Home   |   Structure   |   Research   |   Resources   |   Members   |   Training   |   Activities   |   Contact

EN | PT

BrBRCVHe0034-71672005000400016

BrBRCVHe0034-71672005000400016

National varietyBr
Country of publicationBR
SchoolLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN0034-7167
Year2005
Issue0004
Article number00016

Javascript seems to be turned off, or there was a communication error. Turn on Javascript for more display options.

A enfermagem e a atenção à criança vítima de violência familiar REVISÃO

A enfermagem e a atenção à criança vítima de violência familiar

The nursing and the attention to the child who is victim of familiar violence

La enfermería y la atención al niño victima de violencia familiar

Janice Machado da CunhaI; Simone Gonçalves de AssisII; Sandra Teixeira de Araújo PachecoIII IEnfermeira. Doutoranda em Saúde da Criança no IFF/FIOCRUZ.. Professora Assistente do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil/FENF/UERJ e pesquisadora do NUSCRIAD (Núcleo de Estudos em Saúde da Criança) jancunha3@yahoo.com.br IIMédica. Doutora em Ciências e Professora do IFF/FIOCRUZ. Pesquisadora do CLAVES/FIOCRUZ, simone@claves.fiocruz.br IIIEnfermeira. Mestre em Enfermagem pela FENF/UERJ. Professora Assistente do Departamento de Enfermagem Materno Infantil/FENF/UERJ e pesquisadora do NUSCRIAD - E-Mail: stapacheco@aol.com

1. INTRODUÇÃO O enfrentamento da violência e suas conseqüências têm sido um desafio para os profissionais de saúde, embora não seja um problema específico desta área. As crianças estão incluídas entre os grupos humanos mais vulneráveis aos eventos violentos e muitas vezes estas situações ocorrem no contexto familiar, caracterizando-se como um problema de grande relevância social e científica.

Algumas pesquisas nacionais têm possibilitado antever a elevada prevalência de violência familiar na infância. Um estudo que permite evidenciar esta realidade foi realizado em 1990(1) com 1328 adolescentes matriculados em escolas num Município do Estado do Rio de Janeiro. Este trabalho constatou que 52,8% dos adolescentes sofriam violência física de um ou de ambos os pais. Entre as práticas violentas citadas destacaram-se: tapas, bofetões, tentar bater ou bater com objetos, ameaçar ou ferir com armas. Outro estudo(2) mais recente, investigou 1685 adolescentes estudantes de escolas públicas e particulares de São Gonçalo/RJ, constatando que 14,6% dos entrevistados sofrem violência física severa de pai ou mãe (atos como chutar, morder ou dar murros, espancar, ameaçar ou efetivamente usar arma de fogo ou arma branca); 11,8% testemunharam ou vivenciaram violência sexual na família; 48% relataram sofrer violência psicológica de pessoas significativas.

Tem crescido no Brasil, especialmente na área da saúde, a necessidade de uma reflexão mais profunda sobre este problema em decorrência dos novos paradigmas colocados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em 1990(3). Esta Lei, entre outras determinações, estabelece a obrigatoriedade de notificação dos casos suspeitos ou confirmados de maus-tratos contra a criança e institui uma penalidade para os profissionais de saúde ou educação que não atenderem a esta determinação.

Embora se reconheça a importância da multidisciplinaridade na atenção à criança vítima de violência familiar, considera-se que a Enfermagem, e mais especificamente o Enfermeiro Pediatra têm um papel importante neste processo.

Este pressuposto baseia-se na constatação de que o Enfermeiro tem como foco principal a assistência direta e integral ao cliente, além de ser um dos profissionais que permanece por maior período convivendo com a criança e sua família seja no contexto hospitalar, em unidade básica de saúde ou em ambiente familiar/comunitário.

Nesta perspectiva, este artigo tem como objetivo refletir sobre a atenção de enfermagem à criança vítima de violência familiar, a partir da análise da produção científica da enfermagem nacional e internacional acerca desta temática.

Não obstante a multiplicidade de definições e conceitos, neste estudo entende- se por violência familiar contra a criança ações e/ou omissões perpetradas por parentes ou responsáveis pela criança, podendo causar danos físicos, sexuais e/ ou psicológicos às pequenas vítimas.

2. CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS Trata-se de um estudo bibliográfico, tendo sido adotado os seguintes procedimentos para levantamento e análise da documentação bibliográfica: busca, seleção, impressão/solicitação e análise dos textos. Através do site da Biblioteca Regional de Medicina (BIREME), realizou-se um levantamento da literatura científica indexada nas bases de dados: MEDlars Online Literatura Internacional (Medline), Literatura Latino-Americana e do Caribe (LILACS) e Banco de Dados da Enfermagem (BDENF). Foram utilizados os seguintes descritores em português: "violência doméstica", "violência familiar", "maus tratos", "enfermagem" e "criança". Em inglês: "child abuse", "neglect", "nursing", "family" e "violence". O universo das definições de violência familiar foi muito diversificado, constituindo-se num dos maiores desafios deste estudo.

Optou-se por considerar como sinônimos os descritores relativos à violência.

Inicialmente foram encontradas as seguintes freqüências de produções científicas: 92 (Medline), 15 (LILACS) e 12 (BDENF).

Os critérios adotados para exclusão no estudo foram: produção científica de Enfermeiro ou de outros profissionais que não incluíssem a atenção de enfermagem à criança vítima de violência familiar, estudos sobre violência contra outros grupos humanos sem enfoque na infância e referências bibliográficas incompletas ou repetidas.

Seguindo os critérios de inclusão adotados neste estudo foram selecionadas 37 produções científicas que serviram de base para a análise, no entanto estarão sendo referenciadas ao longo deste texto, aquelas consideradas de maior relevância para o presente artigo.

Tem-se a clareza de que esta pesquisa não contempla todas as publicações brasileiras e internacionais sobre a temática. Contudo, a análise de dos textos nacionais e internacionais possibilitou traçar um panorama aprofundado e extensivo da temática e mapear o estado da arte da produção científica da Enfermagem acerca da atenção à criança vítima de violência familiar.

A análise dos dados pautou-se na associação das abordagens quantitativa e qualitativa, utilizando-se a técnica de análise de conteúdo, na modalidade temática. Após seleção dos textos, procedeu-se a leitura flutuante e organizou- se o corpus de análisede acordo com os objetivos da pesquisa. Após leituras exaustivas foram identificadas as unidades de registro que a seguir foram agrupadas em núcleos temáticos(4)que emergiram de forma de isolada ou associada nas publicações.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO 3.1 Panorama da produção de conhecimento acerca da atenção de Enfermagem à criança maltratada por seus familiares Num total de 37 publicações, sendo 08 (21,6%) nacionais e 29 (78,4%) internacionais. Constatou-se a predominância das produções internacionais, majoritariamente procedentes dos Estados Unidos (24), seguidos da Inglaterra (04) e Escócia (01). As publicações brasileiras tiveram como origem os seguintes estados: São Paulo(03), do Rio Grande do Sul (02), Bahia(02) e Santa Catarina(01).

Quanto à metodologia adotada, na produção internacional houve maior freqüência dos artigos de reflexão teórica (13), sendo as demais publicações categorizadas como: estudos quantitativos (8), revisões bibliográficas (06), relato de experiência (01) e qualitativo (01). A distribuição dos textos nacionais segundo o enfoque metodológico foi: estudos quantitativos (03), artigos de reflexão teórica (02), revisão bibliográfica (01), abordagem qualitativa (01) e quanti-qualitativo (01).

No que se refere à distribuição da freqüência das produções científicas nos últimos 10 anos, não se visualizou um aumento significativo do número de publicações: O período 1996-2000 concentra a maior parte das publicações, sendo 15 internacionais e 04 nacionais; no período 1993-1995 foramencontrados 5 artigos internacionais e 03 nacionais e no período 2001-2003 houveram 9 publicações internacionais e apenas 1 artigo em revista nacional.

Os resultados deste estudo no âmbito nacional, foram semelhantes aos dados obtidos em estudos bibliográficos anteriores(5-6) que localizaram um número pequeno de produções científicas brasileiras com enfoque na Enfermagem e a atenção à violência familiar na infância. Uma pesquisa bibliográfica(5)acerca daspropostas de prevenção à violência, constatou que num universo de 48 produções científicas, apenas 2,1% eram da Enfermagem. Outro estudo(6), num total de 105 trabalhos encontrou apenas sete produções de Enfermeiros. Isto é preocupante, pois considerando a exposição da temática na mídia, os dados relativos à epidemiologia da violência e os aspectos jurídicos que comprometem os profissionais de saúde com este problema de saúde pública, uma repercussão maior no meio acadêmico seria esperada.

Os temas enfocados no corpus de análise deste estudo apresentaram uma grande heterogeneidade. A bibliografia internacional no que se refere às vítimas da violência destacou de forma associada os idosos, as mulheres e as crianças como os mais freqüentemente vitimizados. Os textos nacionais enfatizaram a criança como vítima e a perspectiva da atenção extensiva a toda a família.

A análise da produção científica possibilitou a constituição de três núcleos temáticos: a) atuação do enfermeiro frente aos casos de crianças vítimas de violência familiar, enfatizada em 23 (79,3%) dos trabalhos internacionais e 4 (50%) das publicações em âmbito nacional ; b) o diagnóstico da violência familiar contra a criança foi enfocado em 21 (72,4%) textos internacionais e 6 (75%) nacionais e c) a capacitação do enfermeiro para atender à crianças vítimas de maus tratos familiares foi abordada em 11 (37,9%) estudos internacionais e 3 (37,5%) nacionais. Como alguns trabalhos abordaram vários temas, o total excede o número de trabalhos avaliados.

3.2 O diagnóstico: primeiro passo na atenção à crianças vítimas de violência familiar Constatou-se que as produções nacionais e internacionais enfatizaram a importância do diagnóstico como um primeiro passo na atenção de enfermagem à criança vítima de violência familiar.Para o diagnóstico do problema considera- se fundamental o reconhecimento e a definição do que se entende por violência.

Os textos internacionais e nacionais de certa forma foram convergentes ao caracterizar a violência como um problema complexo, multi-fatorial e queafeta a saúde individual e coletiva(7-13). Devido ao caráter multidimensional, o reconhecimento que a atenção às criança vítima de violência envolve diferentes setores da sociedade. Contudo, não se visualizou um consenso no que se refere à definição da temática, predominando uma certa indefinição e multiplicidade do que se considera violência familiar contra a criança.

Outro aspecto importante no reconhecimento da vitimização familiar contra a criança é a demonstração da magnitude deste problema. Embora, a maioria das publicações ressalte a relevância da temática, constatou-se que os textos norte-americanos apresentaram estatísticas oficiais relativas à prevalência de violência familiar(12,14-17). Nos textos nacionais os dados estatísticos, quando apresentados se referiram a estudos de prevalência restritos a determinada localidade ou região(8,18) Ao demonstrar a relevância da atenção de enfermagem à vitimização infantil no contexto familiar, muitas publicações alertaram para as conseqüências deste problema no desenvolvimento bio-psico-social das crianças. O impacto psicológico foi ressaltado como um dos mais preocupantes uma vez que as crianças, por estarem ainda em processo de desenvolvimento, são mais vulneráveis à influência dos adultos(7,11,19-21). Entre as respostas psicológicas, foram descritas: estresse, ansiedade e preocupação. Sendo analisado que o processo de vitimização pode levar a criança a não interagir socialmente, o que muitas vezes pode ser um fator que dificulta o diagnóstico e em outras vezes pode ser caracterizado como um indicador de violência, facilitando assim a identificação de situações de sofrimento infantil, por parte do profissional. Este processo está estritamente relacionado à capacitação do profissional no reconhecimento dos indicadores de cada tipo de abuso.

As publicações abordaram de forma associada ou isolada, diferentes modalidades de violência familiar contra a criança, predominando os textos sobre abuso físico e sexual. A violência psicológica também foi muito destacada, sendo mais freqüentemente descrita como associada a outras modalidades de violência. A negligência foi o tipo de violência menos enfocado na bibliografia internacional, todavia alguns autores brasileiros(7) estudaram de forma bastante aprofundada esta modalidade de violência.

No que se refere ao diagnóstico dos casos de crianças vitimizadas, nas publicações internacionais, constatou-se um esforço na utilização de indicadores, roteiros e escalas para reconhecer e classificar os sinais de violência(10,14). Alguns estudos tiveram como objetivo a avaliação da capacidade dos profissionais na identificação dos casos de violência, geralmente utilizando instrumentos de avaliação que mensuravam os conhecimentos pré e pós treinamentos realizados(14,22). Nos textos nacionais, a ênfase maior foi na sensibilização dos profissionais para a problemática: um estudo apresenta roteiro de identificação de casos(20), 5 trabalhos pontuam o papel do enfermeiro(7,9,19,20,23)e 2 textos buscaram caracterizar o problema através de estudos de prevalência de forma a subsidiar a ação da enfermagem(8,18).

Apontam, portanto para a necessidade de estudos nacionais que possam fundamentar e preparar os enfermeiros para identificar e atender a criança vítima de violência familiar contra a criança.

3.3 O Enfermeiro está capacitado para cuidar de crianças vítimas de violência familiar? Embora este tema tenha sido o menos abordado nos textos analisados, sua relevância mostra-se fundamental para o enfrentamento dos maus-tratos na infância pelo setor de saúde.

A importância da capacitação do Enfermeiro foi apontada por alguns autores, assinalando a relevância da inclusão da temática no currículo. Na produção científica internacional, este tema foi abordado em alguns estudos de forma sistematizada, relatando experiências de currículo de enfermagem que contemplaram a temática(16,24,25). Foram publicados também relatos de experiências de capacitação de profissionais formados sendo destacados aspectos como: o conhecimento dos fatores associados aos maus-tratos, as conseqüências da violência, o sistema de proteção legal e os recursos da comunidade que podem contribuir para a prática de enfermagem(26).

No âmbito nacional, alguns textos enfocaram a importância da inserção da temática nos currículos(7,9,20,23), isto sinaliza a necessidade do aprofundamento da discussão desta questão nas associações de classe e instituições responsáveis pela formação dos enfermeiros.

3.4 A atenção à criança vítima de violência familiar: um desafio para a Enfermagem O tema mais destacado nos textos foi a atenção às vítimas, tendo a perspectiva da atuação multidisciplinar norteado vários estudos. Contudo, a Enfermagem foi apontada nas produções nacionais(7,9,19,20,23) e internacionais(11,12,17,27), como uma categoria profissional com um papel fundamental na identificação dos casos, no tratamento e proteção das vítimas.

Não obstante, a prioridade dos autores deste artigo tenha sido a atuação dos enfermeiros da área pediátrica, a análise das publicações nacionais e internacionais possibilitou a identificação de outras especialidades da Enfermagem com ação direta no atendimento às vítimas de violência. Além da pediatria, foram relacionadas áreas de saúde pública, saúde mental e emergência. Na bibliografia internacional destaca-se ainda a área do atendimento domiciliar, considerada prioritária tanto na prevenção da violência, quanto no acompanhamento e tratamento dos casos após a identificação. Outro aspecto ressaltado na produção internacional e ausente na bibliografia nacional foi, a importância de profissionais de enfermagem sem formação superior atuando frente aos maus-tratos. Um estudo(12) aponta que profissionais de enfermagem com vários níveis de educação e escolaridade podem realizar ações como: identificação de casos, intervenções em crises e terapia físicas.

A atenção nos diferentes níveis de complexidade foi amplamente abordada, mas muitos autores priorizaram as ações de prevenção analisando a importância de atividades como: orientação aos pais quanto aos cuidados com as crianças pequenas, programas de educação preventiva nas escolas e diagnóstico precoce através de visitas domiciliares(17,27,28,29).

A história de vida, a postura profissional e as atitudes pessoais dos profissionais de enfermagem foram apontadas como aspectos que interferem na atuação frente aos casos de crianças vitimizadas por suas famílias(19,20,23).

Enfatizou-se a necessidade dos Enfermeiros terem uma atitude baseada na sensibilidade, capacidade de escuta e compreensão. Nesta perspectiva ressaltam- se alguns textos brasileiros que abordam com muita propriedade o impacto da violência na vida de enfermeiros que cuidam de crianças vitimizadas(7,9,19,23), demonstrando o quanto são conflitantes as atitudes idealizadas e as concretizadas.

Neste sentido, considera-se fundamental a discussão acerca dos dilemas ético- legais na atenção às crianças vitimizadas no contexto familiar, destacando-se os decorrentes da obrigatoriedade de notificação dos casos às autoridades judiciais e os inerentes à assistência de enfermagem orientada pelos princípios éticos da beneficiência, autonomia e justiça(7,9,11,13,20).

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS Neste estudo constatou-se que a produção científica da Enfermagem assinala a relevância da atuação dos Enfermeiros nos diferentes níveis da atenção à criança vítima de violência familiar, com especial destaque para as ações preventivas. Esta atuação prioriza o cuidado à criança e sua família, considerando-se a violência como um problema multidi-mensional e que para enfrentá-lo é necessário capacitação e trabalho em equipe.

O universo das abordagens sobre violência foi muito heterogêneo, sendo difícil apontar uma única tendência na produção científica acerca da temática. Entre os estudos nacionais predominaram as pesquisas relacionadas a sensibilização da enfermagem para a problemática e no âmbito internacional um dos temas mais focalizados foi a importância da enfermagem no diagnóstico precoce dos casos de violência familiar contra criança.

Mesmo reconhecendo que este estudo não abarcou a totalidade da produção científica sobre a temática, considera-se a produção científica nacional ainda incipiente, sendo fundamental aprofundar a reflexão visando a produção de mais estudos da Enfermagem sobre a sua atuação na atenção à criança vítima de violência familiar. Chama atenção o pequeno crescimento da produção na área de enfermagem, face ao grande investimento que está havendo na área da atenção às crianças vítimas de violência no Brasil.


Download text