Grupo de Orientação de Cuidados aos Familiares de Pacientes Dependentes
RELATO DE EXPERIÊNCIA
Grupo de Orientação de Cuidados aos Familiares de Pacientes Dependentes
Group of Care Orientation for Families of Patients
Grupo de Orientación a los Familiares de Pacientes Dependientes
Ariane GraciotoI; Caren Jaqueline GomesI; Isabel Cristina EcherII; Paula Del
Corona LorenziIII
IEnfermeira da Unidade de Internação do 6º Sul do Hospital de Clínicas de Porto
Alegre RS. Membro do GPSEN
IIProfessora Assistente da Escola de Enfermagem da UFRGS. Chefe do Serviço de
Enfermagem Médica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Membro do Núcleo de
Estudos do Cuidado em Enfermagem. Mestre em Educação
IIIAcadêmica de Enfermagem da Escola de Enfermagem da UFRGS. Bolsista do GPSEN
do Hospital de Clínicas de Porto Alegre
1. INTRODUÇÃO
Educar é uma das funções do enfermeiro e, para tanto, construir estratégias com
vistas à melhoria da saúde é uma das ações que torna a enfermagem valiosa na
mudança de atitudes diante da doença. Na promoção da saúde, este profissional
está envolvido com o desenvolvimento de programas e a liderança de equipes de
serviço cujos atos visam à promoção de atitudes e condutas de saúde positivas.
O que vai ao encontro de Pereira et al quando referem que o enfermeiro, em sua
função educativa, torna-se importante na resolução de problemas relacionados à
educação em saúde(1).
Preparar o familiar do paciente para os cuidados no domicílio é uma estratégia
de educação e saúde que visa à manutenção ou à melhora do estado de saúde do
doente, oportunizando-lhe condições para torná-lo com a máxima autonomia
possível. Por meio da educação, ajuda-se o indivíduo, e a família, a cooperar
em sua terapia e aprender a resolver problemas, à medida que ele se defronta
com novas situações, podendo isso impedir recorrentes hospitalizações que, com
freqüência ocorrem quando desconhece a importância do autocuidado(2).
Este artigo tem por objetivo descrever uma experiência no desenvolvimento de um
programa de orientação de cuidados a familiares de pacientes adultos que
apresentam seqüelas neurológicas, visando a preparação para o cuidado no
domicílio. Busca também estimular a reflexão quanto à estratégia de promoção de
saúde no ambiente hospitalar.
2. RELATANDO NOSSA EXPERIÊNCIA
A educação em saúde foi por nós vivenciada como membros de um Grupo de
Orientação aos Familiares de Pacientes Adultos com Seqüelas Neurológicas
(GPSEN), desenvolvido no Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA). Este
grupo, fruto de um projeto criado em 1997, visa oferecer orientações de
cuidados aos familiares de pacientes adultos com seqüelas oriundas de
patologias como acidente vascular cerebral, doenças de Alzheimer e de
Parkinson, metástase cerebral, entre outras.
Participar de um grupo no qual se interage com tantas pessoas diferentes é um
desafio. Integramos o grupo inicialmente como coadjuvantes em suas ações e,
após, substituindo as enfermeiras que anteriormente dele participavam. Essa
possibilidade deu-se devido ao fato da Instituição possuir um projeto que
possibilita ao enfermeiro trabalhar de segunda à sexta-feira, em jornada de
seis horas, completando sua carga horária em atividades denominadas de ações
diferenciadas, as quais compreendem vários programas, sendo um deles o GPSEN,
composto por duas enfermeiras, que dedicam cada uma seis horas semanais para
esta ação, e um bolsista, com 20 horas semanais.
A operacionalização deste trabalho consiste em fazer a busca ativa dos
referidos pacientes nas Unidades de Internação Clínica do HCPA, a realização de
grupos com seus familiares, em sala específica, e encontros com o paciente e
familiares à beira do leito, visando à prática dos cuidados individualizados,
sendo a participação do familiar nessas atividades voluntária, mas essencial.
O cadastramento do paciente no grupo é feito por um bolsista através da busca
ativa. De segunda à sexta-feira, ele passa nas Unidades de Internação (4° Sul,
5° Sul, 6° Sul, 5º Norte, 6° Norte e 7° Norte) questionando os enfermeiros
sobre a internação de pacientes adultos com seqüelas neurológicas; atualiza
ainda seu cadastro em busca de altas, transferências ou óbitos. Posteriormente,
as enfermeiras do grupo fazem uma avaliação para identificar a real necessidade
do paciente e o desejo dos familiares na participação do grupo. Isso permite
que não ocorra um grande número de pacientes cadastrados sem indicação
relevante ou interesse em tornar-se parte integrante do grupo, possibilitando,
assim focalizar os esforços naqueles que exigem maior atenção e cujos cuidados
são mais bem aprendidos e aproveitados. Dessa forma, consegue-se ter um
feedback com as famílias, visto que são diversos os graus de debilidade desses
pacientes, desde as mais leves às mais severas. Esse permite perceber também
que a gravidade do estado dos pacientes influencia o ingresso da família na
participação dos seus cuidados.
No período de abril de 2003 a março de 2004, foram cadastrados 327 pacientes;
destes, 149 eram homens e 177 mulheres. Quanto ao estado civil, 45,70% eram
casados, 26,69%, viúvos, 6,75%, solteiros, 6,14%, divorciados e 14,72% não
possuíam registro. A faixa etária com maior prevalência foi a compreendida
entre 45 a 90 anos. Quanto à procedência, evidenciamos que 61,05% residiam em
Porto Alegre, 28,83%, na Região Metropolitana e 10,12%, em outras regiões.
Os grupos com os familiares ocorrem duas vezes por semana, com duração de uma
hora, e têm a participação de um dos enfermeiros e do bolsista. Os temas
abordados emergem das necessidades apontadas pelos participantes, buscando-se
favorecer a expressão de suas ansiedades e dúvidas e promover a formulação
conjunta de assistência aos seus familiares. O tipo de orientação ofertada na
alta hospitalar influencia a continuidade do cuidado no domicílio. Essas
orientações necessitam ser ações programadas de acordo com a realidade de cada
paciente com vistas a minimizar inseguranças, melhorando a qualidade de vida
social e familiar, prevenir complicações e/ou co-morbidades e evitar
reinternações(3). Em algumas situações, sugerimos ainda ao paciente tornar-se
parte ativa do grupo. Os assuntos mais discutidos referem-se à alimentação, à
eliminação, à higiene, ao posicionamento corporal, a exercícios ativos e
passivos, a melhorias no domicílio, aos cuidados com o cuidador, à participação
e interação da família.
Participar desse programa envolve um compromisso não só com os novos
conhecimentos, mas também com a busca de estratégias diferentes para a
abordagem da orientação ao familiar. Educar é uma atividade complexa que
demanda competência, interesse, conhecimento e responsabilidade, além de bom
senso do educador na seleção da terminologia, do planejamento, dos recursos e
ações pertinentes a cada tipo de população(4).
O nosso papel é conscientizar as pessoas diretamente envolvidas no processo
para prevenir possíveis complicações e orientá-las sobre a melhor forma de
manejar com as ações do cuidado. Todavia, em vários momentos de reflexão do
GPSEN, são expostas as difíceis situações vivenciadas pelo paciente e que
envolvem a sua família. Percebemos, então, nossa limitação quanto à estrutura
familiar de cada paciente e quanto aos conflitos internos agravados pela
doença. Procuramos, como estratégia, servir de facilitadores na comunicação
entre os membros da família, atividade que gera, freqüentemente, desgaste
emocional, mas que, em algumas situações, incentiva a integração familiar.
Utilizamos também o Serviço de Psicologia da Instituição como suporte ao
familiar e paciente que desejem ser assistidos por seus profissionais. Enquanto
nós procuramos subsidiar nossa atuação através de leituras e de reuniões com
pessoas que têm experiência em trabalhar com grupos.
Durante essa caminhada, várias mudanças foram necessárias para um maior
aproveitamento de nossas atividades. Os grupos, que antes eram como "aulas",
tinham seus conteúdos previamente definidos e apresentados em dois encontros,
impunham que o familiar comparecesse em ambos os dias para que recebesse toda a
gama de orientações. Essa exposição de conteúdos, muitas vezes unidirecional,
ocupava o período de uma hora, tornando-se cansativa devido ao grande número de
assuntos abordados. Desse modo, os grupos não contemplavam as necessidades
individuais de cada familiar, desestimulando a continuidade de sua
participação. O escasso tempo do encontro repercutia na dificuldade da troca de
experiências entre familiares e profissionais, sendo necessário resgatá-las no
momento das orientações à beira do leito, visto ser esta uma ação individual.
Hoje os encontros são realizados as terças e sextas-feiras, com duração de uma
hora, e os familiares são informados de que não é necessária a sua permanência
durante todo o período. Os assuntos são definidos pelos familiares que ali
estão, posicionados em círculo, próximos uns dos outros, onde também ficam o
enfermeiro e o bolsista, que atuam como mediadores da troca de experiência e de
conhecimento entre os membros do grupo. Com este novo "modelo" nos colocamos
mais perto das pessoas, e o uniforme já não as assusta tanto.
Como visto anteriormente, foram cadastrados 327 pacientes, porém apenas 254
familiares participaram dos encontros do grupo, o que é motivo de preocupação e
da busca de estratégias para aumentar este número, trazendo-os para os
encontros. Entendemos que existem diferentes fatores que podem estar
contribuindo para a sua não-participação no grupo, por isso estamos
desenvolvendo uma pesquisa junto a esses familiares para sabermos o motivo da
que os leva a não-participar deles. Com relação às orientações a familiares e
pacientes à beira do leito, ocorreram, neste mesmo período, 457 visitas. Para
nós, a diferença entre a participação nos grupos e a orientação à beira do
leito se dá devido a grande dificuldade que os familiares têm de conseguir
ficar, mesmo que por um curto espaço de tempo, longe de seus pacientes.
Nas quartas e quintas-feiras, são realizadas as orientações à beira do leito.
Este é o momento em que buscamos praticar o que foi abordado no grupo,
tornando-se mais fácil o aprendizado para aqueles familiares que compareceram
ao encontro. Para a família que não comparece, entretanto, são oportunizadas
orientações de acordo com a necessidade de cada paciente e o interesse do seu
familiar. Esta ocasião nos possibilita identificar os temores e a ansiedade dos
familiares em relação ao cuidado, quando, então, sempre reforçamos a
importância de sua participação para a construção de novos planos de ação para
a integração de outros membros da família mesmo que seja indiretamente, como
através de apoio financeiro ou doação de materiais de consumo. A prática do
cuidado pelo familiar faz com que ele seja sujeito ativo durante a internação
do paciente, utilizando as oportunidades da assistência da equipe de enfermagem
da unidade como reforço no seu aprendizado.
A educação em saúde, conforme os objetivos e as metodologias empregadas,
compreende dois grupos de atuação: o primeiro é fundamentado no poder e na
autonomia, cuja ferramenta básica do saber é a educação vivida num processo de
interação cultural e social; o segundo enfatiza a formação da conduta, cujo
centro do processo de mudança é o indivíduo(5). Acrescentar conhecimento,
tranqüilidade e apoio aos familiares possibilita a eles cuidar de seus doentes
com a certeza de que estão fazendo o melhor. Entretanto, esta tarefa é árdua,
pois envolve pessoas com diferentes percepções da realidade. Convivemos e
procuramos uma maneira de lidar com a frustração, sentimento que se manifesta
quando se percebe que o familiar não considera relevante o cuidado e não se
compromete com a sua execução. Isso nos leva a refletir sobre os fatores
causadores deste não-compromisso. A alta hospitalar pode gerar no paciente
sentimentos ambíguos, como a satisfação por estar se recuperando e o medo por
se sentir inseguro sem os cuidados dos profissionais de saúde(3). Notamos,
contudo, que a doença não afeta somente o paciente, mas também a família, o
que, em algumas situações, favorece o distanciamento entre eles. O
desconhecimento da real necessidade do cuidado e a falta de laços familiares
fortes são também situações presenciadas pelo grupo e que dificultam nossa
atuação.
Durante a hospitalização, são agravados os problemas financeiros devido aos
gastos com deslocamento até a Instituição e com alimentação, entre outros.
Ocorrem também mudanças na rotina da família exigindo, por exemplo, a ausência
do familiar em sua atividade ocupacional ou fazendo com que ele necessite
utilizar a rede de apoio da comunidade, como vizinhos, para cuidar de crianças
menores da família. Existem familiares que afirmam que, se o paciente está no
hospital, é da Instituição toda a responsabilidade do cuidado. Pessoas que têm
esse pensamento tentam prolongar a internação de seu ente, visitando-os
esporadicamente; com essa atitude, apresentam maiores dificuldades para
enfrentar o cuidado com seus familiares e tendem a abandoná-lo.
A cada encontro, deparamo-nos com diferentes realidades, fazendo com que as
trocas de conhecimentos favoreçam mais e mais a análise de nossa atuação,
levando-nos a pensar que aspectos positivos e negativos ocorreram naquele
momento de encontro com o familiar. Essas reflexões servem como suporte para
aperfeiçoar nossas ações. Não é raro discutirmos novas estratégias para
determinadas famílias e concluirmos que, naquele momento, oferecer suporte
emocional é tão relevante quanto, por exemplo, abordarmos o adequado
posicionamento no leito.
Interessante é perceber que para educar é necessário determinação, insistência
e compaixão. Ser determinado significa acreditar que aquilo que estamos nos
propondo fazer é realmente importante e acreditamos que promover o envolvimento
da família no cuidado é de extrema importância. A persistência nos auxilia,
principalmente, com àqueles familiares que não acreditam na melhora do paciente
ou na sua própria capacidade de aprender a ajudar seu ente querido. Observamos
que, em muitas famílias, quando um membro adoece, os parentes próximos adoecem
junto. Todos experimentam sensações, como dor, e sentimentos, como sofrimento e
angústia, surgindo, assim, as dúvidas. A doença crônica não se limita apenas ao
doente e a seus órgãos afetados, mas abrange a família, interferindo e
modificando a vida social, os sentimentos, as atividades e as relações pessoais
e profissionais de ambos(6). Todavia, os familiares que estão receptivos ao
aprendizado sentem-se recompensados com a possibilidade de promover uma melhor
qualidade de vida ao enfermo. Conforme Elsen(7), familiares que apóiam seus
membros e são flexíveis a mudanças favorecem a aderência deles ao tratamento,
sua reabilitação e/ou recuperação da saúde.
Neste processo de educar-aprender,participam o familiar, o paciente e o
enfermeiro. São pessoas interagindo entre si que devem se comunicar numa
linguagem comum. Para tanto, é necessário deixar aflorar a compaixão, elemento
que julgamos fundamental, pois nos auxilia a compreender a todos como seres
humanos e capacita-nos a entender o outro e a escutá-lo, dando-nos conta de
suas dificuldades e procurando alternativas que beneficiem tanto o paciente
quanto a sua família. Contudo, é relevante estarmos cientes de nossas
limitações e de que estamos presentes na qualidade de facilitadores, já que
alguns problemas requerem ações únicas na própria família, como, por exemplo,
um novo planejamento dos papéis que cada um exerce dentro dela. No processo de
reabilitação, consideramos fundamental o envolvimento da família, que, segundo
Santos, representa o núcleo social primário, no qual está incluído o paciente e
onde ocorrem importantes repercussões em seus níveis biopsicossociais(8).
A experiência do familiar em participar de forma ativa também é respaldada pela
equipe de enfermagem da Unidade durante o período de internação do paciente e
faz com que o cuidador se sinta confiante para continuar os cuidados após a
alta. Uma sonda nasoentérica que, em princípio, parece um "monstro" quando o
familiar a percebe na narina de seu ente, aos poucos, vai sendo compreendida em
sua utilidade e aceita diante da nova realidade. Não valorizar a preocupação,
os olhares curiosos e temerosos diante das orientações e práticas dos cuidados,
é menosprezar o outro, não considerando seu momento de preparo para atuar na
nova situação de seu familiar. Saber dosar e selecionar de forma correta as
informações para cada um em particular é indispensável sempre que interagimos.
É gratificante quando observamos que, através de nossos cuidados "indiretos",
os familiares estão cuidando de seus enfermos e que ambos estão enriquecendo
com esta troca.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A promoção da saúde é entendida como um processo dinâmico. Sua meta é ensinar o
indivíduo a procurar atingir seu maior potencial de saúde, encorajando-o a
modificar seu hábitos, seu estilo de vida e seu ambiente em direção a uma
melhor qualidade de vida. A presença de doenças que levam a seqüelas
neurológicas impõe, em algumas situações, o comprometimento não só do doente
como de toda a sua família.
O objetivo do trabalho realizado pelo GPSEN é do enfermeiro interagir e motivar
o indivíduo e a família, através da capacidade de análise de suas realidades,
para a execução de ações conjuntas com o fim de solucionar problemas, organizar
e realizar atividades e avaliá-las com espírito crítico. Procuramos, em nosso
papel educativo, ser facilitadores na construção do cuidado, entendido aqui,
segundo Waldow(9), como responsabilidade, preocupação, observação com atenção,
afeto, amor e simpatia.
Nesta dinâmica, vivenciamos a importância da análise da necessidade de cada
paciente e de sua família, com vistas à seleção das orientações mais adequadas,
tornando-os receptivos à troca de conhecimentos. Dificuldades existem, mas é
necessário procurar novas estratégias que beneficiem as atitudes de saúde e o
envolvimento consciente em busca da superação de dúvidas e temores. A
participação de todos é, pois, essencial, uma vez que o cuidado prestado com
carinho, respeito e sabedoria é de valor inestimável.