Fatores interferentes no comportamento das parturientes: enfoque na
etnoenfermagem
PESQUISA1. INTRODUÇÃO
Em nossa vivência diária com as mulheres, durante o processo parturitivo,
chamou-nos a atenção o comportamento de algumas, da maneira como participavam
do trabalho de parto. Observávamos que algumas parturientes deixavam-se
conduzir, permaneciam caladas em seus leitos, e não questionavam o tratamento
recebido assumindo uma atitude de quem estava ali para cumprir ordens, enquanto
os profissionais se tornavam cada vez mais intervencionistas.
Encontramos nas leituras a informação de que as civilizações antigas seguiam
vários rituais durante o trabalho de parto e parto, e as gestantes concordavam
e participavam de tais cerimônias. Os partos eram assistidos por mulheres da
comunidade, por seus companheiros ou, na maioria das vezes, as gestantes tinham
filhos sozinhas(1).
Em nossa trajetória, pudemos evidenciar que, atualmente, o trabalho de parto,
apesar de ser um ato fisiológico, requer hospitalização e que, na maioria das
maternidades, durante todo o processo parturitivo, a parturiente fica distante
da família. Ao ser internada passa a ser um caso, recebe um número de
identificação, já não sendo um indivíduo, mas a parturiente do leito tal,
conduzida a um ambiente estranho, o que, provavelmente, influenciará nas suas
atitudes(2).
O parto entre os povos primitivos era um acontecimento de pouca relevância,
justificando o fato de que, em geral, a mulher mal interrompia seus afazeres.
Na sociedade atual, entretanto, a mulher é preparada para ter dor, pois desde a
infância escuta sua mãe, seus parentes e seus amigos falarem dos sofrimentos da
parturição, criando-se, desta forma, medo do parto(3).
Assim, percebemos que a cultura dos povos influencia o ato parturitivo e
permeia a historia da humanidade. As índias, ao iniciarem as dores do parto,
não buscavam parteiras nem faziam outras cerimônias, apenas pariam pelos
campos, em qualquer lugar, como os animais(4). O ato da parturição entre as
índias Bororos acontecia no chão, sentadas em uma esteira, com as pernas
estendidas e abertas, auxiliadas por outras selvagens que lhe espremiam o
ventre(3). Em outras culturas, por exemplo, entre os índios Samoas, é habito
não gritar e não se desesperar, o que é considerado um bom sinal(3).
Diante do exposto e por conviver com parturientes em sala de parto, sentimos a
necessidade de aprofundar nosso conhecimento sobre o comportamento das mesmas
e, realizar este estudo o qual objetivou investigar quais os fatores
determinantes do comportamento das parturientes. Ressaltamos que foi valorizado
o contexto sociocultural em que as gestantes estão inseridas, visto que os
autores, em sua maioria, consideram este fator um determinante essencial deste
comportamento. Logo, ao compreendemos tal situação, esperamos ajudá-las a
enfrentar o trabalho de parto e o parto com o intuito de colaborar para que
esta experiência possa ser positiva nesse momento de sua história.
2. METODOLOGIA
Estudo descritivo com abordagem qualitativa, utilizando o método da
etnoennfermagem desenvolvido por Madeleine Leininger(5). Entre as várias
teoristas de Enfermagem, foi quem melhor identificou o contexto cultural como
condicionante do comportamento dos indivíduos. Desenvolveu o método da
etnoenfermagem com o objetivo de auxiliar os enfermeiros a documentar
sistematicamente o modo de vida das pessoas, obtendo desta forma compreensão
maior das suas experiências de vida relacionadas aos cuidados humanos, saúde e
bem-estar, em diferentes ou iguais contextos ambientais.
Os antropólogos utilizam o termo informante para as pessoas que fornecem
informações sobre os costumes e as crenças de um grupo, revelando sua
identidade cultural.
Leininger(5), que fundamenta este estudo refere que, na etnografia focalizada,
a enfermeira pode estudar um fenômeno com um número pequeno de informantes. O
que importa para ela não é o número de informantes e sim o significado dos
depoimentos. Foram necessários, nesse estudo, 07 (sete) informantes-chave (ou
os sujeitos que vivenciaram o fenômeno) e informantes gerais, que foram os
sujeitos que convivem com os informantes-chaves (parentes, companheiro, amigos)
e que revelaram, por meio de suas opiniões, uma visão diferente ou não do
informante-chave.
O cenário do estudo foi uma maternidade pública vinculada à Universidade
Federal do Ceará e os domicílios das informantes.
A coleta de dados aconteceu nos meses de junho, julho e agosto de 2003.
Utilizamos o método da etnoenfermagem em concomitância com dois de seus guias
facilitadores que são; Observation - Participation - Reflection Model (Modelo
Observação - Participação - Reflexão - OPR) e Stranger - Friend Model (Modelo
Estranho - Amigo). Estes modelos serviram para ajudarnos a compreender o
cotidiano das informantes-chaves envolvidas na pesquisa, direcionando as etapas
da coleta de dados.
Utilizamos, também, um roteiro com alguns aspectos, como o comportamento da
gestante durante o trabalho de parto e parto, a assistência dos profissionais
antes e durante o parto, com o objetivo de orientar nossa observação na Unidade
de Internação e Centro Obstétrico, uma entrevista semi- estruturada, gravada e
transcrita por nós em sua íntegra, e um diário de campo, no qual anotamos as
observações não contempladas no roteiro.
A análise dos dados seguiu o modelo da etnoenfermagem que utiliza 4 fases:
relação dos dados coletados, descritos e documentados; identificação e
classificação dos descritores componentes; análise do padrão contextual; e
temas principais.
Em todas as etapas da pesquisa os preceitos éticos foram respeitados, conforme
a Resolução 196, de 10/ 10/ 1996, do Conselho Nacional de Saúde, referente à
pesquisa com seres humanos. Foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do
Complexo Hospitalar da Universidade Federal do Ceará, por meio do oficio número
169/03, protocolizado sob o número 91/03, de 26 de maio de 2003.
Foi elaborado um Termo de Consentimento e Explicação sobre a pesquisa, onde
ficou registrado que as informantes-chaves e gerais tinham liberdade para
desistirem de participar da pesquisa em qualquer momento. As pesquisadoras re-
nomearam os informantes com nomes fictícios, garantindo-lhes deste modo o
anonimato
3. APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS
Com o intuito de atender o objetivo proposto pelo estudo, procuramos
compreender o significado dos resultados que estavam sendo encontrados. As
informações relativas aos valores, crenças e práticas culturais, vivenciadas
pelas informantes que fizeram parte deste estudo, foram agrupados em cinco
categorias, contudo, neste trabalho, vamos abordar as categorias "Vivenciando a
gravidez" e "Assistência nas instituições", pois o mesmo é um recorte da
Dissertação de Mestrado(6).
Categoria "vivenciando a gravidez"
Ao conversar com as informantes, percebemos que consideram o estado gravídico
responsável por uma série de acontecimentos que envolvem sua maneira de
comportar-se. Então, resolvemos analisar esta categoria com detalhamento, assim
subdividida: os fatores metabólicos e sociais como determinantes do
comportamento da gestante, a não-participação do companheiro na gravidez e
gravidez não planejada.
Subcategoria "os fatores metabólicos e sociais como determinantes do
comportamento da gestante"
No ciclo vital feminino, há três períodos tidos como críticos e de transição
que fazem parte das fases do desenvolvimento da mulher: a adolescência, a
gravidez, e o climatério (7) . Reconhece a autora a existência de estados
emocionais peculiares na gestação e que estas transformações provocadas pela
gravidez decorrem de conflitos normalmente presentes neste período, como também
há a possibilidade de que os hormônios sexuais progesterona e estrogênio
exerçam efeitos no comportamento.
Percebemos nas falas das informantes que todas referiram ficarem mais zangadas,
mais irritadas, mais sensíveis, chorando facilmente quando estavam gestantes.
As oscilações do humor poderiam estar relacionadas às alterações metabólicas,
pois é comum a mulher passar da depressão à euforia sem motivo aparente. O
aumento da sensibilidade é freqüentemente observado mediante a irritabilidade
da mulher, que fica mais vulnerável aos estímulos externos que antes não a
afetavam (7).
Durante a gestação eu fiquei mais zangada, mais irritada, com certeza
eu reagia de outro jeito de antes de eu ficar grávida (Orquídea).
Durante a gestação eu só vivia zangada brigava com todo mundo que
chegava ai na frente, só vivia zangada,coitado do Pedro (Hortênsia).
Na gestação eu fiquei mas zangada, eu fazia coisas que eu pensava que
não era eu. Eu dizia coisas que eu não queria eu era muito ignorante
principalmente com o pessoal daqui de casa(Dália).
A sensação de hostilidade é muito difusa e se projeta sobre o mundo, sensações
de hostilidade com o marido, o pai, e a mãe(8). Isto tivemos a oportunidade de
observar, quando as informantes em suas falas se referiam e até mesmo
descreviam seus comportamentos com uma certa estranheza, pois pareciam não
estar falando de sentimentos próprios, porém é como o seu estado gravídico
fosse responsável pelo seu comportamento.
Juntam-se aos fatores metabólicos, como intensificadores dessas oscilações de
humores, as cobranças a que a mulher atualmente é submetida pelo ambiente em
que vive. Nas sociedades antigas, cobravam-se da mulher severas restrições
sexuais, mas ifavorecia-se suas atividades e funções maternas, visto que elas
se preocupavam somente com a atenção ao marido e aos filhos, e, quando
trabalhavam, era em pequenas produções caseiras junto com a família(9).
Ocorre, o contrário nesse século, quando a mulher adquiriu liberdade sexual,
contudo as circunstâncias sociais, culturais e econômicas lhe impõem grandes
restrições à maternidade. Antes a mulher sabia que a sua finalidade era casar-
se e ter filhos, mas, atualmente para muitas mulheres, a maternidade não é tão
desejada. Diante de nossa organização social com a crise da habitação, do
elevado custo da educação de uma criança, o nascimento de mais um filho é
sentido como um estorvo, mais do que uma alegria, pois a mulher, hoje, sente-se
na obrigação de trabalhar, na tentativa de ajudar ou, quando não, assumir a
responsabilidade do sustento da família(10).
Existem, entretanto, estudos afirmando que as reações das gestantes estão
relacionadas aos diferentes modos de culturas de encarar a mulher e o corpo
humano, pois, apesar de todas as mulheres terem alterações hormonais, algumas
não sofrem tanto com as alterações do próprio corpo, donde se conclui que essas
expectativas são formuladas pela cultura em que a mulher vive e são moldadas
por sua própria personalidade e experiência familiar.
Subcategoria "a não- participação do companheiro na gravidez"
A presença do companheiro na gravidez é de vital importância, visto que a
formação do vinculo pais-filhos e a rede de intercomunicação familiar começam a
se desenvolver nesta fase.
A gravidez, que deveria ser observada, porém, como um evento familiar em nossa
sociedade, é função quase que exclusivamente da mulher, cabendo-lhe a
responsabilidade da decisão ou não de ter um filho, isentando-se o parceiro
desta responsabilidade, como também do sustento do filho(11), funcionando este
quadro como um determinante da instabilidade do humor da mulher durante a
gravidez e no seu modo de enfrentar o trabalho de parto e parto, pois ela fica
presa aos seus pensamentos de como serão a criação e o sustento de seu filho,
como fica constatado nas falas a seguir:
Essa gravidez me exemplou, eu fiquei desgostosa com o pai dele, o pai
dele não deu e não da nada, eu tenho que trabalhar para sustentar
(Orquídea).
Quando eu estava grávida eu estava separada, ele queria que eu
abortasse mas eu não quis (Violeta).
Eu fiquei mais triste chorar eu não choro, mais eu fiquei mais
triste, fico pensando como vai ser, como é que não vai ser essa
gravidez, esse parto(Orquídea).
Durante a gestação ficou abusada, zangada, também ela estava separada
(informante geral de Violeta).
Algumas combinações de fatores econômicos desfavoráveis, ao que se alia a uma
vida conjugal infeliz ou instável, contêm as tendências positivas da
maternidade, possibilitando que as negativas se sobressaiam; as mulheres
emocionalmente maduras e com uma estrutura psicológica e familiar estável
apresentam estrutura psicológica positiva frente ao parto(9).
Todos esses conflitos vivenciados pela mulher durante a gravidez, quando não
resolvidos, a acompanham até o momento do parto; os comportamentos de histeria
e de introspecção originam-se no período gestatório, portanto a mulher, ao
decidir pela maternidade, deve receber todo o apoio dos profissionais.
Em termos gerais, a ajuda eficiente neste período consiste em encorajar (não
reprimir) a livre expressão dos sentimentos de tristeza, ansiedade,
hostilidade; e, sobretudo, a perturbação do comportamento que, via de regra, se
verifica que não deve ser confundido com sintomas de doença mental, mas deve
ser considerado um sinal de luta interna em busca de reajustar-se ao que lhe é
imposto(8).
Na verdade, a gravidez deve ser observada como uma situação que envolve não
apenas a mulher, mas também seu companheiro e o meio social imediato. O maior
ou menor grau de aceitação da gravidez por parte do ambiente social reforça ou
não a tendência da mulher para a maternidade(8,9).
Na sociedade de hoje, porém, as mudanças sociais acarretadas pela Revolução
Industrial separaram cada vez mais os papéis dos dois sexos. O pai foi tirado
do centro da rede familiar para ocupar uma posição situada à margem, cabendo-
lhe apenas fornecer o dinheiro do qual a família depende. Para o homem que
deseja tomar parte ativa no cuidado do filho há pouca orientação, visto que
atualmente alguns pais estão começando a sentir necessidade de participar mais
intensamente da vida familiar, de saber o que podem fazer em relação à esposa e
ao seu filho. A esses pais devem-se proporcionar condições, a fim de que possam
descobrir junto com a esposa a idéia de que o parto pode ser o momento mais
sensacional de suas vidas.
Subcategoria "gravidez não planejada"
Um fator interessante, por nós evidenciado, é que todas as informantes
relataram que sua gravidez não foi planejada, no entanto, somente uma usava
preservativo.
Essa gravidez não foi planejada, eu tava separada dele, eu usava
camisinha mas nesse dia....esqueci (Camélia).
Minha gestação não foi planejada, eu não sei como foi para eu pegar
esse menino (Tulipa).
Essa gravidez não foi planejada, mas depois eu fiquei grávida dela eu
tive que ficar(Hortênsia).
Esta gestação não foi planejada, foi mesmo uma doidice, jamais eu ia
ter um filho agora, mas Deus quis assim. Se não fosse a vontade de
Deus, eu não teria não(Orquídea).
Esta gravidez não foi planejada, aconteceu porque Deus quis, Ele
permitiu (Violeta).
Essa situação das informantes de não planejar uma futura gestação nos fez
concluir que elas mantêm um comportamento passivo em relação a prever uma
futura gestação. Podemos observar, então, uma falha no sistema de educação e de
saúde, pois tudo leva a crer que as mulheres desconhecem (ou pouco conhecem) o
funcionamento do seu corpo, como agir no processo reprodutivo, e como escolher,
conscientemente, entre os diferentes métodos contraceptivos o que lhe é mais
indicado.
Portanto, a permanência desses problemas decorre de interesses econômicos das
autoridades responsáveis pela administração da sociedade e das políticas
publicas deficiente, visto que o planejamento da gestação e parto com
orientações pré-natais, aconselhamentos e acompanhamento médico e de enfermagem
já é possível de acontecer e possibilita a que um filho planejado venha ao
mundo em condições dignas de existência(12).
As deficiências nas políticas públicas devem ser rapidamente sanadas, pois a
acelerada evolução tecnológica na vida moderna exige da mulher um ritmo de vida
que requer programação. Tudo precisa ser planejado e dentro deste planejamento
encontra-se o controle da natalidade.
Para que ocorra um controle de natalidade favorável, há necessidade de
conscientização e amadurecimento, suficientes, por parte de cada um de nós e
dos órgãos administrativos, para que não continuem a ocorrer controles tão em
massa, decorrentes da ignorância. Os paises subdesenvolvidos são os que
apresentam maior concentração populacional, onde a proliferação é desenfreada
em razão da ignorância, das influências religiosas e da miséria que se tornam
cada vez mais freqüentes(12).
A realidade das informantes revela que o baixo poder econômico e de instrução
constituem entraves para a aprendizagem no conhecimento sobre como evitar a
gravidez. Logo, a importância de educação como fator necessário para o seu bem-
estar, o que foi dado a entender pelo esforço que fazem para manter seus filhos
nas escolas(11).
A educação desponta como um dos fatores influenciadores na compreensão dos
métodos, como os contraceptivos orais que, apesar de serem vistos como
necessários no controle da natalidade, são invocados como argumentos de
comprometimento a saúde, e, também, por sua forma de uso diário, visto que as
informantes relatam se esquecerem de tomá-los.
Conhecer os métodos contraceptivos não é sinônimo de usá-los. A questão é bem
mais complexa, ficando claro que não é só informar para mudar, mas educar de
forma que a mulher tome consciência da realidade e das conseqüências de uma
gravidez em tempo inoportuno, para que essa conscientização leve a uma mudança
de comportamento(13).
A escola deveria representar para os indivíduos uma fonte de informação,
suprindo a carência deles no tocante aos contraceptivos, fornecendo informações
sobre os métodos, levando-os não só a conhecerem as várias opções e
características de cada método, mas que possam também refletir sobre as
questões biológicas e psicossociais diretamente ao tema. Assim, não se teriam
no futuro tantas gravidezes não desejadas.
A escola deve desenvolver atividades de educação em saúde observando o contexto
no qual os seus alunos produzem suas historias de saúde/doença, incluindo suas
dimensões individuais, econômicas, culturais e sociais(14).
Categoria "assistência na maternidade"
Os profissionais podem contribuir para amenizar os momentos de crise da
gestante na hora do parto, proporcionando às mulheres visitas às salas de
parto, quando elas podem entrar em contato com os funcionários que trabalham no
local e que poderão assisti-las. Muitas mulheres que chegam ao parto sem os
benefícios de boas aulas sobre o parto encontram-se despreparadas para o que
vai lhe acontecer, daí uma sensação de irrealidade quando pensam que "isto não
pode estar acontecendo comigo"
A tendência inconsciente da obstetrícia parece ser a de despojar a mulher, na
medida do possível, de sua participação consciente e ativa na hora de dar à luz
um novo ser e de converter este processo em algo dirigido pelo profissional.
Esta tendência atual, chamada de antiinstitiva está enraizada no nosso século e
podemos observar quando se prescrevem comprimidos de vitaminas no lugar de
verduras, mamadeiras no lugar dos seios(10).
Eu acho que se não tivesse ido para a maternidade eu tinha morrido,
já fazia dois dias que eu sentia dor, não tinha mais força, se não
fosse o Dr.colocar o soro e a outra empurrar (Hortência).
Na hora do parto eles furaram a bolsa e me cortaram e o menino
nasceu, mas eu também tomei injeção de força(Orquídea).
Deus me livre de ter menino em casa ter filho com quem sabe já é ruim
imagina com quem não sabe (Orquídea).
Eu fui ter menino na maternidade porque eu acho que tem maternidade é
para isso, quando a gente começa a sentir dor ir para lá(Camélia).
Eu fui para a maternidade porque lá tem as pessoas próprias para
fazer o parto, já tem têm as próprias pessoas no caso os obstetras e
em casa não tem ninguém (Violeta).
A cultura do parto hospitalar encontra-se tão difundida em nossa sociedade que
as mulheres passaram a desacreditar de sua capacidade fisiológica e psíquica de
terem seus filhos. O parto é percebido por elas como um ato técnico, que
necessita de um profissional com elevado saber para realizá-lo e deve estar
envolto em alta tecnologia.
O parto era considerado um fato comum, "assunto de mulher". As gestantes tinham
seus partos (filhos) sozinhas, ajudadas por seus familiares ou com parteiras,
mulheres da comunidade, que, por terem vários filhos e muitas vezes sozinhas,
eram consideradas aptas para ajudarem as gestantes(15).
Com a institucionalização da assistência ao parto, a partir da década de 1950,
visando à redução da mortalidade materna e neonatal, relatam alguns autores(16-
18) que a mulher teve que ser internada e o parto foi "medicalizado".
A gestante foi despojada de suas roupas e pertences, tornando-se "mais uma"
entre muitas mulheres que esperavam a hora de parir. Conseqüentemente, perderam
suas referências, tornando-se propriedade da instituição. A partir deste
momento, o nascimento tornou-se um processo artificial, complexo e distante do
ambiente familiar(18).
O hospital, por ser um ambiente desconhecido para a gestante, enseja uma
situação de ansiedade, de modo que a assistência ao parto, aos poucos, vai se
tornando um produto baseado em rotinas, despersonalizado, em que a parturiente
é tratada, na maioria das vezes, sem um enfoque humanista(19,20).
Atualmente, apesar de ser possível assegurar assistência hospitalar à quase
todas as grávidas na ocorrência de complicações, e pelo fato de a taxa de
mortalidade haver diminuído, observa- se, no entanto, que o excessivo uso da
tecnologia obstétrica de rotina, inadequadamente aplicada ao parto normal,
atrapalha o processo natural e causa problemas para os quais a mulher foi
destinada a prevenir(21).
A assistência adequada ao parto consiste em uma atitude de observar atentamente
a sua evolução, sem interferir na sua fisiologia e na dinâmica familiar,
incentivando a participação ativa da mulher e dando a possibilidade de decidir
quem vai acompanhá-la e escolher a posição mais cômoda para dar à luz,
reconhecendo o parto como um evento familiar e social de maior relevância(22).
Portanto, o nascimento constitui um evento familiar em que, ao assistir a
gestante, não se pode pensar só na "mulher grávida", mas também na "família
grávida"(7).
A família propícia os aportes afetivos necessários ao desenvolvimento e bem-
estar dos seus componentes; é em seu espaço que é absorvido o valor ético e
humanitário. É também no seu interior que se constroem as marcas entre as
gerações e são observados os valores culturais(21). Para a autora, a família
tem funções sociais, pois a cada época da vida do ser humano, são incorporados
práticas, crenças, valores e costumes familiares que vão influenciar no
desenvolvimento da identidade cultural pessoal e grupal.
Diante do contexto, podemos observar que o comportamento da parturiente, a
posição assumida e a movimentação durante o trabalho de parto constituem um
campo de importância fundamental na obstetrícia, praticamente negligenciado
pelos assistentes que conduzem o trabalho de parto.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A etnoenfermagem permitiu-nos maior aproximação com as parturientes, com seu
modo de vida, os seus valores, suas crenças, e sua visão de mundo e assim me
aproximar dos fatores que interferem no seu comportamento.
É preciso compreender o papel da família como fonte de apoio em todo o momento
da gestação, parto e puerpério. Na família, comparti-lham-se momentos de
alegria, mas também de tensão e incompreensão. É na família que encontramos o
companheiro que apóia a gestação, o que desejava a gravidez naquele momento e o
que não se sentia responsável pela gravidez, deixando a mulher assumir toda a
responsabilidade, sendo esse um comportamento do homem muito freqüente no
ambiente cultural.
A escola também tem uma contribuição importante na gravidez, quando, em
conjunto com a família, se torna um ambiente responsável pela elaboração do
conhecimento e pela formação da cidadania. A escola foi evidenciada como um
local de socialização e a escolaridade como fator importante no fornecimento de
subsídios importantes de como conduzir as orientações na assistência no
planejamento familiar, no pré-natal e no parto. A falta de conhecimento sobre o
funcionamento do corpo e dos métodos contraceptivos pode levar a gravidezes não
planejadas e determinar nas parturientes um comportamento em que elas se
submetam a imposições e condutas dos profissionais de saúde que as atendem, sem
terem condições de perguntar, questionar e manifestar seus desejos.
Novas políticas devem ser implantadas, pois elas têm uma grande
responsabilidade, tanto na assistência à mulher no planejamento familiar, no
pré-natal, quanto nas maternidades, uma vez que hoje não atendem as
necessidades biológicas e psicossociais, visto que o atendimento ainda é
centrado no biológico, no modelo biomédico de saúde/doença. Este quadro sugere
mudanças na melhoria de assistência ao parto e na sua humanização. Daí,
concluímos que esta realidade tem que ser reestruturada, com o atendimento
centralizado no ser humano com suas crenças e valores.
A sofisticação das práticas obstétricas, com o uso das tecnologias, tornou-as
mecanizadas, massificadas, acrescidas de uma infinidade de procedimentos
utilizados desde a gravidez, atuando, às vezes, desfavo-ravelmente, na mulher,
tornando-a insegura e ansiosa, prejudicando o trabalho de parto e parto.
A enfermeira deve assumir o compromisso de transformar a realidade, não
impondo, mas valorizando, respeitando as lições que as mulheres trazem de sua
cultura. Mediante a busca continua do conhecimento, podemos apreender, analisar
e compreender o cotidiano e as implicações do que fazemos de forma mais
contextualizada.