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BrBRCVHe0034-71672010000200021

BrBRCVHe0034-71672010000200021

National varietyBr
Country of publicationBR
SchoolLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN0034-7167
Year2010
Issue0002
Article number00021

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Vírus HPV e câncer de colo de útero

INTRODUÇÃO O combate ao câncer de colo de útero teve significativos avanços após a confirmação do papel etiológico do vírus HPV sobre a doença. Estudos consistentes do Papiloma Vírus Humanos (HPV) foram desenvolvidos a partir da década de 1980, e possibilitaram, posteriormente, no aprofundamento do conhecimento da resposta imunológica ao vírus, propiciando o desenvolvimento de vacinas com baixas doses de antígenos e altamente imunogênicas(1). No entanto, a vacina atuará como um meio de prevenção ao câncer de colo de útero somente para os indivíduos que previamente tiverem acesso a ela antes do início da vida sexual. Fora deste contexto, o combate ao câncer cervical deve ser feito, ainda, por meio de detecção de lesões precursoras e seu devido tratamento e seguimento clínico.

MÉTODO Considerando a riqueza das informações disponíveis sobre o tema, este estudo faz uma revisão bibliográfica sobre o assunto, com o objetivo de conhecer aspectos da infecção do vírus HPV, e as evidências que estas levaram no desenvolvimento das lesões precursoras e da neoplasia cervical. O tema é de suma importância para os profissionais de enfermagem, principalmente aqueles que atuam diretamente no campo da prevenção e combate do câncer de colo de útero. Identificam-se também, neste texto, aspectos epidemiológicos tais como a distribuição da infecção e do carcinoma cervical em algumas partes do mundo, buscando as bases literárias mais importantes publicadas nas três últimas décadas. Essas referências contribuíram com o estado atual de conhecimento e com a tecnologia disponível hoje para o combate à doença e à infecção, em especial a vacina contra os principais tipos do vírus.

RESULTADOS E DISCUSSÃO Aspectos históricos acerca da associação do HPV com o câncer de colo de útero.

Historicamente, a associação do vírus HPV com o câncer de colo de útero começou em 1949, quando o patologista George Papanicolaou introduziu o exame mais difundido no mundo para detectar a doença(2): o exame Papanicolaou1. Esse exame permitiu identificar mulheres com alterações celulares pré-maligna, possibilitando observar uma associação da atividade sexual com o desenvolvimento do câncer de colo de útero(3). No entanto, somente na década de 70, o conhecimento acerca da etiologia da doença teve considerável avanço.

Estudos constataram que tal associação implicava na presença de um agente etiológico de transmissão sexual. Harold zur Hausen, um infectologista alemão, constatou que o Papiloma Vírus Humano (vírus HPV) poderia ser esse agente estabelecendo inicialmente a relação do vírus com as verrugas e condilomas.

Somente anos mais tarde, o vírus foi relacionado com o desenvolvimento do carcinoma de colo de útero(4).

Na década de 90, com o advento da clonagem molecular e a utilização desta tecnologia na replicação do genoma do Papiloma Vírus, outros aspectos da infecção foram elucidadas(3;5). O avanço da tecnologia molecular possibilitou a identificação do DNA do vírus HPV em amostras de tecidos de carcinomas cervicais(6). Estudos multicêntricos confirmaram a presença do DNA do Papiloma Vírus em quase 100% dos epitélios dos carcinomas invasivos(7-8), levando à tese mundialmente aceita de que a infecção pelo vírus HPV é "causa necessária para o desenvolvimento do carcinoma invasivo". Casos de carcinomas sem a presença do vírus HPV são raros e supõe-se, nestas situações, que o carcinoma não foi originado pela infecção viral ou possa ter ocorrido falha na detecção do vírus HPV(6).

Devido à discrepância entre a alta freqüência de infecções HPV em mulheres jovens sexualmente ativas e a ocorrência relativamente baixa de lesões cervicais nas mesmas, colocou-se em dúvida a etiologia viral da doença, e concluiu-se que a infecção era causa necessária, mas "não suficiente para o desenvolvimento da doença", uma vez que, virtualmente, somente uma fração de mulheres portadoras do vírus a desenvolveria(6,8,9). Estudos prévios sugeriam que um forte fator diferenciava a progressão ou não da doença, sugerindo que isto estaria relacionada aos diversos tipos do vírus HPV(10).

Estudos posteriores mostraram que a sua progressão depende não somente da presença do vírus, mas também do tipo de vírus, da persistência da infecção e da evolução das lesões precursoras para o carcinoma invasivo(11).

Características do vírus O reconhecimento que o vírus HPV é o principal fator etiológico da neoplasia do colo de útero iniciou na década de 70, mas, as primeiras observações que associava as lesões verrugosas cutâneas ou mucosas com um agente infeccioso tiveram início na década de 20(12). Sabe-se que, em 1933, Shope e Hurst identificaram os primeiros Papilomas Vírus (PV) nas lesões verrugosas dos coelhos, confirmando a suspeita da etiologia infecciosa das lesões verrugosas nas espécies animais.

Papiloma Vírus são membros da família Papovavirida e infectam o epitélio de alguns animais, dentre eles, répteis, pássaros e mamíferos, incluindo o ser humano(13). Mais de 200 tipos de Papiloma Vírus tem sido descritos e se distinguem entre si na seqüência do DNA. Dentre os que acometem o ser humano, cerca de 100 tipos foram descritos(13-14) e cerca de 50 tipos que acometem a mucosa do aparelho genital foram identificados e sequenciados (esse exame analisa as células esfoliadas do colo uterino, identificando as células que estão alteradas, presentes em lesões pré-cancerígenas e na doença propriamente dita, com base na modificação da estrutura arquitetural).

O vírus é relativamente pequeno, não-envelopado, com 55 nm de diâmetro. O genoma deste vírus é uma molécula com DNA duplo com cerca de 8000 bases pareadas, com três regiões: uma região distal (L), contendo dois genes - L1 e L2 - que codificam as cápsulas das proteínas virais; uma região proximal (E) que codifica as proteínas envolvidas na replicação viral e controle de transcrição denominadas de E1 e E2, e dos principais genes que se transformam em E6, E7 e E5; e, por último, entre as regiões E e L, encontra-se uma longa região de controle (LCR), vinculada a vários locais que contêm fatores de transcrição nucleares e virais e divulgador seqüências(15-16).

Genomas do HPV são encontrados no núcleo das células infectadas do colo uterino normal, onde partículas virais infectantes podem ser isoladas. Em algumas lesões de baixo grau e, na maioria das lesões de alto grau e do câncer cervical, genomas do HPV são encontrados integrados aos cromossomos(13,15), sendo essa integração o ponto central da transformação celular oncogênica(16).

A integração do DNA do HPV desregula a expressão do E6 e E7, que interagem com genes supressores tumorais p53 e proteínas RB, respectivamente. Este processo prejudica a função do gene onco-supressor, com reparação do DNA, diminuição apoptose, e eventual morte celular. As mutações cromossômicas causam modificações funcionais como perda de heterozigose e pro-oncogene e ativação de mecanismos que permitem a indução da carcinogênese cervical(17).

O vírus HPV pode infectar as células do epitélio basal da pele ou dos tecidos e são categorizados como cutâneos ou mucosos(17). Os cutâneos são epidermotrópicos e infectam principalmente a pele das mãos e dos pés e se manifestam formando as verrugas. O tipo mucoso infecta o revestimento da boca, garganta, trato respiratório ou epitélio ano-genital e manifestam-se através de condilomas planos e acuminados(15). A maior parte das infecções por HPV são benignas e elas desaparecem espontaneamente dentro de 1 a 5 anos(15).

Tipos do vírus Aproximadamente 118 tipos de Papiloma Vírus foram completamente descritos e cerca de 100 tipos que acometem o humano foram identificados(13).

Em 2003, Munoz et al(18) classificaram o vírus em alto e baixo risco, conforme risco epidemiológico. Os de baixo risco são geralmente encontrados em condilomas vulvo-genitais e os de alto risco são associados ao câncer cervical.

Foram classificados 15 tipos de vírus de alto risco, entre eles estão os tipos: 16, 18, 31, 33, 35, 39, 45, 51, 52, 56, e 58, sendo que os tipos 26, 53 e 66 poderiam também ser considerados de provável alto risco. Os tipos de baixo risco são: 6, 11, 40, 42, 43, 44, 54, 61, 70, 72, 81, e CP6108 - e os tipos 34, 57 e 83 - não foram detectados em nenhuma das amostras e foram, portanto, consideradas de risco indeterminado.

A incidência de infecções por HPV de alto risco é mais elevada do que a de baixo risco. O HPV tipo 16 é o mais prevalente nas infecções do trato genital (19-21), chegando até 66%, seguido dos tipos 18(15%), 45(9%) e 31(6%) sendo que os 4 tipos juntos, podem corresponder até a 80% dos casos. O tipo 16 também é o tipo mais comum detectado no carcinoma cervical invasor(22) e o tipo mais prevalente em quase todas as partes do mundo(11). É também o mais persistente, com duração de 12 meses ou mais, enquanto infecções por outros tipos de HPV duram 6-8 meses(1). Portanto, mulheres com HPV 16 e 18 têm um risco aumentado de desenvolver câncer cervical quando comparadas com as que têm outros tipos.

Quando comparadas com mulheres sem infecção, o risco relativo (RR) de desenvolver lesão precursora chega a 10,2(23). Estudos recentes têm demonstrado que existem diferenças de risco de desenvolver o câncer cervical de acordo com as variações do vírus HPV tipo 16(24).

Aspectos epidemiológicos da infecção pelo vírus HPV: incidência, prevalência e duração.

Incidência Anualmente, cerca de 5-15% das mulheres previamente sem o vírus HPV são infectadas com qualquer tipo de HPV de alto risco(11) e aproximadamente 25% da incidência da infecção se concentra na faixa etária dos 15-19 anos(25,26).

Alguns estudos de seguimento(26-28) foram feitos em grupo de jovens, acompanhando-as antes e após iniciar a vida sexual, para averiguar o início da infecção. Em um dos estudos(26), a incidência da infecção foi de 20% nos primeiros 12 meses, decaindo para 14% e 9%, no segundo e terceiro ano respectivamente, mostrando que a infecção ocorre com maior freqüência no início da vida sexual. A duração média da infecção pelo HPV foi de 8 meses e após 12 meses da incidência da infecção, 70% das mulheres não estavam infectadas; após 24 meses, apenas 9% continuaram infectadas, revelando que a maioria das infecções são transitórias. Os HPV do tipo AE7, 61, 18, 16 e 73 estavam associados à duração média mais longa da infecção.

No Brasil, estudo de seguimento feito com 3.463 jovens que iniciaram a vida sexual, utilizando testes de DNA de HPV de alto risco pelo método de Captura Híbrida 2, indicou que 17,3% tiveram positividade após iniciar a vida sexual, mostrando um perfil epidemiológico semelhante ao de outros países da América, com uma maior concentração de incidência no início da vida sexual(29).

As taxas de incidência apresentam grande variação, conforme divulgado pelo IARC (11): na Colômbia, foi registrada incidência de 5.0 por 100 pessoas-ano, nos EUA, de 15.8 por 100 pessoas-ano, no Canadá, foi de 16.8 por 100 pessoas- ano. Outro estudo no Canadá registrou 9.5 por 100 pessoas-ano(25).

No Brasil, a incidência registrada foi de 8.1/100 pessoas-anos(30). Outro estudo com a população brasileira(31) registrou uma incidência de 14.3% de infecção genital por HPV de alto risco, sendo que destes, 77,8% eram lesões escamosas de alto grau e 100% dos casos de carcinoma.

Prevalência da infecção O vírus HPV é considerado o agente infeccioso de transmissão sexual mais comum.

Estima-se que o número de mulheres portadoras do DNA do vírus HPV em todo o mundo chega a 291 milhões, e cerca de 105 milhões de mulheres no mundo inteiro terá infecção pelo HPV 16 ou 18 pelo menos uma vez na vida(32).

Outro estudo mais recente do IARC foi publicado em 2005(33), envolvendo 11 países dos quatro continentes do mundo, com a participação de 15.613 mulheres sem citologia alterada. Neste estudo, a prevalência da infecção foi de 10.5%.

Houve uma variação de até 20 vezes na taxa de prevalência entre os diferentes países investigados, sendo que a mais baixa foi encontrada na Espanha (1.4%) e mais alta na Nigéria (25.6%). Europa foi o continente com menor taxa (5.2%), Ásia teve uma taxa de prevalência de 8.7%, América do Sul com 14.3%, e 25.6% África. No entanto, foi encontrado uma maior prevalência do vírus tipo HPV 16 na Europa, e o HPV 18 teve uma distribuição mais homogênea. O HPV 16 foi o tipo viral mais comum encontrado nas infecções simples quanto nas múltiplas. A presença de vírus de alto risco representou 66,3%, a de baixo risco foi 27.5%, e outros tipos corresponderam 5.5%.

No Brasil, estudos nacionais registraram um perfil de prevalência da infecção por HPV de alto risco semelhante ao dos países subdesenvolvidos: 17,8%(31) a 27%(34), com uma prevalência maior nas mulheres na faixa etária abaixo de 35 anos, e a partir dos 35 até 65 anos, as taxas permanecem de 12 a 15%(31).

Esses dados mostram que o vírus HPV encontra-se com maior prevalência nos países dos continentes mais pobres do mundo: África e América do Sul, incluindo o Brasil, e as taxas mais baixas encontram-se nos países da Europa e da Ásia Central. Esse quadro reflete também nas taxas de morbidade e mortalidade, uma vez que as medidas de combate à doença dependem também da implantação do programa de prevenção e controle da doença adotada em cada país, como pode se observar experiências bem sucedidas de países de terceiro mundo que conseguiram reduzir os casos da doença com a implantação política do programa de rastreamento e combate à doença(35).

Prevalência do vírus - fator idade Os adultos jovens sexualmente ativos, principalmente no início da vida sexual (21,36) são os mais expostos ao risco de aquisição de HPV. A prevalência de infecção neste grupo é de 3-4 vezes mais do que em mulheres de 35 a 55 anos, e uma tendência de declínio da curva, em faixas etárias mais velhas(25,32). O risco cumulativo de infecção diminui de 43% em mulheres entre 15-19 anos de idade para 12%, em mulheres de 45 anos de idade(23). Um segundo pico na taxa foi registrado em mulheres com 45 anos e também com 65 anos de idade(37).

Prevalência do vírus HPV em mulheres com câncer invasivo Bosch et al(7) publicaram em 1995, o resultado de um estudo multicêntrico, envolvendo 22 países. Demonstraram a existência da associação do vírus HPV com a neoplasia cervical, com uma taxa de prevalência de 92,2% de DNA do vírus nos fragmentos estudados. Observaram ainda que o carcinoma cervical mais comumente encontrado é o carcinoma escamoso (94,5%), enquanto que são bem escassos os casos de adenocarcinoma (2,7% - 25 fragmentos), alem de outros(7).

Em um momento posterior, esse grupo de pesquisadores, ao revisarem o material de estudo com métodos mais apurados(8), retificou a taxa de prevalência para 99,7%, sendo observado que o vírus HPV 16 e 18 são os tipos mais malignos, uma vez que, 51,5% do total da amostra apresentavam o HPV do tipo 16 e 79,8% representavam os tipos: 16, 18, 31 e 45. Outro achado importante na pesquisa foi a relação do tipo viral com o local do carcinoma cervical. O "HPV 16 ou relacionado" foi encontrado em 68% dos carcinomas escamosos e o "HPV 18 ou relacionado" foi encontrado em 71% dos adenocarcinomas e em 71% de adeno- escamo-carcinoma. Não foi observada nenhuma associação entre a extensão da doença e os tipos virais. Quanto à distribuição geográfica do vírus, houve uma variação dos tipos dos vírus encontrados, mas o HPV 16 foi o mais predominante nos países estudados.

Esse estudo(8) é aceito mundialmente como o que melhor permitiu estabelecer a relação causal do vírus HPV com a neoplasia cervical e reconhecer os vírus HPV do tipo 16 e 18 como um dos tipos mais malignos, com maior prevalência do vírus HPV 16 nos carcinomas escamosos. O tipo 18 foi mais prevalente nos adenocarcinomas e/ou nos adeno-escamocarcinomas. Ainda foi constatado que, o carcinoma escamoso é, majoritariamente, o tipo de carcinoma cervical mais comum em todo o mundo, e que existe uma grande variação na distribuição do tipo de vírus, nos diferentes países estudados.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Este estudo mostrou que existe uma vasta literatura sobre o vírus HPV e o carcinoma cervical, mostrando que alguns aspectos ainda são controversos.

Apesar do avanço nos conhecimentos, as taxas de morbi-mortalidade por câncer de colo de útero continuam altas em países em desenvolvimento, por ser uma patologia de evolução lenta, sem manifestação clínica no seu início e, principalmente por se tratar de uma infecção de transmissão sexual. Em países como o Brasil, em que o seu combate depende quase que exclusivamente do exame citológico, ainda são necessários esforços para que a ela seja detectada precocemente, pois são milhares de mulheres que foram expostas ao vírus HPV, e necessitam de seguimento e tratamento adequado para uma infecção não progrida para o carcinoma.


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