Pode a amamentação promover alívio da dor aguda em recém-nascidos?
REVISÃO
Pode a amamentação promover alívio da dor aguda em recém-nascidos?
Can breastfeeding promote acute pain relief in newborns?
La lactancia puede promover alívio del dolor agudo en recién-nacidos?
Adriana Moraes LeiteI; Thaila Corrêa CastralII; Carmen Gracinda Silvan
ScochiIII
IProfessora Doutora do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Saúde
Pública da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo
(EERP-USP), Ribeirão Preto, SP
IIPós-graduanda do Programa de Enfermagem em Saúde Pública da EERP-USP,
Ribeirão Preto, SP
IIIProfessora Titular do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Saúde
Pública da EERP-USP, Ribeirão Preto, SP
1. INTRODUÇÃO
A dor em neonatos é um dos aspectos que tem se destacado no contexto da
assistência humanizada e na filosofia do cuidado atraumático e do cuidado
desenvolvimental, embora seja um tema bastante recente na área de Neonatologia.
Recém-nascidos (RNs) a termo e pré-termo demonstram respostas fisiológica,
hormonal, metabólica e comportamental similares ou mais intensas à dor, quando
comparados a crianças com mais idade ou adultos(1).
A identificação da dor em RNs pela equipe de saúde é uma das ações de grande
relevância para o bem-estar do bebê, visto que interfere no restabelecimento de
sua saúde(2), podendo apresentar repercussões, a longo prazo, em relação à
integração da criança com sua família, à cognição e ao aprendizado(3),
refletindo no aumento dos índices de morbimortalidade(4). Torna-se, portanto,
fundamental que a dor em crianças seja adequadamente identificada, avaliada e,
sobretudo, tratada.
As abordagens para o controle da dor em RN podem ser consideradas como
farmacológicas e não-farmacológicas, enfatizando-se o uso simultâneo de ambas
sempre que necessário.
Estudos têm sido realizados para avaliar as respostas de alívio da dor aguda
através de medidas não-farmacológicas em procedimentos que causam dor aguda no
RN, sendo a amamentação materna uma dessas medidas.
No presente estudo, tem-se particular interesse pela amamentação por constituir
em uma intervenção natural, sem custos adicionais, podendo ser facilmente
aplicada em diversas situações de dor aguda pelo fato das mães terem livre
acesso e participação na assistência ao filho na unidade neonatal e poderem
estar presentes também nos atendimentos ambulatoriais, além das vantagens
nutritivas, imunológicas, sociais e psicológicas(5).
A partir deste estudo, pretende-se oferecer bases teóricas que fundamentem a
prática da amamentação como uma medida de alívio da dor aguda em RNs.
O objetivo do presente estudo é identificar através da literatura científica, a
eficácia da amamentação e dos aspectos que a congregam (contato, sucção, odor e
sabor do leite materno) como medidas não-farmacológicas no alívio da dor aguda
em RNs.
2. METODOLOGIA
Trata-se de uma revisão de literatura que define-se como um trabalho exaustivo
que se preocupa em fazer a análise de documentos já publicados sobre o mesmo
tema, promovendo desta forma a atualização do conhecimento(7).
Os dados foram obtidos pelo Medline/PubMed, através de três etapas. Na
primeira, utilizou-se os descritores breastfeeding and pain and newborn,
período de 1990a 2004, sendo acessados quatro artigos, dos quais dois
relacionavam-se diretamente ao tema. Na segunda, através do ícone "related
articles" dos artigos anteriormente analisados, obteu-se 19 artigos, sendo
analisados nove que estavam disponíveis na íntegra.
Na última fase da coleta na qual foram cruzados os descritores pain and newborn
com cada um dos fatores relacionados que possivelmente interagem no processo de
amamentação (milk, contact, suckling, taste, odor, restraint), sendo então
encontrados nove, dos quais foram analisados cinco, pois dois não estavam
disponíveis na íntegra e dois tratavam-se de artigos de revisão. Todas as
etapas foram repetidas por outro pesquisador para assegurar a confiabilidade da
pesquisa bibliográfica.
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
Dos 16 artigos analisados, nove foram realizados na América do Norte, sendo
sete nos Estados Unidos e dois no Canadá; sete na Europa, sendo dois na França,
um na Suécia, dois na Turquia, um na Suíça e um na Itália. Desses estudos,
seis, foram publicados no período de 1994 a 1999 e, dez de 2000 a 2004. Quanto
ao tipo de estudo, 16 artigos eram experimentais randomizados (14 em humanos e
dois em ratos).
O quadro_1 (Anexo) mostra uma síntese dos 14 estudos experimentais realizados
em humanos, apresentando os diferentes desenhos metodológicos, dispostos
conforme a seqüência da busca realizada.
Observa-se que dos estudos experimentais realizados em RNs humanos, três
investigaram a amamentação(7-10).
Verificou-se que a amamentação reduz significantemente a dor durante a punção
venosa de RNs a termo. Os escores de dor obtidos através da escala Premature
Infant Pain Profile (PIPP), foram menores nos grupos da amamentação e da
glicose adicionada à chupeta em comparação aos grupos que foram mantidos no
colo ou os que receberam água antes do procedimento (7). Os autores não
verificaram a relação entre a intervenção e os efeitos no tempo de recuperação
à dor, além de não terem sido registradas as diferentes fases do processo de
punção venosa, isto é, desde a antissepsia até a finalização do procedimento
com a compressão local.
Os escores obtidos no momento da punção do calcâneo e recuperação, mostram que,
quando comparados ao grupo controle (no berço enrolados no cobertor), os RNs
amamentados apresentaram valores significativamente menores na escala Neonatal
Facing Coding System (NFCS) adaptada, sendo 8% do total dos valores para o
grupo experimental e 50% para o controle. Os valores da freqüência cardíaca
(FC) também foram menores entre os RNs que mamaram(8).
Entretanto, outro estudo concluiu que o efeito comportamental da amamentação
não promoveu uma redução significativa da dor em RNs a termo submetidos à
punção do calcâneo. A média do tempo de choro foi de 36, 62, 52 e 51 segundos
nos grupos nos RNs que receberam sacarose 25%, leite ordenhado, água e os que
mamaram, respectivamente. A escala Infant Body Conding System (IBSC) mostrou
que os RNs do grupo da sacarose tiveram escores significativamente menores,
seguidos pelos dos grupos do aleitamento e do leite ordenhado. Houve diferença
significativa entre os grupos com relação ao tempo de recuperação e mudança
percentual na FC, favorecendo o grupo da sacarose. Mas quando comparados os
grupos, houve diferença significativa entre o grupo da sacarose versus o do
leite humano e da sacarose versus o da água, quanto ao tempo de recuperação,
além de uma diferença significativa em relação à mudança percentual da FC,
quando se comparou o grupo da sacarose aos outros grupos. O IBSC mostrou que o
grupo da sacarose teve escores significativamente menores seguidos da
amamentação e leite humano. Concluiu-se que o efeito da sacarose 25% é superior
ao da amamentação no alívio da dor, em especial no tempo de choro e nas
variáveis comportamentais. Uma limitação do estudo, foi o fato dos RNs terem
sido amamentados apenas antes de se iniciar o procedimento e isso poderia ter
afetado o aspecto psicológico da amamentação, ressaltando a necessidade de se
mudar a metodologia, mantendo os RNs sugando durante todo o procedimento de
coleta. Outra limitação foi o tempo de amamentação, pois os dois minutos
utilizados podem não ser suficientes para o efeito nociceptivo do leite humano
(9).
Comparando-se os efeitos da glicose 30% e a amamentação na redução da dor em
RNs, durante a venopunção, verificou-se que os grupos da amamentação + glicose
(grupo 2) e jejum + glicose (grupo 4), apresentaram escores da PIPP
significativamente menores do que os dos grupos de amamentação + água (grupo 1)
e jejum + água (grupo 3). Não houve diferença significativa entre os grupos 1 e
3. A PIPP foi menor no grupo 2 do que no 1. Houve uma diferença similar entre
os grupos 4 e 3. A média de choro durante os 3 primeiros minutos foi de 63, 18,
142 e 93 nos grupos 1, 2, 3 e 4, respectivamente. Concluiu-se que a combinação
entre amamentação e glicose resultou no menor nível de dor e menor tempo de
choro. O estudo sugere que se a glicose oral for dada antes da venopunção, o
fato de ter sido recentemente amamentado ou estar em jejum, não possui grande
impacto nos escores de dor, mas no tempo de choro. A combinação amamentação +
glicose oral desencadeou um menor escore de dor sendo associado com
significativa redução do choro indicando um efeito interativo no desconforto
devido a dor e talvez a fome. Os resultados podem ser divergentes (do choro e
dos escores de dor) porque os bebês estavam com fome(10).
Os demais artigos analisados abordaram os aspectos que a congregam (contato,
sucção, odor e sabor do leite materno) como medidas não- farmacológicas no
alívio da dor aguda em RNs.
Ao serem avaliados os efeitos do contato pele a pele entre mãe e RN durante a
punção do calcâneo, constatou-se que o contato foi muito potente contra a dor,
sendo que o choro e a mímica facial foram reduzidos de 82% e 65%,
respectivamente, em relação aos valores encontrados no grupo controle, além de
ter prevenido o aumento da FC. Os autores consideram que a chave para assegurar
o sucesso foi os 10-15 minutos de privacidade da mãe com o RN na posição
canguru(11).
Outro estudo avaliou a eficácia do contato pele a pele no alívio da dor durante
a punção de calcâneo. Os escores da PIPP foram significativamente menores no
grupo do contato após a punção, porém não houve diferença significativa na
recuperação quando comparado ao grupo controle. A FC e SpO2foram similares em
ambas as condições, porém a mímica facial foi significativamente reduzida,
sendo 20% mais incidentes no controle(12).
Ao compararem grupos que receberam água sem contato (controle), sacarose 24%
sem contato, contato e água e contato e sacarose 24%, constatou-se a diminuição
do choro com o contato. A redução média do choro de 85,5% no controle para
66,8% nos RNs que receberam sacarose e contato combinados foi devido ao efeito
aditivo, situação na qual duas condições produzem um efeito analgésico quando
empregadas sozinhas, porém potencializam-se quando combinadas. A diminuição da
FC somente ocorreu com a combinação de contato e sacarose (efeito interativo),
apontando um sinergismo entre ambas. O autor sugere que o RN seja colocado em
contato com a mãe no lugar da pesquisadora e ao invés da sacarose, seja usado o
leite materno/amamentação(13).
Em um estudo analisado realizado com ratos, não citado no quadro, foi
investigado se os mecanismos de mediação nociceptiva desencadeados pelo contato
materno pele a pele estariam relacionados a mecanismos opióides ou não.
Realizou-se vários experimentos aplicando-se calor local na orelha ou ombro dos
ratos isolados ou em contato com outros ratos, com as próprias mães, sugando ou
não. Concluiu-se que os efeitos anti-nociceptivos do contato devem também estar
relacionados a mecanismos não opióides(14).
Outro componente, o odor do leite materno, provavelmente pode contribuir para o
alívio da dor aguda em RNs. Em um estudo, os RNs familiarizados com um
determinado odor e, ao poder senti-lo durante o procedimento de punção do
calcâneo,, apresentaram menos respostas à dor do que aqueles que receberam o
mesmo odor durante o procedimento mas não estavam familiarizados anteriormente
com ele, ou aqueles que não receberam odor algum nem antes, nem durante o
procedimento(15).
Vários estudos investigaram o efeito analgésico do leite materno e seus
componentes comparando-o com a sucção, contato ou sacarose.
O efeito analgésico induzido pelo colostro materno foi comparado com a água ou
sacorose 12% administrada pela seringa ou chupeta em RNs humanos. De acordo com
os índices comportamentais (choro e mímica facial), colostro sozinho ou
associado à chupeta não induziu a analgesia em RNs durante a punção de
calcâneo, nem mesmo no período de recuperação. Além disso, o colostro
administrado pela seringa não preveniu o aumento da FC. No entanto o colostro
administrado pela chupeta foi tão efetivo como a sacarose em prevenir
taquicardia durante e após a punção(16).
Ao comparar-se o efeito analgésico da sacarose 25% e do leite humano em RNs,
verificou-se que a sacarose foi superior ao leite e placebo na redução de todos
os parâmetros de dor. Se somente os efeitos antinociceptivos orosensoriais
forem considerados, os autores concluem que o leite humano não é tão efetivo
quanto à sacarose(17). Os mesmos reconhecem que não determinaram os efeitos da
estimulação orotátil, contato materno, e o mecanismo pós-absorção do leite
humano, que podem potencializar o seu efeito calmante(18).
Ao investigar a eficácia do leite e seus componentes no alívio da dor durante e
após o procedimento de punção do calcâneo, constatou-se que a sacarose e o
Similac (fórmula especial do leite) reduziram as manifestações de dor durante e
após o procedimento; que a gordura e a proteína foram eficazes durante a
recuperação, porém a galactose, açúcar do leite, não foi eficaz durante e nem a
pós o procedimento(19). Assim, o efeito analgésico do leite, pode estar
relacionado à proteína, sendo a presença da glicose não suficiente para
promover o alívio da dor .
Em um dos experimentos analisados no presente estudo, obteu-se resultados
significativamente menores no grupo dos RNs que sugaram a chupeta embebida em
glicose 30% durante dois minutos antes da punção venosa em RNs comparados ao
grupo que recebeu apenas água(20). Porém, ao compararem a utilização da glicose
em diferentes concentrações ao leite materno e à água, administrados dois
minutos antes do procedimento de punção do calcâneo em RNs pré-termo,
concluíram que a glicose a 30% proporcionou melhores efeitos no alívio da dor
do que a glicose a 10%, ao leite materno e à água(21).
Quanto ao efeito relacionado à presença da proteína do leite, estudos em ratos
mostraram a ação de peptídeos da caseína (b-Casomorfina 4, 5 e 7) como agentes
analgésicos em animais, pois suportaram mais tempo o calor, sendo a b-
Casomorfina 5, a substância que demonstrou maior eficácia na mediação nóxica.
Tal ação é opióde, já que foi inibida pelo Naloxone, antagonista opióide(18).
Após a ingestão do leite ocorre a hidrólise da caseína, que se converte em b-
Casomorfina, sendo então absorvida no trato gastrointestinal. Esta é
rapidamente degradada, sendo sua meia vida estimada para um tempo menor do que
cinco minutos(22).
Em RNs humanos, acredita-se que o sistema de ação opióde central, em particular
os receptores m, também é desencadeado pela via pós absortiva da b-Casomorfina,
que permite que o efeito analgésico do leite e as influências de conservação de
energia (diminuição da FC e atividade motora) sejam estendidos durante todo o
período de sucção(18).
Em estudo no qual utilizou-se infusão de leite associada ao contato ou à
sucção, verificou-se que as mudanças induzidas pelo sabor parecem se prolongar
quando os ratos não estão sugando, sugerindo que os sistemas antinoceptivos
oro-tátil (sucção) são interrompidos imediatamente após a cessação da infusão
de leite, tornando-se ineficaz, apesar da permanência da sucção. Assim, o
contato pele a pele (tátil) associado ao leite (processo gustatório) pode
produzir um efeito aditivo, enquanto a sucção (contato oro-tátil) pode inibir o
sistema gustatório, após o término da infusão de leite(23).
A sucção de uma chupeta sem sabor foi analgésica quando a freqüência da sucção
excedia 30 sucções por minuto; a combinação de sacarose e sucção não-nutritiva
foi extremamente analgésica, sendo que a expressão facial de dor foi reduzida a
quase zero pelos procedimentos que eliminaram o choro e reduziram a FC durante
o procedimento. A combinação da sucção não-nutritiva através da chupeta com o
sabor adocicado da sacarose é mais eficaz na redução da dor, quando os
aferentes oro-táteis (sucção) e oro-sensíveis (sacarose) combinam-se para
reduzir tal reatividade(24).
Ao ser investigada a eficácia da estimulação multisensorial adicionada à
sacarose, verificou-se que a sucção proporcionou uma redução no escore da DAN
(Doulier Aiguë du Nouveau-né)), porém a máxima analgesia foi obtida através da
sucção + glicose (grupo 4) e saturação sensorial + glicose (grupo 6), sendo
este o mais efetivo(25).
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
De um modo geral, percebe-se a eficácia da amamentação no alívio da dor aguda
em RNs tanto nos estudos experimentais que a investigaram como intervenção,
quanto naqueles que abordaram os aspectos que a congregam (contato, sucção,
odor e sabor do leite materno).
O alívio da dor é potencializado mediante situações de combinação de
tratamentos: contato pele a pele e leite ou glicose, sucção não nutritiva e
glicose, estímulos multisensoriais e glicose, podendo-se considerar que a
amamentação, que congrega todos esses elementos, seria uma intervenção
aconselhável em procedimentos de dor aguda em RNs.
O fato dos efeitos anti- nociceptivos da amamentação serem menores quando
comparados com a sacarose e glicose pode justificar-se pelo uso da amamentação
somente antes do procedimento doloroso. Assim, há necessidade de outros estudos
que avaliem o efeito analgésico da amamentação cinco minutos antes do
procedimento doloroso, até o final da recuperação, tempo suficiente para ser
atingido o efeito analgésico pós-absortivo do leite. Deve-se também considerar
a interação entre todos os componentes que estão contidos na amamentação
(freqüência de sucção, condições de pega na mama materna, contato, odor e
contenção), variáveis que podem interferir na eficácia de tal intervenção.