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BrBRCVHe0034-71672010000200020

BrBRCVHe0034-71672010000200020

National varietyBr
Country of publicationBR
SchoolLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN0034-7167
Year2010
Issue0002
Article number00020

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A entrevista nas pesquisas qualitativas de enfermagem pediátrica

INTRODUÇÃO Grande parte das pesquisas que buscavam conhecimento para fundamentar o cuidado das crianças tinha como fonte de dados, em sua maioria, suas mães, a fim de obterem-se dados sobre a criança e não com a criança. Atualmente, essa prática está sendo revista, pois a criança pode fornecer dados sobre ela própria. A literatura(1-4) aponta que as crianças são as melhores fontes para levantar dados sobre elas mesmas, contudo, a tarefa de entrevistar crianças não é fácil.

É desejável que os pesquisadores registrem seus sucessos e dificuldades no processo de entrevistar crianças, para que possam auxiliar outros pesquisadores.

A literatura internacional traz algumas diretrizes para a condução da entrevista com crianças, mas, sabendo-se que o contexto é importante para o sucesso dessa técnica, se faz necessário dar visibilidade à contribuição dos pesquisadores que desenvolveram suas investigações nessa temática, no cenário nacional. A sistematização desse conhecimento poderá auxiliar a comunidade de enfermeiros pediátricos na condução de pesquisas futuras, utilizando a entrevista, com essa clientela. Nesse sentido, o presente estudo tem como objetivo explorar as contribuições da produção nacional da enfermagem acerca da utilização da entrevista como técnica de coleta de dados em pesquisas com crianças.

MÉTODO Para o alcance do objetivo proposto selecionou-se como método de pesquisa a revisão sistemática, seguindo-se passos que denotam o rigor na sua condução(5) e para a qual delimitamos as seguintes etapas: identificação do problema (elaboração da pergunta norteadora, estabelecimento de palavras-chave e de critérios para inclusão e exclusão de artigos), seleção dos artigos, definição das informações a serem extraídas dos trabalhos revisados, bem como a realização da análise dos mesmos, a discussão e interpretação das publicações e, por fim, a síntese do conhecimento.

Estabelecemos como pergunta norteadora para a revisão: "Qual o conhecimento científico resultante da produção nacional de enfermeiros, acerca da utilização da entrevista como técnica de coleta de dados em pesquisas com crianças?". Os critérios de inclusão foram: artigos publicados em periódicos nacionais, no período de 1998 a 2008; que tivessem como participantes crianças menores de 12 anos; autores enfermeiros; publicações em português; ter utilizado a entrevista com crianças como técnica principal ou integrante das técnicas na triangulação de métodos e técnicas; publicação com resumo e texto disponível e indexado nas bases de dados virtuais acessíveis por meio da Biblioteca Virtual em Saúde - BVS. Excluímos as publicações nas quais as entrevistas foram realizadas com familiares, cuidadores ou profissionais de saúde; aquelas publicadas em periódicos nacionais, mas produzidas fora do Brasil; pesquisas realizadas por profissionais não enfermeiros; artigos produzidos por enfermeiros, mas publicados em periódicos não nacionais; as publicações classificadas como comentários, resenhas, informativos governamentais, dissertações e teses.

Para a seleção das publicações, foi realizada a leitura de cada título e resumo repetidamente para nos certificar de que os mesmos contemplavam a pergunta norteadora desta revisão e atendiam aos critérios de inclusão e exclusão estabelecidos. Estudos que foram encontrados em mais de uma base de dados foram considerados somente uma vez.

O levantamento bibliográfico foi realizado pela Internet, na Biblioteca Virtual em Saúde - http://www.bireme.br - BIREME/OPAS/OMS, nas seguintes bases de dados: Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde - LILACS, Saúde na Adolescência - Adolec, Base de Dados de Enfermagem - BDENF e na biblioteca eletrônica Scientific Electronic Library Online - SciELO. Para a busca dos artigos utilizou-se como palavras-chave os seguintes descritores controlados no Terminologia em Saúde - DeCS, em diversas combinações: criança, adolescente, entrevista, técnicas de investigação, enfermagem, técnicas de pesquisa, métodos de levantamento de dados e pesquisa metodológica em enfermagem.

No primeiro levantamento, com as palavras-chave criança e entrevista, obtivemos 6652 títulos, a partir do qual realizamos o cruzamento com os demais descritores, pois a base de dados permitiu o cruzamento de quatro palavras- chave ao mesmo tempo, o que refinou a busca e trouxe resultados mais próximos de nosso objeto de estudo. Na etapa seguinte, de 108 referências pré- selecionadas, a partir da observância dos critérios de inclusão, obtivemos 43 referências, das quais, grande parte apareceu de forma duplicada nas bases de dados e, por isso, necessitaram de um trabalho de comparação entre elas. A base de dados escolhida para comparação das referências foi a LILACS, em função de ter o maior número de referências selecionadas em praticamente todas as palavras-chaves. Então, as referências que se repetiram e estavam contidas na LILACS, nesse momento, deixaram de ser contempladas nas demais bases, obtendo- se, assim, uma amostra final de seis artigos.

Além da busca sistematizada nas bases de dados citadas, realizamos outra complementar, a partir dos periódicos nacionais de maior projeção na enfermagem, de acordo com a classificação Qualis Capes 2006 (referência bibliográfica). Os mesmos critérios estabelecidos para a revisão foram aplicados a essa etapa. Procuramos por periódicos classificados como internacional A para a área da enfermagem, porém, não encontramos periódicos nacionais nessa classificação. Procuramos, então, por periódicos classificados como internacional B, obtendo o seguinte resultado: Texto e Contexto Enfermagem, Revista Latino Americana de Enfermagem, Acta Paulista Enfermagem e Revista da Escola de Enfermagem da USP. Além dessas revistas, incluímos a Revista Brasileira de Enfermagem, classificada com internacional C, pela importância histórica que tem para a enfermagem brasileira e por sua abrangência na profissão. Nesses periódicos efetuamos busca manual, ano a ano, volume por volume, nos sumários de cada um deles, a partir da leitura dos títulos dos artigos publicados, a fim de abranger o maior número possível de pesquisas com crianças que tiveram a entrevista como técnica de coleta de dados. Aqueles que se adequavam aos critérios estabelecidos foram incluídos na revisão, totalizando sete novos artigos. A amostra final da pesquisa constituiu-se, portanto, de 13 artigos.

Um instrumento de coleta de dados foi desenvolvido para a coleta sistematizada das informações com cada artigo da amostra da pesquisa, o qual continha dados sobre a identificação do artigo e autores, fonte, ano de publicação, sujeitos da pesquisa, método, considerações éticas, técnica de coleta e procedimentos de análise dos dados. O processo de avaliação crítica dos artigos consistiu na leitura dos estudos na íntegra, seguida da sua análise, preenchimento do instrumento, denominado de matriz de revisão e discussão entre os autores. Os dados resultantes de cada estudo selecionado foram agrupados para a apresentação da síntese da revisão.

RESULTADOS Os estudos selecionados foram publicados nas revistas nacionais, conforme segue: o maior número na Revista Latino-Americana de Enfermagem, com nove dos estudos(6-14) em seguida, as Revistas da Escola de Enfermagem da USP(15), Revista Brasileira de Enfermagem(16), Acta Paulista de Enfermagem(17) e Einstein(18), com um estudo em cada uma delas.

Na distribuição dos resultados da busca por ano, encontrou-se uma publicação heterogênea, com a maioria obtida nos anos de 2007 e 2004, com três artigos publicados em cada um(11-13,14,16, 18) seguido por 2005(15,17).

Em relação às temáticas encontradas nos estudos, realizou-se um agrupamento dos mesmos, obedecendo-se a dois critérios: artigos que tinham como participantes apenas crianças (oito deles) e aqueles que incluíram como participantes da pesquisa crianças e adolescentes (cinco).

Os estudos com crianças contemplaram temáticas como hospitalização da criança com fibrose cística(16); bexiga neurogênica em crianças(10); diabetes na infância(7); compreensão do processo saúde-doença pela criança(9); hospitalização infantil(15,18); a brincadeira no cuidado à criança(14) e cirurgia infantil(13). aqueles desenvolvidos com crianças e adolescentes abrangeram temáticas como crianças com doenças crônicas(8); qualidade de vida após o transplante de medula óssea(12); insuficiência renal crônica(17); criança e adolescente com câncer(11); e, hospitalização infantil(6).

Em relação à faixa etária, nos estudos com crianças, três foram conduzidos com crianças de três a seis anos(13,15,18), um de seis a 11 anos(16), dois com crianças de sete a 12 anos(7,9), um com crianças com ou maiores de sete anos (14), e um cuja definição era crianças em idade escolar(10). Aqueles desenvolvidos com crianças e adolescentes compreenderam as faixas etárias de seis a 16 anos em um estudo(17), sete a 14 anos(8), sete a 16 anos(11), sete a 17 anos(12) e oito a 14 anos(6) nos demais estudos.

Ainda sobre a idade das crianças, os três estudos que trabalharam com crianças menores de sete anos(13,15,18), associaram mais de uma técnica, além da entrevista, para a obtenção dos dados, tais como o brinquedo terapêutico e o desenho como estratégia de comunicação. Os demais, que realizaram a coleta de dados apenas com a entrevista, em suas diversas variações, e incluíram como participantes crianças maiores de seis ou sete anos. As justificativas para a seleção dessa faixa etária estiveram pautadas na fase de desenvolvimento em que essa clientela se encontrava, com pensamento lógico e coerente, facilitando a comunicação verbal da experiência vivida(8,11,12,14) e na capacidade de verbalização e domínio da linguagem, oferecendo informações precisas nas entrevistas(16, 10). Na tabela_1, apresentamos uma síntese dos artigos selecionados, de acordo com o número de participantes na pesquisa, idade das crianças e técnica de coleta de dados (Tabela_1).

Em relação ao tipo de estudo, optou-se por adotar, na definição, a própria nomenclatura que os autores utilizaram, encontrando predominância da pesquisa qualitativa, em 12 dos estudos(6,8-18). Muitos deles não definiram explicitamente o referencial teórica ou o método utilizado, mas boa parte o fez. Conforme as opções eleitas pelos autores, os estudos foram classificados da seguinte forma: dois deles apontaram a pesquisa qualitativa(11-12), sem fazer referência ao delineamento teórico ou ao método adotado; outro estudo descritivo utilizou o estudo de caso como método de investigação(7), um descreveu-se como estudo descritivo com abordagem qualitativa(16); três como estudos descritivos e exploratórios, com abordagem qualitativa(8,14,18) e um como estudo exploratório(6).

Aqueles que explicitaram seu referencial teórico e o método utilizaram os pressupostos de Mayeroff(17); a teoria das representações sociais(10); dois dos trabalhos apontaram o interacionismo simbólico e a teoria fundamentada em dados (9,13) e outro, além dessas, a teoria de Vygostky(15).

Com relação à forma de obtenção dos dados, os estudos utilizaram uma técnica ou uma associação delas. Aqueles que utilizaram apenas uma técnica de coleta de dados optaram pela entrevista focalizada, pouco estruturada(16); entrevista semi-estruturada(9,11); entrevista livre(8); entrevista dirigida, com roteiro sistematizado(7); entrevista a partir de uma escala analógica de carinhas(6) e somente entrevista(12). Aqueles que optaram por mais de uma técnica, citaram a entrevista semi-estruturada e desenho-estória como tema(17); análise documental, entrevista semi-estruturada auxiliada pelo desenho livre e observação livre(10); entrevista semi-estruturada e diário de campo(14); entrevista com brinquedo terapêutico(13); observação e entrevista com desenho (18) e observação participante e entrevista com brinquedo terapêutico(15).

Para a obtenção dos dados durante a entrevista, autores(19) trazem a importância do preparo do entrevistador, com o domínio da técnica da entrevista para o sucesso da investigação. Nesse sentido, buscamos nos estudos identificar quem foi o entrevistador das crianças e se havia menção ao seu preparo para o desenvolvimento da técnica. Cinco dos estudos não fazem referência ao entrevistador(8,10,12,15,16), dois não fazem menção direta, mas sugerem que foi o próprio pesquisador(6,13), cinco fazem referência direta ao entrevistador como o próprio pesquisador(7,9,14,17,18) e outro cita o entrevistador como sendo bolsista de iniciação científica(11).

Outro aspecto importante para o desenvolvimento da entrevista é o ambiente em que esta será realizada. Nos estudos analisados, em três deles as entrevistas foram realizadas no ambulatório de um hospital público ou hospital escola (7,11,14), um no consultório médico e ambulatório de cirurgia pediátrica de um hospital público(13), seis na unidade de internação hospitalar(6,9,15-18), um no domicílio(10), outro colheu dados no ambulatório e domicílio(12) e, por fim, um dos estudos não fez referência ao local de coleta de dados(8).

Sobre o registro dos dados, onze estudos gravaram as entrevistas(6,8-14,16-18); um deles filmou a entrevista em sessão de vídeo(15) e outro fez o registro manual das respostas das crianças(7).

Quanto à abordagem de aproximação do entrevistador e crianças, estratégia que pode auxiliar na realização da entrevista, apenas dois estudos(14,18) fizeram referência a uma abordagem preparatória, a qual foi denominada de exploração de campo. Os demais estudos não mencionaram a esse respeito ou ao reconhecimento prévio do grupo pesquisado.

Sobre os aspectos éticos, todos os estudos relatam ter aprovado seus projetos de pesquisa em comitês de ética em pesquisa com seres humanos, assim como ter obtido o consentimento formal por meio do termo de consentimento livre e esclarecido dos responsáveis pelas crianças. Alguns deles colheram também a assinatura da própria criança nos termos(14,17); outros apenas sua anuência verbal(6,8,9,15,16) e outros somente dos familiares(10,13,18). Apenas um estudo relata ter feito uma discussão prévia do termo, em linguagem acessível, com crianças e familiares(12).

Para a realização das entrevistas, somente três estudos(10,11,13) fazem referência a permanência de um acompanhante durante as mesmas, sendo que em um deles relato de que a mãe foi informada que poderia permanecer no local onde a entrevista estava sendo realizada, e algumas assim o fizeram(11). Em um desses três estudos, o pesquisador menciona que a mãe ou o pai permaneciam próximos da criança, para que ela pudesse se sentir protegida e segura, que estava conhecendo o entrevistador naquele momento(13).

Com relação aos sentimentos da criança durante a entrevista, nenhum dos estudos fez referência a essa questão. Apenas um deles(15) citou que durante a condução da entrevista, uma criança não permitiu que a filmagem fosse realizada e, então, as ocorrências foram anotadas no seu decorrer, mas também não menciona os sentimentos da criança durante esse processo.

DISCUSSÃO O termo entrevista advém dos radicais latinos inter e videre e pode-se entendê- lo etimologicamente como "entre olhos", "no meio dos olhares", "dar uma olhada", "ver-se mutuamente", "ver juntos" e situações observáveis numa relação de entrevista pessoal(20). É um instrumento precioso de conhecimento interpessoal(21). Facilita, no encontro face a face, a apreensão de uma série de fenômenos, de elementos de identificação e de construção potencial do todo do entrevistado(20).

A entrevista é apresentada como evento discursivo complexo, que ocorre entre entrevistador e entrevistado por meio de imagens, representações, situações, expectativas que circulam no momento de realização da entrevista, assim como na escuta e na análise desta(22). Apresenta algumas vantagens, dentre as quais destacamos: a possibilidade da obtenção de dados referentes aos mais diversos objetos de interesse para a enfermagem, como percebemos pela heterogeneidade de temáticas nos estudos analisados; é uma técnica eficiente para obtenção de dados em profundidade acerca do comportamento humano; os dados obtidos são suscetíveis, tanto para classificação quanto quantificação; pode ser aplicada com pessoas que não sabem ler e escrever, permite um contato mais próximo do sujeito da pesquisa, o que possibilita identificar dúvidas e estabelecer uma relação de confiança necessária na pesquisa com crianças.

A partir desse entendimento, buscamos nos estudos apreender aspectos que dizem respeito ao desenvolvimento de uma entrevista, tais como: a idade das crianças foi determinante para a escolha da técnica ou para o agrupamento de técnicas? Qual foi o agente entrevistador das crianças? Os entrevistadores eram experientes na condução de entrevistas com crianças ou, se não, receberam treinamento prático para a coleta de dados na pesquisa em questão? Qual foi o ambiente de coleta de dados? As entrevistas foram gravadas e filmadas? foram utilizadas estratégias de abordagem às crianças antes do início da entrevista? Outras técnicas foram associadas a entrevista? Foram seguidos aspectos éticos para a condução das pesquisas/entrevistas? a criança foi entrevistada sozinha ou na presença de um familiar? Quais foram os sentimentos das crianças durante a entrevista? Assim, a discussão desse estudo se a partir da reflexão de como esses aspectos foram abordados nas pesquisas aqui analisadas.

O primeiro ponto de destaque é em relação ao uso da técnica de entrevista, associada ou não com outras modalidades, a depender da idade da criança. Para aquelas não totalmente alfabetizadas, ou seja, menores de sete anos, observa-se a associação de uma atividade lúdica à entrevista, como o brinquedo terapêutico (13,15), o desenho-estória(17) e desenho livre(10). Os pesquisadores utilizaram-se do auxílio da brincadeira para conseguir acessar os dados junto às crianças. Para aquelas maiores de sete anos, ou seja, faixa etária em que as crianças encontram-se na fase do pensamento lógico e coerente, conseguindo comunicar verbalmente suas idéias e dar significado às suas experiências, não houve associação desse tipo de atividade. O uso de mais de uma forma de coleta de dados parece ter ocorrido no sentido de buscar uma triangulação de técnicas para uma coleta de dados mais abrangente e confiável, apesar do conceito de triangulação não estar explícito nos estudos analisados. Essa é uma estratégia que vem ocorrendo cada vez mais nas pesquisas qualitativas, não somente com crianças(23). Assim, nos estudos analisados, a idade foi um fator importante para a escolha das técnicas de coleta de dados.

Quanto ao agente entrevistador, é preciso que os pesquisadores, ao publicarem os resultados, explicitem melhor essa questão, pois não encontramos de forma clara nos estudos quem realizou a coleta de dados. O preparo dos entrevistadores para a coleta de dados com crianças também não foi mencionado nas publicações. Seria desejável relatar se eram experientes na condução de entrevistas com crianças ou se receberam treinamento prático para tal, o que ampliaria os cuidados dos pesquisadores com a técnica e, consequentemente, no rigor da pesquisa. Ao abordar tais aspectos e divulgá-los nos periódicos, os pesquisadores que utilizaram a entrevista com crianças estariam contribuindo com a área e com outros pesquisadores.

A análise dos estudos revelou que o ambiente de coleta de dados parece não ter influenciado na coleta propriamente dita ou mesmo na qualidade dos dados produzidos. Em todos os estudos, o local de coleta foi aquele onde a criança se encontrava em função de sua necessidade de saúde, muito embora a literatura(24) aponte a importância do ambiente para a realização de pesquisas com crianças, observando que, quando se encontram em suas casas, sentem-se mais seguras, demonstram criatividade e expressividade na participação das entrevistas.

Quando isso não é possível, um ambiente estruturado para a pesquisa pode ser importante. Ainda assim, não encontramos a descrição de que tenha sido produzido um ambiente de pesquisa nos estudos analisados, mas utilizado o ambiente real onde a criança se encontrava e este fato foi um facilitador para o contato com as crianças e suas famílias. Alguns estudos(10,12) incluíram também o domicílio das crianças para a continuidade dos contatos, mas a primeira abordagem, e muitas vezes a única, se deu no ambiente de cuidados em saúde.

Quanto ao registro das entrevistas, a gravação se deu em praticamente todos os estudos e, em nenhum deles, observa-se o relato de qualquer constrangimento, dificuldade ou empecilho para a coleta de dados por meio desse recurso. O único relato de alteração de comportamento da criança durante a coleta de dados diz respeito a um recurso que ainda não é muito utilizado na obtenção de dados em pesquisa qualitativa, que é a filmagem, relatado em um dos estudos(15), no qual menção que uma das crianças não aceitou que a entrevista fosse filmada.

Contudo, de qualquer forma, os dados foram obtidos por meio de registro manual, pois mesmo não permitindo a filmagem, a criança manteve o aceite em participar do estudo.

Outra característica que nos chama atenção é que não houve relato se foram utilizadas estratégias de abordagem às crianças antes do início da entrevista.

Esses aspectos devem ser detalhados na divulgação dos estudos, para que possam servir de parâmetros a outros pesquisadores que planejam utilizar a entrevista como técnica de coleta de dados em pesquisas com crianças. Além disso, pelo mesmo motivo, é relevante descrever os sentimentos das crianças durante a entrevista, postura e registro de suas ações em diário de campo.

Os aspectos éticos seguidos foram os recomendados pela Resolução CNS 196/96(25) para a condução de pesquisas com seres humanos, apesar de não ter sido detalhado os cuidados do pesquisador com procedimentos específicos para o grupo etário adotado como participante. Nesse sentido, precisamos discutir, como contraponto, que o número reduzido de páginas para a publicação dos manuscritos tem restringido cada vez mais as possibilidades de detalhar esse tipo de informação. Os comitês de ética em pesquisa ressaltam a importância do processo de obtenção do consentimento livre e esclarecido e não apenas a assinatura do termo de consentimento, sendo essa última, apenas um momento final do processo de consentimento, pois este é renovável e revogável. A obtenção de assinatura do termo somente deve ocorrer após o sujeito estar suficientemente esclarecido sobre os objetivos da pesquisa, possíveis riscos e benefícios, além de todas as informações necessárias para escolher ou não participar do estudo. No contexto dessa revisão, na discussão relativa aos aspectos éticos na condução de pesquisa com seres humanos, enfatizamos a discussão do assento às crianças, ou seja, ouvir o desejo das crianças de participar ou não da pesquisa, pois essa ação denota o cuidado dos pesquisadores em relação aos sujeitos de pesquisa, respeitando-os enquanto pessoa(26). O assentimento das crianças não é um procedimento legal, em termos de autorização para integrar à pesquisa, fato que nos remete, também, à necessidade de coleta do consentimento dos pais ou responsáveis.

Além disso, autores(4) chamam atenção para a necessidade de se chegar a um equilíbrio entre o objetivo de levar a criança a se expressar e o estresse associado a esse fato, recomendando que se considere: deixar muito claro o papel do pesquisador e os objetivos da pesquisa antes de iniciá-la, obtendo o consentimento dos adultos responsáveis e instituições envolvidas; adotar cuidados com as informações recolhidas para não expor as crianças e torná-las vulneráveis; evitar a colocação de questões que podem provocar reações de estresse e sofrimento nas crianças e ter conhecimento da cultura local para evitar constrangimentos adicionais às crianças.

Somente um estudo(12) faz referência no texto a uma leitura do termo de consentimento livre e esclarecido às crianças e famílias em linguagem acessível, embora saibamos que é uma característica inerente a esse tipo de documento ser construído em linguagem adequada aos sujeitos do estudo, e que, na maior parte das vezes, pesquisador e pesquisado o lêem conjuntamente, sanando-se as possíveis dúvidas. Após esse processo, solicita-se a anuência formal, por meio da assinatura do termo. Em alguns estudos, as crianças foram incluídas no processo de assinatura do termo de consentimento junto aos seus pais, conforme apontamos anteriormente. Esse é um cuidado que demonstra, também, o respeito à criança, principalmente daquelas que estão em idade escolar. O espaço reservado para a assinatura da criança no termo, legalmente, não tem valor, mas, para a criança que participa da pesquisa, é importante que seja reconhecido seu desejo de participar da pesquisa.

Tomando a questão específica da lei, a criança não é portadora de direitos sobre sua pessoa, mas dependente dos pais ou responsáveis. Para além da questão legal, chamamos a atenção para a crescente e cada vez mais recente aquisição de capacidades das crianças em idades em que antes isso não acontecia. Assim, incluir a criança nas decisões, com instrumentos apropriados a elas, ou mesmo verbalmente, em linguagem que ela compreenda, parece-nos importante na condução de pesquisas com as mesmas. Tal fato não habilita o pesquisador a dispensar a presença de, pelo menos, um dos pais ou responsável para a condução da coleta de dados(4), os quais não necessariamente precisam permanecer ao lado da criança, mas é desejável que estejam perto o suficiente para que sinta-se segura, como numa sala ao lado, por exemplo.

Se a entrevista for realizada na presença dos pais, conforme alguns dos estudos relataram(10,11,13), isso pode proporcionar a criança maior segurança na hora de verbalizar o que lhe está sendo perguntado. Também pode ser um fator de inibição, ou constrangimento principalmente naquelas com idade para compreender determinas questões que podem ser constrangedoras de serem respondidas na presença dos pais, daí a necessidade da habilidade e experiência do pesquisador na condução das entrevistas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS A necessidade de captar a voz das crianças em estudos científicos é hoje uma realidade, pois, a partir de suas falas, medidas de proteção e atenção a saúde podem se tornar mais eficientes e eficazes por parte das equipes de atenção a saúde. Os problemas relatados pelas crianças podem adquirir maior nitidez para os profissionais de saúde quando ouvidos na pesquisa com uma escuta atenta e específica, o que envolve a compreensão da comunicação feita pelo outro, com preparo do pesquisador para a abordagem da criança, pois este será um adulto interpretando a fala de uma criança.

Os estudos analisados evidenciam que a entrevista, como única forma ou associada a outras técnicas para a coleta de dados, é uma técnica adequada para a realização de pesquisas com crianças. A obtenção de melhores ou piores resultados ultrapassa os limites da técnica, dependendo em grande parte das qualidades e habilidades do entrevistador, do uso isolado ou associado, principalmente, às atividade lúdicas, no caso das crianças menores de sete anos. Não receitas infalíveis a serem seguidas, mas sim cuidados a serem adotados para cada faixa etária e estes, aliados à conduta atenta do entrevistador, levarão a uma boa entrevista e aos resultados esperados para o estudo com crianças.

A análise da expressão oral da criança orienta-se pelas próprias intenções postas na relação comunicativa, contudo, a linguagem oral não é central, nem única. Em se tratando de crianças, virá acompanhada de outras expressões corporais, gestuais e faciais, as quais requerem atenção redobrada, em virtude dos nossos limites no grau de compreensão e nossa visão de mundo adulta.

Para que as crianças não sejam apenas mero interesse de investigação e não sejam submetidas a constrangimentos de nenhuma natureza, é importante seu envolvimento nas pesquisas a partir de sua participação, desde o planejamento e organização, na análise dos dados e na validação das informações. Nesse processo, as crianças são empoderadas para construir uma representação de seu mundo ou do objeto sobre o qual se propõe o estudo. Deve-se, ainda, ser levada em consideração a experiência prévia das crianças no decorrer da pesquisa.

Assim, ultrapassamos a relação em que o sujeito da pesquisa responde aquilo que percebe ser a expectativa dominante ou a do próprio pesquisador.

Não podemos deixar de apontar a limitação de estudos com crianças dado o pequeno número de artigos encontrados nas publicações. Em estudos posteriores parece-nos necessário mudar os critérios e incluir também teses e dissertações a fim de obter uma amostra mais abrangente e também informações mais detalhadas do que aquelas encontradas nos artigos, que acabam sendo limitadas pelas normas de publicações dos periódicos. Não pretendemos com esse artigo esgotar a discussão sobre as pesquisas realizadas com crianças, mas sim contribuir para iniciar uma discussão sobre esse grupo como objeto de pesquisa com seres humanos e as formas adotadas até então pelo pesquisador a fim de obter dados com as crianças.


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