A instituição da liderança dos enfermeiros em questões de saúde
PESQUISA
A instituição da liderança dos enfermeiros em questões de saúde
Institution of nurse's leadership in health matters
Instituición del liderazgo del enfermero en cuestiones de salud
Barbara ChristovamI; Iraci SantosII
IMestre em Enfermagem. Professora Assistente da Área de Aministração em
Enfermagem da EEAAC/UFF. baby.pompeu@terra.com.br
IIDoutora em Enfermagem. Professora Titular da FE/UERJ. Orientadora da
dissertação
1. INTRODUÇÃO
O interesse em estudar as relações que o enfermeiro estabelece com os demais
profissionais no sistema de saúde do município de Niterói emergiu a partir de
reflexões sobre as ações administrativas desenvolvidas por este profissional em
unidades ambulatoriais, hospitalares e no nível central na Fundação Municipal
de Saúde de Niterói (FMS). Assim, percebeu-se que as questões do poder
hegemônico conseqüente do saber médico, ainda se apresentam quando se discute o
processo de trabalho em saúde, causando desconforto quando, na prática, a
enfermagem é considerada como "um instrumento ou um meio do processo de
trabalhomédico"(1). Este fato pode caracterizar relações de poder, isto é, de
dominação submissão reforçadas pelos próprios enfermeiros.
Entretanto, as relações de liderança estabelecidas pelo enfermeiro no contexto
do exercício de enfermagem são diversas pois, este profissional é um expert, na
sua área de conhecimento visto que utiliza seu saber para reformular, aprender,
ensinar, transformar, participando assim da tomada de decisão em assuntos de
saúde(2). Referente ao papel social, é necessário definir espaço e próprios da
enfermagem, visto que a definição destes ainda esbarram coma "capacidade dos
enfermeiros em ter clareza da necessidade de enfrentar os seus próprios
limites"(3).Vê-se uma enfermagem que está mudando sua filosofia e seu contexto
para ocasionar mudanças, sendo uma delas a tomada de consciência das várias
formas de cuidar, assistencial e o gerencial, sendo este último um meio para a
consecução do cuidado.
Nesta pesquisa, ressaltamos um momento de transformação da enfermagem, a partir
de 1990, quando se observa maior inserção de enfermeiros em cargos de liderança
administrativa, antes ocupados por médicos. Esta é uma conseqüência direta das
necessidades de organização do SUS, que preconiza uma reordenação do processo
de trabalho dos profissionais de saúde, visando, uma abordagem integral do
processo saúde-doença, enfatizando uma formação generalista. Entre os
profissionais integrantes da equipe de saúde, é o enfermeiro o único que possui
esta formação, estando apto a assumir e a seguir os princípios do SUS.
Nessa situação, constata-se um rompimento dos padrões sociais com
comportamentos e práticas socialmente instituídas, mostrando um novo caminhar
para a enfermagem sem esquecer o seu percurso para se firmar enquanto
profissão.
Poder e saber estão diretamente relacionados, não há relação de poder que não
constitua um campo de saber, assim como não há um saber que não constitua ao
mesmo tempo relações de poder(4). As relações de poder-saber se resume na
questão: se existem falta de identidade e de autonomia nas ações dos
enfermeiros decorrentes da organização social capitalista, onde a hegemonia
médica na saúde é usada para justificar a sua falta de ação, o que o enfermeiro
pode fazer para mudar essa situação?
Quando enfermeiros ocupam cargos de liderança na FMS, questionamos se eles,
colocam em prática o seu saber, e desenvolvem um trabalho mais autônomo nas
ações de saúde. O que eles realizam nas gerências de primeiro e segundo
escalãoa? Esta questão será tratada tal como se apresenta na atualidade, porém
compreendida como resultado de um processo de transformação cultural e social.
Para tanto delimitamos questões que norteiam o estudo: - Que fatores
condicionaram os enfermeiros a ocupar cargos administrativos na FMS? - Qual a
contribuição da liderança do enfermeiro na FMS ao exercer suas atividades
gerenciais?
Para responder estas questões, formulamos os objetivos: Identificar os fatores
que influenciaram na indicação de enfermeiros para cargos de alta administração
na FMS; Identificar a contribuição da liderança do enfermeiro no processo
decisório em saúde.
2. REFERENCIAL TEÓRICO METODOLÓGICO
Escolheu-se a análise institucional (AI) como método de pesquisa porque "a
análise institucional sempre busca, atrás da unidade, as divisões,
desigualdades e, até opressões que as referenciam. A astúcia do dominante foi
sempre, na história, ensinar ao dominado a unidade com ele. O paradoxo da
libertação está na necessidade do dominado se unir com os que, numa certa área,
os dominam. A dialética está na união e na luta contra os próprios aliados"(5).
Descrevemos conceitos da AI, socioanálise, tendência Lourau/Lapassad que
orientaram a interpretação e discussão dos dados produzidos: 1) A organização é
entendida como sendo formas materiais que compreendem desde um grande complexo
organizacional(4), como a FMS, até hospitais, unidades básicas de saúde e
setores do nível central componentes da estrutura da Fundação. Tais formas
efetivam, concretizam as instituições pois, elas "não teriam vida, realidade
social se não fossem as organizações, assim como as organizações não teriam
sentido, objetivo, se não fossem formadas pelas instituições"(4); 2)
Instituição, é um conjunto de formas e estruturas sociais instituídas pela lei
e pelo costume, "a instituição regula nossas relações, preexiste e se impõe a
nós, ela se inscreve na permanência. Cada instituição é dotada de uma
finalidade que a identifica e a distingue, e as funções que lhe são atribuídas
se ordenam"(6).Nesta pesquisa, a instituição é vista como a possibilidade de
transformação, de mudança no exercício profissional quanto à liderança do
enfermeiro na área da saúde.
A instituição(7)é teorizada como um conceito semântico e como um processo com
três momentos: o instituído, o instituinte e a instituciona-lização. Nesta
pesquisa, entende-se como sendo o momento instituído o que foi criado no
imaginário social o fato de aos enfermeiros, considerando a Lei do Exercício
Profissional de 1986, ser cargo privativo destes a direção de serviços de
enfermagem, e a direção de serviços de saúde ser historicamente cargo privativo
do médico. Considera-se instituinte o novo, o que foi criado o momento em que o
enfermeiro passa a dirigir serviços de saúde, atendendo a uma nova demanda no
mercado de trabalho em saúde, onde a competência técnico-administrativa do
enfermeiro é reconhecida e valorizada pelos gestores municipais de saúde,
levando este profissional a assumir cargos de alta administração dentro da
Fundação Municipal de Saúde.
A institucionalização, ou seja, o momento onde o instituinte muda, e se
transforma em um novo instituído. É o momento que o enfermeiro assume cargos de
gerentes de saúde após a implantação da FMS no município de Niterói, em 1990.
Os enfermeiros deixam de ser instituintes e passam a ser um novo instituído,
gerando e estabelecendo novas relações com seus pares e outros profissionais.
Essas concepções possibilitam um estudo sobre as relações estabelecidas pelos
enfermeiros e sua inserção na FMS sob o ponto de vista da análise
institucional.
2.1 O Campo de Análise e os Agentes da Pesquisa
O Campo Institucional de socioanálise foi a FMS, delimitado-se como unidades de
análise os cargos administrativos ocupados por enfermeiros em nível central e
nas unidades e setores vinculados à Vice-Presidência de Atenção Hospitalar e de
Emergência (VIPAHE) e à VicePresidência de Atenção Coletiva, Ambulatorial e de
Família (VIPACAF). Os agentes da análise foram 10 enfermeiros ocupantes desses
cargos e o responsável pela gestão de saúde do município, o Presidente da FMS à
época, no período de 1999 a 2000. Ressalte-se que os agentes/sujeitos da
pesquisa assinaram Termo de Compromisso Livre e esclarecido para dela
participar, concordarem com seus objetivos e em serem nomeados no Relatório de
Pesquisa.
2.2 Instrumentos de Análise
Se a AI visa produzir uma nova relação com o saber, uma consciência do nãosaber
que determina nossa ação, aqui se propõe a ser um instrumento de reflexão e
discussão de uma práxis gerencial do enfermeiro, utilizando como instrumentos
de análise a transversalidade e a implicação institucional no nível das
implicações sintagmática e paradigmática para discutir os dados obtidos. Na
transversalidade, foram estudados os grupamentos definidos pelo lugar que
ocupam na divisão do trabalho e por conseguinte nas hierarquias de poder.Esses
grupamentos eram formados por enfermeiros que passaram a ocupar cargos
administrativos de alto escalão no nível central e nas unidades da FMS. A
transversalidade pode definir-se como fundamento da ação instituinte do grupo
de enfermeiros em questão, na medida em que toda ação coletiva exige uma
perspectiva dialética da autonomia do grupo e dos limites objetivos dessa
autonomia.
A implicação institucional, foi utilizada para estudar relações existentes,
conscientemente ou não, entre o agente e o sistema institucional. Ou seja, é o
conjunto de relações estabelecidas, conscientes ou não, pelos enfermeiros
ocupantes de cargos administrativos e o sistema institucional. Já a Implicação
Sintagmática é imediata e adequada à prática dos grupos. São relações
interpessoais nos grupos independentes do seu tamanho ou tempo de
sobrevivência. Visa o imaginário. Valoriza a lei do grupo, o consenso, a recusa
imaginária a toda obediência(9).
A Implicação Paradigmática é mediatizada pelos saber e não saber sobre o que é
e o que não é possível pensar. É o momento do real. É a seriedade do grupo, o
reino da necessidade. Nessa implicação supõem-se uma referência e uma
reverência relacionadas aos códigos e regulamentos, preconceitos estabelecidos
e sua prática social(8).
2.3 O Dispositivo e a Estratégia para Produção dos Dados
O dispositivo é o artifício produtor de inovações que geram conhecimentos. Como
dispositivo nesta pesquisa, realizou-se a Entrevista Guiada, portanto não
estruturada, onde os entrevistados puderam descrever a sua experiência pessoal
e profissional a respeito do tema em estudo. A estratégia pode ser definida
como sendo as decisões tomadas pelo entrevistador quanto à forma de
intervenções, à sistematização das metas a serem alcançadas, à previsão de
alternativas, aos avanços esperados, aos possíveis retrocessos na entrevista
(8); na pesquisa em questão foi necessária a introdução de outras perguntas
para um maior esclarecimento das questões levantadas pelos entrevistados,
principalmente no que se refere às relações que eles estabelecem com a
organização e ao tipo de influência que eles exercem na tomada de decisão em
saúde.
Num primeiro momento, foi explicado ao entrevistado os objetivos da pesquisa e
solicitado autorização para realização da gravação e autorização para
utilização dos dados coletados, bem como a sua identificação e/ou de seu cargo.
Logo após realizou-se a entrevista propriamente dita. Utilizou-se
concomitantemente a técnica de observação para percepção das reações do
entrevistado nos vários momentos da entrevista, que foram anotadas em um diário
de campo.
Como a FMS/ Niterói (NIT) - não possui um Comitê de Ética em Pesquisa, foi
encaminhada à Presidência da mesma uma solicitação de autorização para
desenvolver a pesquisa e utilizar o nome da instituição no estudo, seguindo as
orientações da Resolução 196/96. O Presidente da FMS a época autorizou a
realização da pesquisa na organização.
Na abordagem dos conceitos das bases estruturais da instituição considerou-se
as três estruturas delimitadas por Lourau, a partir dos estudos de Freud sobre
as multidões convencionais(8), que são: a) estrutura libidinal - ilusão da
presença de um chefe que ama com o mesmo amor todos os membros da multidão,
assegurando ao mesmo tempo o prestígio dos condutores carismáticos e
identificação dos indivíduos entre si. Na base libidinal, encontramos as
diferentes versões de relacionamentos entre os gerentes enfermeiros, a equipe
multiprofissional e a organização; b) ideológica - tem por missão contribuir
para a coesão do conjunto, a fim de vencer a não-homogeneidade. Esta base diz
respeito à missão, à razão de ser da instituição. É o que se acredita como fim
e objetivos dos serviços de saúde. O gerente deve manter o grupo coeso em torno
dos princípios e valores da instituição saúde para convencer o grupo para o
alcance da missão; c) organizacional - coatora e diferenciada que permite
controlar a entrada e a saída, a filiação e a expulsão. Aqui encontramos os
meios (os recursos materiais, disponibilidade de pessoal), as normas e os
regulamentos vigentes para alcance dos objetivos da instituição, no caso a
liderança em saúde. É o momento real na inserção do enfermeiro na Fundação
Municipal de Saúde. Apesar de trazer uma divisão acadêmica dessas bases, o
limiar que as separa é muito tênue. Na verdade, elas confluem.
À luz dos conceitos da Teoria da Análise Institucional, apresentamos e
analisamos as falas dos enfermeiros- gerentes nas categorias: O Desafio de Ser
Gerente de Saúde; O Desafio de Ser Líder; e O Desafio da Tomada de Decisão.
3. CONHECIMENTOS PRODUZIDOS SOBRE A LIDERANÇA DO ENFERMEIRO
Esperamos que os conhecimentos construídos contribuam para novas reflexões e
pesquisas em torno de questões relacionadas à gerência e à liderança do
enfermeiro no Sistema de Saúde, ou seja, as questões referentes ao fazer uma
enfermagem contemporânea.
Para conhecer e compreender o objeto de estudo desta pesquisa e alcançar os
objetivos propostos é que se definiu a aplicação dos instrumentos de Análise
Institucional correlacionado as bases estruturais das instituições defendidas
por Lourau(7). Assim, para responder as indagações e demonstrar objetivos,
descrevemos os novos conhecimentos produzidos nesta pesquisa.
A instituição não é uma coisa que pode ser vista, descrita, e sim produzida,
como um conceito que permite a compreensão do que se passa dentro de uma
organização, como é o caso desta pesquisa. Aqui a instituição é vista como a
possibilidade de transformação pelo enfermeiro, de um poder-saber anteriormente
instituído, somente delegado ao profissional médico ao exercer a liderança na
gerência de serviços de saúde. Logo, o que se considera como o instituinte
dentro desta instituição é o fato de os enfermeiros exercerem esta mesma
liderança, o ato institucional do poder.
Quanto à categoriaO DESAFIO DE SER GERENTEdestacam-se os fatores que
influenciaram na indicação de enfermeiros para cargos de alta administração na
FMS. A valorização da formação em saúde pública para os gerentes de saúde teve
início no governo de Moreira Franco (1976 - 1982), com o então Secretário de
Saúde, Hugo Tomasine. Nesse período, o enfermeiro com o saber administrativo e
assistencial de saúde pública dava suporte administrativo aos chefes médicos,
que eram nomeados como diretores de unidade, estando inserido no grupo
objetoreproduzindo o modelo biomédico instituído. Ao enfermeiro não era
permitido ser gerente de saúde, e sim, no máximo, gerente de enfermagem, pois
interessava, naquele momento, o conhecimento administrativo e assistencial do
enfermeiro para que o "fazer" médico fosse soberano, mesmo que este não
possuísse competência administrativa.
No período entre 1983 a 1988, no governo do prefeito Waldenir Bragança, os
enfermeiros permanecem na posição de "coadjuvantes" na gerência médica. O
enfermeiro estabelece uma relação de compromisso e fidelidade com a missão da
organização, mantendo, assim, uma implicação institucional(7), apesar de
permanecer por tanto tempo inserido no grupo objeto.
Foi a partir de 1989, no primeiro mandato de prefeito Jorge Roberto Silveira,
que o médico Gilson Cantarino O' Doywer, então Secretário de Saúde (até 1998),
começou a indicar enfermeiros para o cargo de diretor de unidades básicas e
para cargos considerados chaves na administração da FMS. Ele estimulou a
qualificação profissional, sendo o primeiro gestor de saúde do município a se
interessar, ou melhor, a ter a visão de que o saber administrativo e técnico do
enfermeiro poderia ser usado não mais só como "auxiliar" da gerência do médico,
mas também gerenciar os serviços de saúde.
A análise do "corpus teórico" desta pesquisa, construída a partir do discurso
oral dos agentes desta socioanálise, leva-nos aos seguintes conhecimentos:
- Colocar o enfermeiro na posição de gerente foi estratégico e político, na
medida em que a maior parte das ações de saúde é desenvolvida pela enfermagem.
Reflete-se, portanto, que, nesse caso, os próprios médicos passam a se dedicar
mais a seus consultórios por ser "mais vantajoso" financeiramente, para eles e
não para os clientes. Desse modo, eles não correm o risco de gerar conflitos
com os colegas que por eles seriam gerenciados nos serviços de saúde, visando o
atendimento em prol da clientela, conforme preconiza o SUS.
O Secretário de Saúde, e Presidente da FMS, na época da pesquisa, o professor
Agnaldo Lessa Zagner (1999 - 2001), deixa claro que, entre os fatores que
levaram à indicação do enfermeiro para a gerência de serviços de saúde, os mais
relevantes são: a formação gerencial, o desejo dos enfermeiros em ocupar esses
cargos, o perfil gerencial vinculado à missão, a razão de ser da profissão
enfermagem, e o perfil de um profissional dedicado, compromissado, organizado,
e que possui experiência em gerência de serviços de enfermagem.
- O gerente-enfermeiro, apesar de agora estar inserido no grupo sujeito,
apresenta uma transversalidade em suas ações na medida em que a sua autonomia é
determinada, firmando uma implicação paradigmática(7) ao referenciar as normas
instituídas pela organização, constituindo a base estrutural organizacional da
instituição da liderança(8).
- A inserção do enfermeiro na FMS - Niterói como gerente de saúde também
encontra-se caracterizada nas bases libidinal e ideológica(8) da instituição
liderança, pois este profissional, ao ter o desejo de ocupar cargos de alta
administração, idealiza um perfil narcisista, onde ele tem que ser perfeito
para ser bom e valorizado em seu trabalho, suas características pessoais e
profissionais são ressaltadas e o compromisso com a missão da organização são
notadamente marcantes.
- Entretanto, há uma negação, por parte dos enfermeiros, da política como um
movimento que permeia todas as áreas. Isto pode ser devido a uma lacuna em sua
formação quanto ao saber sobre política. Dessa forma, como num círculo vicioso,
ele não saber atuar politicamente, inclusive defendendo seus direitos e deveres
de cidadão e promovendo os de sua clientela. A falta de consciência política
por parte dos enfermeiros também interessa, pois pode ser interpretada como um
sinal de concordância com as decisões do grupo dominante, em questões de saúde
e, inclusive, sobre sua gerência.
Na categoria O DESAFIO DE SER LÍDER, importa ressaltar:
As relações estabelecidas pelo enfermeiro ao ocupar cargos de alta
administração, apresentando-se os conhecimentos:
- Ao ser indicado para o cargo de gerente de saúde, o enfermeiro coloca-se como
um novo instituído(5), que tem um poder baseado em uma relação de forças, onde
ele reproduz, conscientemente ou não, relações de poder instituídas, relações
de saber e não saber com o trabalho desenvolvido no cargo.
Os enfermeiros-gerentes atravessam o momento da trans-versalidade(5) da
instituição da liderança, tendo clareza do lugar que ocupam nas hierarquias de
poder.Mantém relações apaziguadoras satisfazendo, assim, uma ordem de
estabilidade.
- As relações evidenciadas durante a pesquisa foram: relações com o trabalho
desenvolvido, relações profissionais e pessoais, relações com a organização.
A relação que o gerente-enfermeiro estabelece com o trabalho desenvolvido é uma
relação de peso, pois, enquanto grupo sujeito(5), tem que estar em harmonia com
a organização, há uma implicação paradigmática(7) que dita o que é possível ou
não pensar e sentir quando se é líder de uma equipe multiprofissional. O fato
de o enfermeiro estar ocupando cargos de alta administração é uma coisa nova,
fazendo com que ele se sinta inseguro quanto à sua permanência no cargo.
Destaca-se no grupo uma contradição entre competência política e competência
técnica e administrativa para estar nesse lugar. O que leva os agentes a uma
ambigüidade quanto à sua indicação para o cargo ser política partidária. O
enfermeiro tem o desejo de assumir e/ou de permanecer no cargo por acreditar
que pode contribuir para a melhoria da saúde e também pelo dispositivo dinheiro
(5), base de sua sobrevivência econômica e social. Esta relação está calcada
nas bases estruturais ideológica e libidinal, pois a base organizacional da
instituição(8) da liderança não lhe dá segurança.
- As relações profissionais e pessoais são caracterizadas pelas três bases
estruturais da instituição da liderança: a organizacional,onde os gerentes
procuram pessoas que se adaptam bem ao sistema e ao grupo, concentrando-se na
produção mediante o exercício do poder e da autoridade; alibidinal,o líder tem
a preocupação de promover sentimentos bons,aceitação entre colegas e
subordinados; e aideológica,visto que o líder é responsável por manter a coesão
do grupo(8). Delimita-se nessas relações uma implicação sintagmática, pois o
gerente visa manter o consenso do grupo, assim como necessita da aceitação do
mesmo para que se efetive a liderança.
Ainda dentro desta relação, o enfermeiro também estabelece uma relação com a
família influenciada pelo analisador dinheiro que permite uma "aceitação", uma
"tolerância" maior por depender do cargo para sua estabilidade financeira.
- As enfermeiras que ocupam esses cargos desenvolvem uma relação onde o poder e
saber masculino são reproduzidos como "um modelo a ser seguido" para se
firmarem na sociedade, na profissão e no cargo. Mais uma vez o enfermeiro
repete as práticas instituídas, configurando uma transversalidade ao tentar
sair do grupo objeto e se inserir no grupo sujeito.
A relação que o enfermeiro-gerente estabelece com a organização, Fundação
Municipal de Saúde de Niterói é uma relação na qual são construídos
dispositivos para manter a relação harmoniosa que visa, talvez, no seu
imaginário, facilitar a incorporação dos códigos e regulamentos da organização
por seus subordinados, configurando a base organizacional da instituição da
liderança para manter o grupo coeso em relação à missão da Instituição Saúde.
Ainda nesta relação, o enfermeiro, ao institucionalizar(8) os cargos passando a
considerá-los personalizados, conta com estas pessoas-cargo para o exercício da
liderança, através das bases que a sustenta. A base organizacional da liderança
reforça a sua implicação institucional.
A categoria O DESAFIO DA TOMADA DE DECISÃO procura evidenciar a contribuição da
liderança do enfermeiro no processo decisório em saúde, onde destacam-se:
- O próprio grupo de enfermeiros-gerentes produz os lugares de poder e as suas
formas de reprodução. Os agentes da pesquisa tomam suas relações como se fossem
dadas e não produzidas através de suas ações.
- A tomada de decisão está relacionada à resolutividade que é dada às questões
de saúde. O saber do cliente para tomar decisões sobre as suas necessidades de
cuidado é deixado de lado, muitas vezes o enfermeiro assume sozinho a
responsabilidade por melhorar o nível de saúde da população, o que é perigoso,
pois ele faz parte da equipe multiprofissional, não é a própria equipe
multiprofissional.
- Tomar decisões para os enfermeiros significa estar planejando para um bom
resultado, é apagar incêndio, o que é uma contradição, pois, se apaga incêndio,
ele não planeja. Neste caso, é resolver ou tentar resolver um problema criado
pelos médicos com seu descompromisso junto ao cliente para evitar que sua
gerência fique, no mínimo, abalada.
- A gerência do enfermeiro é caracterizada por uma implicação paradigmática(8),
onde ele aceita os códigos e regulamentos instituídos por uma prática social
corporativista, e pela implicação sintagmática, por encontrar uma resistência
por parte dos interesses instituídos, dos acomodados ou mesmo dos que têm medo
de uma transformação social, visto que há uma recusa imaginária a uma nova
prática. E é caracterizada pela implicação institucional, pois, ao ocupar um
cargo, em certo momento, uma decisão ou informação tem que ser tomada ou
fornecida para que fundamente as decisões de uma autoridade superior a ele
hierarquicamente.
O gerente insere-se na base ideológica da liderança orientando-se para uma
melhor compreensão da missão da organização, para que, com clareza, possa
reunir o grupo em torno dos objetivos da instituição de saúde.
É na base estrutural libidinal da instituição(8) da liderança que o enfermeiro,
gerente de saúde utiliza um jogo de afetividades para uma maior integração do
grupo, buscando o consenso e o apoio do grupo nas decisões a serem tomadas por
ele.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O enfermeiro, quando gerente de saúde, ocupando altos cargos administrativos,
se afasta do caminho da profissão enfermagem, fato que foi constatado em seu
discurso, onde algumas vezes aparece a preocupação com o cliente, mas quase
nunca com a enfermagem. Isto nos faz refletir na possibilidade do surgimento de
um novo profissional, o ADMINISTRADOR DE SAÚDE, o qual teria como formação
básica a área de conhecimento enfermagem.
Quando analisamos a atuação do enfermeiro gerenciando serviços, seja dentro dos
hospitais ou em unidades básicas, o seu discurso está mais próximo do saber de
enfermagem e do cliente, até porque ele não está sozinho. Nesse caso, o
enfermeiro sempre divide com o médico a chefia de serviços assistenciais,
principalmente nos hospitais, onde existem sempre chefias de enfermagem e
médica.
A liderança é uma função gerencial e a eficácia da gerência depende em parte do
exercício efetivo da liderança. O sucesso gerencial do enfermeiro sofre a
influência da base organizacional da instituição da liderança que consiste na
utilização do conhecimento, por parte do gerente do contexto organizacional, o
que possibilita a identificação dos recursos disponíveis a serem utilizados na
consecução do ideal comum.
Organizar o trabalho de outros profissionais e assumir, de fato, o papel de
líder no sistema de saúde são os DESAFIOS a enfrentarna gerência de saúde. Há
de se ter, uma visão revolucionária que por parte das instituições formadoras
no sentido de estar preparando acadêmicos e enfermeiros para um mercado que
cada vez mais solicita profissionais qualificados a exercerem a liderança na
gerência de saúde.
É fato, a enfermagem está ocupando cargos de destaque no município de Niterói:
os enfermeiros estão participando na tomada de decisão em saúde; quanto ao
financiamento para o município, através do envio dos dados de notificação, da
programação de atividades que levem ao alcance das metas estabelecidas pelo
governo federal e estadual; avaliando indicadores operacionais dos programas de
saúde; e atuando como um articulador das questões de saúde. Não devemos nos
enganar pois, esta valorização do saber gerencial do enfermeiro não se deu por
acaso. Havia um interesse político naquele momento em se ter profissionais que
agrupassem o saber teórico-prático e a disponibilidade para estarem presentes
nos serviços, ou seja, o enfermeiro possui a qualificação, necessita ter um
espaço para mostrar a sua competência e não tem o consultório particular para
disponibilizar um status financeiro. De qualquer forma consideramos um grande
passo dado pela enfermagem enquanto profissão pois esta vem demonstrando estar
transformando a prática social de um grupo.