Ensino de enfermagem em Lajeado, RS: resgate histórico
PESQUISA
Ensino de enfermagem em Lajeado, RS: resgate histórico
Nursing teaching in Lajeado, RS: a historical recover
Enseñanza de enfermería en Lajeado, RS: rescate historico
Giselda Veronice HahnI; Justina Inês Brunetto Verruck AckerII; Ana Paula
WagnerIII; Queli de Assis TrombiniIV
IEnfermeira. Mestre em Enfermagem. Docente do Curso de Enfermagem do Centro
Universitário UNIVATES, Lajeado, RS.giselda@bewnet.com.br
IIEnfermeira. Mestre em Enfermagem pela UFSC. Coordenadora e Docente do Curso
de Enfermagem do Centro Universitário UNIVATES, Lajeado, RS.fvacker@uol.com.br
IIIAcadêmica do 8º semestre do curso de Enfermagem do Centro Universitário
UNIVATES, Lajeado, RS, bolsista de iniciação científica.anapwagner@yahoo.com.br
IVAcadêmica do 5º semestre do curso de Enfermagem do Centro Universitário
UNIVATES, Lajeado, RS, bolsista de iniciação científica.tromsis@univates.br
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1. INTRODUÇÃO
Este artigo é resultado de pesquisa desenvolvida por alunos e professores do
Curso de Enfermagem da UNIVATES Centro Universitário, de Lajeado, RS. Nosso
objetivo geral foi resgatar a trajetória do ensino de enfermagem no município
de Lajeado a partir da segunda metade do século passado. Especificamente
procuramosidentificar a construção dos saberes e das práticas de enfermagem;
descrever as características das instituições formadoras e dos cursos
oferecidos; e relacionar o ensino de enfermagem com as políticas públicas
vigentes na época.
A partir da pesquisa histórica, busca-se o entendimento da realidade através da
análise dos fatos passados. No que diz respeito à enfermagem, conhecer e
recontar este processo facilitará a compreensão dos saberes e das práticas
atuais, pois (...) a compreensão de qualquer área do conhecimento está
estritamente relacionada às suas origens, suas raízes, tornando-se,
portanto,necessário buscar na história explicações para fatos ocorridos
atualmente (1).
O resgate histórico do ensino de enfermagem a partir da segunda metade do
século passado no município de Lajeado vem integrar um contexto mais abrangente
sobre a história da enfermagem, pois vários estudos e publicações têm sido
divulgados, visando conhecer e registrar os antecedentes históricos da
profissão.
Esta reconstrução visa subsidiar a reflexão acerca das transformações dos
saberes e práticas da enfermagem, nos diversos momentos de nossa organização
social. Além disso, oferece uma visão do desenvolvimento da sociedade local,
propiciando o entendimento da organização do ensino de enfermagem de acordo com
a realidade vivida.
Revisitar a história da enfermagem não tem o objetivo de apenas recuperar uma
seqüência de dados cronológicos, mas de buscar os fatores que condicionaram e
determinaram o desenvolvimento dessa profissão em nosso país, bem como refletir
sobre o papel do profissional e a sua atuação na área da saúde. Muitos dos
problemas vividos hoje pela enfermagem produziram-se no passado e se reproduzem
no presente; por isso, a investigação é necessária para seu desvendamento e
superação(2).
Acreditamos que a reflexão oportunizada pelos conhecimentos construídos
contribuirá para o fortalecimento e o reconhecimento da enfermagem como uma
profissão, em nível local e nacional.
2. METODOLOGIA
A busca de identidade é uma das necessidades fundamentais da sociedade humana
até hoje. Esta busca é elemento essencial à memória, cujo suporte é o grupo
social. A identidade é percebida e construída permanentemente, pressupondo um
elo com a história passada e com a memória do grupo. Quando acaba a memória,
começa a história(3).
Com o objetivo de resgatar a história do ensino de enfermagem no município de
Lajeado, optou-se pela pesquisa qualitativa, de caráter descritivo, utilizando
a metodologia da História Oral e da Análise Documental, sendo os dados
coletados submetidos à Análise de Conteúdo de Bardin(4).
A coleta de dados foi realizada através de entrevista semi-estruturada tendo
por base três categorias pré-definidas: 1) Características das instituições
formadoras e dos cursos; 2) Motivação dos sujeitos e significado do processo de
ensino na construção do saber; 3) Enfoque do ensino e as políticas vigentes.
História oral é um método de pesquisa que privilegia a realização de
entrevistas com pessoas que testemunharam acontecimentos, como maneira de se
aproximar do objeto de estudo. A análise documental permite obter ecomplementa
informações que não podem ser investigadas a partir da observação direta ou por
entrevistas(5).
A pesquisa foi realizada com 28 sujeitos que viveram o processo ensino-
aprendizagem de enfermagem no período do estudo, entre eles, docentes
enfermeiros e médicos, alunos, diretores de escolas e coordenadores de curso.
Identificamos três instituições, um hospital e duas escolas (uma de nível
fundamental e médio e outra um Centro Universitário), que atuaram no período
estudado e que ofereceram cursos formais ou informais. Foi solicitada a
assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, conforme preconiza a
resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde.
A análise documental tem como base os registros que constam em currículos de
cursos, certificados, pareceres de autorização e fotografias, das três
instituições envolvidas na formação.
3. EMBASAMENTO TEÓRICO
Registrar a história do ensino de enfermagem revela a necessidade de uma
compreensão crítica das práticas de enfermagem. A história da enfermagem não se
processa em um espaço abstrato. Ao contrário, ela se dá num espaço concreto na
sociedade brasileira, com seus determinantes políticos, históricos e
ideológicos, sendo, portanto, altamente influenciável pelas ações e decisões
tomadas nestes campos. A coleta de fatos históricos deve passar por um processo
de análise que evidenciará as relações da enfermagem com a sociedade e com o
Estado.
Pesquisadores da história da enfermagem revelam que a formação do enfermeiro
esteve vinculada aos interesses dominantes, formando profissionais que
atendessem às necessidades do sistema político vigente(1,2,6,7).
O perfil do enfermeiro no Brasil, consonante como o modelo social e econômico
vigente, começou a ser delineado por volta de 1543, quando são construídas as
primeiras Santas Casas com o objetivo de isolar os pobres, os doentes e os
órfãos.
(...) o pobre tem necessidade de assistência e, como doente, portador de doença
e de possível contágio, é perigoso. Por estas razões, o hospital deve estar
presente tanto para recolhê-lo, quanto para proteger os outros do perigo que
ele encarna(8).
As Santas Casas tinham um cunho puramente curativo e destinavam-se aos enfermos
miseráveis. A assistência prestada caracterizava-se como atividade religiosa,
cujos exercentes demonstravam alto grau de obediência, respeito à hierarquia,
humildade e espírito de servir.
A ideologia da enfermagem desde sua origem (...) significa: abnegação,
obediência, dedicação. Isso marcou profundamente a profissão de enfermagem o
enfermeiro tem que ser alguém disciplinado e obediente. Alguém que não exerça a
crítica social, porém console e socorra as vítimas da sociedade(1).
A formação do enfermeiro é ditada pelas necessidades de atendimento
apresentadas pela população no final do século XIX e início do século XX.
Grandes problemas de saúde pública assolavam o país neste período. Epidemias
como febre amarela, varíola e peste bubônica desafiavam uma nova organização
sanitária. Diversas medidas foram instituídas com o objetivo de controlar as
doenças, entre elas a criação do serviço de assistência gratuita aos pobres e o
serviço de inspeção sanitária que realizava visitas periódicas a navios,
mercados, prisões, hospitais, colégios, igrejas. Era a chamada Polícia
Sanitária (2).
O modelo sanitarista foi muito contestado pela imprensa, pelos intelectuais e
pela população devido ao seu caráter autoritário. As medidas não visavam à
melhoria da qualidade de vida da população e à prevenção dos problemas de
saúde.
Neste mesmo período, a economia girava em torno da exportação do café. Havia,
nos portos do Rio de Janeiro e de Santos, uma grande circulação de pessoas,
entre elas, negros e escravos brasileiros e estrangeiros. Nessa mesma época, o
Brasil entra numa crise comercial, pelo fato de ocorrerem epidemias de febre
amarela, as quais atingiram os tripulantes dos navios estrangeiros, levando
muitos deles à morte. Os dirigentes brasileiros eram constantemente advertidos
pelos países com quem mantinham relações comerciais sobre os riscos de
contaminação. Conseqüentemente, o saneamento dos portos era uma exigência para
a continuidade da comercialização.
Oswaldo Cruz é chamado para controlar as epidemias e inicia uma grande campanha
prevencionista. Em quatro anos são controladas a febre amarela, a peste e a
varíola. Carlos Chagas deu continuidade ao trabalho iniciado por Oswaldo cruz e
criou, em 1921, o curso de Visitadoras Sanitárias, sendo função da enfermeira-
visitadora, como educadora sanitária, difundir medidas de prevenção de doenças
nas residências, nos portos e comunidades em geral. Surge, assim, a Enfermagem
Moderna no Brasil(1,2).
3.1 Ensino profissional de enfermagem no Brasil
Os antecedentes históricos que marcaram o início da profissionalização da
enfermagem no Brasil estão relacionados ao surgimento de cursos de parteiras
junto às faculdades de medicina do Rio de Janeiro (1832) e da Bahia (1808)(7).
A primeira escola de enfermagem surgiu em 1890, junto ao Hospital Nacional dos
Alienados, também chamado Hospício Pedro II, através do Decreto nº 791, de 27/
09/1890, no Rio de Janeiro. Passou a denominar-se Escola de Enfermeiros Alfredo
Pinto e tinha a função de preparar profissionais para atuar nos hospitais. As
aulas eram dadas pelos médicos. Funcionou em condições precárias até ser
reorganizada em 1959.
Em São Paulo, surgem as escolas de Enfermeiras do Hospital Samaritano, em 1901;
e a escola de Parteiras, em 1902.
Em 1916, a Cruz Vermelha Brasileira cria a sua escola, fruto de um movimento
internacional para melhorar as condições de assistência aos feridos da Primeira
Guerra Mundial.
Foi, porém, a criação da escola de Enfermagem do Departamento Nacional de Saúde
Pública, pelo médico Carlos Chagas, em 1922, que marcou o início do ensino
formal de enfermagem no Brasil. Um grupo de enfermeiras norte-americanas,
chefiadas por Ethel Parsons e Clara Louise Kienninger, organizou a escola nos
moldes da escola britânica de Florence Nightingale, considerada precursora da
enfermagem profissional no mundo.
Em 1926, esta escola passa a chamar-se escola Ana Néri, em homenagem a à
voluntária brasileira que auxiliou no cuidado aos feridos na Guerra do
Paraguai. Em 1931, o educandário é decretado padrão por Getúlio Vargas, através
do Decreto 20.109, que também estabelece que todo o ensino de enfermagem, para
ser considerado válido, deveria estar baseado no currículo desta escola (7).
Inicialmente, o curso tinha a duração de três anos acadêmicos ou 28 meses
letivos. Já a segunda turma passou para quatro anos ou 36 meses. Era dividido
em cinco fases, sendo que na última o enfoque era a especialização em
enfermagem clínica, de saúde pública ou administração hospitalar. As candidatas
passavam por uma seleção em que se exigia o diploma de normalista ou, na
ausência deste, as candidatas tinham que provar sua capacitação. Havia a
obrigatoriedade de oito horas de estágio no Hospital São Francisco de Assis,
que dava direito à residência, pequena remuneração mensal e duas folgas e meia
por semana.
O modelo de ensino trazido pelas enfermeiras norte-americanas e praticado no
Brasil foi uma adaptação distorcida do modelo utilizado por Nigthingale na
Inglaterra.
As Escolas de Enfermagem dos Estados Unidos da América, fundadas nas décadas
finais do século passado e no início deste (XX), estavam diretamente vinculadas
a hospitais particulares, servindo a seus interesses imediatos de mão-de-obra e
de diminuição de custos, o que redundava em hipertrofia das atividades práticas
dos alunos(7).
Embora a necessidade de enfermeiras no Brasil, por ocasião do início de sua
profissionalização, ocorresse na Saúde Pública, o modelo seguido estava voltado
às necessidades apresentadas pelos hospitais. Este modelo de ensino da
enfermagem seria seguido no país.
Como podemos perceber, o início da profissionalização da enfermagem, através da
primeira escola considerada padrão para todo o país, foi marcada por
contradições. Inicialmente, a demanda por atendimento concentrava-se na saúde
pública, sendo exigida das enfermeiras uma escolarização em nível de países
desenvolvidos. Exigiam-se muitas horas de estágio nos hospitais. Além disso, a
adaptação do modelo norte-americano praticado no Brasil evidenciou outra
contradição. Nos Estados Unidos, assim como na Inglaterra, as enfermeiras eram
também preparadas para a administração, a supervisão e o ensino, enquanto a
demanda de atendimento no Brasil, tanto em nível hospitalar como na saúde
pública, era prioritariamente a execução do trabalho de enfermagem e não
somente as funções administrativas.
Seguindo os ditames da economia da época, a população feminina foi considerada
ideal para executar as atividades de enfermagem, as quais eram entendidas como
uma extensão do trabalho doméstico. Da classe operária provinham as enfermeiras
responsáveis pela prestação do cuidado propriamente dito, enquanto a burguesia
fornecia as enfermeiras que ocupavam os cargos gerenciais e administrativos.
A divisão técnica entre os dois tipos de enfermeiras que atuavam no Brasil
exigia uma separação das atividades que ambas deveriam executar. Surgem, assim,
as técnicas de enfermagem como as primeiras expressões do saber.
As técnicas de enfermagem (...) representavam efetivamente a primeira expressão
do saber de enfermagem. As técnicas representavam a sistematização das
atividades desenvolvidas pelos trabalhadores de enfermagem, de modo a
racionalizar o trabalho, com o objetivo de conseguir o melhor resultado com o
menor custo. É a aplicação dos princípios Tayloristas sobre a gerência
científica, onde o gerente controla o processo de trabalho que os demais
trabalhadores executarão de forma parcelada(6).
A racionalização proposta pela sistematização das técnicas de enfermagem visa
atingir economia de tempo, energia e dinheiro, atendendo aos interesses do
capital, o que demonstra a submissão da enfermagem a estes interesses. Estas
técnicas de enfermagem consistem na descrição dos procedimentos de enfermagem a
serem realizados, etapa por etapa, como também descrevem o material a ser
utilizado. Além disso, referem-se a procedimentos realizados junto aos
indivíduos, bem como incluem tarefas administrativas, como admissão e alta do
paciente.
As atividades ou cuidados prestados através das técnicas de enfermagem eram
desempenhados de forma empírica pelos primeiros práticos que atuavam nos
hospitais, mas foram apropriados pelos enfermeiros que os sistematizaram e os
transformaram em saber de enfermagem a ser utilizado como serviço e executado
pelo pessoal auxiliar sob controle gerencial do enfermeiro.
A evolução do conhecimento de enfermagem, que passou do pensamento místico,
mágico e até experimental das sociedades tribais ao conhecimento da ciência
racional, foi marcada ainda pelo surgimento da Associação Brasileira de
Enfermeiros e Enfermeiras, em 1926, que visava congregar as alunas formadas
pela primeira turma da Escola Ana Neri. Tinha como principal objetivo elevar os
padrões de saúde da população(1).
A partir da criação desta associação e da participação de enfermeiras no
Congresso do Conselho Internacional de Enfermeiras em Montreal, no Canadá, foi
considerado indispensável a existência de uma revista que auxiliasse no
desenvolvimento da profissão, criando-se, assim, Os Annaes de Enfermagem, em
1932. Este referencial é utilizado como instrumento de educação de estudantes,
professores e profissionais de enfermagem, na medida em que procura imprimir
uma direção intelectual, uma concepção de enfermagem e de mundo uniforme para
todo o Brasil.
Finalizando, buscou-se aqui demonstrar os principais fatos que marcaram a
história da enfermagem, o caminho percorrido pela enfermagem no Brasil, as
influências recebidas e ações realizadas, as quais configuraram o surgimento da
enfermagem profissional no país.
4. RESULTADOS
Para realizar o resgate histórico do ensino da enfermagem em Lajeado, RS a
partir da segunda metade do século passado, foram entrevistados sujeitos
oriundos de diferentes cursos e de diferentes instituições formadoras,
totalizando 28 pessoas: 15 alunos, 11 organizadores e co-organizadores e ou
professores que tinham, na época da realização de seus cursos, idades entre 18
e 40 anos, sendo 26 do sexo feminino e 2 do sexo masculino.
Os resultados foram agrupados em cinco categorias: 1) Características das
instituições formadoras; 2) Características dos cursos; 3) Motivação dos
sujeitos para a busca do saber; 4) Significado do processo de ensino para os
envolvidos; 5) O ensino da enfermagem e as políticas de saúde e educação.
Categoria 01: Características das Instituições Formadoras
A partir da análise dos dados, constatou-se a existência de cursos formais e
informais realizados em três principais instituições formadoras: um hospital,
uma escola de nível fundamental e médio e uma escola de nível superior, sendo
que alguns tiveram parcerias locais e estaduais.
Além destas instituições, constatamos a participação de diversas entidades
sociais e educacionais que contribuíram para a formação de profissionais na
área da enfermagem. Porém, devido ao grande número de cursos e instituições
envolvidas e a dificuldades enfrentadas no acesso às informações, não serão
relatadas detalhadamente aqui, apenas apresentadas esquematicamente no quadro
1.
Identificamos, inicialmente, um hospital como primeira instituição formadora,
fundado em 1933. Prestava basicamente atendimento aos pobres, por ser uma
sociedade de beneficência e caridade. As pessoas vinham de longe, hospedavam-se
em casas, albergues, hospedarias e hotéis para receber atendimento médico e de
parteiras(9).
Atualmente, este hospital exerce grande influência na saúde em nível regional,
tanto terapêutica quanto diagnóstica, devido à sua capacidade humana e
tecnológica em diferentes áreas do conhecimento. Percebe-se forte influência
desta instituição no processo de ensino da enfermagem, especialmente em relação
às parcerias formadas junto a profissionais da saúde (médicos, religiosas,
enfermeiras) e a instituições de ensino.
Constatamos, também, a participação de uma escola de ensino fundamental e médio
na formação de Técnicos de Enfermagem. Foi fundada em 30 de janeiro de 1897 e
responde à necessidade social de prestar serviços à educação da Infância e da
Juventude. "Optou por um modelo de educação que ensina não somente os
conhecimentos humanos capazes de formar a pessoa humana para ser um
profissional competente, mas formar seu coração para fins superiores"(9). É uma
instituição particular, de cunho religioso-católico. Além de ter oferecido o
curso Técnico em Enfermagem nas décadas de 70 e 80, mantém, atualmente, cursos
na área da educação geral (Educação Infantil, Ensino Fundamental e Médio) e na
formação de professores de nível médio.
Por último, identificamos uma Instituição de Ensino Superior (IES), que desde
1989 tem contribuído no processo de ensino da enfermagem, através da formação
de auxiliares, técnicos e enfermeiros.
Esta IES foi criada na década de 1969 como extensão de uma Universidade
próxima, funcionando com apenas alguns cursos nas áreas da Administração e
Letras em colégios da cidade. Hoje conta com 51 cursos de extensão, 08
técnicos, 02 seqüenciais, 36 de graduação e 20 de pós-graduação, com um total
de 8.422 alunos. Esta Instituição mantém como objetivo principal, ao longo de
sua história, o desenvolvimento regional e participativo da comunidade,
colaborando para seu crescimento e desenvolvimento.
(...) Está engajada positivamente nesta transformação, acompanhando uma
tendência de qualificação das ações e serviços da saúde. Na última década vem
dando importantes passos na direção de também especializar-se na formação de
trabalhadores em saúde. Inicialmente, desenvolvendo cursos de formação de
auxiliares e técnicos de enfermagem, hoje passou a oferecer educação superior
(10).
Categoria 02: Características dos cursos
Apresentamos a seguir o quadro_1, que contém as características do ensino
formal e informal de enfermagem realizados no período em estudo, em Lajeado.
Pode ser observado que houve a participação de várias instituições na oferta de
diversos cursos. Constatamos, também, uma lacuna de informações no período
anterior a 1972.
O hospital foi o pioneiro na preparação do pessoal de enfermagem. Sediou o 1ºe
o2º Curso Intensivo de Enfermagem, organizado por um médico recém formado, o
qual contou com a participação de seus colegas e das religiosas que
administravam a instituição na época. Os cursos ocorreram em 1972 e em 1973.
Nesta mesma instituição, em 1975, ocorreu o curso de Noções Básicas de
Atendimento Psiquiátrico, organizado por uma religiosa e por um médico que
ministrou as aulas. Este dado provavelmente coincide com o processo de
institucionalização dos pacientes com problemas mentais, em Lajeado.
O curso Técnico em Enfermagem, planejado a partir de muitos encontros com os
responsáveis pelos hospitais da região, foi oferecido por uma escola de ensino
fundamental e médio, no período de 1975 a 1985. Foi organizado por uma
inspetora de ensino, professora de matemática e esposa de médico e aprovado
pela Portaria nº 2.386, em 3 de março de 1975 para formar os denominados
'enfermeiros', porém, com um certificado de Técnico em Enfermagem.
Depois de ter formado 231 enfermeiros, o curso Técnico de Enfermagem de 2º grau
foi extinto em 1985, devido à desvalorização do mercado de trabalho para os
alunos concluintes, dificuldade de manter o curso por falta de elemento humano
para coordenar e professores habilitados para atuarem no mesmo(9).
Nos anos de 1976 e 1982, foram realizados cursos de Atendente Hospitalar no
referido hospital em parceria com o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial
SENAC. O último, o de 1982, foi organizado pela enfermeira chefe de enfermagem
do hospital, que também ministrou as aulas. Em relação ao curso de 1976,
localizamos apenas um certificado emitido por representantes do SENAC.
O primeiro curso de Auxiliar de Enfermagem realizado em Lajeado ocorreu no
mesmo hospital, em 1988. Também foi organizado pela enfermeira chefe do serviço
de enfermagem em parceria com uma Universidade localizada em município vizinho.
Os certificados foram emitidos somente em 1991, devido à demora de
reconhecimento de cursos realizados fora da sede (Universidade).
Entre os anos de 1989 a 1999, na IES, ocorreram cursos Supletivos de
Qualificação Profissional de Auxiliar de Enfermagem, conforme pareceres de
autorização e funcionamento nº134/89, 922/94 e 826/96. Neste período de 10
anos, foram constituídas 08 turmas, habilitando 290 Auxiliares de Enfermagem,
perfazendo uma média de 29 alunos por ano. Segundo documentos analisados, a
maioria dos alunos é oriunda de municípios da região do Vale do Taquari - RS.
Paralelo ao curso Supletivo de Auxiliar de Enfermagem da própria instituição,
houve, no ano de 1997, o curso de Qualificação Profissional de Auxiliar de
Enfermagem, promovido pelo Ministério do Trabalho e Secretaria do Trabalho,
Cidadania e Assistência Social do RS, tendo como entidade gestora outra
universidade gaúcha. Formou 53 alunos em duas turmas. Ocorreu sem ônus para os
alunos e na mesma IES mencionada inicialmente.
Na área de enfermagem, a inovação foi a realização do Curso Supletivo de
Qualificação Profissional para Auxiliares de Enfermagem, no período de 1987 a
1989 e em 1991, profissionalizando em massa os atendentes de enfermagem no Rio
Grande do Sul. Este é um dos motivos pelo qual o Rio Grande do Sul é um dos
estados do país com mais baixo índice de atendentes de enfermagem (categoria
ocupacional) em relação a presença de auxiliares de enfermagem (categoria
profissional)(11).
A partir da extinção do curso de Auxiliar de Enfermagem na IES, em 1999, é
criado o curso Técnico de Enfermagem que continua até os dias de hoje. Em 17 de
dezembro de 1998, este curso foi autorizado para egressos de 2º grau, conforme
Parecer nº 1.134/98 (CEED). A grande procura pelo curso estimulou o Centro
Universitário a oferecer Curso Técnico em outros campi da instituição,
localizados nas cidades de Encantado e Taquari. Nesta mesma época,é iniciada a
elaboração de dois projetos de cursos de especialização para o Técnico de
Enfermagem, sendo um em Unidade de Terapia Intensiva e o outro em Enfermagem do
Trabalho. Neste último, formou-se apenas uma turma, no ano de 2004.
No ano de 1999, inicia-se o planejamento do curso Bacharelado em Enfermagem,
cujo funcionamento foi autorizado conforme Resolução nº 36 (26/05/2000), tendo
sido realizado o primeiro vestibular em 2000 B. O reconhecimento pelo INEP/MEC
deu-se através da Portaria nº 3799, de 17 de novembro de 2004. A fala do
Sujeito 24 (S. 24) esclarece esta trajetória:
(...) nessa trajetória histórica a instituição tem procurado dar sua
contribuição para a enfermagem... está fazendo história na enfermagem
aqui na região, ela tem uma grande importância, uma grande
participação quando oferece esses cursos. Tem a vantagem do nosso
aluno poder ficar aqui na região e não precisar se deslocar por
grandes distâncias para adquirir sua formação e, ao mesmo tempo, ela
prepara o aluno que conhece a região(...)(S. 24).
Os cursos de enfermagem da instituição são realizados em parceria com
instituições conveniadas da região do Vale do Taquari, a qual abrange mais de
40 municípios, entre elas hospitais, prefeituras, Coordenadoria Regional de
Saúde, empresas, clínicas de acolhimento e de reabilitação.
Categoria 03: Motivação dos sujeitos para a busca do saber
Nesta categoria buscamos agrupar os motivos pelos quais os sujeitos da pesquisa
participaram do processo de ensino. Percebemos que muitos sujeitos sentiram-se
motivados para o ensino a partir de uma necessidade pessoal e sócio-econômica,
possivelmente para obter aperfeiçoamento, qualificação, trabalho e renda. Os
sujeitos buscavam atingir metas pessoais e sociais, as quais refletem o
potencial da enfermagem estar em constante transformação.
(...) vim com a finalidade de fazer o curso(...)sempre tinha vontade,
eu em casa trabalhava com chás(...)meus pais não tinham condições de
pagar o estudo(..). tinha que adquirir por si mesmo(S. 02).
O ensino da enfermagem é uma bola de neve, depois que iniciamos,
sempre queremos mais(...)iniciei limpando chão do hospital, depois
fui copeira, atendente de enfermagem sem ter feito curso e depois de
alguns anos(...)tornei-me enfermeira(S. 26).
(...) eu estava atrás de um serviço e foi mais por curiosidade (S.
23).
(...)fiz o curso por necessidade e também para a busca de
aperfeiçoamento, temos que correr atrás(S.17).
(...)trabalhava em fábrica de calçados e fiz o curso(...)para
melhorar a condição econômica(S. 21).
Também constatamos que a motivação para algumas pessoas, em especial aquelas
que realizaram os primeiros cursos informais em 1972, foi atender às
necessidades médicas dentro dos hospitais, talvez por não terem claro o
verdadeiro objeto do cuidado da enfermagem, o ser humano, ou por não
compreenderem a qualificação profissional como algo indispensável para o
desenvolvimento da profissão. Provavelmente, a razão deste entendimento está no
fato da enfermagem não estar profissionalizada e, portanto, não ser reconhecida
socialmente. Esta realidade foi mudando aos poucos, a partir da iniciativa da
escola de ensino fundamental e médio em realizar o primeiro curso
profissionalizante na enfermagem, ou seja, o Curso Técnico em Enfermagem.
(...)os médicos(na década de 70)sentiram que nos estávamos muito por
fora, então eles começaram a fazer cursos(S. 06).
(...)gostava de ajudar o cirurgião, porque lá você não lidava direto
com o paciente, mas ajudava o médico(S. 08).
A partir da década de 70, alguns sujeitos sentiram-se motivados para o ensino a
partir do mundo do trabalho, almejando funções que lhes trariam maior status
social, que, no entender deles, era a prática da enfermagem.
(...)o objetivo maior era chegar na enfermagem, era um sonho, a gente
via o pessoal todo faceiro, estavam progredindo, ganhando mais espaço
para chegar na enfermagem, acho que isto era o objetivo maior do
pessoal que trabalhava no hospital(S. 11).
(...)sonhava ser 'enfermeira', via elas trabalhando enquanto eu
limpava o chão(....)quando eu tinha tempo ajudava elas a dar banho e
atender as campainhas(S. 26).
Em alguns casos, a motivação para o aperfeiçoamento e atualização em enfermagem
era um investimento pessoal e estava associado a um Programa de Educação
Continuada para médicos, o PEC.
(...)chamavam aquilo de PEC, eles faziam um estudo cada sábado do mês
ou a cada 14 dias(...)vinham profissionais de enfermagem de POA
(...)cada um trazia assuntos para serem debatidos(...)nós fomos até
para São Paulo fazer um curso de bloco cirúrgico, por conta própria,
nós que bancamos(...) (S. 02).
Às vezes, a busca do ensino da enfermagem também se dava por vocação, doação,
religiosidade, experiência de doença na família ou a partir do incentivo de
familiares ou chefias nos postos de trabalho.
(...)fiz o curso(...) motivada por doença na família, por gostar de
lidar com pessoas, ajudar, conversar e cuidar (S. 20).
(...)fiz cursinhos e segui trabalhando como voluntária e até que eu
tive chance de entrar para a enfermagem(...)(S. 22).
Fui fazer o curso, incentivada pelo fisioterapeuta(...)que se
preocupou com o meu futuro(S.12).
(...) fui convidada(...)estava trabalhando na enfermagem mesmo sem
ter feito curso(...) (S. 09)
Devo muito a meus familiares e ao médico com quem eu trabalhei(...) (S. 26).
(...)eu não tinha conhecimento do que era a enfermagem, então tinha
alguma coisa que me levava, é que minha mãe está na área(é Técnica de
Enfermagem) (S. 27).
Temos, ainda, outro grupo de sujeitos que participou do processo de ensino para
atender às exigências legais, surgidas entre as décadas de 70 e 80, que,
certamente, contribuíram com o desenvolvimento da profissão. Este objetivo pode
ser percebido nestas falas:
(...)para fazer um projeto dessa natureza(Técnico de Enfermagem),
pensei mais nos anseios da própria comunidade(...)pessoas mais
classificadas atenderiam melhor os paciente(...)(S. 05).
(...)como enfermeira, não treinava o pessoal para atendente ... era
contra o meu conselho(o entrevistado se refere a Lei do Exercício
Profissional, nº7498) (...) não mantivemos o treinamento de
atendentes, isto era ilegal(S. 07).
(...) a gente precisava de profissionais que fossem formados dentro
desse contexto do Vale do Taquari (S. 28).
Identificamos que o processo de ensino para o desenvolvimento da profissão
aconteceu de forma lenta, pois, mesmo sendo oferecido um Curso Supletivo de
Qualificação Profissional gratuito aos atendentes de enfermagem no ano de 1997,
sobraram vagas, que foram preenchidas por pessoas leigas que buscavam um
trabalho/profissão.
(...) esse curso era uma chance para os atendentes que não tinham
condições para fazer o curso (...) e muita gente não levou a sério...
(S. 23).
Por outro lado, a motivação pela busca do saber em enfermagem é um
crescente. Os profissionais sentem a necessidade de adquirir novos
conhecimentos e a academia se mobiliza de diferentes modos para
atender a essas demandas.
(...)nós observamos também que os alunos retornam a instituição,
muitos alunos que fizeram o auxiliar, ou mesmo o técnico, depois
fizeram a complementação de estudos para o técnico, e talvez até hoje
estejam começando a graduação(...) na enfermagem, tem sempre coisas
novas para aprender(...) (S. 24).
Categoria 04: significado do processo de ensino para os envolvidos
A análise das entrevistas também evidenciou que o ensino da enfermagem gerou
diferentes significados para a mesma pessoa. De certa maneira, estes
significados refletem a compreensão dos sujeitos acerca dos conceitos da
profissão. Esta compreensão, mesmo impregnada de subjetividade, permite
conhecer o significado do ensino de enfermagem em Lajeado.
Para os sujeitos do estudo, o significado de ensino da enfermagem está
interligado ao cotidiano, a realizações pessoais e profissionais, a prazer e
sofrimento. Percebemos que nas primeiras décadas do período em estudo, o
significado do processo de ensino recebeu forte influência das religiosas e dos
médicos. E, mesmo tendo caráter disciplinador e técnico, era incentivada a
importância das relações humanas no ensino da enfermagem.
Ao apresentarmos o primeiro grupo de relatos que emergiram na quintacategoria,
os sujeitos revelaram encontrar no ensino da enfermagem realização pessoal,
satisfação e prazer em ensinar, treinar e aprender, independente da função que
desempenhavam na prática da enfermagem, na educação e na medicina.
(...) na época as irmãs achavam ou viam quem tinha condições de
desenvolver aquele trabalho(...) era como se fossem enfermeiras
experientes, viam certas coisas em certos alunos, quem podia atuar na
enfermagem(...)(S. 13).
(...)gosto de ensinar pessoas, passar, ensinando tu estás te
imortalizando pelo ensino e deixando a maior coisa que podes fazer na
vida(S. 10).
(...)me realizei, acho que tinha dentro de mim esta profissão, nas
brincadeiras de infância estraguei uma boneca porque eu era a pessoa
que sempre fazia as injeções(S. 23).
(...)valeu a pena, faço meu trabalho por paixão(...)na vida a gente
tem ganhos e perdas(S. 12).
(...) fomos pioneiros(...)esses cursos(Auxiliar e Técnico de
Enfermagem)foram o embrião(...)resultando no curso de enfermagem
(graduação) (S. 15).
Mesmo que o ensino tenha sido gratificante e prazeroso, os entrevistados
salientam a importância da cobrança e da rigidez do professor. A imagem do
professor tem forte conotação sobre o aprendizado. A rigidez é entendida como
atributo necessário para a qualidade do ensino. Entre os entrevistados, alguns
dizem que 'já não se faz mais como antigamente', o que revela uma
supervalorização do ensino técnico e da prática, em detrimento do ensino atual,
que se apresenta de forma abrangente e fundamentado em valores éticos,
técnicos, científicos, filosóficos, culturais e estéticos, que busca
desenvolver habilidades e competências para o Ser e o Fazer da enfermagem.
Talvez a supervalorização do 'fazer' da Enfermagem seja pelo fato de ter
absorvido o saber técnico para atender às demandas da medicina e por não
perceberem a enfermagem como profissão autônoma e como ciência e arte.
(...)eles(os médicos)eram muito preocupados para que a gente fosse
bem, e eram bastante rigorosos(S. 14).
O interessante, que me chamava atenção(na década de 1980), era mais
fácil dar aula, disciplinar os alunos novos que não tinham noção da
enfermagem do que aqueles que já tiveram o curso de atendente e já
atuavam no hospital(...) vinham com certos vícios. Tinha que ser bem
rígida(...)(S. 03).
Acho que era mais exigido que agora(...)hoje em dia eles se formaram
sem ter puncionado uma veia(...) (S.13).
Tenho sentimento de alegria, porque ensinei a enfermagem(...) depois
(a partir de 1980)vieram as enfermeiras e começaram a 'tomar conta
dessa parte da enfermagem'(ensino),acho que o médico tem que estar
consciente de que deve 'ensinar todo mundo', aprender também, com a
enfermagem, porque as enfermeiras hoje são de curso de nível
superior, são pessoas que 'passam' a faculdade. O que seria dos
médicos dentro do hospital sem as enfermeiras?(S. 10) (grifos
nossos).
Em relação ao segundo grupo de relatos, realização e crescimento profissional/
empregabilidade, foram evidenciados interesses e demandas institucionais
diversos, decorrentes de novas tecnologias ou serviços de saúde. Através do
ensino, os sujeitos buscavam atingir metas específicas; para muitos, conquistar
o 'título' significava atingir sonhos de realização pessoal e profissional,
enquanto para outros significava doação e entrega ao cuidado das pessoas.
Formar-se na enfermagem era a chance de ser reconhecido profissionalmente, às
vezes, entendido como uma possibilidade de 'poder-status' pela conquista da
vaga de chefia de setor ou de um emprego diferenciado.
Foi omáximo me formar (Curso Técnico Enfermagem na década de 70). É
mais ou menos como hoje se formar enfermeira(...) (S. 13)
(...)era uma honra, éramos as primeiras a ter um curso(...)aqui não
tinha enfermeira, vieram bem mais tarde(S. 14).
Significa uma conquista muito grande, até pelo financeiro(S.27).
O curso valeu a pena, tanto que continuo até hoje(...)gosto de fazer
e de me dedicar ao próximo(S. 12).
(...)o significado para mim foi a realização de um sonho, queria
fazer alguma coisa na área da saúde, estou satisfeita e muito feliz
de poder ser chamada de enfermeira(S. 28).
Se, por um lado, houve alegrias e realizações, por outro lado, a formação
também gerou angústia e sofrimento no momento em que muitos identificaram os
riscos do despreparo para exercer uma profissão tão complexa, que exige tanta
responsabilidade e preparo. Alguns sofreram ou sofrem ao lembrarem a trajetória
deste aprendizado, baseado somente na prática da enfermagem. Talvez a origem
desse sofrimento esteja no poder simbólico, na submissão e na obediência, pelo
fato de os superiores (médicos, religiosas ou chefes) tomarem as decisões sobre
aquilo que o outro deveria fazer, independente do significado atribuído pelo
envolvido. Esses significados são entendidos como resultado da insegurança e do
medo, decorrentes da falta de conhecimento para a prática da enfermagem.
Foi meio chocante(enquanto Atendente de Enfermagem), um pouco
terrível, eu desmaiava, me sentia mal, eu não podia ver morto(...)
(S. 14).
No começo não gostava muito de trabalhar em hospital(...) fiz o curso
para ter uma profissão(...) agora eu adoro(...) (S. 19).
Na época me sentia o máximo ser responsável pela sala
(ambulatório).Fazia anestesia geral nos pacientes, o médico mandava e
eu administrava a medicação(...) (S. 26).
Muitas coisas me marcaram, num dia saí da roça e no outro dia estava
fazendo injeção sem noção nenhuma, uma semana depois eu estava
trabalhando de noite sozinha, eu não sabia o que era soro glicosado
ou soro fisiológico(...)(S. 13).
(...)a gente não foi preparada para isso, eu nunca imaginei ver uma
pessoa ser preparada para colocar no caixão(...)(S. 14).
(...)eu não gostava era de ajudar o médico(em 1975) a dar o eletro-
choque nos pacientes psiquiátricos(...)para mim era horrível, muitas
vezes depois do procedimento fui ao banheiro chorar(..).o pior foi
quando tive que ajudar a fazer isto na minha melhor amiga(S.26).
Mesmo que para alguns sujeitos o ensino tenha causado sofrimento, tenha sido
oneroso ou desgastante, ainda assim valeu a pena tanto aprender como ensinar as
técnicas de enfermagem. Percebemos que houve uma significativa e incansável
tendência dos sujeitos para a busca do saber da enfermagem.
(...) eram bastante caros, então a gente deixou de fazer um monte de
coisas, mas pagávamos o curso, uma pedia auxilio paro o namorado,
outra para o pai(...) (S. 06 ).
Para alguns, o ensino da enfermagem traz muitos benefícios, que vão além do
mundo do trabalho; este ensino é agente de transformação e até mesmo permitem
salvar vidas.
Salvei meu filho em casa, fiz a respiração boca a boca, se eu não
tivesse esses conhecimentos de enfermagem, eu não saberia fazer, eu
acho que aqueles cursos(Atendente de Enfermagem na década de
70)valeram para a vida, pois o conhecimento ninguém tira... achei
muito importante e aproveitei, acho que valeu a pena, não só para
quem ficou na enfermagem(...) (S. 08).
(...) a materno-infantil(disciplina do Curso Auxiliar de
Enfermagem)contribuiu para mim como mãe e como profissional(...)devo
muito do que sou enquanto pessoa à enfermagem(...) aprendi muito
nesta profissão(...) (S. 26).
Estou cuidando do meu (familiar no hospital)vejo as pessoas
trabalharem na enfermagem e às vezes eu penso que vou fazer a mesma
tarefa de uma maneira diferente(S. 23).
Ao finalizarmos a descrição das falas dos sujeitos nesta categoria, percebemos
que os significados do processo do ensino da enfermagem e a profissão guardam
estreita relação com as atividades da vida, do cotidiano.
Borestein(13) afirma que (...) à medida em que se conhece a história de uma
profissão, como em nosso caso, a da enfermagem, é nesse conhecimento que se
percebe quanto e como a enfermagem não é inseparável de outras atividades da
vida, do mundo da saúde e seus compromissos sociais.
Categoria 05: O ensino da enfermagem e as políticas de saúde e educação
A análise documental e as entrevistas evidenciaram uma forte relação entre o
ensino da enfermagem e as políticas públicas de saúde e de educação, o que pode
ser constatado através do histórico das respectivas legislações e dos
currículos dos cursos pesquisados, nos níveis de ensino fundamental, médio,
pós-médio e superior.
Entre os entrevistados que participaram do processo de ensino nas décadas de 70
a 90, houve predomínio do enfoque terapêutico, técnico, ou seja, hospitalar,
evidenciado nas entrevistas e nos currículos, cujas disciplinas apresentam
enfoque biologicista e patológico. Os estágios, por sua vez, também eram
centrados na área hospitalar. Na saúde pública, os alunos faziam inicialmente
apenas um pequeno estágio, chamado de 'complemento'. À medida que as políticas
foram sendo modificadas, o ensino foi se adequando. Atualmente, na graduação,
há uma forte tendência à busca do equilíbrio entre as ações curativas e as
preventivas. Quanto ao ensino do Técnico em Enfermagem, percebemos nas falas
dos sujeitos e na análise dos currículos, presença ainda marcante do enfoque
voltado à complexidade hospitalar, havendo menor ênfase na abordagem
preventiva.
O aprendizado das práticas de enfermagem até meados da década de 70 era baseado
em atividades do dia-a-dia, ou seja, aquele que estava mais tempo na enfermagem
ensinava aquele que estava iniciando, dentro de suas possibilidades e
limitações. O foco do ensino informal para preparar atendentes de enfermagem
estava totalmente centrado na área hospitalar, ou conforme planejamento e
expectativa dos organizadores. Naquela época, os procedimentos na enfermagem
eram realizados sem uma base científica; apenas seguiam o modelo da repetição
do fazer, caracterizando a divisão social e técnica do trabalho da enfermagem.
Esta divisão, na opinião de Rezende(1), submete-se à forma de economia vigente
no país, pois "As tarefas do fazer manual, legado das classes socialmente
inferiores, contrapõem-se às atividades intelectuais, apanágio das elites
pensantes, mesmo quando estas "elites", aspirantes do poder, têm subsumida sua
força de trabalho ao capital"
Para Almeida e Rocha(12), o capitalismo requer esta divisão do trabalho, tanto
a divisão intelectual/manual, como em relação à classe a que os indivíduos que
o executam pertencem, ou seja, o subordinado que pertence a uma classe social
inferior executará as tarefas de repetição, sendo, na maioria das vezes,
comandado por profissionais de maior qualificação intelectual e pertencentes a
uma classe social mais elevada.
O trabalho "mais simples" da enfermagem será então executado pelos atendentes,
que podem ser considerados os "operários" deste cuidado. O seu treinamento é
feito no próprio local de trabalho (...)". E continua: "O trabalho dito mais
simples que lhes é atribuído é uma questão falsa, pois este mais simples é o
cuidado do paciente, que é o objeto de trabalho da enfermagem.
Esta forma de ação estava de acordo com as políticas de saúde, o que não gerava
demandas para outras áreas da enfermagem.Os primeiros cursos tinham como
objetivo apenas treinartrabalhadores do hospital, para atender melhor o
paciente e para auxiliar o médico, pois, segundo relatos, partiu deles a
preocupação em aperfeiçoar ou treinar pessoas que, na maioria das vezes, já
estavam trabalhando na enfermagem do hospital. Esta realidade no ensino da
enfermagem foi se modificando e se adequando às diretrizes vigentes ao longo
das décadas.
Os médicos sentiram que nos estávamos muito por fora, então eles
começaram a fazer um curso e cada um dava sua especialidade (...)(S.
06).
(...) todo mundo tinha interesse que nós aprendêssemos... para poder
auxiliar eles(os médicos), então todo mundo abria as portas, era mais
fácil (...)(S. 05).
(...) entrei direto para a enfermagem, era as irmãs ou as gurias que
estavam a mais tempo que ensinavam a gente a fazer as coisas, a fazer
injeção(S.14).
(...) acho que hoje a enfermagem está perfeita ao ser comparada com o
tempo que eu comecei, agora ninguém mais faz injeção sem saber o que
pode acontecer (...)(S. 13).
Como professora demorei muito para modificar a ênfase que era dada ao
ensino das técnicas básicas de enfermagem.(S. 26).
No âmbito da prevenção de doenças e promoção da saúde, constatamos que alguns
alunos eram incentivados a desenvolverem pequenos estágios com o objetivo de
exercitar a prática da educação sanitária, tratando de temas como higiene e
vacinas. Percebemos que as atividades eram realizadas nos bairros pobres, em
forma de visitas, mini-estágios e palestras. No entanto, a abordagem dessas
atividades era unilateral, ou seja, apenas a enfermagem ensina e a família
aprende, desconsiderando saberes e culturas dos envolvidos.
(...) íamos lá pra ensinar como manter a higiene da casa, como fazer
a
higiene das mamadeiras das crianças, como cuidar do recém-nascido
(...)
prevenção da mulher (...) a gente reunia a mulherada' (...) a gente
via que
eles tinham muita pouca vontade e não faziam muita questão de
aprender
(...). vimos um monte de roupas em cima de lenha, apodrecendo, roupa
boa que o pessoal trazia, elas não lavavam, elas jogavam fora. Isso
me
revoltou muito (S. 02).
Em Lajeado (1975) só tinha um posto de saúde, agora tem vários (...) (S.13).
(...) faziam um mini estágio fora do hospital para terem a
experiência e orientar as famílias a cuidar da saúde a se prevenir
(S. 16).
(...) o ensino era mais voltado a área hospitalar, apenas alguma
coisas de saúde pública(S. 06).
(...) embora o curso tivesse disciplina de saúde pública eles faziam
pouco estágio(S. 01).
Constatamos, através de relatos, que, no final da década de 80, havia grande
número de trabalhadores com prática na enfermagem, porém, muita carência de
trabalhadores habilitados conforme exigências legais. A partir desta época,
ocorre a expansão do ensino da enfermagem, que contribuiu para consolidar cada
vez mais a profissão em nível regional. Este processo se desenvolve atrelado às
novas as políticas de educação e saúde e ao fortalecimento dos órgãos de
classe.
(...)estavam faltando trabalhadores qualificados (em meados de 1980).
Tinha muitas pessoas boas trabalhando na enfermagem mas a formação
era muito baixa(...)agora o pessoal que trabalha tem um nível muito
bom(...)a gente vê que houve crescimento do pessoal(...)na época (no
início da década de 90), como não poderia mais ter os atendentes, o
técnico ficou muito disputado, isso é muito bom, porque daí o
profissional ficou escasso, e passou a ser valorizado. Em 1995,
tinham vacinadores, que não eram nem atendentes, eram pessoas
treinadas para fazer vacina(...)as prefeituras começaram a fazer
concursos e isso e modificou o perfil dos municípios(...) (S. 07).
(...)demanda maior no curso de auxiliar ainda era para trabalhar no
hospital(...)o curso também precisou se adequar as novas diretrizes
de ensino e do conselho de enfermagem e isso acabou se tornando um
atrativo(...)um fator positivo para os cursos de enfermagem (S.24).
Na região, a partir da década de 90, foi enfatizado o conhecimento relacionado
à prevenção de doenças, que coincide com a implantação de muitos programas de
saúde pública, como o Programa de Saúde da Família e a expansão das
municipalizações no Vale do Taquari.
Por outro lado, ficou evidente, especialmente nos últimos anos, a preocupação
dos organizadores dos cursos e professores da enfermagem com os valores morais
e éticos das relações humanas e o atendimento à saúde preventiva.
(...) os estágios eram no hospital e no posto (...) foi bastante
saúde pública(Curso de Bacharelado de Enfermagem)(S. 17).
(...) além das matérias básicas, a ética, o compromisso com a
profissão em levar a sério, o julgamento das pessoas, a prevenção é
bastante forte (...) (S.27).
(...) a enfermagem na(IES)se preocupou em dividir o lado hospitalar e
o lado de saúde pública(S. 28).
O foco foi o paciente/cliente, ter um cuidado especial que envolve o
todo, fisicamente, espiritualmente(S. 20).
Insistiam no calor humano, na técnica também (...) carinho faz mais
que um remédio (...)(S. 23).
(...) um ensino de qualidade, um bom profissional que tivesse
condições de fazer um bom trabalho (...)(S. 15).
5. Considerações finais
Finalizando este artigo, vale ressaltar que a construção dos saberes e das
práticas de enfermagem em Lajeado é semelhante ao que está registrado na
literatura, em relação a outros locais. Inicialmente, os ocupacionais da
enfermagem eram treinados por médicos e trabalhadores com maior tempo de
serviço e de prática para atender às necessidades hospitalares através do
ensino informal. Neste caso, as pessoas iniciavam suas atividades na área
hospitalar como leigos. Os primeiros cursos formais (Auxiliar de Enfermagem)
ocorreram no próprio hospital, organizados pelos enfermeiros, cujo enfoque era
patológico e hospitalocêntrico. A crescente demanda em termos de atendimento à
saúde estimulou a criação do primeiro curso Técnico de Enfermagem em Lajeado,
em uma escola de ensino fundamental e médio, para qualificar a mão-de-obra
existente e preparar novos profissionais. Porém, o enfoque continuava sendo
biologicista, com pouca compreensão da promoção da saúde e da prevenção de
doenças.
Constatou-se, também, que grande parcela de alunos fez mais de um curso na área
da enfermagem. A busca do conhecimento, num primeiro momento, foi motivada, em
grande parte, pelo próprio trabalho hospitalar; porém, hoje, isto raramente
ocorre. Na época, os trabalhadores ingressavam nos hospitais muito cedo.
Algumas jovens eram ainda meninas e seguiam carreira em escala ascendente, ou
seja, iniciavam na limpeza, passavam para a copa (nutrição) e após, para a
enfermagem.
Constatou-se, também, que tanto o ingresso no hospital como a qualificação
através do ensino partia de convite feito por religiosas, médicos, parentes ou
amigos, prevalecendo a idéia de que a pessoa "tinha jeito para trabalhar na
enfermagem" ou "tu dá para isso". Posteriormente, buscava-se formação
específica na enfermagem em outros níveis, seguindo a orientação apresentada
pela Lei do Exercício Profissional, nº 7498/86.
O presente estudo mostrou, também, que, ao longo do tempo, a procura pelo saber
da enfermagem foi se modificando. Nas primeiras entrevistas, as pessoas
verbalizavam adquirir o conhecimento através da prática, em alguns casos,
induzidos pelos seus superiores. Já os demais buscam o saber da enfermagem
espontaneamente, principalmente a partir de necessidade sócio-econômica, com o
intuito de construir uma profissão, ou seja, desenvolver competências e
habilidades específicas que possibilitem o ingresso no mundo do trabalho da
enfermagem, levando em consideração as orientações expressas nas Diretrizes
Curriculares Nacionais para o curso de enfermagem.
Observou-se que novos cursos vão sendo estruturados à medida que surgem
demandas no mercado de trabalho, o que culminou com o Ensino Superior em
Enfermagem, em Lajeado. Alguns cursos surgiram apenas para atender a
determinado objetivo, sendo, posteriormente, cancelados. A realização de cursos
para atingir objetivos mais imediatos gerou muitas irregularidades. No entanto,
houve mudanças no momento em que ocorre a continuidade e as escolas assumem o
papel de formadoras.
A pesquisa também evidenciou que o ensino solidificou-se de forma progressiva,
em nível local e regional, para atender às necessidades do mercado, ou seja, a
escola é colocada a serviço do mundo do trabalho. No momento em que as
instituições formais de ensino assumem o processo de formação de trabalhadores,
ocorre esta solidificação, a partir da necessidade das instituições de saúde,
que buscam pessoas especializadas para trabalhar nas diferentes áreas da saúde,
hospitalares ou públicas (Programa de Saúde da Família, Unidades Básicas de
Saúde, clínicas privadas, consultórios médicos, hospitais, entre outros).
No período em estudo, observamos uma lacuna na história, pois encontramos
relatos somente a partir da década de 70, quando ficou claro que o ensino da
enfermagem estava voltado à profissionalização de acordo com demandas
hospitalares. O ensino tinha como foco o 'treinamento' para reproduzir
atividades da enfermagem hospitalar.
Por outro lado, os cursos realizados em estabelecimentos de ensino seguiam os
trâmites recomendados pelas políticas da educação e da saúde.
Há indicativos de que o ensino da enfermagem perpassa o desenvolvimento e a
história das instituições pesquisadas e que, em vários momentos, foram
estabelecidas importantes parcerias para o êxito da formação, algumas
perdurando até os dias de hoje.
Percebemos, entre os entrevistados, o reconhecimento pelo esforço e a busca
constante por qualidade e aperfeiçoamento por parte daqueles que atualmente
levam à frente o processo de formação de enfermagem em Lajeado.
Concluímos que o movimento de profissionalização da enfermagem através do
ensino foi intenso nos últimos 50 anos, através da iniciativa de diversos
atores vinculados a hospital e escolas, o que está contribuindo para a
profissionalização da enfermagem, tendo em vista uma consciência maior do real
trabalho da enfermagem e da sua importância para a qualidade de vida da
população.