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BrBRCVHe0034-71672006000200021

BrBRCVHe0034-71672006000200021

National varietyBr
Country of publicationBR
SchoolLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN0034-7167
Year2006
Issue0002
Article number00021

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Recreação para crianças em sala de espera de um ambulatório infantil

1. INTRODUÇÃO O desenvolvimento infantil está vinculado ao brincar, principalmente porque esta atividade apresenta-se como uma linguagem própria da criança. É através do brincar e dos diferentes tipos de brinquedos que esta, de acordo com a idade, vai desenvolvendo o seu potencial nas áreas de socialização, linguagem, psicomotricidade e criatividade(1).

Os jogos/brincadeiras, com seus meios universais de compreensão, fazem com que as crianças aprendam o que ninguém pode ensiná-las, além de lhes ensinar sobre seus mundos, e como lidarem com esse ambiente de objetos, tempo, espaço, estrutura e pessoas. O jogo/brincadeira constitui-se no trabalho da criança e a ensina como agir dentro do seu ambiente - o que pode fazer, como se relacionar com as coisas e situações e como adaptar-se às demandas que a sociedade lhe impõe. Ao brincar, as crianças praticam continuamente os processos complicados e estressantes do cotidiano, bem como adquirirem maiores habilidades para se comunicar e alcançar relações satisfatórias com outras pessoas(2).

Dentre os recursos disponíveis para a intervenção de enfermagem na assistência à criança, em nível emocional, o brinquedo é um instrumento valioso, pois cria a situação de brincar(3). Brincando, a criança pode enfrentar melhor as diversas situações no hospital, muitas vezes, estressantes e ameaçadoras, como tratamento, internações, rotinas, tempo de espera para atendimento, dentre outras(4). O brincar/brinquedo ainda lhe possibilita explorar estas situações com certo distanciamento(5), bem como trabalhar difíceis emoções ali vivenciadas(6) Em alguns casos, estes sentimentos são agravados ainda mais em decorrência das próprias condições de saúde da criança, da insegurança dos familiares, dos fatores culturais e de outras possíveis intercorrências. Devemos considerar também, que os pais ou outros membros da família que acompanham as crianças sentem-se ameaçados e desprotegidos no ambiente hospitalar. Nesse sentido, a recreação possibilita que os pais/acompanhantes tenham a oportunidade de ver a criança apreciar uma brincadeira e esquecer da sua doença, permitindo assim, que reserve seu emocional para lidar melhor com as situações adversas(7).

Dentre as modalidades de brinquedos, estão os normativos, com finalidades de divertir, brincar e causar satisfação nas crianças e os terapêuticos, que tanto na sala de espera de um ambulatório infantil quanto nas enfermarias, cumprem sua função, ou seja, buscam transformar esses ambientes em locais mais descontraídos, proporcionando, assim, condições psicológicas mais favoráveis às crianças e adolescentes(8). A utilização do brincar/brinquedo com as crianças proporciona, de forma indireta, aos pais e familiares o benefício de se sentirem acolhidos e "cuidados" em um ambiente que, por si , ameaça o papel protetor dos mesmos. Na mesma direção, Elliott(9) complementa que os programas que visam trazer o humor e a brincadeira para dentro do hospital podem beneficiar não os pacientes, como também aos familiares e equipe de funcionários, favorecendo-os através de um ambiente mais descontraído.

Com base nesses pressupostos, vimos a necessidade de implantar um projeto de recreação para crianças que aguardam o atendimento ambulatorial, cuja ênfase era o brincar, visando, assim, estabelecer um processo de comunicação terapêutica que possibilitasse sua compreensão acerca da situação que ela estava vivenciando. Brincando, a criança pode conviver melhor com as diferentes situações surgidas no hospital, como o tratamento médico, internações, rotinas de idas e vindas e a espera no ambulatório para a realização de consultas médicas ou outros atendimentos. Nesse sentido, o brincar permitirá à criança explorar essas situações de maneira menos traumática; trabalhar as emoções difíceis, vivenciadas nesses momentos; diversão e relaxamento; sentir-se mais segura em um ambiente estranho; além de ser um meio para aliviar tensão e facilitar a expressão de sentimentos, encorajando a interação e o desenvolvimento de atitudes positivas em relação a outras pessoas; o que possibilitará a expressão de idéias e interesses criativos, visando atingir um modo terapêutico de orientação(10). Ao brincar a criança reinventa o seu mundo, explora seus próprios limites através do "faz de conta", podendo conseguir lidar melhor com as adversidades estabelecidas(11).

Assim, o objetivo desse trabalho é relatar a vivência de alunos de graduação na implantação de um grupo de recreação que utiliza o brincar/brinquedo como estratégia terapêutica de intervenção na assis-tência à criança que permanece em sala de espera de um ambulatório infantil.

2. O CAMINHO PERCORRIDO Trata-se de um estudo descritivo, no qual relatamos nossa vivência com a implantação do projeto "A utilização do brincar/brinquedo em sala de espera de um ambulatório infantil". O local escolhido para realização das atividades foi o ambulatório pediátrico do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, unidade localizada no campus universitário. A instituição em questão é um hospital-escola de referência terciária, situado em um município do interior do estado de São Paulo, o qual presta assistência à população de qualquer região do país, seja com atendimento médico de emergência, ambulatorial ou internação programada.

A área de atendimento ambulatorial situa-se no segundo andar do hospital, é dividida em especialidades e conta com um espaço físico próprio para a pediatria. No ambulatório pediátrico, o atendimento às especialidades é feito em dias determinados, ou seja, cada dia atendem-se crianças com determinadas especialidades, dentre elas: patologias renais, cardíacas, imunológicas, endocrinológicas, gastroenterológicas, oncológicas, hematológicas, dentre outras.

As crianças podem agendar consultas nos períodos da manhã ou tarde e, na maioria das vezes, chegam ao hospital por volta da 7 horas, seja para realização de exames, ou seja porque a locomoção até o hospital é feita por meio de transporte municipal da sua cidade e este realiza apenas uma viagem diária de ida e volta para atender a todos os pacientes. Sendo assim, a criança e seu acompanhante permanecem o dia todo no ambulatório, mesmo que o seu atendimento tenha sido agendado para o período da manhã e esta fique dispensada ainda neste período. Nesse contexto, o brincar/brinquedo proporciona lazer, além de auxiliar o desenvolvimento da criança nesse período ocioso que permanece no ambiente hospitalar.

Para implantação do projeto, inicialmente, mantivemos contato com a enfermeira responsável pelo ambulatório pediátrico para que esta conhecesse não o projeto, mas também os bolsistas que dele participariam, procedimento que adotamos, também, com relação ao responsável pelo Departamento de Pediatria e Puericultura da instituição onde o projeto seria realizado. Na ocasião, reiteramos nossos esforços para a busca de estratégias que contribuíssem para a humanização da assistência às crianças e seus familiares, que se encontrassem na situação em questão, bem como nos empenhamos para adequar a implementação das atividades às rotinas do ambulatório.

O programa foi implantado em maio de 2003, sob a coordenação de docente da área de enfermagem pediátrica da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo e desenvolvido, inicialmente, por dois alunos de graduação, um do curso de enfermagem e outro do curso de pedagogia, ambos bolsistas do programa COSEAS/USP, posteriormente, contamos com a participação de quatro voluntários. No período de maio de 2003 a dezembro de 2004 o programa atendeu a 840 crianças na faixa etária de 3 a 12 anos, que aguardavam atendimento ambulatorial.

As atividades eram realizadas três vezes na semana, com duração de 2 horas, nos períodos em que as crianças estavam aguardando atendimento ambulatorial. Em um primeiro momento os integrantes do programa faziam a apresentação dos participantes, especificando os objetivos do projeto para os responsáveis pelas crianças e, somente após a permissão dos mesmos, as crianças eram convidadas a participar das brincadeiras que aconteciam no próprio local de espera.

As diversas atividades desenvolvidas incluíam: colagem, desenho, dobradura, pintura, modelagem com massa não-tóxica; trabalhos manuais, confecção de brinquedos e de enfeites; jogos; canções e cantigas infantis. Havia, também, o "contador de histórias" que narrava às crianças contos e fábulas infantis, tendo à mão a "caixa mágica", a qual guardava fantoches e outros objetos que permitiam o recurso visual e ambientação dos ouvintes no processo do "faz-de- conta". Além disso, utilizamos brinquedos que possibilitavam às crianças simularem situações semelhantes às que normalmente vivenciavam, como estetos- cópios, termômetros, seringas e frascos de soros.

Ao longo do desenvolvimento do projeto, observamos que as crianças maiores preferiam a pintura, o desenho e os jogos, enquanto as menores escolhiam a modelagem com massa, materiais hospitalares e histórias infantis.Sacchetto(12) afirma que as crianças a partir dos 5 anos apresentam destreza e motricidade bem definidas, sugerindo brinquedos com modelagem em massinha, argila ou gesso, enquanto as crianças com idade a partir de 9 anos, por apresentarem raciocínio lógico desenvolvido em sua plenitude, podem utilizar jogos mais complexos.

Nesse sentido, pela diversidade de faixa etária das crianças que participavam do projeto, dispúnhamos de materiais para todas as idades, e as deixávamos livres para escolha daquele que mais lhe agradasse. No caso da escolha recair sobre atividades manuais, ao final de cada encontro, as crianças levavam para casa os trabalhos confeccionados. Todas mostravam-se interessadas e motivadas a participar das brincadeiras, e de forma verbal ou não-verbal, manifestavam o carinho e a satisfação de desenvolverem tais atividades. Aquelas que conheciam o projeto mostravam-se mais motivadas para os retornos ambulatoriais e, em ocasiões em que não encontraram o grupo de recreação, relataram sua frustração frente a essa situação nos encontros subseqüentes. O grupo de recreação desenvolve suas atividades três vezes por semana, isto é, às segundas, quartas e sextas-feiras, e muitas vezes as crianças não tinham a dimensão temporal para compreender esse calendário; e mesmo aquelas que o compreendiam, não deixavam de manifestar sua insatisfação.

Os pais e acompanhantes verbalizaram que, enquanto as atividades eram desenvolvidas, as crianças permaneciam menos ansiosas por terem a oportunidade de preencher o tempo livre. relatos tanto das crianças como de acompanhantes a respeito da motivação para a ida ao hospital, contribuindo com a dinâmica familiar, em virtude da expectativa de realizar as atividades recreacionais antes do atendimento ambulatorial.

Durante a implementação do projeto, enfrentamos algumas dificuldades, sendo a primeira delas a adequação do espaço físico para o desenvolvimento das atividades, pois, muitas vezes, dispúnhamos somente de uma mesa e de número insuficiente de cadeiras, o que restringia a participação das crianças. Além disso, muitas mães/acompanhantes se juntavam ao grupo para participarem das atividades, dificultando ainda mais seu desenvolvimento, havendo, assim, necessidade de readequação do ambiente. Outro obstáculo referia-se ao número reduzido de alunos para a operacionalização do projeto. Uma das formas encontradas para minimizá-lo, foi incluir no projeto alunos voluntários.

Contar com a participação dos demais profissionais de saúde que integram a equipe de pediatria do ambulatório para operacionalização do projeto, também, tem sido outro desafio. Apesar de freqüentes reforços positivos e estímulos para a continuidade das atividades, até o momento não tivemos a oportunidade de desenvolver um trabalho conjunto com esses profissionais. A análise das questões referentes à implementação de estratégias recreacionais, direcionadas às crianças em sala de espera ambulatorial, pelos profissionais de saúde deverá ser objeto de estudo de uma futura investigação.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS A operacionalização do projeto tem-se mostrado bastante favorável como uma estratégia terapêutica de intervenção na assistência à criança que permanece em sala de espera ambulatorial. A crescente busca pela humanização da assistência também pode ser alcançada através da compreensão de que o espaço hospitalar não é um ambiente onde se vivencia apenas aspectos desagradáveis, como dor, medo, ansiedade e choro; ao contrário, pode ser transformado em um local que facilita o desenvolvimento global da criança através do exercício de suas potencialidades, tendo como principal objetivo, o brincar.

A avaliação positiva do desenvolvimento dessas atividades, direcionadas às crianças soma-se a outros benefícios, que podem ser alcançados com a implementação deste projeto. O brincar/brinquedo constitui-se em um instrumento que auxilia o profissional a compreender o momento pelo qual a criança está passando, pois é um instrumento que possibilita à criança liberar temores e ansiedade, além de ser estimulador do seu desenvolvimento. Ao mesmo tempo em que proporciona lazer, durante a espera do atendimento ambulatorial, facilita a comunicação entre equipe cuidadora e criança.

Assim, o brincar/brinquedo apresenta-se como uma estratégia de intervenção em enfermagem pediátrica, em situações de saúde e doença da criança num ambiente hospitalar, seja de internação ou não. Apreender o significado das interações das crianças em momentos que antecedem o atendimento ambulatorial pode contribuir para a qualidade do cuidado a ser prestado e, ainda, repercutir positivamente em seu acompanhante.


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