Fatores protetores e de risco para depresão da mulher após o aborto
INTRODUÇÃO
O aborto é definido clinicamente como a interrupção da gravidez ou expulsão do
produto da concepção antes que o feto seja viável (22ª semana) ou, se a idade
gestacional for desconhecida, com o produto da concepção pesando menos de 500
gramas ou medindo menos de 16 centímetros(1).
É um tema polêmico, cuja prática esteve em todas as épocas, podendo ser
abordado sob várias óticas e sob múltiplas perspectivas. Questões envoltas em
tabus e preconceitos são difíceis de lidar devido à discriminação, dependendo
da intencionalidade do ato de abortar(2).
No Brasil, o aborto é criminalizado, somente sendo legalizado quando há risco
para a mãe ou em caso de estupro. A legislação do aborto tem sido questionada,
pois calcula-se que ocorram 1,4 milhões de abortos clandestinos anualmente.
Eventos estressores são eventos traumáticos que aparecem sem serem usualmente
antecipadas e que podem induzir a transtornos psicopatológicos(3).
A depressão é a doença que mais aumenta no mundo, sendo provavelmente
responsável por mais de 8 mil suicídios por ano. É o distúrbio psiquiátrico
mais comum na prática clínica, afetando 25% dos adultos(4).
O diagnóstico de depressão leva em conta que devem estar presente cinco ou mais
sintomas como fadiga, alteração de humor, desânimo, insônia e alteração do
apetite, por duas ou mais semanas. Além disso, o paciente refere a presença de
sintomas diários como sentimento de inutilidade ou culpa excessiva ou
inadequada (podendo ser delírio), não meramente auto-recriminação ou culpa por
estar doente; fadiga; agitação ou retardo psicomotor; hipersonia ou insônia;
ganho ou perda significativa de peso sem estar fazendo nenhuma dieta (mudança
de 5%) e diferença no apetite; interesse diminuído para atividades; humor
deprimido; capacidade diminuída de concentrar-se ou tomar decisões e
pensamentos de morte(5).
Resiliência é a capacidade de um indivíduo para responder de forma mais
consistente aos desafios e dificuldades, reagir com flexibilidade e capacidade
de recuperação diante desses desafios ou circunstâncias desfavoráveis, tendo
uma atitude otimista, positiva e perseverante e mantendo equilíbrio(6). Pessoas
resilientes respondem melhor aos desafios e situações de acordo com sua
dinâmica interna e externa com respostas diante de uma situação nova(7).
Os fatores de proteção incluem atividade, autonomia, orientação social, auto-
estima, coesão familiar, ausência de grandes conflitos, inteligência, senso de
humor, empatia, recursos financeiros, apoio social e recursos individuais(8).
Considerando o aborto e a depressão como problemas de saúde que necessitam
ampla atenção e cuidado, as intervenções de enfermagem são muito importantes no
conjunto de ações com vistas à assistência integral identificando fatores de
risco e proteção.
OBJETIVO
Identificar fatores de risco e de proteção para ocorrência de depressão em
mulheres, em decorrência de abortamento.
MÉTODO
Pela natureza desta investigação, a abordagem qualitativa, uma vez que a
atenção está centrada na pessoa, com a finalidade de compreender o fenômeno por
ela vivenciado.
Este estudo foi realizado em duas enfermarias do Hospital das Clínicas de
Ribeirão Preto - Unidade de Emergência com aprovação do Comitê de Ética do HCRP
- USP.
Foram convidadas a participar da pesquisa, 13 mulheres após 20 horas de
internação, considerando que a média de permanência das internações de abortos,
é de um a três dias. A inclusão das mulheres como sujeitos deste estudo
ocorreu, independente da faixa etária e da etiologia. Após a concordância das
mesmas em participar das entrevistas e após assinatura do termo de
consentimento livre e esclarecido.
Garantiu-se, aos sujeitos, com a apresentação formal da enfermeira, o motivo do
estudo e a garantia do sigilo.
Entrevista com roteiro que abordava aspectos de identificação pessoal e sócio
demográfica dos sujeitos. As questões sobre o aborto focalizavam o cuidado de
enfermagem aos olhos dessas mulheres com uma pergunta: Como você reconhece o
cuidado de enfermagem que está recebendo? Você pode descrever para mim?
Foram realizadas entrevistas individuais. Para as mulheres que consentiram foi
usado um gravador, cujo objetivo foi registrar suas falas com maior
fidedignidade, permitindo à pesquisadora observar e anotar linguagem gestual e
expressões faciais que reforçavam os conteúdos dos discursos. O número de
mulheres entrevistadas foi determinado pela exaustão das falas registradas nas
entrevistas.
Inicialmente, foi feita uma análise global desses dados. Neste momento, lançou-
se aos mesmos dados, novo olhar sob a perspectiva da resiliência e reavaliados
os dados.
Para analisar o conteúdo vivenciado pelas mulheres realizou-se leitura atentiva
dos treze depoimentos. Voltou-se o olhar para os fatores de risco de proteção e
de risco. Destacou-se trechos significativos, mantendo-os como foram expressos
pelas mulheres. Em seqüência, buscou-se a análise das falas dos sujeitos com
base nas publicações do tema.
RESULTADOS
Perfil das mulheres estudadas
Durante o encontro com as mulheres, elas falaram sobre suas vidas. Conforme
apresentado no Quadro_1, vale ressaltar que as suas idades situavam-se entre 20
a 45 anos. Cinco dessas mulheres relataram ser solteiras, três casadas e cinco
amasiadas, eram três analfabetas, três com primeiro grau completo e sete com
segundo grau completo. A renda familiar mensal variou de R$ 250,00 a R$
3.000,00. Quanto à ocupação: uma era estudante, três do lar, duas
desempregadas, quatro domésticas, duas balconistas e uma funcionária pública.
Onze delas residiam em Ribeirão Preto e as outras em cidades da região.
Dentre as treze, três relataram ser a primeira vez que engravidaram
(primigestas) e, para as outras, o número de filhos variou de um a quatro. A
idade gestacional variou de 9 a 22 semanas. Três revelaram já terem passado
pela situação de abortamento, anteriormente. Dessas mulheres, apenas duas
haviam planejado a gravidez. Quanto ao uso de métodos contraceptivos, oito
revelaram não fazer uso de nenhum tipo de método, três estavam tomando pílula,
mas haviam interrompido seu uso (para melhora dos efeitos colaterais); uma
esqueceu alguns dias; outra relatou que o condon estourou.
Para garantir e preservar o anonimato, as mulheres foram identificadas por
nomes fictícios.
Fatores de risco e de proteção para a ocorrência de depressão em abortamento
Pelas discussões das mulheres em situação de abortamento, os fatores de risco
estão associados à precárias condições sócio-econômicas e afetivas, uso de
drogas e álcool, prostituição, local de moradia, falta de apoio social e
familiar, violência doméstica. Além disso, existe resistência ao uso de
contraceptivos.
Observou-se que as mais jovens querem adiar e as mais velhas ou já tem filho ou
não têm condições econômicas e estruturais favoráveis à criação dos filhos.
Algumas falas evidenciam a assimetria de gênero levando à gravidez indesejada:
"Sabe, homem não entende, às vezes não quer usar nenhum método...ou
te força...eh um pouco de machismo sabe? Lá onde eu moro, as
mulheres, são muito submissas ao homem, porque não tem independência
sabe?
...se a gente não cede, a gente não gosta e não faz papel de esposa
ou mulher e eles procura na rua, então tem que fazer do jeito que
eles querem, a hora que eles querem e a responsabilidade é só nossa"
(9)
Compreende-se por esses discursos a relação de assimetria de gênero e falta de
negociação no exercício da sexualidade e na autonomia para tomada de decisão
bem como falta de diálogo que permeia as relações conjugais. Essas mulheres
submetem a relações sexuais e sociais contrariando sua vontade e decisão
pessoal.
O aborto pode parecer decisão individual, mas envolve uma série de
circunstâncias interligadas à qualidade e à perspectiva do relacionamento
conjugal, dos projetos de vida, das pressões familiares e sociais vividas. A
vida afetiva tem um papel importante como motivador da decisão de abortar(9).
A natureza frágil dos relacionamentos afetivo-sexuais que mantém com seus
parceiros, as relações conjugais e também o sofrimento com a ausência, a
incompreensão e o descaso do parceiro também são situações que podem propiciar
a ocorrência do aborto e o sofrimento psíquico como mostra a fala abaixo:
"Que nem, se a gente não cede a gente até apanha" (8)
O sofrimento psicossocial gerado pela falta de suporte do parceiro, seu
descompromisso com a gestação e a falta de suporte social tem sido a tônica de
muitas situações que têm na sua terminalidade o aborto e mostram que, na
sociedade atual ainda a responsabilidade feminina sobre a gravidez e o aborto.
O papel do homem foi deixado de lado no estudo da prática da ginecologia e
obstetrícia. Entretanto é preciso estimular os homens a não serem violentos e
que aprendam o exercício do direito do casal para a tomada de decisões. A
reeducação da masculinidade promove para uma conduta sexual adequada; segura e
participativa juntamente com a mulher(10).
Outros discursos mostram a dificuldade no uso de métodos contraceptivos, a
resistência, a falta de informações sobre estes e seus possíveis efeitos
colaterais:
"Não, eu nunca esqueci. Esses remédio de posto eu acho que é furada,
não adianta nada, eu tomei e engravidei, como é isso? Eu quero agora
tomar injeção sabe?" (1)
"pra gente sabe se pergunta, as vezes tá com alguma pergunta pra
fazer, direcioná, sabe pra quem que pergunta, pra quem fazer a
pergunta. Até também a gente não sabe quem sabe o que? Né?" (6)
"...se eu nunca tiver uma orientação das pessoas que é profissional o
que que vai acontecer? Aborta de novo, fazer loucura de novo" (9)
"...eu só queria também fazer uma laqueadura, porque eu não quero
mais ter filho, já tenho dois e não tenho condições...não posso com
pílula....queria muito sabe? Não sei como fazer, com quem fala...com
quem eu falo? Tem como eu fazer aqui? Aqui mesmo? Tem como? Quero
muito sabe disso..." (9)
Estes discursos mostram a falta de informações e de orientações. É possível
reconhecer que as mulheres sentem necessidade de orientação e informações sobre
contracepção, sexo seguro, pois apesar destes assuntos serem divulgados através
da mídia e nos serviços de saúde, há outros fatores que interagem nas condições
de vida dessas mulheres. Mulheres atendidas pelo Sistema Único de Saúde (SUS),
em hospital público, têm um contexto geralmente de dependência afetiva e
financeira do parceiro. Muitas vezes, este fato impede de desenvolver
"empowerment", o que se mostra também na sua relação com os profissionais de
enfermagem(9). Elas esperam, nesses momentos de crise em suas vidas, serem
cuidadas e resolver todos os problemas que lhe parece prioritários tais como
suas dificuldades em fazer um planejamento familiar e suas dificuldade no
relacionamento conjugal. Observa-se estes discursos:
"Eu sei o valor que é ter um filho. Apesar de que não foi planejado,
ele era aceito, mas não era uma boa hora porque é difícil criar um
filho né? as coisas estão difíceis tudo..." (3)
"Único filho que eu tenho, mas eu não casei não, no papel não. O meu
primeiro marido, eu vivi cinco anos, amiguei né? Aí eu separei,
fiquei quase um ano separada, foi quando eu conheci o pai desse que
ía vim. Mas também já terminamos, faz três meses". Já é difícil criar
um filho ainda sem apoio (6)
Esse discurso evidencia a importância do planejamento da gravidez para essas
mulheres. Entretanto, ressaltam não apenas as condições materiais para a
concretização da maternidade. Outros aspectos como a participação do parceiro,
o apoio e a afetividade relacionados à gestação e o cuidado com os filhos
também aparecem.
Estudo realizado com profissionais de saúde, aponta motivos que levariam uma
mulher a abortar são: a questão econômica; a irresponsabilidade da mulher; a
gravidez resultante de relacionamento extraconjugal; a rejeição de suas
famílias; a ausência de informação para previner uma gravidez indesejada; a
gravidez na adolescência; o abandono do namorado e a conseqüente rejeição do
feto; o número de filhos; não aceitação da gravidez pelo marido; a questão das
relações sexuais precoces e desprotegidas; a promiscuidade; a falta de
fiscalização pelas autoridades. Esses fatores não devem ser considerados como
motivos e sim como condições facilitadoras para a ocorrência do abortamento
(11).
O contexto de vida das mulheres, sujeitos deste estudo, apontaram para
situações que mostraram que o cuidado pessoal nem sempre é incorporado por ela.
A gravidez não planejada e o sofrimento resultantes podem levar à concretização
do ato do abortamento. As falas abaixo trouxeram à tona situações vividas
nestas circunstâncias:
"Que nem eu tava de cinco meses, eu acho, eu e o meu namorado, tava
junto há um ano. De três meses pra cá, ele não me procurou mais,
sumi.Pra mim foi sofrimento de mais, né? Nós era amigado também. Sabe
então pra mim foi tudo de uma vez, estou sem emprego, parei de
estudá, foi separação dele, daí um pouco minha mãe faleceu faz dois
meses e agora a perda do nenê. Tudo de uma vez. (olhos com lágrimas).
Eu acho que todo esse sofrimento teve influência na perda do nenê.
Porque tudo isso é sofrimento, e a gente grávida, não pode passa
nervoso, tem que vive o melhor possível né? Então...acho que
influenciou na perda, muito difícil". (6)
"E depois também essas coisas que aconteceram né? morte da mãe e
separação do meu namorado, tudo né? Então eu me senti um pouco
culpada, tudo isso é sofrimento né? Acho que parece que o nenê senti
que a gente não tá bem e até desisti de vim " (6)
"Porque se acontece isso de abortá sempre tem um porque né? sempre,
sempre tem um porque...ou perdeu mesmo sem mexer, sem fazer nada, ou
provocou e se provocou tem um porque, sempre tem um porque...vai ver
a vida dessa pessoa, vai ver o que essa pessoa passa....vai lá
ver....as vezes também mata por amor, porque sabe que não tem
condições de dar amor, carinho, escola e dinheiro" (9)
"Eu sou muito nova, tenho muita coisa ainda pela frente, pra viver
sabe? Ter filho agora? Estudo, trabalho...uma vida" (6.)
Diferentes situações conferem especificidades diante da experiência de
abortamento, como idade, presença ou não do parceiro, condições de moradia,
fatores sócio-econômicos, religião, distância do marido que trabalha fora,
desejo ou não de ter filho, aceitação do marido e aceitação da família(9).
Esses relatos apontam para a importância da compreensão da situação de
abortamento, analisando o contexto sócio-econômico e afetivo em que se
encontram, sua história conjugal e de vida para a realização do cuidado à essas
mulheres e os riscos para a integridade de sua saúde mental.
Outros aspectos como a participação do parceiro, o apoio e a afetividade
relacionados à gestação e o cuidado com os filhos também aparecem.
"Foi triste, é difícil. Eu acho assim, sabe, é importante a gente ter
apoio...." (8)
"Agora essa vida de..boate essas coisa fui eu, eu que escolhi....é
lógico que não é assim, também...a gente procura uma coisa melhor e
não acha.....eu era ...não conseguia enxergar...as besteira....não
conseguia vê isso...e minha mãe...minha mãe é faxineira sabe? De
hospital...e sabe, mesmo com tudo que eu já aprontei pra ela, ela
nunca, nunca, nunca me desprezou, me maltratou....me marginalizou
sabe? Sabe como que eu consegue saí da vida que eu tinha, com
amor....saí das droga, saí da prostituição....porque eu tive apoio de
certas pessoas....agora pergunta se eu lembro o nome de pessoas que
me maltrataram? Não....essas eu faço questão de esquecer, mas eu
guardo muito bem os nomes das pessoas que me ajudaram a sair disso
tudo, me levantaram, me falaram o que era a vida....me ensinaram, me
orientaram...essas sim me marcaram...., porque a gente aprende...é só
ensina...mas até eu chega aí...eu sofri...sofri desprezo, humilhação
tudo...." (9)
Há relatos que mostram a dificuldade de enfrentamento após a situação,
mostrando a possibilidade de afetar a integridade mental:
"Sabe, depois do aborto, a gente sabe que tem muito problemas da
cabeça como a gente tem pesadelo, sentimento ruim e fica muito
triste, desanimado...acho que mesmo quem perdeu porque quis, imagine
que perdeu querendo a gravidez" (8)
Eventos agudos podem ser infinitamente mais desastrosos do que condições
crônicas a que o indivíduo já está habituado(12). No entanto, pessoas expostas
à adversidade crônica têm mais dificuldade em lidar com eventos de vida agudos.
Os diferentes níveis individuais de tolerância ao estresse também oscilam
conforme a situação enfrentada(13).
Estudos epidemiológicos dos transtornos psiquiátricos na mulher mostram que a
conscientização de que estes transtornos são um sério problema de saúde pública
é relativamente recente, especialmente após uma publicação da OMS. A pesquisa
como medida uma combinação do número de anos vividos com incapacidade e
consequente deteriorização da qualidade de vida; mostrou a intensa diferença de
gêneros na incidência e curso de transtornos mentais, assim como na
apresentação clínica e na resposta terapêutica(14).
A diferença entre a prevalência de depressão em mulheres e em homens é
observada em várias regiões do mundo e esta razão tem variado entre 1,5 e 3,0,
com média de duas mulheres para cada homem. Além das especificidades
biológicas, há também os fatores como pressões sociais, estresse crônico e
baixo nível de satisfação associado ao desempenho de papéis tradicionalmente
femininos, ou pela forma diferencial entre gêneros de lidar com problemas e
buscar soluções. Outro argumento é que as mulheres teriam maior facilidade de
identificar sintomas, admitir que estão deprimidas e de buscar ajuda que os
homens(14).
Fatores de risco associados à depressão têm sido identificados, incluindo
história familiar, adversidade na infância, aspectos associados à
personalidade, isolamento social e exposição a experiências estressantes.
Estudos mostram também mulheres apresentando maiores taxas de ansiedade
associada à depressão e homens mostrando maior abuso de álcool e transtorno de
conduta(14).
Fatores de risco psicológicos que precedem o aborto, bem como os efeitos
prejudiciais psicológicos, físicos e sociais não têm sido considerados como
relevantes(15).
As mulheres sofrem de Síndrome Pós-aborto, experimentando o "luto incluso", uma
dor que na maioria das vezes é negada mesmo quando uma morte real ocorreu. Por
causa desta negação, o luto "não pode" praticamente existir. Mesmo assim, a dor
da perda ainda está presente e muitas têm "flashbacks" da experiência do aborto
e inclusive pesadelos sobre o bebê e até mesmo sofrimento no aniversário da
morte(5).
Os efeitos psicológicos mais comuns da situação de aborto são sentimentos de
culpa, impulsos suicidas, pesar/abandono, perda da fé, baixa estima pessoal,
preocupação com a morte, hostilidade e raiva, desespero/desamparo, desejo de
lembrar a data de nascimento, alto interesse em bebês, frustração do instinto
maternal, mágoa e sentimentos ruins em relação às pessoas ligadas a situação,
desejo de terminar o relacionamento com o parceiro, perda de interesse sexual,
frigidez, incapacidade de se perdoar, nervosismos, pesadelos, tonturas,
tremores, sentimento de estar sendo explorada, dentre outros(15).
O aborto, no caso de ser provocado, causa ansiedade, depressão, culpa e
vergonha por até cinco anos. Os abortos naturais causam depressão e ansiedade
apenas durante os seis primeiros meses depois da perda do bebê, enquanto que os
abortos provocados têm um efeito mais negativo psicologicamente e mais
duradouro(16). Esta pesquisa foi duramente criticada por grupos pró-aborto que
afirmam não haver evidências concretas para demonstrar que este tipo de decisão
está diretamente relacionada a traumas psicológicos. Questiona-se o fato destas
mulheres apresentarem, anteriormente, algum distúrbio psicológico.
A depressão é um efeito natural do aborto e pode aparecer anos depois. A
depressão causada por um aborto, independente da causa ou das situações
envolvidas, é uma condição oculta e ignorada, porém necessária à prevenção e o
tratamento(17). Os autores acrescentam que muitas mulheres vão a tratamento
para depressão, ansiedade, vícios, mas não compreendem as raízes de sua
enfermidade. Muitas vezes são "narcotizadas" e "nunca lhes é dado o diagnóstico
nem se direciona para trata-las no caminho da cura e da recuperação". Os
autores afirmam que a lembrança e os sentimentos não resolvidos sobre o aborto
convertem-se em fontes de pressão que podem surgir anos depois em formas
inesperadas. As emoções não resolvidas demandarão atenção cedo ou tarde, com
freqüência através do desenvolvimento de perturbações emocionais ou de
comportamento(17).
As mulheres revelam também problemas com drogas, associados com o ato de
abortar e a promiscuidade:
"Que eu já tive problema né? com overdose, já tive problema com
parada cardíaca. Então isso tudo preencheu minha cabeça, mas
não....elas me deram força. Eu tive problema sério com droga, muita
droga...mas só que de repente pra poder disfarçar ela bébe, pra pode
disfarçar, esquece da vida, dos problemas, pra passa o
sofrimento...hoje eu vejo assim, as vezes a gente não é forte o
suficiente pra suportar certas coisa, problema e a gente diante
daquilo fica cega, faz loucura mesmo e não tem apoio de ninguém...e
isso é pior ainda, porque aí que você se vê sozinha, aí você pensa
não tenho nada a perdê mesmo...ninguém me valorizou....hoje eu sei
que é a gente que tem que se valoriza primeiro, mas antes eu não. Eu
penso assim. Eu pelo menos penso assim né?...Muitas pessoas não
conseguem enxerga isso e ser tratada como eu fui da vez que eu tirei
mesmo o meu filho, eu provoquei com sondinha o aborto, a gente sofre
mais ainda, mas não foi com o que eles me fizeram que eu aprendi
não....foi a vida que me ensinou e as poucas pessoas que eu pude
contar, pude falar a verdade e me estenderam a mão, uma delas foi
aquela enfermeira que eu te falei.Igual...já que eu comecei a falar
eu vou falar mesmo sabe? Por exemplo a lei, a lei proibe o aborto,
mas ele acontece, e aí? Ele acontece mesmo....e a gente tem que ir
pro hospital...como que fica isso? Eu sei que isso não devia
acontecer...igual comigo nunca mais...sabe? eu acho que é tão bom
você poder falar o que sente, o que deve...sabe?" (1)
Problemas com drogas e álcool. De acordo com essa fala, observa-se mais uma vez
a importância do contexto da vida dessas mulheres, problemas como drogas,
prostituição e da consciência delas diante do ato de abortar, em um momento de
desespero.
As mulheres apresentam maiores taxas de prevalência de transtorno de ansiedade
e de humor do que os homens. A vulnerabilidade é marcante para sintomas
ansiosos e depressivos, especialmente associados ao período reprodutivo(18).
Fatores de proteção
Os fatores de proteção ou mecanismos de proteção que um indivíduo dispõe
internamente ou capta do meio em que vive são considerados elementos cruciais
para medir a resiliência.
Os processos de proteção têm a característica essencial de provocar uma
modificação da resposta do indivíduo aos processos de risco, possuindo funções
como reduzir o impactos dos riscos, fato que altera a exposição da pessoa à
situação adversa; reduzir as reações negativas em cadeia que seguem a exposição
do indivíduo à situação de risco; estabelecer e manter a auto-estima e auto-
eficácia , através de estabelecimento de relações de apego seguras e o
cumprimento de tarefas com sucesso e criar oportunidades para reverter os
efeitos do estresse(8).
A resiliência é o produto final da combinação e acúmulo dos fatores de proteção
(19).
Pelas falas das mulheres deste estudo, condições sócio-econômicas favoráveis à
criação dos filhos, sem passar necessidades básicas, o apoio familiar e social
são importantes. Além do aspecto afetivo relacional especialmente com o
companheiro, a profissão que exerce.
As falas das mulheres revelaram que o apoio, nesse momento, é imprescindível
juntamente com a situação de apoio financeiro ou ter uma profissão que possa
dar suporte ao nascimento da criança:
"Meu pai trouxe um enxoval inteiro de nenê, eu ainda abri, arrumei as
roupas no guarda-roupa. Apoio da família, por enquanto eu só vi meu
pai..." (6)
"Quando a gente tem família apoiando, a gente se sente mais forte.
Quando tem um parceiro, tudo isso influencia e muito. A gente sabe
que mesmo não tendo profissão, tem como arcar com o nascimento" (4)
"Ele chegou pra mim e falou: aconteceu, vamos para a frente. Se eu
perdi foi mesmo porque tinha quer ser, mas quando e assim, acho que a
gente sofre menos...Eu sou independente, tenho minha profissão, minha
vida, eu tenho poder de decisão...no aspecto econômico pelo menos,
agora que o apoio da família e também a presença de um pai é também
importante, é todo um conjunto" (4)
Diante dos fatores potencialmente geradores de desequilíbrio para cada
indivíduo, os mecanismos de proteção são tomadas como o ponto chave necessário
para o restabelecimento do equilíbrio perdido e demonstração de competência
apesar da adversidade(12).
O apoio social têm quatro dimensões: o emocional (apoio recebido através da
confiança, da disponibilidade em ouvir, compartilhar preocupações/medo e
compreender seus problemas), de informação (através de sugestões, bons
conselhos, informação e conselhos), afetiva (demonstração de afeto e amor, dar
abraço) e de interação positiva (diversão juntos, relaxar, fazer coisas
agradáveis e distrair a cabeça). O relacionamento com amigos e parentes, isto
é, uma rede social(20).
"Tive amigos que me apoiaram que me entenderam" (4)
A auto-estima é outro fator protetor importante, pois esta designa o grau de
consideração ou respeito que os indivíduos têm em relação a si mesmo e é uma
medida do valor que eles atribuem a suas capacidades e seus julgamentos.
Os indivíduos têm de conseguir uma auto-estima positiva para poderem obter a
auto-realização. No dia-a-dia, o valor de eu do indivíduo é posto a prova por
modificações no ambiente. Com um valor do eu positivo os indivíduos conseguem
adaptar-se com êxito às exigências associadas às crises(20).
"Agora eu sei que é a gente que tem que se gosta primeiro, se
valorizar. E isso é tudo" (9)
Esse discurso mostra a importância de informações e orientações como fatores
protetores para o cuidado integral a mulher em abortamento:
"A gente tem informações, a gente se sente mais preparada para fazer
nossas decisões" (4)
Apesar de mostrar que esta situação se mostra propícia para a orientação sobre
métodos contraceptivos e orientações sobre resistência aos métodos, e a
importância de encaminhar essas mulheres, ou seja, a referência e a contra-
referência, muitas profissionais têm dificuldade em realizar essa tarefa. Ainda
há muito preconceito entre os profissionais com o diagnóstico de abortamento
(21).
Por volta do início do século XIX era clara e explícita a diferença na
assistência(22). Ao se descobrir o ato de abortar, se negava a administração de
anestésicos a essas mulheres. Na curetagem uterina, a espera para atendimento
era maior, o descaso era alarmante, punindo-as na dor com uma vingança pelo ato
assassino cometido por elas.
Aspectos como sentimentos e emoções que muitos profissionais relutam em levar
adiante podem, paradoxalmente, torná-los mais fortalecidos e menos vulneráveis.
Acrescenta que levar a dimensão pessoal para a prática nos serviços de saúde
não é tarefa fácil, pois exige preparo e um certo treino, já que geralmente,
somos impelidos a perpetuar atitudes habituais que excluem os sentimentos do
profissional(23).
A importância do apoio profissional é relatado nos discursos destas mulheres:
"É tão bom receber o apoio da equipe, a gente sofre menos" (4)
Os profissionais cuidar dessas mulheres não devem se nortear por algum
julgamento preconceituoso. É importante o respeito ao silêncio das mulheres
nesse momento, pois o fato de algumas delas não se manifestarem, visivelmente,
com choros ou expressões de tristeza, não significa que a situação de
abortamento não se apresenta como uma situação de dor e, nesse sentido,
observa-se um alerta para a importância do silêncio na linguagem humana(9).
CONCLUSÕES
Na assistência à mulher em situação de abortamento predomina o cuidado centrado
no atendimento às necessidades físicas. Tal prática pode ser decorrente de que
preparados para o evento da vida e para sua preservação sob as condições mais
saudáveis possíveis, os profissionais da saúde quando presenciam a morte
inelutável, sentem-se despreparados e constrangidos.
Ao buscar identificar fatores de risco para a depressão e de proteção à saúde
da mulher em abortamento foram destacados elementos que poderão dar subsídios,
promoção de sua saúde mental.
É preciso transpor o modelo clínico de saúde facilitando o acesso à informação
e ao cuidado específico, respeitando sua autonomia e sua individualidade.
Para avançar no cuidado é preciso compreender a mulher, não apenas fisicamente,
mas como ser humano que vivencia tal situação e sem dúvida, experimenta
sofrimento e sentimentos dolorosos.
Este estudo gera reflexões e possibilidades de ser repensado o aborto e os
fatores de risco e de proteção, buscando um olhar para outras dimensões na
assistência, na integralidade do cuidado de enfermagem.