Necessidades de saúde de mulheres em processo de amamentação
INTRODUÇÃO
A definição de necessidades de saúde incorpora determinantes amplos de saúde,
sociais e ambientais, tais como moradia, alimentação, educação, emprego. Isso
nos permite um olhar além dos limites do modelo médico, para uma visão mais
ampla dos vários fatores que influenciam na saúde. Dessa forma, as necessidades
de saúde de uma população estarão em constante mudança e muitas não serão
satisfeitas com intervenção médica(1).
Ao pensar em necessidades de saúde, imediatamente lembrase da procura por
assistência, que, na realidade, caracteriza-se por demanda, isto é, uma busca
ativa por intervenção, cuja origem é o carecimento, algo que o indivíduo
entende que deve ser corrigido. O resultado das intervenções sobre esses
carecimentos é reconhecido como necessidade(2).
No encontro do usuário com a equipe, deve prevalecer o compromisso e a
preocupação de se fazer a melhor escuta possível das necessidades de saúde do
usuário que busca o serviço, apresentadas ou "travestidas" em alguma demanda
específica(3). Para isso, é fundamental uma nova inter-relação entre
profissionais de saúde e clientela, com o objetivo de valorizar as necessidades
expressas por meio da demanda, permitindo que estas sejam usadas como
indicadores das decisões a serem tomadas, valorizando a autonomia dos
indivíduos.
Assim sendo, considerar a experiência da mulher que amamenta, seus julgamentos
e seus sentimentos é de grande importância e validade. Questiona-se que, se
almejamos, como profissionais de saúde, um nível de saúde a ser atingido, que
meta estabelecemos para identificar as necessidades a serem satisfeitas para
alcançar esse objetivo(4)? Então, se a meta a ser alcançada é a de aleitamento
materno exclusivo, até os seis meses de vida da criança, como reconhecer quais
as necessidades dessas mulheres, que devem ser satisfeitas, para que isso
aconteça? É possível compreender, pelos resultados dos estudos já realizados,
que a mulher, como agente da amamentação, é que decide os rumos desse processo
e, como tal, teria que ter suas necessidades atendidas para o sucesso do
aleitamento materno.
O objetivo traçado para este estudo foi identificar as necessidades de saúde de
mulheres atendidas em uma Unidade Básica de Saúde no município de São Paulo, no
processo de aleitamento materno.
MÉTODOS
Este estudo, de natureza qualitativa, compreendeu a realização de entrevistas
semi-estruturadas com 238 mulheres, sobre a sua experiência de amamentar, em
uma Unidade Básica de Saúde do Distrito Sanitário do Butantã.
Após transcrição das entrevistas, procedeu-se à análise dos dados, seguindo os
passos iniciais da proposta do Discurso do Sujeito Coletivo(5), com a apreensão
das expressões-chave e suas respectivas idéias centrais, que corresponderam aos
elementos da experiência das mulheres no processo de amamentação que compuseram
as necessidades de saúde.
As necessidades de saúde foram agrupadas de acordo com a taxonomia de Matsumoto
(6), compreendendo dessa forma: necessidades de boas condições de vida,
necessidade de ter acesso a todas as tecnologias de saúde que contribuam para
melhorar e prolongar a vida, necessidade de ter vínculo com um profissional ou
equipe e, necessidade de se ter autonomia "no modo de andar a vida". Essa
taxonomia torna a identificação e a classificação das necessidades de saúde
mais operacional, sendo por essa razão, escolhida para ser utilizada como o
referencial teórico deste estudo.
O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem
da Universidade de São Paulo e todo o procedimento de coleta de dados seguiu as
diretrizes traçadas pela Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde(7).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Apresentamos as necessidades de saúde das mulheres para a prática do
aleitamento materno, que foram identificadas em suas falas baseadas na extração
das expressões-chave que, por sua vez, compuseram as ideias centrais vinculadas
ao grupo de necessidades de saúde, de acordo com a taxonomia de Matsumoto. Para
cada necessidade apresentada, ilustramos a discussão com expressõeschave
identificadas com o número da entrevista da qual foi extraída.
Necessidade de boas condições de vida
Identificamos diferentes elementos de suas experiências no processo de
amamentação que estão vinculados ao grupo de necessidades de boas condições de
vida: ter uma boa alimentação, trabalhar e estudar, ter tempo para si, sono e
repouso adequados, ter boa saúde mental e ter boas condições para amamentar seu
filho - ter boa produção de leite, apoio instrumental e/ou afetivo da família e
ambiente adequado em casa para amamentar.
Ter boa alimentação
Ter uma boa alimentação, para a nutriz, assume uma importância que extrapola a
necessidade de manter sua própria saúde ou bem estar. A mulher visa, com a boa
alimentação, atender melhor as necessidades da criança, uma vez que tem a noção
da passagem de nutrientes de seu organismo para compor o leite materno.
Alimentação é primordial, se alimentar bem, e líquido, muito líquido,
tem que beber... Então, eu tomo 4 litros de água, suco, tudo pra mim
tomar bastante líquido. E se alimentar muito bem, porque tudo que
você ingere, vai pro leite materno. É o que vai alimentar a criança
(E 039).
No entanto, há dificuldade das mulheres manterem a regularidade de suas
refeições, em razão de atender às manifestações de choro e fome da criança, ou
ainda, ao se sentir sobrecarregada, se não tiver como dividir as tarefas da
casa, os cuidados com a criança e a família.
... às vezes, passo o dia sem comer e vai dormir sem comer por causa
do neném aí é bem estressante. Na minha casa, são só eu e meu pai.
Aí, às vezes, a neném passa o dia todinho chorando, aí não dá tempo
de providenciar nada de comida. Eu vou comer, ela começa a chorar aí
não dá e eu passo o dia sem comer. É complicado (E 145).
À luz do modelo "Pesando riscos e benefícios"(8), a mulher acredita que para
produzir um leite considerado por ela como forte e em boa quantidade, ela
necessita de algumas condições mínimas de saúde, dentre elas uma boa nutrição.
Ao priorizar as necessidades da criança, ela procura, com a boa alimentação,
garantir a qualidade do leite materno, considerando-o como fonte de alimento
saudável para a criança, pois percebe a responsabilidade de suprir as
necessidades nutricionais e afetivas do seu filho com a amamentação.
Trabalhar ou estudar
A necessidade de trabalhar ou estudar, para a nutriz, gera um conflito, uma vez
que, além de ter que atender a essas necessidades, ela também precisa atender a
uma prática, a manutenção do aleitamento materno.
Para ela, o fato de precisar trabalhar para contribuir com a renda familiar,
pode ser um empecilho para a manutenção do aleitamento materno exclusivo e uma
justificativa para início do processo de desmame, quando ela não encontra
condições que lhe permitam continuar amamentando o filho, traduzindo-se em
falta de apoio.
Segundo Müller(9), as ações de apoio para amamentar percebidas pelas mulheres
podem ser compreendidas apoiadas em três dimensões: instrumental, afetiva e
estrutural. A dimensão instrumental engloba elementos de ordem prática e
informacional, a afetiva engloba elementos existentes nas relações
interpessoais, evidenciando a importância do vínculo e da valorização da
mulher, a estrutural diz respeito às ações do contexto social, em especial, de
trabalho assalariado, como creches, dentre outros.
Nos discursos dessas mulheres trabalhadoras, observamos que na situação de
necessidade de continuar a trabalhar, a falta de um apoio pode definir a
trajetória da amamentação.
...ela parou de mamar simplesmente, também, porque tive que
trabalhar, né? Não moro com o pai dela, sou sozinha, moro com os meus
familiares. Hoje em dia, é muito difícil você criar um filho
praticamente sozinha e, ainda, tendo que amamentar, tendo que ter
aqueles cuidados todos, é um monte de coisa. Nossa! Então, fica
difícil! ...Às vezes, as pessoas pensam que somos mães
irresponsáveis, mas não é, é porque assim, é... se for colocar assim
na balança, fica difícil, o filho e o trabalho. O filho, a casa e o
trabalho, então, é... é uma situação muito difícil (E 228).
Há, ainda, mulheres que, mesmo necessitando da renda adquirida com seu
trabalho, optam por pedir demissão do emprego, priorizando amamentar a criança,
levando em conta os benefícios da amamentação. O fato reflete a dinâmica de
pensamento da nutriz em seu cotidiano de pesar riscos e benefícios(8) que estão
estruturados na relação de prioridades que a nutriz estabelece para implementar
suas ações de manutenção do aleitamento ou de desmame.
... eu vou parar de trabalhar pra mim amamentar a minha filha. Quero
vê se ela mama até um aninho de idade, pra ficar mais perto dela e do
irmãozinho dela, né? O pai já trabalha o dia inteiro, então, pelo
menos, eu ficar mais com eles. Aí, vou parar de trabalhar por isso,
né? Pra amamentar, principalmente, e pra poder ficar mais tempo com
eles (E 089).
Observamos que, àquelas inseridas no mercado formal de trabalho, o tempo de
licença-maternidade de 120 dias é uma dificuldade para atingir a recomendação
das políticas de saúde de aleitamento materno exclusivo até os 6 meses de vida
da criança, evidenciando a falta de apoio estrutural, que poderá ser sanado a
partir de agora, com o prolongamento do período de licença.
... essa licença-maternidade é muito errada. Você só pega 4 meses,
então, como é que a gente vai amamentar até os 6 meses. Isso ai é
errado, porque ele fala "Ai, você tem que amamentar até os 6 meses",
mas muitas mãe param por isso. A gente para, porque tem que voltar a
trabalhar. Se ele acostumar só no peito, ele não vai querer outra
coisa... mas se a gente ficasse os 6 meses em casa, era o certo(E
072).
Para a mulher que estuda, apesar da preocupação de realizar a ordenha do leite
para deixar armazenado à criança, foi realizada a introdução de outro leite
para ser oferecido pelo cuidador. Nenhuma mulher relatou a possibilidade de
levar a criança para seu ambiente de estudo, retratando a falta de apoio
estrutural nas instituições de ensino.
Ter tempo para si
O papel de mãe implica em dedicação total à satisfação das necessidades da
criança, o que causa uma série de mudanças no cotidiano da mulher, que tem que
organizar e dividir o seu tempo, priorizando sempre a criança, pois a esse
papel somam-se outros, gerando uma sobrecarga que carece de ser dividida.
Porém, nem sempre a mulher encontra apoio, gerando uma necessidade de encontrar
mais tempo para cuidar de si, ou para se dedicar a outros aspectos de sua vida
cotidiana, e não estar centrada apenas na criança e na amamentação.
Como a neném tá tomando muito meu tempo, assim vamos dizer, não
tomando meu tempo, mas pra mim mesmo, eu tô curtindo o momento de
mãe, mas o momento de mulher eu ainda não tô voltando a curtir muito
não. Eu sinto falta de arrumar o cabelo, de fazer alguma coisa que,
infelizmente, não tá dando tempo pra fazer, e eu sinto muita falta(E
209).
Algumas mulheres acham mais importante dedicar-se à maternidade. O papel de mãe
e nutriz exigem uma dedicação exclusiva à criança e uma disponibilidade
incondicional para amamentar. Essa prática, na percepção delas, é considerada
como natural da mulher que, fisiologicamente, é a responsável pela produção do
leite.
O meu lazer é cuidar dele, não tenho. Você tem um filho, você tem que
viver pra ele agora, enquanto ele tiver pequenininho assim. Só o bebê
só, ainda mais que você dá o peito, não tem como deixar com alguém ou
deixar com a minha mãe, e sair, porque ele vai... cadê o peito, o
peito ta comigo, né? (E 108).
Para outras, o fato de não ter tempo para outras atividades podem levá-la a
decidir pela introdução de outro leite, pois outra pessoa pode alimentar a
criança.
... eu quero depois dos seis meses intercalar a mamadeira e o peito,
porque só com o peito você fica muito presa, porque que nem o meu
outro filho até quando eu ia ao médico, tinha que levar por causa do
peito porque eu não dei mamadeira para ele. Dela, eu quero ver se
posso deixar, pelo menos, com o pai, se eu precisar fazer alguma
coisa, ele pode ficar, dou a mamadeira para poder ficar (E 118).
Segundo o modelo "Pesando riscos e benefícios"(8), não ter tempo para amamentar
ou não tendo sossego em razão do comportamento de choro da criança, são algumas
das características que a nutriz avalia como justificativa para abandonar o
aleitamento, quando ela prioriza suas necessidades.
Ter sono e repouso adequados
Ter sono e repouso adequado, para a mulher que amamenta, está vinculado ao
comportamento de mamar e de sono e vigília do filho, e observa-se presente nas
diferentes etapas do crescimento da criança, desde durante o período de
internação.
... no hospital eu não dormi. A primeira noite, eu não dormi, na
segunda noite, eu dei uns cochilos mas também não dormi. Quando foi
na última noite, que eu dava uns cochilos, as meninas me acordavam
porque ele tava chorando. Então, a gente não dorme, porque muita
gente vem examinar, vem olhar como que tá o bebê (E 181)
Assim, a nutriz valoriza o apoio recebido pelo profissional de saúde durante a
internação hospitalar, quando este, compreendendo sua necessidade de sono,
assume temporariamente os cuidados com a criança, para que ela possa descansar.
... sempre tive um ótimo atendimento em todas as partes lá e... a
comida, a atenção das pessoas, as enfermeiras sempre do lado,
inclusive, uma enfermeira veio, pegou a neném, e falou: mãe,vai
dormir um pouco, que eu estava assim, deporada não tava aguentando.
Aí ela pegou e ficou umas duas horas com a neném, eu consegui dormir
(E 012).
A mulher, ao ter um padrão de sono inadequado e insuficiente, ou prioriza a sua
necessidade e introduz outros alimentos na dieta da criança, para aumentar as
suas horas de sono, ou prioriza a necessidade de boa alimentação para o seu
filho, mantendo o aleitamento e adotando estratégias para conciliar o seu sono
com o padrão da criança ou conformando-se com as poucas horas dormidas.
Nossa! Era muito difícil, eu acordava à uma, três horas, acordava se
não me engano às quatro também. Acho que de meia em meia hora, eu
tava acordando. Não tinha sono pra ela, sono de passarinho, fechou o
olho e acorda, então... Depois que eu comecei a dar outro tipo de
leite, aí ela já foi... Aí depois que eu comecei a dar outro leite,
ela agora só acorda às oito horas (E 228).
... o sono é menos, né? O primeiro mês é difícil, você dorme pouco...
Eu só durmo o tanto que dá mesmo, de noite. É de 2 em 2 horas, aí
acorda toda hora mesmo pra mamar... Vale a pena você ficar acordada
assim, por causa da criança, né? O bichinho não sabe pedir nada, não
sabe de nada... mesmo dormindo pouco, tô satisfeita sim, vale a pena
tadinho, o bichinho é tão... inocente (E 062).
Os resultados aqui encontrados reiteram o modelo "Pesando riscos e benefícios"
(8), no qual a nutriz, ao priorizar suas necessidades de repouso, abandona o
aleitamento, pois as solicitações frequentes da criança no período noturno
geram cansaço, e ela ainda tem outras atividades para desenvolver durante o
dia.
Ter boa saúde mental
Denominamos de boa saúde mental as idéias centrais referentes aos aspectos
emocionais envolvidos no processo de amamentação. As mulheres expressam
aspectos relativos à depressão, stress e ansiedade vivenciados no puerpério,
nas dificuldades com a amamentação ou devido problemas familiares.
...quando ele começa a chorar muito, porque eu não sei o que é. Faço
tudo: troco fralda, dou peito, dou leite, porque eu acho que ele tá
com fome e não é. Aí dá aquele desespero, porque ontem mesmo foi um
dia que eu chorei quase o dia inteiro, porque ele chorou o dia
inteiro, e eu não sabia mais o que fazer. Aí, eu fico desesperada
quando acontece isso, porque eu não sei o que está acontecendo (E
079)
Nessas falas observamos uma preocupação da nutriz em manter a tranquilidade e
equilíbrio emocional, devido à sua crença de que sentimentos ruins e o estresse
podem passar para o leite e prejudicar a criança.
... toda vez que eu amamento ele, é um momento que eu quero ficar
tranquila, não chegar a ficar a tempo de ficar nervosa, ter me
transtornado com alguma coisa. Tento me acalmar pra depois amamentar
ele, porque eu acho isso muito importante, qualquer ato ou qualquer
sentimento, qualquer coisa de rancor ou qualquer tipo de sentimento
que você tiver naquela hora e você passar pra ele, pelo leite, ele já
consegue perceber isso...(E 064).
A ajuda de familiares foi relatada como importante nesse período de adaptação,
para que ela se sinta mais segura e equilibrada.
Ter boas condições para amamentar seu filho - boa produção de leite
Ter boa produção de leite implica em ter condições para satisfazer a
necessidade de boa alimentação do seu filho. A mulher avalia sua produção de
leite de diversas formas, como o comportamento de choro e a manifestação de
satisfação da criança antes ou após as mamadas, através da palpação da mama e
expressão do leite, para visualizar a quantidade de leite produzida, ou ainda,
pelo acompanhamento do peso da criança. Para algumas mulheres, a avaliação e
interpretação que ela faz de sua produção de leite é um dos fatores para a
introdução de outro leite ou de outro alimento na dieta da criança, quando ela
percebe que a criança corre risco de não estar sendo bem nutrida.
... eu não queria ter que ter feito isso não... Só que daí, como eu
tinha pouco leite, aí não tinha outra alternativa. Ou eu fazia isso,
ou então acho que ele passava fome! Porque eu tinha muito pouco
leite! ...eu via que tava começando a mamar e tava começando a
chorar, tava ficando mais leve... Ele não passava no pediatra ainda.
Aí não tinha como pesar ele. Aí eu sei que eu achei, só de pegar nele
você sente o peso da criança. Aí, eu resolvi e introduzi outro leite
pra ele(E 041).
Segundo o modelo "Pesando riscos e benefícios"(8), a mulher utiliza sua
avaliação do leite que produz, e justifica o desmame quando considera o volume
ou a qualidade insuficiente, priorizando a necessidade nutricional da criança.
O papel do profissional de saúde na orientação e incentivo da mulher quanto a
continuar amamentando e acreditando na produção e qualidade do leite que ela
produz é importante para promover a confiança materna na amamentação.
... um dia, eu fiquei com dúvida porque com um mês ela já mamava
mais. E eu estava pondo na cabeça que o leite não estava sendo
suficiente para a menina e que eu precisava comprar leite para ela,
mas não é, a médica disse:-Para de ser besta, quando a criança está
dormindo, ela está se alimentando, se não tivesse, ela estaria
chorando o tempo todo. Ela não chora, ela não é chorona, nem nada,
ela mama, e dorme (E 029).
Para algumas mulheres, observamos que a avaliação de pouca produção é
transitória, havendo melhora após a adoção de medidas para aumentar a produção,
como o estímulo da sucção da criança ao seio materno e o aumento da ingestão de
líquidos e boa alimentação ou, até mesmo, o uso de medicamentos. Torna-se
importante a postura e o apoio do profissional nesse aspecto, na orientação e
incentivo da mulher.
... depois que eu ganhei ele, ele ficou um dia todo com a noite sem
chegar leite, sugando, depois no segundo dia foi que começou a chegar
leite, ele sugando, começou a chegar leite, e agora tem leite pra...
com sobra, né? Não deram leite pra ele, quando eu falava que ele tava
chorando com fome, eles falavam "não, você pode deixar ele ficar
sugando o peito até que o leite vem"... (na maternidade) como eu não
tava tendo leite, eles dava... suco, dava água, bastante água mandava
tomar, pra poder o leite chegar... me mandavam alimentar, só comer,
eles levavam fruta, pra gente comer também(E 240).
Ter boas condições para amamentar seu filho - apoio instrumental e/ou afetivo
da família
Ter apoio instrumental da família compreende ajuda nos cuidados com a criança,
com os outros filhos, ou nos serviços domésticos, principalmente no período
logo após o parto, de adaptação ao novo membro da família. O apoio afetivo
configura-se em estímulo e incentivo para amamentar, principalmente quando a
mulher encontra obstáculos a serem superados no processo da amamentação.
... minha mãe passou uma semana aqui pra me ajudar. Meu marido também
(...) me ajudou muito dentro de casa como sempre fez. À noite ele
ficava com a nenê pra fazer ela dormir, eu não precisava ficar em pé
nem nada, sentia algumas dores. Aí ele vinha e trazia ela pra eu
amamentar. Eu sentava na cama e amamentava ela ... minha mãe passou
essa semana comigo, que foi a pior semana pra mim né?(E 012).
A minha mãe sempre me influenciou a amamentar né? Então mesmo antes
dela (a bebê) nascer, ela falava pra mim como era importante o leite
materno, como era importante a criança mamar... O meu marido também
sempre fala pra mim, mesmo quando chegou em casa, eu com tanta dor,
sofrendo tanto, e ele sempre comigo do meu lado, "não, vamo lá
neguinha, força"(E 138).
A ausência de um apoio afetivo familiar colabora, em alguns casos, para o
abandono do aleitamento materno exclusivo, evidenciando a influência familiar
nas decisões maternas relacionadas ao rumo da amamentação, ilustrando a
importância da inclusão desses familiares em programas de promoção ao
aleitamento materno, como também evidenciado em outros estudos(10).
A avó (paterna) dela... Falava pra dar o leite, que era melhor, pra
ver se ela se acalmava, que não tinha nenhum problema, que ela dava
pros filho dela... Não foi nem tanto eu, foi mais ela assim. (ela
falava que o meu leite) Que era fraco!... Aí eu peguei e acabei
dando... Ela ficava chorando o tempo inteiro...(E 224).
A mulher sugere, também, a necessidade do profissional de saúde conversar com
os demais membros da família, como forma de incentivá-los a participar mais no
processo de amamentação.
... se estiver passando por alguma dificuldade, a gente tem mais que
encaminhar para os lugares onde possa conseguir as coisas e conversar
com a família também. A família está no pé, está ajudando é mais
fácil e tudo que é importante para o filho dela, que o leite materno
é mais saudável... Porque, a pessoa tendo um apoio, um suporte da
família, é até mais fácil (E 072).
Ter boas condições para amamentar seu filho - ambiente adequado em casa para
amamentar
As características principais relatadas pelas mulheres com relação ao ambiente
adequado para amamentar foi ter um local tranqüilo, sem poluição sonora, com o
mínimo de interferência externa e higiênico. O fato de não ter um ambiente
adequado para amamentar interferiu na capacidade de manter-se tranqüila para se
dedicar a um momento considerado como especial, o da amamentação.
... o barulho, às vezes atrapalha, né? Porque criança precisa de
silêncio né? Igual aqui elas falaram assim, quando eu fosse dar peito
pra ele, eu escolhesse um lugar bem calmo, silêncio, você entendeu?
E, às vezes, é barulho demais, o pessoal quer ouvir som um mais alto
que o outro, então, como as casas é tudo pertinho, então, às vezes,
atrapalha, eu acho (E 054).
Necessidade de ter acesso a todas as tecnologias de saúde que contribuam para
melhorar e prolongar a vida
Para a compreensão das tecnologias de saúde requeridas pelas mulheres deste
estudo, foi utilizado o conceito de tecnologias duras, leve-duras e leves de
Merhy(11). Para o autor, a tecnologia dura seria centrada em equipamentos e
instrumentos; a tecnologia levedura, o conhecimento técnico do profissional de
saúde, aplicado no cuidado ao usuário, no nosso caso, à nutriz e a tecnologia
leve, às relações entre os sujeitos, trabalhadores e usuários, que conformam
uma certa tecnologia no modo de agir para a produção do cuidado.
Nesse grupo, identificamos que no processo de amamentação, a mulher tem
necessidade de acesso às tecnologias disponíveis para lidar com as
intercorrências inerentes a essa prática, para seguimento após a alta
hospitalar e minimização de dificuldades para a manutenção do aleitamento.
Lidar com as intercorrências da amamentação
O acesso às tecnologias para lidar com as intercorrências inerentes da
amamentação, como aquelas referentes à ocorrência de mamilo não protruso, que
dificultou o desempenho de amamentar, a lesão de mamilo, o ingurgitamento
mamário e a mastite, esteve disponível para as nutrizes deste estudo.
Tive ajuda das enfermeiras. Elas me ajudavam. Mostravam como é que
ele tinha que pegar... que machucou bastante,porque ele tava pegando
só o bico e aí elas me ajudaram mostrando como é que tinha que
fazer... que ele não abria muito a boca. Aí elas me ajudavam,
mostravam que tinha que pegar no queixinho, puxar pra baixo pra ele
abrir bem a boca e pegar o peito todo... Quando eu tive alta, a
médica mandou passar uma pomada e deixar o leite mesmo secar no
sol... (E 079)
Porém, dependendo da maneira com que a resolução de algum tipo de
intercorrência, é conduzida pelo profissional de saúde ou vivenciada pela
mulher, torna-se ou não um obstáculo para a manutenção da amamentação.
Ter acesso aos serviços de saúde para seguimento após a alta
O acesso aos serviços de saúde, para a nutriz, traduz-se em necessidade de ter
alguma referência após a alta hospitalar, para seguimento dela e da criança,
para acompanhar dificuldades da amamentação e evolução do peso da criança,
fator importante para avaliar o sucesso da amamentação.
...a fono pediu pra dar na mamadeira, com bico ortodôntico e tudo,
porque ela tava perdendo peso... Na alta, eles orientaram dar só o
leite de peito pra ela, mais nada, mas como ela foi pra casa e ela
começou a perder peso, aí a enfermagem pediu pra ir oferecendo o
leite do peito na mamadeira. Mas mesmo assim, ela tava perdendo peso,
daí eu dei por conta própria o N., continuei dando por conta própria.
Ela começou a tomar mais vezes, ela começou a ganhar peso, ela
começou a ficar mais espertinha, aí eu continuei... (E 239)
Este fato ilustra bem o modelo "Pesando riscos e benefícios"(8), onde a perda
de peso ou o ganho aquém do esperado é considerado pela nutriz como um
indicador de que a criança não está sendo alimentada adequadamente com o seu
leite, levando-a a introduzir o leite heterólogo, para complementar uma
quantidade de leite que não está sendo adequada para nutrir o seu filho.
É apontado a importância de serviços de referência para atender as
intercorrências desse período, inclusive com necessidade de reinternação.
Voltei (no retorno). Ela tava amarelinha, aí ela ficou internada
quatro dias, aí ficaram quatro dias com ela, tomou banho de luz e
depois ela ficou bem e a gente voltou pra casa de novo... Fiquei (com
ela), os quatro dias, tava mamando no peito. Eu achei importante...
Foi proporcionado isso pra gente né, então eu fiquei com ela assim,
amamentei direitinho, os cuidados que eu tinha que ter, foi tido com
ela ali (E 173).
Também é valorizada a importância do serviço de saúde vir até a nutriz, na
forma de visita domiciliar ou grupos de orientação na própria comunidade. Dessa
forma, o profissional de saúde conhece a realidade em que ela vive com a
criança, tornando mais concreta a possibilidade de avaliar as dificuldades
encontradas na amamentação, da mesma forma em que facilita o seu acesso às
tecnologias providas por ele.
Eu acho que é importante de repente um tipo de programa em que a mãe
que estiver com dificuldade, ela possa vir aqui no posto e falar:
olha, eu não estou conseguindo e as meninas falarem: deixa eu ver
como você está fazendo. Mostrar onde a pessoa está errando ou até ir
na casa da mãe, ver o que a mãe está fazendo de errado... Então uma
enfermeira pode ser muito importante, se ela der esse apoio pra mãe,
pra que ela possa sentir que a amamentação é uma coisa prazerosa e
não uma coisa que tem que ser um sacrifício pra ela. Acho que dar um
apoio ou um programa em que a mãe pudesse vir e ter alguém que
orientasse: olha, você tem que fazer assim... Ou a enfermeira ir na
casa da mãe e orientar como ela deve fazer, pra dar de mamar, como
pegar o nenê, ensinar a técnica de amamentação mesmo (E 186).
As mulheres deste estudo, quanto ao elemento acesso aos serviços de saúde
durante o processo de amamentação, citam o acesso geográfico, o econômico e, o
acesso funcional, que envolve o acesso aos tipos de serviços que a pessoa
necessita, os horários previstos, e a qualidade do atendimento por parte dos
profissionais(12).
Necessidade de ter vínculo com um profissional ou equipe de saúde
O vínculo estabelecido com os profissionais de saúde, tanto os da área
hospitalar, como os da unidade básica de saúde é apreendido nas falas dessas
nutrizes, como o bom atendimento, a atenção dispensada a ela e ao seu filho, a
compreensão e o carinho dispensados para a superação de dificuldades, a escuta
atenta pelo profissional de saúde e o atendimento de suas necessidades.
... quando eu vim passar aqui, eu fiquei tão feliz, porque não é todo
posto de saúde que atende você desse jeito. Aqui as meninas foram
super carinhosas comigo... Eu tava numa tristeza enorme quando eu vim
pra cá... Mas depois que eu vim, que elas conversaram comigo,
bastante, bastante mesmo, me ensinaram a dar o peito pra ele, as
posições, e conversando coisas da minha vida também, me deixou...
Então, eu saí daqui super pra cima, feliz, entendeu? E eu tinha
certeza que, quando eu voltar aqui, eu ia tá melhor, e ele, também (E
054).
O bom atendimento, baseado na escuta do usuário e o bom desempenho do
profissional, propiciam a criação do vínculo do usuário com o serviço de saúde.
O vínculo otimiza a assistência, uma vez que os profissionais conhecem os seus
clientes e as suas prioridades, facilitando, assim, o atendimento das suas
necessidades. Isto gera satisfação e segurança ao usuário, pois ele sente-se
aceito e mais próximo dos cuidadores(12).
Necessidade de autonomia e autocuidado na escolha do modo de "andar a vida"
Os elementos da experiência do processo de amamentação apresentados compõem,
para o que é considerado neste estudo, como necessidade de autonomia e
autocuidado na escolha do modo de andar a vida, pois adquirir conhecimentos,
habilidades e, por fim, segurança para amamentar, teria como fim dar autonomia
à mulher para manter o aleitamento materno.
Ter orientação quanto ao aleitamento materno, no pré-natal e na internação
Adquirir conhecimentos sobre os benefícios do aleitamento materno para a mãe e
para a criança, assim como a técnica de como amamentar, contribuem para o
processo decisório da mulher de iniciar e manter essa prática. Apoderar-se
desses conhecimentos, seja através dos meios de comunicação ou da orientação do
profissional de saúde, no pré-natal e na internação, contribuíram na conquista
da sua "autonomia" para a manutenção da amamentação.
... a minha primeira filha não foi amamentada do jeito que essa daqui
tá sendo... Como eu era nova, adolescente, de dezoito anos, então eu
não tinha uma consciência do que... da serventia do leite materno
trazia pra criança... Há dezenove anos atrás, que não tinha esse
negócio de propaganda, e de estímulo da mãe amamentar os filhos,
então... Hoje, assim, a conscientização está bem maior do que há
vinte anos atrás. Hoje, eles anunciam, faz propagandas... Tive
orientação, no pré-natal e na maternidade também, foi um tipo de
palestra, né? Qual é a necessidade de amamentar o filho, então foi
uma palestra muito boa (E 001)
As mulheres reconhecem a importância da orientação dos profissionais de saúde
para o estímulo ao aleitamento materno, desde o pré-natal, como forma de
instrumentalizar a mulher com o conhecimento, para que esta possa ter maior
confiança e êxito na amamentação.
É falar mesmo, instruir. De repente, tirar uma dúvida. Se a mãe vier
perguntar, ela saber responder, orientar, passar segurança. Muitas
vezes fica desesperado e eu acho que ela tem que ser firme na posição
dela, saber passar segurança naquela informação pra mãe, que está em
busca de resposta. Ser bem firme na resposta dela, segurança, a
instrução pra ela ter experiência... Dúvidas banais mesmo, do dia-a-
dia que você vê: "ele grita"... "Mas calma, ele tem que chorar. Ele
vai chorar, é o meio dele se comunicar" (E 212).
Receber apoio instrumental e/ou afetivo do profissional
O desenvolvimento de habilidades da técnica de como amamentar contribuem para
uma "autonomia" para a instalação e a manutenção da amamentação. É necessário
não só a informação, mas também a ajuda prática para amamentar e o incentivo no
início desse processo, durante a internação, que correspondem ao apoio
instrumental e/ou afetivo do profissional no processo de amamentação, para que
a partir daí, a mulher e a criança consigam manter o aleitamento materno.
...eu fiz o curso de amamentação, porque eu achei muito importante
fazer e eu fiz no pré-natal. Então pra mim, o que foi complicado é
porque é diferente do dia-a-dia.(...) O curso te mostra o bico do
seio e como que você tem que colocar a criança, mas é diferente na
hora. Então, eu acho que, a partir do momento que você teve o bebê,
ao invés de falar: olha, você tem que pegar assim... E colocar a
criança ali, realmente, como ela deve ser amamentada, entende?
Principalmente as mães de primeira viagem, porque eu nunca tinha tido
filho e nunca amamentei,então eu acho que faltou isso...(E 012)
Se sentir segura com relação à amamentação
Se sentir segura para amamentar após a alta hospitalar, teve importante valor
para os rumos da amamentação após o retorno ao lar e à sua realidade cotidiana.
Cabe aos profissionais de saúde instrumentalizar as mulheres para que ela
adquira essa segurança e autonomia, no que se refere aos cuidados com a criança
e ao aleitamento materno.
... quando eu saí com a minha filha (de alta), eu nem acreditava. Eu
tô indo embora sabe? Eu não sabia se eu ria ou se eu chorava, porque,
ao mesmo tempo que eu queria ir, eu queria ficar. Porque eu sei que,
no hospital, ela tava sendo bem cuidada e em casa, eu não sei se eu
ia poder cuidar da forma que eles cuidavam... se eu não cuidar bem eu
volto... (E 032)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os resultados apontaram a importância de o sistema de saúde incluir a família
da nutriz no processo de amamentação e, também, levar o serviço de saúde para a
realidade na qual vive a mulher, como forma de facilitar o acesso à informação
e ao atendimento de saúde e, sobretudo, para que o profissional possa assisti-
la sem se ater ao discurso idealista e utópico para ela. É fundamental
individualizar a assistência, pois cada qual traz anseios e histórias
pregressas distintas, tem uma relação familiar única e expectativas diferentes.
Nesse aspecto, investigar as condições físicas e psicológicas da mulher, as
dificuldades encontradas, as possibilidades de apoio em seu entorno social, as
condições do ambiente em que vive, podem contribuir para o planejamento da
assistência em aleitamento.
É importante, para a manutenção do aleitamento materno, ter um serviço de
referência de fácil acesso, com disponibilidade para resolver problemas
imediatos, na medida em que estes vão surgindo no decorrer da prática de
amamentar. Dessa forma, o investimento em grupos de apoio à amamentação,
poderiam ser pensados como uma estratégia, bem como a disponibilização de
atendimentos por telefone, o que facilitaria o acesso à informação de uma
maneira mais imediata. Nesse aspecto, ter um vínculo com o profissional ou
equipe de saúde pode ser uma ferramenta valiosa à mulher na procura pelo
serviço de saúde para a satisfação de suas necessidades no processo da
amamentação, desvinculando o serviço de saúde do papel de atender apenas as
demandas.
O apoio instrumental e afetivo do profissional, sendo bastante valorizado pelas
mulheres deste estudo, aponta para a importância da assistência sistematizada
na área do aleitamento materno, durante a internação, justificando assim
maiores investimentos em políticas de saúde para a promoção, proteção e apoio a
essa prática. O conhecimento adquirido sobre os benefícios da amamentação, para
a mãe e à criança, foi abordado pelas mulheres como um dos pilares para a
manutenção dessa prática, sobretudo ante as dificuldades e obstáculos
encontrados no período. Nesse aspecto, as orientações dos profissionais de
saúde, a divulgação pelos meios de comunicação, investimentos em campanhas de
divulgação para promoção do aleitamento materno podem ser melhor explorados
pelo sistema de saúde.
Neste estudo, foi evidenciado que ainda há falta de um apoio estrutural às
mulheres trabalhadoras, apontando, tanto para a necessidade de uma maior
fiscalização dos cumprimentos dos direitos trabalhistas como para melhor
preparo dos profissionais para apoio a essa necessidade.
Apreendemos neste estudo que a atuação da enfermagem abrese em um leque de
possibilidades, desde a assistência pré-natal, como durante a internação
hospitalar, no seguimento após a alta nos serviços de saúde e nas visitas
domiciliares. É preciso, sobretudo, estar comprometido em assistir essas
mulheres no atendimento de suas necessidades de saúde no processo de
amamentação, possibilitando o sucesso dessa prática. Dessa forma, a mulher
sente-se plena e realizada, pois, para ela, a amamentação faz parte da vivência
da maternidade.