A inserção da enfermeria no atendimento pré-hospitalar: histórico e
perspectivas atuais
HISTÓRIA DA ENFERMAGEM
A inserção da enfermeria no atendimento pré-hospitalar: histórico e
perspectivas atuais
Nurse integration into pre-hospital medical services: historical outline and
current perspectives
La inserción de la enfermera en la atención pre-hospitalaria: reseña historica
y perspectivas actuales
Viviane Oliveira RamosI; Maria Cristina SannaII
IAluna do 4º ano do Curso de Graduação de Enfermagem da Faculdade de Enfermagem
da Universidade de Santo Amaro UNISA. Membro do Centro de Estudos e Pesquisas
sobre História da Enfermagem da UNISA. vivi20004ramos@hotmail.com
IIEnfermeira Doutora em Enfermagem Professora Titular da Faculdade Enfermagem
da Faculdade de Enfermagem da Universidade de Santo Amaro UNISA. Líder do
Centro de Estudos e Pesquisas sobre História da Enfermagem da UNISA
1. INTRODUÇÃO
O Atendimento Pré-Hospitalar (APH) tem sido objeto de atenção da sociedade como
um todo, como se pode perceber através da mídia e, particularmente junto aos
profissionais envolvidos nesse tipo de atendimento. Também os órgãos
governamentais têm se preocupado em organizar melhor esse tipo de atenção à
saúde, tornando este modelo um assunto debate constante em todos os meios.
Segundo o Ministério da Saúde(1), o atendimento pré-hospitalar pode ser
definido como a assistência prestada em um primeiro nível de atenção, aos
portadores de quadros agudos, de natureza clínica, traumática ou psiquiátrica,
quando ocorrem fora do ambiente hospitalar, podendo acarretar seqüelas ou até
mesmo a morte.
O APH é relativamente novo no Brasil e, visando a unificação da estrutura e
melhora na assistência, o Ministério da Saúde optou recentemente pela
implantação de um serviço com características do modelo francês, o SAMU(2),
apesar da existência de várias experiências nacionais diferentes. Dentre elas,
destacam-se os serviços pioneiros denominados "Grupo de Emergência do Corpo de
Bombeiros(3)" e o "Projeto Resgate(4)", estabelecidos na década de 80 do século
XX, respectivamente no Rio de Janeiro e em São Paulo, nos quais se inseriu a
enfermeira na assistência à atenção pré-hospitalar pela primeira vez.
Há um crescente avanço nos estudos sobre essa temática. Principalmente com a
descentralização administrativa do atendimento pré-hospitalar da corporação dos
bombeiros em favor dos órgãos de saúde. A legislação pertinente é recente e o
modelo ainda está sendo implantado em várias partes do país, o que torna
oportuno estudar como se deu a sua criação e, particularmente, a inserção da
enfermeira nesse tipo de serviço.
Este estudo pretende, então, enfocar principalmente duas problemáticas: como se
deu a inserção da enfermeira no atendimento pré hospitalar e quais as
possibilidades de ampliação da atuação desta profissional nos diversos serviços
implantados no país.
Toda mudança provém de conhecimentos passados, portanto, é preciso conhecer
como se deu a inserção da enfermeira no atendimento pré-hospitalar para melhor
entender as mudanças ocorridas nesta área e compreender períodos como este, de
transição, vivenciados no início do terceiro milênio, para refletir sobre os
encaminhamentos a serem dados para a prática profissional nesse campo.
Assim, o presente estudo tem como objetivos: a) Identificar marcos históricos
que se referem à inserção da enfermeira no atendimento pré hospitalar; b)
identificar as transformações ocorridas em sua atuação; e c) as conexões com os
aspectos legais do exercício profissional.
2. METODOLOGIA
Trata-se de um estudo descritivo de caráter histórico documental, constituindo-
se numa pesquisa bibliográfica, que teve como população as produções
científicas nacionais relacionadas ao assunto nos últimos 20 anos. Este recorte
se justifica devido ao fato do atendimento pré-hospitalar ter se iniciado no
Brasil nas ultimas duas décadas.
A coleta de dados foi feita nas bases de dados BDENF, LILACS e DEDALUS,
acessados através da BIREME e SIBI-USP, empregando-se os conjuntos de palavras-
chaves: "atendimento pré-hospitalar história","SAMU atendimento enfermagem
emergências"e"enfermagem serviços APH", no mês de abril de 2004.
A coleta das indicações bibliográficas se deu diretamente das bases citadas e
foi secundada pela seleção de produções referentes ao assunto e análise
qualitativa das indicações selecionadas. Encontrou-se, como relatado em Ramos,
Sanna(5) 145 referências, das quais 14 se referiam ao objeto de estudo, dentre
elas 4 teses, 3 manuais, 11 artigos de periódicos científicos e 11 documentos
legais. Na base de dados LILACS, dois registros de indexações apareceram
repetidamente numa mesma pesquisa.
Os textos foram selecionados por sua pertinência ao assunto, foram levados em
consideração os que continham informações sobre a estrutura e a história do
atendimento pré-hospitalar no Brasil. Para tanto foram lidos e analisados os
resumos de todas as obras citadas e excluídos aqueles que continham informações
puramente assistenciais sobre o assunto em questão, e aqueles que discorriam
sobre o funcionamento atual do APH em outros países.
Após proceder à leitura dos resumos; foi realizada a leitura na íntegra dos
textos selecionados, seguidos de um fichamento contendo: referência
bibliográfica, síntese da produção e comentário pessoal da pesquisadora
principal.
As produções foram, então, agrupadas por similaridade temática e ordem
cronológica dos marcos históricos, a partir do que se construiu o esquema para
elaboração do relato dos achados. As categorias de analise encontradas foram:
a) Os Marcos Históricos Os Primórdios e O Projeto Resgate, b) A Atuação da
Enfermeira no Atendimento Pré-Hospitalar e c) Os Aspectos Legais, como se verá
a seguir.
3. RESULTADOS
3.1. Marcos Históricos
Esta categoria pode ser dividida em dois momentos distintos. O primeiro que se
refere às iniciativas internacionais e as nacionais, desde a primeira República
até a criação do Projeto Resgate. Em seguida este é detalhado a partir de sua
criação no final dos anos 80 do século XX até a criação do Suporte Avançado à
Vida, em 1997.
3.1.1 Os Primórdios
O atendimento às emergências/urgências no local da ocorrência caminha desde o
período das grandes guerras, mais precisamente no século XVIII, período
napoleônico. Neste período, os soldados feridos em campo de batalha eram
transportados em carroças com tração animal, para serem atendidos por médicos,
longe dos conflitos(5).
Em 1792, o cirurgião e chefe militar Dominique Larrey, começa a "dar os
cuidados iniciais", a soldados feridos, no próprio campo de batalha, a fim de
prevenir possíveis complicações(2).
A iniciativa de atendimento aos soldados no campo de batalha continuou no
século XIX e levou à formação da Cruz Vermelha Internacional, em 1863,
organização que, ao longo do tempo, demonstrou a necessidade de atendimento
rápido aos feridos, tendo sua atuação destacada nas Guerras Mundiais do século
XX(6).
Tempos depois, no mesmo século, os combatentes receberam treinamento de
primeiros socorros a fim de prestar atendimento a seus colegas logo após a
ocorrência de uma lesão no campo de batalha. As vítimas também recebiam os
cuidados durante o transporte até o hospital de guerra(6).
Ainda no século XX, a enfermeira também teve sua presença registrada
participando ativamente no atendimento aos feridos, na I e II Guerras Mundiais
e nas Guerras do Vietnã e da Coréia(7).
Experiências em guerras, neste tipo de atendimento, no local da ocorrência,
conjugadas a um transporte rápido, diminuíram a morbimortalidade por causas
externas; mas isto só ficaria evidenciado décadas depois.
No Brasil, a idéia de atender as vítimas no local da emergência é tão antiga
quanto em outros países. Data de 1893 a aprovação da lei, pelo Senado da
República, que pretendia estabelecer o socorro médico de urgência na via
pública, no Rio de Janeiro, que era a capital do país. Consta ainda que, em
1899, o Corpo de Bombeiros da mesma localidade punha em ação a primeira
ambulância (de tração animal) para realizar o referido atendimento, fato que
caracteriza sua tradição histórica na prestação deste serviço(8).
No Estado de São Paulo, com a promulgação do Decreto n.395 de 7 outubro de
1893, ficou sob a responsabilidade dos médicos do Serviço Legal da Polícia
Civil do Estado o atendimento às emergências médicas. Em 1910, o Decreto
n.1392, tornou obrigatória a presença de médicos no local de incêndios ou
outros acidentes(6).
Em 1950, instalou-se em São Paulo o SAMDU Serviço de Assistência Médica
Domiciliar de Urgência órgão da então Secretaria Municipal de Higiene, pelo
Decreto Estadual n.16629, ficando como responsabilidade do município, o
atendimento de urgência na cidade de São Paulo(8).
A atividade de atendimento pré-hospitalar no Brasil sempre foi muito
diversificada; vários Estados, ao longo dos anos, desenvolveram um sistema de
atendimento às urgências e emergências de caráter público e/ou privado.
A DERSA (Desenvolvimento Rodoviário S.A.) foi um exemplo de serviço privado com
interligação a órgãos e serviços públicos. Em 1976, implantou o Sistema de
Ajuda ao Usuário nas rodovias sob sua jurisdição (Sistema Anchieta-Imigrantes,
Sistema Anhanguera-Bandeirantes e Sistema dos Trabalhadores); estes serviços
tinham como característica o posicionamento de uma ambulância, tripulada por um
motorista e um atendente de primeiros socorros, que por sinal possuía curso
ministrado pela ABEn (Associação Brasileira de Enfermagem), a cada 30 km de
rodovia, durante as 24 horas de todos os dias do ano. A supervisão, treinamento
em serviço e reciclagem periódicos era realizadas por médicos, e o serviço era
mantido com arrecadação dos pedágios e recursos da Previdência Social, o antigo
INAMPS(9).
Desde a década de 80 do século XX, o Estado de São Paulo já contava com um
serviço destinado ao atendimento às urgências/emergências; o "192" da
Secretaria Municipal de São Paulo, número telefônico pelo qual se chamava o
serviço. Este, por sua vez, não possuía equipes específicas e sua frota de
ambulâncias era insuficiente, sendo considerado ineficaz. Por este motivo, este
serviço teve mais evidenciado um caráter de remoção inter-hospitalar e
domiciliar que propriamente de atendimento às vítimas(10).
Na tentativa de resgatar este sistema de atendimento pré-hospitalar (192), no
ano de 1979 foi assinado um "protocolo de intenções" entre a Prefeitura do
Município de São Paulo e o Corpo de Bombeiros da Polícia Militar do Estado de
São Paulo, constituindo um serviço de ambulâncias da prefeitura, para o quê
alguns funcionários da Secretaria Municipal de Saúde foram treinados para
atuar, junto com os bombeiros, no resgate aos acidentados. Com efeito, se de um
lado era conhecida a morosidade do sistema municipal, por outro havia ainda
grande resistência de parte do comando do Corpo de Bombeiros em assumir estas
atividades, consideradas essencialmente médicas(10).
Outro marco importante se deu em 1981, quando se constituiu informalmente um
grupo de médicos, representantes do Pronto Socorro do Hospital das Clínicas, da
Secretaria de Higiene e Saúde do Município de São Paulo, do Hospital Heliópolis
e da Santa Casa da Misericórdia de São Paulo, com a finalidade de debater a
assistência às urgências no município que, além do atendimento na via pública,
propôs um sistema de referência para encaminhamento dos acidentados aos locais
próximos das ocorrências, estabelecendo, pela primeira vez, uma proposta de
territorialização e integração dos serviços de atendimento imediato e
internação, com a elaboração de normas e ficha padrão para o encaminhamento de
vítimas. Em 1983 houve a oficialização deste grupo denominado Comissão de
Coordenação de Recursos Assistenciais de São Paulo (CRAPS), que tinha como
missão a definição e implantação de programas efetivos no Município de São
Paulo(10).
No Estado do Rio de Janeiro foi criado, por um Decreto governamental, em
dezembro de 1985, com efetivo funcionamento em 9 de julho de 1986, o Grupo de
Emergências do Corpo de Bombeiros do Estado do Rio de Janeiro, da Secretaria de
Estado da Defesa Civil. O Grupo de Socorro de Emergência era formado por 19
ambulâncias de Unidades Móveis de Terapia Intensiva. Sua equipe era composta de
um médico e dois enfermeiros, além do motorista. Este serviço se vinculou a uma
estrutura já existente, a do Resgate do Corpo de Bombeiros(9).
No início dos anos 90, foi implantado, em São Paulo, o Sistema de APH na
Corporação dos Bombeiros do Estado de São Paulo(6), com pessoal treinado em
suporte básico e suporte avançado à vida. Deve-se ressaltar que, no suporte
avançado, a equipe era composta por um médico e uma enfermeira.
3.1.2 O Projeto Resgate
Um acordo assinado entre o Brasil e a França, através de uma solicitação do
Ministério da Saúde (MS), deu origem ao Serviço de Atendimento Móvel às
Urgências (SAMU)(2).
Várias cidades possuem ou estão implantando o SAMU, mas foi em São Paulo que a
criação do Projeto Resgate(4) - SAMU-SP teve maiores repercussões. Isto se deu
em 1989. Este projeto era apoiado por uma resolução conjunta entre as
Secretarias Estaduais da Saúde, que possibilitou a implantação do Suporte
Avançado à Vida; e de Segurança Pública (Corpo de Bombeiros e Grupamento de
Rádio Patrulha). Dispunha de 35 viaturas de resgate (UR) tripuladas por 3
bombeiros treinados a prestar os primeiros socorros e 2 viaturas de unidade de
salvamento (USA), semelhantes a uma UTI móvel, tripuladas por um médico e uma
enfermeira que, neste período, estava fase de implantação. Além disso, havia 3
helicópteros equipados com respirador, desfibrilador, materiais e medicamentos
de primeiros socorros, tripuladas por dois pilotos, um médico e uma enfermeira
(4). Em outubro de1997 iniciou-se, dentro do sistema 192 do Município de São
Paulo o Suporte Avançado à Vida, com o treinamento das equipes de médicos e
enfermeiras, com efetiva operacionalização em dezembro do referido ano.
Apesar deste acordo com a França, a realidade brasileira não permitia a
predominância do sistema no molde francês devido à escassez de recursos;
havendo necessidade de adaptações à nossa realidade, daí a explicação para
mescla dos moldes francês e norte-americano em vários sistemas de atendimento
pré-hospitalar em todo Brasil.
No Sistema Integrado de Atendimento ao Trauma e Emergências SIATE, proposto
pelo Ministério da Saúde (MS) e implantado inicialmente em 1990, em Curitiba,
numa ação conjunta entre a Secretaria Estadual de Saúde e Secretaria de
Segurança Pública, o atendimento era realizado pelos Socorristas de Corpo de
Bombeiros e contava com "médicos dentro do sistema regulador que poderiam ser
deslocados para o local da emergência quando necessário, dependendo da
situação". O SIATE serviu de modelo para a estruturação do APH em nível
nacional, iniciada a partir de 1990, com a criação do Programa de Enfrentamento
às Emergências e Traumas (PEET) pelo MS(8).
Em Ribeirão Preto, o SAMU entrou em operação em 8 de outubro de 1996, já
possuindo o Suporte Avançado à Vida, com seus elementos obrigatórios: médico e
enfermeira. Em março de 1998, foi concretizada, ainda que experimentalmente, a
Central de Regulação Médica da mesma cidade(2).
Em fevereiro de 1999, o SAMU foi mais uma vez expandido, com a inclusão das
unidades de suporte básico (USB). Para tanto, o SAMU mantinha seus dois
serviços (a Central de Regulação Médica e o Serviço de Atendimento Pré-
hospitalar) coesos e interligados, organizados e supervisionados pelo
coordenador do Programa de Assistência Emergencial, no qual se insere o SAMU.
Subordinados ao coordenador estavam o diretor médico e o diretor de enfermagem,
sendo este cargo exercido pelo Coordenador do Programa de Serviços Externos(2)
(rede192).
A implantação do SAMU em Porto Alegre(8) se deu por volta de 1995, através de
um termo de cooperação técnica com a França.
Já em Santa Catarina(8) o primeiro serviço foi instalado junto ao Corpo de
Bombeiros de Blumenau, em 1987, e foi aperfeiçoado com o Projeto de Atendimento
Pré-hospitalar do Ministério da Saúde (PAPH-MS) a partir de 1990. Vários cursos
de treinamento denominados ASU foram realizados em todo estado. Em 1995, o
Corpo de Bombeiros, em convênio com o Centro de Ciências da Saúde da
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), realizou o primeiro (e único)
curso de Técnicos de Emergências Médicas. Posteriormente, reconhecendo o
denominado Suporte Básico de Vida (SVB) como cuidado de enfermagem, foram
realizados cursos de Auxiliar de Enfermagem, através do Projeto Auxiliar de
Enfermagem, de responsabilidade do Departamento de Enfermagem de Saúde Pública
UFSC, para a formação de socorristas-bombeiros que, posteriormente, no mesmo
projeto, foram requalificados como técnicos de enfermagem(8).
Como se pode perceber, são vários os lugares e tentativas de se estruturar o
atendimento pré-hospitalar no Brasil, cada qual com suas peculiaridades,
evidenciando necessidades sociais semelhantes e soluções técnico-políticas
diferentes. Esta situação causou preocupação nos órgãos fiscalizadores do
exercício da Medicina e da Enfermagem, inaugurando uma nova era para o APH e
convocando o Ministério da Saúde a mediar essas relações.
3.2 A Atuação da Enfermeira no Atendimento Pré-Hospitalar
Atualmente, no Brasil, o atendimento pré-hospitalar está estruturado em duas
modalidades: o Suporte Básico à Vida (SBV) e o Suporte Avançado à Vida (SAV)
(11). O SBV consiste na preservação da vida, sem manobras invasivas, em que o
atendimento é realizado por pessoas treinadas em primeiros socorros e atuam sob
supervisão médica. Já o SAV tem como características manobras invasivas, de
maior complexidade e, por este motivo, esse atendimento é realizado
exclusivamente por médico e enfermeira. Assim, a atuação da enfermeira está
justamente relacionada à assistência direta ao paciente grave sob risco de
morte.
Esta incorporação da enfermeira no atendimento pré-hospitalar não é nova, como
foi citado anteriormente, quando estas estiveram presentes nas grandes guerras;
mas só é bem evidenciada no Brasil a partir da década de 90, quando a
estruturação do atendimento às urgências/emergências ganha um novo foco.
Dentre os diversos dados levantados, encontrou-se várias descrições de
atribuições da enfermeira e recomendações sobre seu perfil: possuir formação e
experiência profissional, extrema competência, habilidade, capacidade física,
capacidade de lidar com estresse, capacidade de tomar decisões rapidamente, de
definir de prioridades e saber trabalhar em equipe(10).
Apesar dessas recomendações apenas recentemente se iniciaram, no Brasil, cursos
de especialização específicos para atendimento pré-hospitalar.
No seu estudo, Thomaz(7) diz: "o enfermeiro é participante ativo da equipe de
atendimento pré hospitalar e assume em conjunto com a equipe a responsabilidade
pela assistência prestada as vítimas. Atua onde há restrição de espaço físico e
em ambientes diversos, em situações de limite de tempo, da vítima e da cena e
portanto são necessárias decisões imediatas, baseadas em conhecimento e rápida
avaliação".
Todavia a atuação do enfermeiro não se restringe à assistência direta. Azevedo
(6)relata: "Ao longo dos últimos anos, tenho participado de vários cursos de
capacitação técnica e capacitação pedagógica, já que o enfermeiro, neste
sistema, além de executar o socorro às vítimas em situação de emergência e fora
do ambiente hospitalar, também desenvolve atividades educativas como instrutor.
Como parte da equipe técnica, participo na revisão dos protocolos de
atendimentos, elaboração do material didático, além de atuar junto à equipe
multiprofissional na ocorrência de calamidades e acidentes de grandes
proporções".
No Brasil, a atuação do enfermeiro e a sua capacitação está em atraso, se
comparados com outros países como, por exemplo, Estados Unidos e França, que
possuem um sistema de APH mais desenvolvido, nos quais os enfermeiros têm sua
função consolidada e reconhecida em seus sistemas de atendimento. Mas, mesmo
nos países desenvolvidos, a função do enfermeiro é constantemente repensada.
Thomaz(7) informa que a Emergency Nurses Association propõe que o grau de
dependência ou independência nas intervenções do enfermeiro esteja relacionado
com as ações práticas da enfermagem e com uma política institucional e
educacional. Entre as proposições daquela entidade está o desenvolvimento de
protocolos de atendimento ao trauma, que têm possibilitado, à enfermeira, atuar
com um grau maior de independência, conservando o aspecto de interdependência
das atividades da equipe de atendimento ao prover os cuidados aos pacientes
vítimas de trauma. Em relação aos protocolos é importante registrar que, no
Brasil, são utilizadas referências internacionais, com adaptações à realidade
nacional.
A questão da atuação de profissionais não-médicos com treinamento específico e
a atuação de médicos e enfermeiros, que possuem maior grau de conhecimento e
especificidade para prestar atendimento às vítimas, é discutida e questionada
em todos os países que possuem sistemas de atendimento pré-hospitalar. A
problemática se iguala: se por um lado fica a dúvida - até que ponto
profissionais não-médicos pode ser treinados e se tornarem capazes de
realizarem procedimentos médicos, por delegação do mesmo, por outro lado, fica
a restrição de sustentar um sistema exclusivamente por médicos e enfermeiras,
cuja remuneração é mais alta do que os para-profissionais.
Na França, os governantes partiram do seguinte princípio: nenhum treinamento
pode substituir o currículo das escolas médicas e de enfermagem que ensinam,
durante anos, a reconhecer as doenças, a indicar e a realizar o seu tratamento.
Contudo, eles enfrentam alguns problemas, como a falta de recursos para manter
o sistema, que tem custo muito elevado, e a falta de médicos para manter o
sistema ativo6.
Já para os norte-americanos, que se baseiam em pesquisas quantitativas, o
paramédico bem treinado é capaz de oferecer os mesmos cuidados de emergência
que um médico, desde que as condutas médicas de emergência sejam
sistematizadas. No entanto, o paramédico deve estar em contato com a central de
comunicação recebendo instruções do médico responsável(10).
No Brasil, a antiga CRAPS, propôs um sistema de atendimento pré-hospitalar
realizado exclusivamente por médicos, mas o fator econômico inviabilizou essa
proposta, ficando a participação dos médicos e enfermeiras limitada a casos de
maior gravidade, para os quais são previstas duas ambulâncias mais equipadas os
veículos de "suporte avançado", ou UTI móvel, e um helicóptero(10).
Como se pode apreciar no acima exposto, o caminho percorrido desde a inserção
da enfermeira no APH, seja no Brasil ou em países mais adiantados nesse
sistema, ainda está por ser consolidado. Contudo, já se pode vislumbrar que, em
pouco mais de duas décadas de atuação nesses serviços em nosso país, sua
participação tem constantemente se ampliado e tornado-se imprescindível e
definitiva.
3.3 Os Aspectos Legais
Uma das maiores dificuldades que o atendimento pré-hospitalar enfrentou em
nosso país foi a falta de legislação específica. Como foi citado anteriormente,
isto foi uma das causas que contribuiu para a sustentação de várias estruturas
de atendimento pré-hospitalar, cada uma com suas peculiaridades e sem um padrão
nacional a ser seguido.
Após uma recuperação cronológica, encontrou-se várias Portarias do Ministério
da Saúde (MS) e Resoluções do Conselho Federal de Medicina (CFM), que aparece
predominantemente, além do Conselho Federal de Enfermagem.
Os Conselhos Federal e Regionais de Medicina, a partir de 1997, passaram a
questionar a eficácia dos serviços de APH prestados pelo Corpo de Bombeiros,
que não possuíam embasamento técnico suficiente para essa atuação. Em 1998 o
CFM lançou a Resolução n.1.529/98 que normatizava a atividade médica na área da
urgência/emergência na sua fase pré-hospitalar(12). Posteriormente a esta
resolução, o MS transferiu quase que integralmente o texto da mesma para a
Portaria n. 824 de 24 de julho de 1999, normatizando(13) assim o APH em todo o
Brasil.
A partir de então, o MS promulgou uma série de outras Portarias, dentre as
quais a de n. 737 de maio de 2001(14), que define a política nacional de
redução de morbimortalidade; a n. 814/GM, de 1 de junho de 2001(15), que
estabelece a normatização dos serviços de atendimento pré-hospitalar móvel de
urgências e define princípios e diretrizes da regulação médica das urgências; a
n. 2048/GM de 5 de novembro de 2002(16), que regulamenta o atendimento das
urgências e emergências; a n. 1863/GM de 29 de setembro de 2003(17), que
institui a Política Nacional de Atenção às Urgências, a ser implantada em todas
as unidades federadas, respeitadas as competências das três esferas de gestão;
e a n. 1864/GM também de 29 de setembro de 2003, que institui o componente pré-
hospitalar móvel(18) da Política Nacional de Atenção às Urgências, por
intermédio da implantação de Serviços de Atendimento Móvel de Urgência em
Municípios e regiões de todo o território brasileiro: SAMU 192.
No âmbito da Enfermagem, o Conselho Federal de Enfermagem (COFEN) instituiu
Resoluções a fim de amparar legalmente a atuação da Enfermagem no atendimento
pré-hospitalar. Na Resolução n. 225 de 28 de fevereiro de 2000(19), dispôs
sobre o cumprimento de prescrição medicamentosa/terapêutica à distância,
tornando legal, para os profissionais da enfermagem, a prática de cumprir
prescrições médicas via rádio ou telefone em casos de urgência. Um ano após, o
Conselho Regional de Enfermagem de São Paulo editou a Resolução DIR/01/2001
(20), que discorre sobre a regulação da assistência de enfermagem no
atendimento pré-hospitalar e demais situações relacionadas com o Suporte Básico
e Suporte Avançado à Vida.
O COFEN, por sua vez, incluiu o atendimento pré-hospitalar no rol de
especialidades de enfermagem, mas não deu as diretrizes para a formação desses
profissionais, que foram deixadas implícitas pelo MS, na Resolução 260/2001, na
descrição de atribuições desse profissional(1).
Analisando a Lei do Exercício Profissional de Enfermagem(21) n. 7498/86, que
estabelece ser privativo do enfermeiro a organização e direção de serviços e
unidades de enfermagem, a assistência direta ao paciente crítico e a execução
de atividades de maior complexidade técnica e que exijam conhecimento de base
científica e capacidade de tomar decisão imediata; e o Código de Ética dos
Profissionais de Enfermagem(22), que prescreve avaliar sua competência técnica
e legal e somente aceitar encargos ou atribuições, quando capaz de desempenho
seguro para si e clientela, levanta-se a questão da impossibilidade da
assistência de enfermagem ser executada por qualquer outro agente que não o
enfermeiro. Já que o Ministério da Saúde no exercício legal de suas funções
regulamentou esta prática, não cabe mais pensar em outra solução que não a
presença obrigatória e constante da enfermeira nesta atividade.
4. CONCLUSÕES
Este estudo teve por finalidade responder às questões ligadas ao Atendimento
Pré-Hospitalar, identificando os marcos históricos que indicassem a inserção da
enfermeira nesse tipo de atendimento. Alguns marcos históricos, como a atuação
da enfermeira nas Guerras Mundiais e outras guerras entre nações, e a criação
de Projetos como o Grupo de Emergências do Corpo de Bombeiros do Estado do Rio
de Janeiro e o Projeto Resgate em São Paulo marcaram a inclusão da enfermeira
na atuação no Atendimento Pré-Hospitalar; porém, essa ênfase ficou restrita aos
primórdios da criação dessa modalidade de atenção à saúde.
Desde a inserção da enfermeira no APH pode-se identificar mudanças e ampliação
de sua atuação, na maior parte, ainda vinculadas estritamente aos aspectos
assistenciais. Apesar desse reconhecimento ser um fator importante por admitir
que ela é um membro da equipe que possuí maior grau de conhecimentos,
habilidades e atitudes para o bom desempenho da função, sua presença ainda está
restrita ao Suporte Avançado à Vida, juntamente com o médico. Há que se indagar
sobre a progressão dessa expansão também para as atividades gerenciais de sua
competência.
Enfocando os aspectos legais, percebe-se que mudanças que favoreceram a
enfermeira ocorreram; tanto na normatização do APH em todo o país, como na
deflagração de um posicionamento das entidades de classe de enfermagem. Isso só
tende a beneficiar a enfermeira e, em última instância, ao cliente que recebe a
assistência por ela proporcionada.
O Atendimento Pré-Hospitalar no Brasil foi amplamente discutido e redirecionado
por várias esferas do governo, ao longo dos anos; estando ainda, este novo
paradigma proposto pelo Ministério da Saúde, em fase de implantação.
A participação da enfermeira na estruturação dos serviços, desenvolvimento de
ações educativas e gerenciamento desta modalidade de atenção ainda requer um
esforço organizado para sua ampliação. É necessário expandir a atuação da
enfermeira, não se restringindo puramente à prestação da assistência; mas
estender-se à organização e gerenciamento do atendimento como o Suporta Básico
à Vida, acrescentando um novo olhar aos serviços de APH e propondo nova
distribuição de autoridade e responsabilidade para todos os envolvidos no
funcionamento do APH.