Formação do enfermeiro: características do professor e o sucesso escolar
AUTORES CONVIDADOS
Formação do enfermeiro: características do professor e o sucesso escolar
Nurse's training: professor's characteristics and academic success
Formación de enfermería: características del professsor y su éxito escolar
Maria Romana FriedlanderI; Maria Teresa de Arbués MoreiraII
IProfessora e Coordenadora de Investigação da Escola Superior de Enfermagem São
Vicente de Paulo, Lisboa. Doutora pela Universidade de São Paulo.
mrfriedlander@yahoo.com.br
IICoordenadora, Professora e Presidente do Conselho Científico da Escola
Superior de Enfermagem São Vicente de Paulo, Lisboa, Portugal. Mestre em
Enfermagem pela Universidade Católica Portuguesa. t.arbues.moreira@sapo.pt
1. INTRODUÇÃO
Em Portugal, as Escolas Superiores de Enfermagem são submetidas periodicamente
a avaliações, do curso ou da escola, para as quais o Ministério da Ciência,
Tecnologia e Ensino Superior exige o levantamento de uma série de dados. Entre
eles, quando se trata da avaliação do curso, as escolas devem levantar a
opinião dos estudantes sobre os professores de cada uma das unidades
curriculares ministradas no curso de licenciatura (no Brasil, Curso de
Graduaçãp). Além disso, algumas escolas, por decisão própria, também
desencadeiam uma avaliação de forma a garantir dados para o seu aperfeiçoamento
e como resposta à sua responsabilidade perante a sociedade a quem prestam os
seus serviços. Essa última avaliação também inclui dados sobre os professores.
Dessa forma, pode-se deduzir que, tanto o Ministério como a instituição de
ensino, pressupõem que o professor é um dos mais importantes agentes do
processo de formação implementado pelas escolas superiores, e que a sua
avaliação pode auxiliar a melhoria da educação.
A educação formal em enfermagem inclui um ser humano que, teoricamente, age
sobre outro ser humano, o professor e o aprendiz, na qual o primeiro introduz o
segundo na arte e na ciência da enfermagem com a finalidade de o capacitar para
o exercício da profissão. Nas últimas décadas, as ciências humanas e sociais
têm clarificado a compreensão sobre o papel da relação professor aluno
sustentada por diversas abordagens pedagógicas
A qualidade do trabalho e do produto em qualquer instituição educacional é
determinada e fundamenta-se nos seres humanos envolvidos nos seus processos.
Uma investigação bastante criativa, demonstra que a qualidade dos licenciados
depende muito mais do ensino ministrado em sala de aula e nos campos práticos
do que dos outros componentes tais como conteúdos, disciplinas, currículos,
estrutura da escola, instalações e outros(1). Portanto, o professor e as suas
características têm um significado e um impacto na qualidade do ensino que não
podem ser desprezados pelos investigadores.
Um investigador da área da educação e autor de vários trabalhos de pesquisa(2),
com base num modelo proposto por Cuikshand, apresentou as variáveis que podem
ter alguma relação com os resultados a serem obtidos e, entre elas, apontou as
relacionadas com o professor. Esta indicação é confirmada por outros
pesquisadores(3-5). Esses últimos também discutem as pesquisas sobre o efeito
do professor na qualidade do ensino e concluem que ainda não existem conclusões
incontestáveis reforçando a necessidade de novos estudos. Acrescentam ainda
que, as investigações especificamente relacionadas com as práticas de ensino
são da maior importância.
Em resumo, algumas variáveis relacionadas com o professor, parecem despertar o
interesse dos investigadores. Entre elas: conhecimento da matéria(1,5,6),
formação pedagógica(2), relação aluno professor(2,3) , práticas de ensino(5) e
anos de experiência, idade, grau académico e estágios de especialização(2). Em
relação às investigações realizadas, centradas nas variáveis referentes aos
professores de enfermagem, a literatura ainda é muito escassa. Forrest(7)
realizou uma revisão de literatura sobre o ensino e os estilos de aprendizagem
. Concluiu, entre outros aspectos, que a variedade de abordagens ou técnicas de
ensino para atingir os variados estilos de aprendizagem dos alunos, é
interessante, como também afirmaram Estrela e Ferreira(5), mas não explica a
efectividade do ensino quando abordada do ponto de vista dos próprios alunos.
Fritzpatrick(8) questionou a relação causa efeito referindo-se às
características do professor e à sua eficácia no exercício dessa função. Chama
a atenção para a importância do relacionamento professor-aluno que, em sua
opinião, é uma vertente de grande interesse para os estudos da efectividade
docente, destacadamente quando essa relação é observada e analisada sob o ponto
de vista dos estudante.
Uma interessante investigação referente às percepções dos estudantes sobre os
orientadores clínicos, ou supervisores de estágios clínicos, conclui que o
relacionamento interpessoal, as características de personalidade e a aptidão
para ensinar são apontados com maior freqüência nos orientadores efectivos
quando comparados aos não efectivos. A competência profissional não mostrou
diferença significativa entre os professores efectivos e os não efectivos. Na
conclusão, os autores indicaram que a atitude do professor face aos alunos é o
mais importante aspecto para explicar a eficácia do professor(9). Por último,
na opinião de 353 estudantes de Singapura, as competências de ensino eram muito
importantes, enquanto as relacionadas com o conhecimento teórico e de
investigação receberam valores médios(10). Os autores aconselharam estimular os
professores a adquirirem e aplicarem capacidades relacionadas com o ensino e,
bem assim, a pesquisa para inovarem a forma de ensinar.
No Brasil, Soares(10), preocupada com a compreensão da acção docente, sob o
ponto de vista do professor e do aluno, concluiu, que o docente deve envolver-
se com os seus alunos, conhecer o conteúdo a ser leccionado e ter experiência
clínica. Acrescentou que esse docente, ainda sob a visão do aluno, também deve
apresentar facilidade ou capacidade para transmitir os conteúdos e reforçou a
importância da relação professor aluno como factor determinante no processo
educacional.
Há uma certa coerência entre os autores quando afirmam que as variáveis
reportadas ao professor têm interesse para a pesquisa. Contudo, ainda não são
evidentes as características que podem ser responsáveis pela eficácia e
efectividade do professor, o que justifica a realização do presente estudo.
2. OBJECTIVOS GERAL E ESPECÍFICO
Identificar o perfil dos professores que ministraram as disciplinas que
obtiveram maiores índices de sucesso na avaliação realizada pelos estudantes,
com vista à melhoria da gestão escolar e consequentemente as políticas
educacionais
Descrever as características dos professores que leccionam as disciplinas bem
sucedidas, segundo os estudantes: idade, sexo, grau académico, vínculo à
escola, formação, experiência, qualidade do relacionamento, do desempenho e da
profundidade e actualização do conhecimento, as estratégias, meios audiovisuais
e material de apoio utilizados e as características responsáveis pela boa
avaliação, na visão do docente.
3. MÉTODO ADOPTADO
Trata-se de uma investigação descritiva e transversal, realizada numa Escola
Superior de Enfermagem em Lisboa, não integrada numa Universidade ou Instituto
Superior Politécnico.
Para a selecção dos 16 professores que constituíram a população deste estudo,
analisaram-se os scores percentuais, atribuídos pelos alunos em 2004, às
unidades curriculares do curso de licenciatura. As disciplinas curriculares
(explicar o que são estas unidades pois antes falou-se em disciplinas) foram
seleccionadas a partir dos seguintes critérios:
a) serem de natureza teórica,
b) de presença obrigatória,
c) não utilizarem metodologias muito diferenciadas como as unidades
curriculares denominadas "Monografia" e "Seminário",
d) serem avaliadas pelos alunos com um índice maior que 86,3 % (média do score
alcançado) no desempenho dos docentes. Assim, com a aplicação destes critérios,
seleccionaram-se 7 unidades curriculares.
Foram considerados professores das disciplinas, aqueles que ministraram mais de
4 horas de aula, ou seja, não se considerou como docente o conferencista
convidado eventualmente. Inicialmente, sob esses critérios, foram selecionados
21 professores, mas apenas 16 (76,2%) responderam ao questionário aplicado.
Para a colheita dos dados foi elaborado um instrumento com 11 questões abertas
e 3 questões para serem respondidas por meio de uma escala de valores de 0 a
10. Este questionário é iniciado por um texto que descreve o objectivo do
estudo e explicita a respectiva autorização para os dados serem utilizados na
investigação, sem a identificação do respondente.
A primeira versão do questionário foi submetida a um teste piloto com 5
professores da mesma escola, que não faziam parte da população seleccionada.
Após as modificações sugeridas, o questionário foi entregue aos elementos da
amostra que tiveram cerca de 10 dias para o seu preenchimento e o entregaram
diratamente para as autoras.
A análise dos resultados quantitativos foi auxiliada por uma tabela mestra
electrónica, programada especialmente para esse fim, e elaborada com o programa
Microsoft Excel. A análise qualitativa seguiu os passos sugeridos por Bardin
(11), contudo, o facto de se tratar de respostas a perguntas directas,
simplificou significativamente essa análise.
4. RESULTADOS
As características populacionais podem ser observadas na Tabela abaixo.
Em relação à idade dos docentes estudados, nota-se que não se trata de um grupo
muito jovem dado que a média é alta, e a maioria dos professores tem idade
abaixo da média, porém, na faixa etária dos 40 . A experiência de vida e a
maturidade intelectual talvez possam explicar este facto. Observa-se ainda que,
entre os docentes com alto grau de aprovação pelos estudantes, há uma
predominância acentuada de professores com o título de mestre, ou seja, que
receberam alguma preparação para a docência. Esse resultado coincide com a
opinião de Tuckman(2), que afirma ser a formação pedagógica uma variável de
interesse para os estudos sobre a produção de resultados na educação.
Quanto ao vínculo institucional é importante salientar que a maioria absoluta
de professores da escola estudada é docente efectivo. Esta situação de
efectividade do professor, provavelmente, favorece um maior compromisso do
professor em relação à qualidade do ensino e do desempenho dos seus alunos. Os
resultados relacionados com os anos de formação profissional indicam que se
trata de um grupo com experiência razoável.
No que concerne aos anos de exercício como enfermeiro, nota-se que os alunos
não apontaram como excelentes professores aqueles com mais experiência na
profissão, ou seja, 71,4% dos professores selecionados pelos alunos têm um
número de anos de exercício abaixo da média. Tang, Chou e Chiang(9), quando se
referiam aos orientadores clínicos, também encontraram resultados coerentes que
indicavam que a competência como enfermeiro não mostrou uma qualidade dos
orientadores de estágio destacadamente apreciada pelos estudantes.
Finalmente, no que se relaciona com os anos de docência verificou-se que a
média é alta (19,5), contudo, a maioria absoluta de professores de sucesso
apontados pelos estudantes estão abaixo dessa média mas, acima de 10 anos.
Parece que os bons professores não são necessáriamente os mais experientes mas,
têm uma considerável experiência.
A seguir, na Tabela_2 apresentamos os resultados relacionados com a opinião dos
professores relativamente a outras variáveis.
Em relação aos atributos apresentados na Tabela_2, deve-se chamar a atenção
para o facto de ter sido solicitado, aos professores, que atribuíssem uma nota
de zero a dez. Portanto, o score máximo possível, e que corresponde a 100%,
seria o resultado do número de respondentes multiplicado pela nota dez. Em
relação aos três atributos verifica-se ser muito alta a auto-avaliação dos
docentes, o que quer dizer que eles se consideram professores com bom
relacionamento com os alunos, com conhecimentos profundos e actualizados sobre
a respectiva disciplina e com bom desempenho. De facto, não apareceu nenhum
professor que tenha atribuído a si próprio nota abaixo de 6. Isto indica que
parece importante a crença do docente nos seus atributos docentes.
Os resultados de nossa análise coincidem com os das pesquisas realizadas por
Fritzpatrick(8) e Tang, Chou e Chiang(9) no que concerne à importância do
relacionamento professor-aluno para a eficácia do desempenho do professor, sob
o ponto de vista dos estudantes. Chamamos a atenção para os resultados da
investigação realizada por Tan e Lim(10) que evidenciou a valorização média
atribuída pelos alunos ao conhecimento teórico do professor.
Devido à importância que a literatura atribui ao relacionamento professor-aluno
para explicar a eficácia do professor, tentámos observar a existência de alguma
associação entre essa variável e a idade, os anos de formação e os anos de
experiência docente. Os resultados da aplicação do teste do qui-quadrado não
mostraram a existência de nenhuma associação.
Finalmente, os resultados relacionados com a análise de discurso foram os
seguintes.
Observando-se a Tabela acima, nota-se que houve uma predominância do uso de
métodos activos porque, mesmo os docentes que informaram usar as aulas
expositivas, acrescentaram a interacção com os alunos, o diálogo ou a liberdade
para a colocação de questões. Este resultado coincide com as observações dos
teóricos quando discutem a aprendizagem dos adultos e as diferenças entre a
andragogia e a pedagogia(12). O autor citado chama a atenção para o facto do
adulto já ter acumulado, ao longo da vida, muitas experiências que influenciam
as novas aprendizagens, e de darem preferência a métodos e conteúdos práticos
que podem ser usados de imediato.
Observa-se, também, que a relação estratégia/professor é 3,1 o que indica o uso
de técnicas variadas e reforça a conclusão da revisão da literatura apresentada
por Forrest(7).
O auxílio dos recursos audiovisuais é amplamente aconselhado pela bibliografia
especializada, uma vez que facilita a memorização porque utiliza os canais
auditivos e visuais do estudante. Estes recursos constituiem importantes
suportes para a aplicação dos conteúdos pois permitem trazer para a sala de
aula as vivências e experiências ocorridas em qualquer ambiente. Os docentes
deste estudo que, segundo os alunos, obtiveram sucesso, usaram, em média, por
professor, 1,7 recursos mencionados.
Complementando esta questão dos recursos, quando questionados sobre o material
de apoio distribuído aos estudantes durante as aulas, concluímos que:
- Todos os professores (100%) utilizaram material escrito, tais como textos,
artigos, documentos, resumos, livros ou capítulos, esquemas de aula e outros.
- Seis professores (37,5%)) citaram especificamente a indicação de bibliografia
especializada.
- Um professor (6,25%) apontou a indicação de filmes para complementar o
conteúdo estudado.
- Um dos respondentes (6,25%) indicou que entregava "planos de cuidados de
enfermagem" aos seus alunos durante as aulas.
Finalmente, no que se relaciona com as características pessoais ou de ensino
que, na opinião dos próprios docentes, poderiam explicar o seu sucesso junto
dos estudantes, como principais características foram encontrados os resultados
conforme apresentados na Tabela_5.
Os resultados citados são coerentes com as opiniões de Zabala(3), Tuckman(2),
Soares(10) e Fritzpatrick(8), que enfatizaram o relacionamento professor e
aluno como um aspecto de grande interesse para o estudo da eficácia docente no
ponto de vista do estudante. O domínio do conteúdo foi uma das características
importantes, segundo Demo(6), Estrela e Ferreira(5), Tuckman(2)e Soares(10).
Nota-se que estes achados são coerentes e reforçam os resultados encontrados
nas questões anteriores.
5. CONCLUSÕES
Observando-se as principais variáveis populacionais que caracterizam os
professores aprovados pelos estudantes da escola estudada, verificou-se que se
trata de um grupo maduro, bem qualificado para o ensino, com sólida experiência
na docência e boa experiência no exercício da profissão.
Observou-se, na opinião dos próprios professores, que estes são capazes de
estabelecer um bom relacionamento com os seus alunos, acreditam-se eficazes na
prática docente e possuem um profundo conhecimento da sua disciplina.
Quanto às estratégias de ensino que os docentes utilizam, a aula expositiva com
diálogo e interacção com os alunos é a mais utilizada, complementada por
relatos de experiências e vivências práticas, debates, discussões,
dramatizações e simulações. A utilização de material escrito como complemento
das aulas é, também, uma prática docente adotada por todos os professores que
obtiveram sucesso com os alunos. Os trabalhos em grupo com orientação também
fazem parte do repertório docente. O equipamento áudio visual mais utilizado em
sala de aula é o retroprojector e o projector com suporte informático. Parece
que o relacionamento professor aluno não é influenciado pela idade do docente,
seus anos de formação e sua experiência docente. Quando o professor explica seu
bom desempenho ele o atribui também ao bom relacionamento e acrescenta outros
atributos, principalmente: disponibilidade e envolvimento, gostar do que faz,
respeito pelos outros, domínio dos conteúdos ensinados, capacidade de encorajar
os estudantes, seus comportamentos e atitudes, e a aprendizagem individual. O
conhecimento sobre esses atributos pode orientar a tomada de decisão dos
administradores escolares, preocupados com a qualidade do ensino oferecido
pelas suas instituições, e minimizar problemas entre professores e alunos. As
políticas educacionais relativas à docência em enfermagem podem tomar como base
os resultados desta investigação para que estimulem a evolução e as melhorias
na formação desses profissionais.
Para terminar gostaríamos de chamar a atenção dos leitores para o facto da
pesquisa ter sido apenas realizada numa instituição o que a torna limitada e
evidencia a necessidade de ser repetida noutras escolas e noutros contextos
culturais.