem da UESC em sua dimensão pedagógica não tenha ainda se integrado enquanto órgão formador de recursos humanos direcionados a uma prática transformadora, tendo como enfoque a enfermeira generalista, acompanhando as mudanças na área da saúde coletiva mediante ações que possibilitem acesso a serviços de promoção, proteção e recuperação da saúde da população.

Complementando os discursos anteriores, a enfermeira que se insere no SUS no município , valoriza a profissão, destacando sua diversidade de atuação no sistema, "[...] o enfermeiro ele é generalista, então ele se preocupa com a gestante, com o planejamento familiar dela, com a criança que vai nascer, com a vacina da criança, então o enfermeiro generalista, ele atua muito no processo de municipalização, no avanço do SUS, nesse processo de conscientização" (ent 3 ,grupo III).

Esta fala, revela na visão da enfermeira que por atuar como genera-lista, ela contribui com o SUS no princípio da integralidade, porque a mesma não se volta para o atendimento individual exclusivo como é a prática de outros profissionais de saúde, mas também ela tem uma visão e atuação na organização do serviço para prestar a assistência. Num contexto de mudanças, tal qual se coloca na implementação do SUS, de acordo com Antunes(13) a idéia da integralidade da atenção e a assistência de enfermagem qualificada devem ser pensadas como parte importante dessa construção.

Entretanto, estas enfermeiras têm vivenciado dificuldades que limitam sua atuação na construção do SUS e no processo de municipalização da saúde no município, como indicam os depoimentos a seguir, "[...] eu enquanto coordenadora, eu não consigo me inserir no processo de municipalização por limites políticos, por centralização de poder, por não deixar que a gente participe das decisões".(ent 1, grupo II).

"[...] o grande entrave de não ter autonomia. Em nível local a política interfere, o profissional não tem autonomia, secretários não tem autonomia de trabalho, ele apenas ocupa um cargo, busca até fazer o possível, mas esbarra numa grande parede que é o gestor municipal a nível maior, em nível de prefeitura" (ent 5, grupo II).

As idéias que permeiam estas falas, embora elas se entrelacem levou-nos a reflexões sobre poder e autonomia. Apesar desses conceitos não serem objeto de análise deste estudo, no entanto, merecem pelo menos uma discussão a respeito.

Vários são os autores que analisam e discutem o tema poder e autonomia enquanto correlação de forças. Entre eles destacamos, Foucault(14), Testa(15), Bobbio (16), dentre outros.

O poder perpassa pelo cerceamento da autonomia do ator social que se encontra na ponta do serviço nas unidades de saúde ou nas coordenações, impedindo a ação que estes podem desencadear. Na verdade, acreditamos que o domínio fere, massacra e constrange quem é submetido a ele.

Segundo Campos(17) é no plano do concreto e no exercício da reflexão crítica que as reformas podem acontecer, possibilitando o rompimento do medo em enfrentar a força política dos gestores descomprometidos e assim, estabelecer o declínio do poder executivo frente à situação das pessoas que necessitam dos serviços. Em suma, buscar instrumentos para garantir a autonomia dos profissionais de saúde (não no sentido corporativo), no sentido de evitar a dependência, a concentração e o abuso do poder por parte dos gestores.

Nesta perspectiva, esse mesmo autor incentiva a busca de inventar "novos modos de andar a vida" na gestão e transformação do setor público em saúde, a busca de construção de sujeitos coletivos que rompam o medo, o descrédito e a falta de confiança e se possível revolucionar o cotidiano, para permitir trabalhar,"mecanismos de dominação podem ser questionados e até mesmo contrarrestados durante a organização ordinária e comum da vida nas empreses, sindicatos, partidos, instituições... e que isso pode acontecer mesmo quando ainda não se tenha alterado o esquema mais geral de dominação em nível do Estado, da sociedade política e do mundo da produção"(17).

Para que isso venha acontecer acreditamos que é preciso sensibilizar as pessoas, ativar os conselhos locais, disseminar informações na comunidade, trabalhar os técnicos, usuários, comunidade, indivíduos e sacudir as estruturas e as relações entre elas. E assim pensar nas perspectivas.

"[...] as perspectivas é a de que a assistência seja de qualidade e que as pessoas se conscientizem o que é o SUS, que seja para todos, seja universal".(ent 4 ,grupo II) "[...] as perspectivas eu acho que de agora em diante não tem volta, tem que avançar, agora é a efetividade do SUS" (ent 2, grupo II) Estes depoimentos imprimem a creditação no sistema único de saúde por parte das enfermeiras, onde as reformas foram acontecendo e se transformando num caminho sem volta, porque a lei não pode retroagir, mas também essa batalha depende da participação de todos os interessados que desejam sonhar com uma sociedade melhor, depende da constituição de sujeitos capazes de mobilização, articulação e de encontrar mecanismo de atuação no SUS municipal. A enfermeira em suas contradições históricas tem demonstrado no cotidiano do seu fazer, mesmo fragmentado, uma via de cuidado, do integrar a possibilidade de mudança, porque: "[...] não vai dar pra gente ficar a vida toda como um beija-flor, fazendo a nossa parte, porque tem o momento que vai cansar também, que o beija - florzinho morre queimado na floresta se não vier ninguém para ajudar" (ent 5 , grupo III) Utilizamos esse depoimento para refletir a inserção da enfermeira no SUS , enquanto uma construção coletiva, porque se a prática de enfermagem é uma tão declarada "prática social, historicamente construída", ela precisa estar pautada no tripé da ética, do coletivo, do vínculo e acolhimento para que ela possa contribuir com a consolidação do SUS.

Consideramos que os dados analisados estão consoantes com os achados dos autores referidos no corpo do texto e que embora as limitações e dificuldades se apresentam de forma vultuosa, ainda assim, a enfermeira desempenha com destaque e contribui para a construção e efetivação de um sistema de saúde mais igualitário, efetivo e solidário.


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