A percepção dos formandos a respeito dos instrumentos básicos de enfermagem e
sua aplicabilidade
PESQUISA
A percepção dos formandos a respeito dos instrumentos básicos de enfermagem e
sua aplicabilidade
The senior students perception about basic nursing tools and their
applicability
La percepción de los estudiantes del ultimo curso con respecto a los
instrumentos basicos de enfermería y sú aplicabilidad
Anesilda Alves de Almeida RibeiroI; Miriam Süsskind BorensteinII
IEnfermeira. Mestre em Enfermagem. Membro da diretoria da ABEn-Regional Itajubá
(MG)/Gestão 2004-2007. aneribe@unifei.edu.br
IIEnfermeira. Doutora em Filosofia da Enfermagem. Professora Adjunto do
Departamento de Enfermagem da UFSC
1. O TEMA EM EVIDÊNCIA
A enfermagem ao longo de sua história, vem construindo um corpo de saber/
conhecimento instrumentalizando a enfermeira para desenvolver o processo de
cuidar com autonomia, responsabilidade e ética. As técnicas de enfermagem, os
princípios científicos, as teorias de enfermagem e os Instrumentos Básicos de
Enfermagem - IBE (observação, planejamento, método científico, princípio
científico, comunicação, trabalho em equipe, destreza manual, criatividade,
avaliação e utilização dos recursos da comunidade) são compreendidas, a partir
de alguns autores(1,2), como expressões do saber/conhecimento profissional.
Durante o curso de graduação, o aluno de enfermagem, através de inúmeras
experiências tanto no campo teórico, quanto no estágio teórico prático, é
capacitado para o exercício profissional legítimo. Entretanto é comum que o
novo profissional ao adentrar ao mercado de trabalho, encontre algumas
dificuldades para aplicar seus saberes/conhecimentos, principalmente os IBE
(3,4).
Considerando-se que os IBE são ferramentas importantes para a prática
profissional(5), realizou-se este estudo com a finalidade de identificar
questões relevantes sobre a constituição, os conflitos e as possibilidades
relacionadas à aplicação dos mesmos. Percebendo-se que a inaplicabilidade dos
saberes/conhecimentos da enfermagem deve-se, em parte, a ausência do exercício
de reflexão teórica durante a fase de formação(4), realizou-se este estudo com
um grupo de alunos da última fase (formandos) de um Curso de Graduação em
Enfermagem do Sul de Minas Gerais. O estudo pautou-se pelo seguinte objetivo:
conhecer a percepção de formandos de uma escola de graduação em enfermagem
sobre os IBE e sua aplicabilidade no cotidiano da prática profissional.
2. A METODOLOGIA
Trata-se de um estudo qualitativo do tipo exploratório descritivo(6). O estudo
desenvolveu-se na Escola de Enfermagem Wenceslau Braz (EEWB), na cidade de
Itajubá/MG, e contou com dezesseis participantes. Os princípios éticos
referentes à Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde foram respeitados,
uma vez que todos os participantes foram orientados quanto ao consentimento
livre e esclarecido e a possibilidade de desistir em qualquer fase do processo.
O estudo obteve a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da referida escola.
Mediante a estratégia do trabalho em grupo e da técnica de reflexão/círculo de
estudos realizou-se dois encontros, totalizando seis horas de atividades. Os
participantes, através do Método do Arco da Proble-matização(7), observaram a
realidade profissional; levantaram os problemas frente a dicotomia entre teoria
e prática; elegeram os pontos-chave para a teorização; fizeram uma reflexão
coletiva buscando compreender os fatores que obstaculizam a aplicação cotidiana
dos IBE e apontaram hipóteses de solução para a superação/transformação desta
realidade. Os dados foram registrados através de: diário de campo, fotografias,
gravação em fita cassete, cartazes e instrumento escrito de avaliação. A
análise dos dados, a partir do pensamento de alguns pesquisadores(1,2,5),
apontou duas categorias: 1) revelando os conflitos entre teoria e prática: as
dificuldades de implementação dos IBE; 2) vislumbrando possibilidades de
superação/transformação.
3. RESULTADOS
3.1 Revelando os conflitos entre teoria e prática: as dificuldades de
implementação dos IBE
Analisando os discursos dos participantes, percebe-se que estes têm consciência
da importância dos IBE enquanto ferramentas básicas necessárias à assistência
de enfermagem com qualidade. Seus discursos mostram, entretanto, que no
cotidiano de trabalho este saber/conhecimento é pouco utilizado pelos alunos e
enfermeiras assistenciais, o que tem prejudicado a todos os envolvidos no
processo assistir/cuidar.
"Na minha prática acadêmica procuro utilizar os IBE, visando uma
melhor assistência ao cliente, porém vejo que muitos profissionais
não os aplicam no campo de trabalho. Os que aplicam, apresentam um
pouco de falha"(Eva). "A gente acha que a teoria é diferente da
prática, porque é isso que a gente vê. Aqui na escola a gente aprende
uma coisa e lá na prática é outra. Os funcionários dizem que nós
temos a teoria e eles têm a prática" (Margô).
Na ótica dos participantes, existem vários fatores que contribuem para a
continuidade da dicotomia entre teoria e prática, os quais serão abordados a
seguir.
3.1.1 Modelo de ensino
Num primeiro olhar, os participantes percebem o modelo de ensino como um dos
geradores da dicotomia entre teoria e prática, pois a prática encontra-se
instituída de uma forma que muitas vezes não favorece o seguimento de algo
iniciado durante o curso de graduação. O modelo de ensino tradicional facilita
a continuidade deste problema quando não mostra ao aluno as possibilidades e
ferramentas que a equipe de enfermagem tem à disposição para romper/mudar à
realidade da prática profissional.
"Na nossa realidade, o que a gente aprende durante as aulas, a gente
esquece tudo. Quer dizer, a gente tem quatro anos de estudo para
aprender, mas acaba desaprendendo" (Sara).
" A teoria sobre os instrumentos de enfermagem foi bem passada pelos
professores. Nós tivemos várias aulas, cada uma sobre um instrumento.
Depois, nós fomos para o Hospital para exercitar. Só que essas coisas
foram ensinadas tudo em bloco, a gente aprendeu cada instrumento
separado e acabou, nunca mais foi cobrado. Não foi preciso mais
recordar, revisar esse conteúdo"(Pedro).
Os participantes reconhecem o esforço realizado pelo corpo docente para que os
alunos tenham acesso ao conhecimento teórico dos IBE. Todavia, percebem que as
estratégias de ensino-aprendizagem adotadas não deixam claro as dimensões e a
importância da aplicação dos IBE para toda a vida profissional. Em relação a
esse aspecto, Geovanini et al(8) afirmam que os instrumentos pedagógicos
utilizados pelo ensino tradicional não estão atendendo a demanda de
conhecimento vinda dos alunos.
3.1.2 Modelo de assistência
Para os participantes, o modelo de assistência é outro agravante da dicotomia
entre teoria e prática. Acreditam que isto ocorre, em partes, devido à equipe
de enfermagem viver mergulhada numa diversidade de atividades repletas de
rotinas e normas que fazem parte da complexa rede que é o seu cenário
profissional.
" Realmente é muito diferente a gente ver o que aprendeu na teoria
sendo aplicado na prática. Na prática quase nenhum dos instrumentos é
usado, porque as enfermeiras fazem tudo diferente do que a gente
aprendeu" (Lilica).
"Uma pessoa que não entende sobre a rotina do hospital, sobre o dia-
a-dia da enfermeira, chega numa Unidade e escuta no interfone:
'enfermeira responsável pela clínica tal, comparecer' então essa
pessoa vai pensar que a enfermeira não trabalha. Na verdade, ela está
trabalhando em outra clínica também. Então, é muito difícil para ela
aplicar os IBE" (Pedro).
Autores como Svaldi e Lunardi Filho(9) assinalam que a enfermagem
contemporânea, por estar imersa em um modelo tradicional de gerenciamento, vem
cotidianamente realizando as mesmas rotinas e sofrendo e suportando as
condições precárias do mundo do trabalho. Outros(8) afirmam que o modelo
curativo de assistência, o biomédico, sobrecarrega a enfermeira com atividades
assistenciais e administrativas/gerenciais. Isto a tem conduzido ao desgaste
físico e emocional, à falta de oportunidade e tempo para realizar as ações de
cuidado e avaliar os resultados.
3.1.3 Condições de trabalho
Na ótica dos participantes, os alunos aplicam pouco os IBE devido, em parte, às
condições estruturais inadequadas dos campos de estágio teórico-prático, dentre
as quais a falta de recursos humanos e materiais.
"Os hospitais de Itajubá, geralmente têm um número reduzido de
funcionários. A enfermeira tem que trabalhar, às vezes, em dois
empregos pra tentar suprir suas necessidades. Com isso a gente vê
quantidade de serviço e não qualidade. Isto sobrecarrega a
enfermeira, mas não justifica o fato dela não usar esses instrumentos
no cuidado com o cliente" (Paulo).
As condições estruturais das instituições de saúde constituem uma preocupação
antiga da enfermagem. A precursora da enfermagem moderna(10), já no século XIX,
afirmava que "condições sanitárias e de arquitetura deficientes e a organização
administrativa falha, muitas vezes tornam a prática da enfermagem impossível".
Apesar do tempo passado, este problema continua interferindo no saber-fazer da
enfermagem até os dias atuais.
Os participantes inferem que, por vezes, a filosofia das instituições
hospitalares, ao primar pelo gerenciamento rotineiro, autoritário e a redução
de gastos, prejudicam a qualidade da assistência de enfer-magem, o que está
incoerente, em desacordo com as propostas da Lei do Exercício Profissional(11).
Corroborando, Ciancirullo et al(12) afirmam que ao primar pelo lucro e a
minimização de gastos financeiros as instituições de saúde estão na contramão
do pensamento humanista adotado pela enfermagem. Outros(8) colocam que a
exploração da força de trabalho, através dos baixos salários e das condições
adversas, a que os profissionais estão sujeitos, contribuem para a baixa
qualidade do cuidado.
3.1.4 Hegemonia do saber médico
Os participantes apontam a hegemonia do saber médico como outro obstáculo para
a aplicação dos IBE e formação do futuro profissional. Afirmam que alguns
médicos são contrários às mudanças nos rituais de cuidado, o que limita a
autonomia da enfermagem e impede o aluno de aplicar os conhecimentos
desenvolvidos e adquiridos na escola. Alegam que, por mais que tentem dialogar
com estes profissionais, se sentem impedidos de realizarem um cuidado conforme
acreditam, de melhor qualidade.
"Os médicos não gostam e não valorizam o trabalho dos alunos de
enfermagem. Se a gente fala que determinado cuidado dá mais bem
resultado, eles não confiam, e exigem que a gente faça conforme o
padrão que eles seguem. Isto atrapalha o serviço da enfermagem"
(Sara).
A literatura(8) aponta que o saber médico dominou o ambiente hospitalar a
partir do século XVIII, o que justifica o fato desta categoria sentir-se
ameaçada, quando a enfermagem reivindica o espaço do cuidado, neste ambiente,
em razão do saber/conhecimento profissional que vem desenvolvendo. No
enfrentamento destes saberes, a classe médica age de forma autoritária na
tentativa de anular o saber da enfermagem.
3.1.5 Distorção do papel profissional
Um dos fatores mais graves da dicotomia entre teoria e prática, segundo os
participantes, é o conflito no desempenho do papel profissional. Em relação a
este item, enfatizam a existência de um excesso de delegação de ações e
responsabilidades feitas pela enfermeira aos demais membros da equipe. Pontuam
que certas atividades podem ser delegadas, desde que previstas na Lei do
Exercício Profissional(11).
" A enfermeira perdeu um pouco a ação, a liderança e credibilidade. A
gente vê que algumas preferem arrumar bandejas e gavetas a observar o
cliente, planejar e prescrever os cuidados"(Noêmi).
"Tem enfermeira que chega para o Auxiliar e pede para ele fazer a
admissão do cliente e o exame físico. Enquanto isso, ela vai ao
laboratório levar algum pedido de exame. Eu vejo que as enfermeiras
têm sérias responsabilidades, mas em vez de fazerem o seu trabalho
está transferindo suas funções e responsabilidades"(Pedro).
Os discursos evidenciam que, em certas ocasiões, a enfermeira omite-se do
exercício de seu papel, desconsiderando as incumbências que lhes são
privativas, dentre as quais a execução de certos cuidados e o planejamento da
assistência de enfermagem. Para Rosen(13), o "problema de definição de papel",
entre os membros da equipe de enfermagem, é uma questão histórica e tem sua
raiz no nascimento da enfermagem moderna quando da divisão social de seu
trabalho, em cuidadoras ( nurses) e educadoras ( lady-nurses).
Para os participantes, a falta de conhecimento do Código de Ética(14) e da Lei
do Exercício Profissional(11) tem reflexos diretos nas atitudes assumidas pela
enfermeira em suas ações cotidianas, e ainda torna seu fazer pouco visível.
Reforçam que às vezes o cliente não sabe quem é a enfermeira do setor, pois o
que observam é a "invisibilidade" desta profissional(15). Diante desta
distorção de papel, os participantes têm dificuldades para compreender o que é
Ser-Enfermagem e Ser-enfermeira e se incorporam, diante da dualidade ideal/
real, a imagem idealizada ou a visualizada na prática.
" O cliente nunca sabe quem é a enfermeira, o técnico e o auxiliar.
Eles chamam todo mundo de enfermeira, porque não tem uma
diferenciação"(Rute). " Algumas enfermeiras não entendem bem o seu
papel"(Paulo).
Outro aspecto evidenciado, pelos participantes, é a ênfase dada pelas
enfermeiras às dimensões assistencial e administrativa em detrimento da
dimensão didática/educativa e de pesquisa. Esta ênfase tende a negar o papel
educador e a dimensão educativa da identidade profissional. Segundo Gastaldo e
Meyer(16), o atrelamento às dimensões gerenciais afastou a enfermeira do
planejamento do cuidado e da dimensão educativa e de pesquisa, o que tem
dificultado a produção de novos conhecimentos e o desenvolvimento da profissão.
Para os participantes outro elemento que interfere na dicotomia entre teoria e
prática é a mística/cultura do silêncio, que abarca o exercício profissional.
Silêncios que impossibilitam ao aluno de fazer críticas e reflexões sobre o
cotidiano da prática.
" A gente está estudando e quando 'vê uma coisa errada' se for falar
acaba perdendo o campo de estágio. Então, a gente guarda e deixa para
mudar quando estivermos atuando como profissionais" (Paulo).
Padilha(17) afirma que alguns dos significados do silêncio são: a omissão
(submissão) e a obediência. Elas são características da identidade profissional
e da imagem social da enfermagem.
3.1.6 Padrão limitado de autonomia nas instituições hospitalares
Os participantes revelam ter mais dificuldades para implementarem os IBE nas
instituições hospitalares devido à vivência de um padrão limitado de autonomia.
Em contraponto à realidade hospitalar, dizem que os IBE são aplicados na saúde
pública de forma mais efetiva e com maior liberdade.
" Nos hospitais, a enfermagem não tem autonomia. Na UBS, a gente tem
mais abertura e autonomia para usar todos os nossos instrumentos"
(Sara).
Analisando a trajetória da enfermagem institucionalizada percebe-se que a
conquista da autonomia apresentou poucos progressos. Para Gastaldo e Meyer(16)
isto se justifica face à conduta dada ao trabalho da equipe de enfermagem, a
partir do cumprimento da prescrição médica, das normas e das rotinas
administrativas. Neste tipo de gestão, alerta as referidas autoras: corre-se o
risco do não reconhecimento da enfermagem como categoria profissional autônoma.
Como exposto, vários são os fatores que obstaculizam a aplicação dos IBE, os
quais contribuem para a continuidade da dicotomia entre teoria e prática. Para
mudar a realidade vigente, os participantes sugerem algumas estratégias.
3.2 Vislumbrando possibilidades de superação/transformação
3.2.1 Conhecimento dos IBE
Os participantes percebem a apreensão, aplicação e transformação cotidiana dos
IBE como um dos caminhos para o crescimento profissional, a superação da
dicotomia entre teoria e prática, o enfrentamento dos conflitos do dia-a-dia, a
conquista de espaços e a melhoria da qualidade do cuidado. Corroborando,
Sampaio e Pellizzetti(18) afirmam que a resolução, eficiente e eficaz, dos
questionamentos da enfermagem clama pelo usufruto dos saberes/conhecimentos
profissionais. Portanto, é preciso dominá-los, o que pode ser adquirido através
de leituras, exaustiva análise crítica e insaturação no uso dos mesmos.
" Sem os saberes da enfermagem, os IBE, a profissão morre. Então eu
acho que nós não devemos deixar de lado os IBE. Nós devemos utilizar
e modificar quando necessário, pois só assim iremos prestar um
cuidado com qualidade" (Sara).
Ressalta-se que a mera aplicação dos IBE só para atender a uma exigência
curricular é grave. Os alunos, docentes e enfermeiras assistenciais precisam
ter consciência da importância desse conhecimento levado à prática, pois
proporcionam uma justificativa para a tomada de decisão, facilitam os
relacionamentos interpessoais e as ações de cuidado. Portanto, este saber
profissional deve estar, imperativamente, vinculado à prática.
3.2.2 Conhecimento da Lei do Exercício Profissional
Os participantes afirmam que sendo a enfermagem uma profissão na qual as
minúcias e os detalhes abarcam seu cotidiano, é preciso que a enfermeira assuma
o seu papel, senão outro profissional o fará. Pois, é nas pequenas perdas do
dia-a-dia que a nossa profissão vai se desfazendo, perdendo sentido e
visibilidade.
" Se a enfermeira não assumir o seu papel, alguém vai ter que ocupar:
o técnico, o auxiliar e até o médico" (Bahianinha).
Para minimizar os problemas relativos ao papel profissional, os participantes
recomendam que a equipe de enfermagem repense e reflita sobre sua realidade.
Acreditam que ao repensar coletivamente a postura profissional, a equipe de
enfermagem poderá melhorar seu desempenho e a imagem que propaga e é percebida
pela sociedade.
" A enfermeira não deve abandonar nunca o seu papel. Quando abandona,
cai numa rotina de fazer um trabalho muito próximo ao do auxiliar ou
técnico. Isto porque desconhece as competências de cada um" (Edna).
Para o enfrentamento e resolução do conflito de papéis, os participantes
sugerem o conhecimento das competências e responsa-bilidades de cada elemento
da equipe definidas pela Lei do Exercício Profissional(11), a revisão dos
conceitos e da filosofia de trabalho. Acreditam que com isto cada membro da
equipe de enfermagem irá desenvolver e revelar à clientela uma postura mais
profissional.
"Não é só a teoria que conta para você praticar a enfermagem. Você
precisa de todo um conjunto de habilidades, vivência, carga e bagagem
para assumir seu papel e ser uma enfermeira por inteiro. Para isso a
gente precisa ter consciência do quê a gente está fazendo, do quê a
gente quer. Pois, se eu quero fazer Enfermagem, eu vou fazer
Enfermagem. Eu não estou ali para desfilar uma roupinha branca e
achar que devo fazer só a evolução do cliente e assinar o prontuário.
Ser enfermeira é mais do que isso" (Sara).
Acredita-se que, para a equipe de enfermagem trabalhar em conformidade com a
Lei do Exercício Profissional(11), seria interessante todos os profissionais
terem às mãos o texto da referida lei e demais documentos que a suplementam,
bem como o Código de Ética(14). Além disso, poderiam promover encontros ou
grupos de discussão, para debaterem amplamente sobre as dúvidas suscitadas no
cotidiano profissional. Estes momentos reflexivos poderiam contribuir para um
desempenho profissional mais consciente, eficiente e seguro.
3.2.3 Comprometimento da enfermeira
Os participantes percebem que o maior potencial de mudança, na enfermagem, é o
próprio profissional, pois é de responsabilidade de cada enfermeira fazer a
diferença no cotidiano da prática. Reconhecem que cada membro da equipe tem
potencial para mudar a realidade, apesar da escassez de tempo e dos demais
fatores que obstaculizam o saber-fazer.
" A enfermeira não deve ficar parada no tempo fazendo do mesmo jeito,
sempre. Nós temos que mudar, fazer diferente senão a enfermagem
retrocede. É nossa responsabilidade. Depende de nós fazermos as
mudanças"(Sara).
Para que haja aderência, disposição e envolvimento dos profissionais de
enfermagem no desenvolvimento dos IBE, ou de qualquer outra atividade de
enfermagem, os participantes percebem a necessidade de estímulo e
sensibilização.
Enquanto aluno, temos que desenvolver bem o trabalho e aplicar esses
instrumentos na prática para mostrar para as enfermeiras que a gente
sabe aplicar. Quem sabe assim a gente consegue despertar nelas o
interesse, à vontade de pegar mesmo para conhecer e aplicar estes
saberes(Ester).
O discurso dos participantes deixa evidente que as mudanças, necessárias na
prática de enfermagem, precisam iniciar-se pelo compro-metimento dos seus
agentes. Para tanto, é preciso que haja a transfor-mação da comodidade em
compromisso, pois "é inaceitável ao ser humano crítico a reprodução do velho
discurso de que "não há o que fazer"(19).
Na cotidianidade, a enfermagem precisa evoluir, aproveitar as oportunidades e
conquistar os espaços de cuidado, usando plenamente os seus saberes/
conhecimentos. É preciso deixar de lado os afazeres domésticos. Para superar/
transformar a realidade vigente é preciso que o profissional esteja apaixonado
pelo saber-fazer diário, que busque o conhecimento, tenha coragem, vontade e
ousadia para romper com o instituído. Ele deve mudar a sua postura de
comodidade para uma postura mais comprometida e profissionalmente responsável,
pois é cômodo aos profissionais permanecerem rigidamente numa posição de defesa
sem nada fazer para a concretude(20)da enfermagem idealizada.
3.2.4 Ênfase no trabalho em equipe
Para os participantes, qualquer mudança na enfermagem depende em primeiro lugar
de um trabalho individual e posteriormente de um coletivo. Do mesmo modo, de um
trabalho colaborativo entre os elementos do ensino e da assistência. Neste
sentido, alguns autores enfatizam que "da ação conjunta das enfermeiras depende
o progresso da profissão"(21), pois o trabalho em equipe favorece o crescimento
individual e coletivo(22). Em grupo, conseguimos avançar, aprofundar
discussões, ampliar conhecimentos e melhor conduzir o processo de evolução da
profissão, de forma a superar as dificuldades e obter maior autonomia.
"Para que a gente tenha autonomia, a enfermeira da unidade precisa
dar as mãos aos alunos porque, a gente deveria ter união com a
enfermeira do setor. Um deve sempre estar ao lado do outro. Nós
alunos o que queremos é aprender com ela e, também, ter a autonomia
que é de direito nosso" (Margô).
A autonomia, dilema antigo e ao mesmo tempo atual, na área de enfermagem, pode
ser conquistada através de um efetivo trabalho em equipe. Desse modo, é preciso
que haja diálogo e interação positiva entre os envolvidos. Salienta-se que os
alunos e docentes precisam unir forças com a equipe de enfermagem que atua nas
instituições hospitalares para que possam, juntos, promover as mudanças
necessárias na prática profissional e conseqüentemente o desenvol-vimento da
profissão. Sendo assim, é imprescindível que haja espírito de equipe e união
entre os diversos seguimentos da profissão.
3.2.5 Adoção de novas estratégias de ensino-aprendizagem
O tom do discurso dos participantes mostra que o ensino de enfermagem, a partir
do uso da estratégia de aula expositiva, não consegue mais responder à
variedade de realidades nas quais a prática de enfermagem ocorre.
"Essa metodologia problematizadora é diferente, quase não a
vivenciamos nesses anos de graduação. É produtiva e fez com que
usássemos nossa 'memória, consciência', pensamentos e crítica do que
estamos fazendo e o quanto podemos fazer para melhorar nosso trabalho
(Raquel).
Os participantes acreditam que o ensino de enfermagem precisa valer-se de
metodologias, técnicas e estratégias inovadoras que contemplem uma reflexão
crítica, o trabalho coletivo e o diálogo horizontal. Assim sendo, o futuro
profissional estará mais bem preparado para enfrentar as dicotomias,
ambigüidades, conflitos, crises e os silêncios do dia-a-dia da prática. Sobre
este aspecto, Gastaldo e Meyer(16)pontuam que: "as escolas de enfermagem só
formarão profissionais realmente aptos a avançar na enfermagem, quando
permitirem que as contradições existentes na profissão aflorem e sejam tratadas
ao longo do processo de formação".
Destaca-se que, na realidade da formação profissional, as questões que
borbulham das observações feitas pelos alunos precisam ser refletidas
coletivamente. Ao encontrarmos contradições, precisamos trazê-las para a
discussão, pois estas questões servem para impulsionar o processo de mudança.
Não se pode 'aplicar gelo' nas inquietações dos alunos, contribuindo para a
continuidade da submissão profissional e da mística/cultura do silêncio. É
preciso colocar 'compressas quentes' e deixar os conflitos e crises explodirem,
para fortalecer os novos profissionais capacitando-os a encontrar saídas para a
superação/transformação da dicotomia entre teoria e prática. Corroborando,
Freire(23) afirma que "a reflexão crítica sobre a prática se torna uma
exigência da relação Teoria/Prática, sem a qual a teoria pode ir virando
blablablá e a prática, ativismo".
3.2.6 Mudanças na filosofia institucional
Considerando que entre as funções e responsabilidades do hospital moderno,
encontram-se a de contribuição com o ensino, com a pesquisa e a formação dos
novos profissionais(13) os participantes percebem e julgam necessárias algumas
mudanças em sua filosofia para melhorar a formação profissional em enfermagem.
"A instituição em si precisa rever suas normas, filosofia porque elas
atrapalham o serviço de enfermagem"(Paulo).
Outros investimentos vistos como pertinentes pelos participantes são a promoção
de encontros e cursos, a criação de Serviços de Apoio Educacional, de Centros/
círculos de Estudos, de Grupos de Discussão e de Núcleos de Pesquisas, com o
objetivo de promover a atualização e qualificação técnica-científica da equipe
de enfermagem e a reflexão crítica sobre o cotidiano da prática.
3.2.7 Melhorias nas condições de trabalho
O discurso dos participantes evidencia que as instituições de saúde,
acolhedoras dos alunos precisam adequar seus campos de estágio para a
otimização do serviço de enfermagem e a aplicação prática dos conteúdos
teóricos adquiridos na escola. Isto requer, de acordo com a demanda de
cuidados, um planejamento e adequação do número de profissionais e a
disponibilização de materiais e equipamentos em boas condições de uso.
"Se lá fora o hospital visa o atendimento integral ao cliente e com
qualidade e para isso tem uma maior quantidade de funcionários então,
aqui a gente precisa ter igual. Assim vamos aplicar os IBE e prestar
uma melhor assistência"(Paulo).
Svaldi e Lunardi Filho(9) sugerem, em relação à mudança estrutural, que a
enfermagem reivindique ambientes mais organizados e adequados para o trabalho.
Ressaltam que as figuras-chave, para tais reivindicações, são as líderes que
assumem também cargos de diretoria/gerência. Afirmam que estas gerentes
precisam perceber-se como elo de ligação entre a equipe de enfermagem e a
direção da instituição de saúde e, por conseguinte, primar pelo desenvolvimento
da profissão e, principalmente, defender os interesses da categoria.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Através da reflexão sobre os IBE e sua aplicabilidade, foram identificadas
algumas das particularidades que conduzem à dicotomia entre teoria e prática. A
realidade desvelada pelos discursos dos participantes mostra a continuidade de
alguns fatores que obstaculizam o saber-fazer da enfermagem e,
conseqüentemente, contribuem para a invisibilidade e desvalorização do seu
trabalho.
A enfermagem está vivenciando, revelam os discursos, um momento favorável a
significativas transformações. Elas serão concretizadas, se as enfermeiras
forem capazes, de compreendidas as barreiras ao crescimento da profissão,
buscarem os meios e estratégias para elevar a enfermagem à posição que lhe é
devida. Ressalta-se que as conquistas na enfermagem devem ser contínuas. E que
o caminho a ser percorrido, rumo a evolução da profissão, se dá pelo aperto de
mãos, união de idéias, desejo dos membros da equipe de defenderem seus ideais e
se perceberem providos de recursos para mudar a realidade vigente.
De acordo com os relatos, se a enfermeira souber incorporar seu espírito
crítico às tecnologias do saber/conhecimento profissional valorizará os
aspectos mais sublimes e nobres da profissão: a vocação para acolher, cuidar e
educar com competência. Adicionalmente, a atualização e qualificação
profissional contribuiriam para a mudança da imagem de submissão, docilidade e
obediência que acompanha a Enfermagem ao longo da história(17,24).
Finalizando, infere-se que as mudanças necessárias para a concretização do
saber-fazer em enfermagem e a ruptura frente à dicotomia entre teoria e prática
demandam, de cada enfermeira, a conscientização de que é sua responsabilidade -
pessoal, profissional e social - prestar assistência/cuidado com qualidade.
Isto requer que esteja comprometida com a aplicação plena, no cotidiano da
prática, dos saberes/conhecimentos profissionais, principalmente, dos instrume-
ntos básicos de enfermagem.