Dilemas e conflitos de ser mãe na vigência do HIV/Aids
INTRODUÇÃO
A pandemia da Aids tem se convertido numa catástrofe humana, social e econômica
com conseqüências de largo alcance para os indivíduos em todos os países(1).
Embora o Brasil apresente um dos programas mais estruturados de combate ao HIV
(Vírus da Imunodeficiência Humana), tem enfrentado grandes desafios na terceira
década da epidemia, especialmente a feminização e como conseqüências o aumento
da transmissão vertical (TV), aspecto observado em todo o país, com a
notificação de crianças nascidas expostas ao risco de aquisição do HIV.
Independente do status sorológico, as mulheres desejam um filho, sobretudo por
considerá-lo como a possibilidade da extensão da própria vida e confiantes na
terapêutica profilática. Este fato representa um alento e uma esperança de
vida, além da realização como mulher. Na oportunidade de ser mãe, as
soropositivas ao HIV também encontram um estímulo para cuidar ainda mais da
própria saúde, sentem-se mais fortes e capazes de resistirem à doença. Dessa
forma, a existência de um filho constitui uma espécie de desafio contra a
doença: enquanto o fato de ser mãe representa a morte, as crianças representam
a vida(2-3).
Alguns fatores maternos estão associados ao aumento do risco de transmissão do
HIV para o filho, como os relacionados ao estado clínico e imunológico, os
virais, os comportamentais e os obstétricos. É necessário o monitoramente de
todos esses fatores durante o curso gravídico associado ao uso de anti-
retroviral. Tais circunstâncias vivenciadas se somam, e, assim, em virtude do
HIV, tornam a gravidez um período de apreensão e expectativas.
A maternidade ultrapassa a gravidez, pois é um processo sujeito às sucessivas
mudanças e tarefas de adaptação no desenvol-vimento(4). Circunscrita nesse
contexto, a mulher soro-positiva para o HIV pode sofrer diversas situações
permeadas por preconceito, estigma, sofrimento tanto individual como familiar
(5-6)e medo quanto ao futuro da criança(3). Também há receio da revelação do
diagnóstico, barreiras para trabalhar e escassez de redes sociais encorajadoras
para a maternidade(2,6). Todas essas questões exigem maior atenção, uma vez que
a mulher precisa ser orientada sobre seus direitos reprodutivos e melhor
ocasião para conceber. Precisa também receber informações sobre cuidados para o
pré-natal, parto e puerpério. Diante disso, enfatiza-se a importância do acom-
panhamento da portadora do HIV em idade reprodutiva.
Ante ao exposto e em decorrência da experiência assistencial prestada a esse
grupo de mulheres, surgiu uma inquietação, a saber: Mulheres soropositivas ao
HIV vivenciam situações embaraçosas e conflituosas durante a gravidez e pós-
parto?
Em virtude desta inquietação associada à possibilidade de contribuir com
informações para os serviços de saúde sobre como vêm sendo orientadas às
mulheres em fase reprodutiva na vigência do HIV, objetivou-se neste estudo
apreender os dilemas e conflitos revelados por mulheres que gestaram na
vigência da infecção pelo HIV/Aids.
MÉTODO
Estudo qualitativo, caracterizado por propiciar uma compreensão ampla e mais
profunda a respeito dos comportamentos humanos complexos, além de gerar
elementos ricos e descritivos, que promovem sensibilidade aumentada às
experiências dos outros, ampliando a compreensão e fornecendo uma base para
intervenção possível de melhorar a qualidade de vida(7). Teve-se como cenário o
ambulatório do Hospital São José de Doenças Infecciosas, referência para HIV/
Aids do Estado do Ceará, localizado na cidade de Fortaleza, no período de março
a junho de 2005.
Integraram-se o estudo oito mulheres com diagnóstico de infecção pelo HIV/Aids,
cujo critério para escolha foi ter filho menor de um ano, concebido depois do
diagnóstico da infecção pelo HIV, e aceitar participar do estudo. O número de
participantes foi determinado pela saturação das informações, ou seja, a
repetição dos dados, além de responder às inquietações e ao objetivo da
investigação.
Para obtenção de dados utilizou-se um roteiro semi-estruturado com vistas a
nortear as entrevistas, as quais foram gravadas em ambiente privado, sem a
interferência externa e em horários de pouco fluxo no ambulatório. As
entrevistas duraram de 30 a 45 minutos. O roteiro contemplava perguntas de
caráter subjetivo destinadas a apreender situações vivenciadas durante a
gravidez e pós-parto e explorar as situações embaraçosas e conflituosas
vivenciadas durante estes períodos. Ao final de cada entrevista, foi dada
oportunidade para que cada mulher pudesse tecer comentários adicionais sobre o
assunto.
Após a captação dos discursos ou falas, procedeu-se à análise. Inicialmente,
houve o processo de transformação do relatado em um texto escrito. Os
depoimentos foram explorados ouvindo-se e lendo-se exaustivamente cada um
individualmente. Para o tratamento das informações obtidas, adotou-se a análise
de conteúdo(8), composta de três fases: 1. Organização e sistematização das
idéias; 2. Exploração do material, correspondente à transformação sistemática
dos dados brutos do texto, por recorte, agregação e enumeração, visando atingir
uma representação do conteúdo ou da sua expressão e, conseqüentemente, a
compreensão do texto; e 3. Tratamento dos resultados, a inferência e a
interpretação. Foram analisados os depoimentos e categorizados por inferência
de conteúdos semelhantes, formulando-se as seguintes categorias: Apreensões em
face a descoberta do HIV; O desejo da maternidade; Superproteção do concepto;
Privação do aleitamento materno; Maternidade envolvida de preconceito.
Conforme o exigido, o estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do
Hospital, sob o protocolo nº 38/2005. Para garantia do anonimato das
participantes, optou-se por denominá-las pela letra "M" seguida do
número da entrevista (1 a 8).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Nessa secção, contextualizam-se os aspectos socioeconômicos das mulheres
infectadas pelo HIV que foram mães após o diagnóstico da infecção. Desta forma
se favorece o entendimento das diferentes situações encontradas no estudo.
Enquanto as mulheres tinham entre 21 e 45 anos de idade, seus filhos tinham
menos de 12 meses. Todas informaram a contaminação por relações sexuais. Entre
elas três mulheres vivenciaram duas vezes uma gestação após o diagnóstico de
HIV. Duas delas haviam descoberto o diagnóstico durante o primeiro pré-natal e
uma relatou conhecimento do diagnóstico anterior às gestações. No concernente
ao tempo de intervalo médio entre uma gravidez e outra, era de dois anos. Cinco
conheceram o diagnóstico da infecção em decorrência da doença do parceiro.
Em relação à situação conjugal, cinco mulheres conviviam com o companheiro,
duas eram solteiras e uma era viúva (o parceiro havia falecido em decorrência
da aids durante a gestação). Quanto à escolaridade, cinco mulheres informaram
ensino fundamental incompleto. Sobre a renda per capita, 75% delas declararam
valores entre cinqüenta e cem reais (R$ 50,00 e R$ 100,00). Na época, o valor
do salário mínimo era de R$ 300,00 (trezentos reais).
A seguir, descrevem-se as categorias apreendidas a partir das falas das
mulheres entrevistadas.
Apreensões em face da maternidade
Na maioria das mulheres HIV+ a gravidez é uma escolha desejada. Muitas vezes,
entretanto, esta decisão é vista de forma negativa por parte dos profissionais
de saúde(9). Tal atitude é inaceitável, pois estes profissionais deveriam
combater o preconceito. No período gestacional, as gestantes com infecção pelo
HIV requerem um acompanhamento especial, particularmente por estarem passando
uma fase singular da vida, necessitam de uma forma de abordagem peculiar: o
aconselhamento(10-11).
Ao seu modo, nesta condição, cada gestante vive uma experiência específica. Uma
das participantes, mãe de dois filhos, descobriu ser soropositiva para o HIV na
primeira gestação, ainda na sala de parto, conforme pode ser observado pelo
depoimento:
[...] descobri ... quando eu estava na sala de parto e a
"doutora" disse: "eu vou fazer um cortezinho no seu
dedo, mas não vai doer nada, eu posso?" Pode.Na seqüência
[destaque dos autores]... ela me disse: vou lhe dizer uma coisa, você
tem Aids... Estava cheio de doutores dentro da sala... aí eu fiquei
assim[referindo-se a sentimento de vergonha associado a tristeza]...
aí uma doutora bem arrumada disse para aquela que havia me dado a
notícia: "não era pra ter dito não"[referindo-se à forma e
ao local].(M4)
No Brasil, recomenda se oferecer o teste anti-HIV para todas as gestantes,
mediante seu consentimento, com aconselhamento pré e pós-teste, independente de
apresentar situação de risco para a infecção pelo HIV(12). Quando, por qualquer
razão, o teste anti-HIV não for realizado durante o período pré-natal, este
deve ser feito no momento da admissão na maternidade, com a utilização de
estratégias de aconselhamento e testagem específicos para essa condição. Mas, o
uso do teste rápido na maternidade não exclui a necessidade de aconselhamento
pré e pós-teste, devendo-se preservar o sigilo e o consentimento informado(11).
Determinadas situações são inadequadas em serviços de saúde, tal como observado
neste estudo, no caso, a revolta de uma participante, principalmente no
referente ao sigilo do diagnóstico, como mostra a fala:
[...] eu não estava bêbada e nem drogada quando eu disse para a
profissional[ainda na sala do parto]que não era pra ela dizer pra
ninguém que eu estava contaminada... ela saiu da sala... e disse para
o meu marido que eu tinha HIV... ele ficou desesperado, louco,
pensava que eu ia morrer ali mesmo no hospital.(M4)
Todo ser humano tem à preservação de seus direitos. Portanto, as mulheres
grávidas, soropositivas ou não, essa condição deve ser garantida. Situações
inadequadas não devem permear a assistência nos serviços. Especialmente dentro
dos serviços de referência as mulheres requererem atenção significante como o
consentimento informado, para a realização do teste, confidência do resultado,
indicação e acesso para serviços especializados. Essas determi-nações visam
reduzir o estigma e a discriminação.
Determinados aspectos agravam ainda mais a reação da mulher diante da
contaminação pelo HIV. Por exemplo: em mulheres com parceiro único este tipo de
contaminação traz medo da morte, associado à raiva, por se sentir traída, assim
como receio do preconceito da sociedade:
[...] ah! pra mim parece que o mundo tinha acabado porque eu nunca
pensei que ele fosse fazer isso comigo[referindo-se a transmissão],
porque foi meu primeiro namorado, meu primeiro homem e meu único
marido. Por isso não se deve confiar em ninguém Eu o deixei porque
não tinha nem condições de ficar com ele, depois que ele fez isso
comigo. [...] fiquei tão traumatizada que pra mim todos os homens são
iguais. Prefiro ficar sozinha com as minhas filhas.(M2)
Como mostra o dia-a-dia, a Aids parece interferir no campo das relações
humanas, em especial nas amorosas, onde a fidelidade é muito valorizada.
Sobressai um código culturalmente instituído, por meio do qual se atribui à
mulher o papel de esposa fiel, enquanto a infidelidade do homem já é algo
esperado e aceito(13).
[...] na hora do resultado eu senti assim aquela vontade de não viver
mais, porque eu fiquei com vergonha dos meus outros filhos que já
estavam grandes, do meu pai, da minha família.(M5)
Diante da vergonha do diagnóstico muitos ocultam a infecção. Segundo indica
determinado estudo, freqüentemente a revelação do diagnóstico traumatiza, causa
sensação de medo do abandono e discriminação pelos familiares, companheiros e
amigos.
Assim, o portador do HIV/Aids aparece como dotado de comportamento ou de
atitudes impróprias ao bem-estar social. Contudo a falta de esclarecimento é
responsável por situações conflituosas vividas pelas pessoas portadoras de
algum tipo de doença sexualmente transmissível, principalmente aquelas
infectadas(14).
Para uma mulher soropositiva para o HIV a gravidez pode constituir um
"relembrar" da sua condição, confirmando constantemente o receio de
receber um filho doente, ou de haver complicações no decorrer da gravidez:
[...] é triste né, porque essas duas gravidezes foram as mais cheias
de problema, ter que acompanhar o pré-natal, dar o remédio...(M1)
[...] eu falei que eu queria abortar e que eu tinha medo de ter[o
filho]porque o pessoal dizia que morria na hora do parto, aí o doutor
disse que o melhor era ter o nenê.(M6)
Inevitavelmente, o significado da soropositividade desencadeia angústias
ampliadas ainda mais quando a gestação se dá sob o signo da aids. Tal realidade
remete o imaginário social à dor, à doença e, sobretudo, à morte, pelos riscos
prementes de gerar um filho. Em algum momento, adoecer e até morrer faz com que
a mãe se mostre, muitas vezes, perplexa e confusa em relação à saúde do recém-
nascido(15).
O desejo da maternidade
Algumas mulheres soropositivas para o HIV consideram que gestar uma criança é
condição indispensável à sua própria vida. Segundo se verifica, mesmo quando
orientadas, as mulheres transformam seu desejo de ser mãe em realidade:
[...] a gente tem a orientação e mesmo assim eu arrisquei ter um
filho porque toda mulher quer ter um filho e graças a Deus eu tive
duas crianças maravilhosas e são soronegativos, mas é muito difícil
enfrentar tudo isso...(M7)
De modo geral, a maternidade é reforçada pelo papel social que representa, até
mesmo pela inserção feminina na sociedade, pela cultura e pela moral. Aspirar
ter filhos é um desejo inato, para dar sentido à vida, por causa das normas em
que foram socializados, ou pela construção da sua identidade feminina ou viril.
Embora exista o desejo da concepção, a condição sorológica, muitas vezes,
torna-se uma barreira para a sua realização(19).
O sonho de ser mãe é evidenciado independente do status sorológico de HIV e do
número de filhos, antes ou após o diagnóstico da infecção. Aproximadamente 40%
das mulheres HIV positivas do Nordeste do Brasil expressam desejo de ter
filhos, independente da fase da doença(20). De acordo com estudo avaliado desse
sentimento, muitas mulheres tiveram esse desejo inter-rompido, pois a doença
foi a razão para esterilização (laqueadura tubária) após o parto em mais da
metade daquelas com diagnóstico do HIV. Nesse caso, a recomendação profissional
foi um fator decisivo para essa situação(21). Entretanto, mulheres infectadas
pelo HIV devem ter seus direitos reprodutivos respeitados. Ademais,
simbolicamente, para essa mulher, ter filho significa uma forma de dar
continuidade a uma vida, já marcada por uma morte prematuramente anunciada.
Superproteção do concepto
O cotidiano da mãe portadora do HIV/Aids é dominado por interrogações. Ela
convive com a expectativa se o filho será ou não portador do HIV, se ela
sobreviverá o suficiente para cuidar do filho ou se este ficará sob os cuidados
da família. Todos os membros da família vivem intensamente esta expectativa,
sem saber o futuro da mãe e do filho, conforme descrevem:
[...] a única coisa que eu imagino são as minhas filhas... se um dia
eu faltar[morrer]para elas... Eu sei que minha família vai cuidar,
mas não é a mesma coisa, a gente que é mãe tem um carinho a mais. Já
não tem pai e ... ficar sem mãe eu acho cruel.(M8)
[...] cuidar da minha filha... é tipo assim como se ela fosse
especial e ter sempre cuidado. A minha primeira filha não teve nada
[comparando o cuidado com outra filha]. A gente tem carinho por todas
duas, mas essa é especial por causa dos problemas dela.(M2)
Pelos relatos, como se percebe, as mães portadoras de HIV/Aids desenvolvem
sentimentos como culpa, angústia e super-proteção em relação ao filho.
Dispensa-lhe mais cuidados, como forma de compensação.
Privação do aleitamento materno
O aleitamento materno representa risco adicional de 14% a 22% de contágio pelo
HIV. Por esse motivo, contra-indica a amamentação direta ao seio materno, pois,
desse modo, espera-se diminuir a probabilidade de contaminação da criança
durante a gravidez e no pós-parto, quando a mulher deve ser orientada a inibir
a lactação e receber instruções sobre como usar a fórmula infantil, de modo que
minimize os riscos de contaminação e erros durante a preparação do leite
artificial(11,16).
No entanto, como se pode observar, ainda há falta de orientação quanto à não
amamentação e cuidados com a mama. É preciso orientá-la, pois caso a mulher não
receba medicamento inibidor da lactação e não tenha as mamas enfaixadas, poderá
se sentir incomodada e com desconforto(17-18). Conforme expõem as falas, as
mães, por não receberem essas orientações, relatam situações de dor nas mamas:
[...] foi horrível porque eu tinha muito leite e não explicaram essa
parte de amamentação... eu pensava que a única coisa que eu não
poderia era ter o filho normal e que tinha que ser cesárea, mas não
sabia que não podia amamentar não.(M3)
Estes momentos constrangedores, particularmente porque o ato de não amamentar
desperta sentimentos de impotência na mãe:
[...] eu me sentia tão assim...(impotente), uns dizia que ela não ia
se criar visto que não mamava. Meu peito doía, aí, antes de sair do
hospital, eu tomei uma injeção pra secar o leite.(M6)
Maternidade envolvida de preconceito
A maternidade, cujo papel social em nossa cultura parece ser esperado e
valorizado, comumente desejado pelas mulheres, pode se tornar ameaçada pela
condição sorológica(22). Esta ameaça pode estar presente até nos serviços de
saúde. Muitas vezes a mulher que vive com HIV/Aids encontra acolhimento
insatisfatório pela equipe de saúde. É comum o relato da pouca atenção dos
serviços para as relações dialógicas favoráveis e o acolhimento prestado nesse
momento delicado na vida dessas mulheres. Estudo demonstrou despreparo dos
profissionais para assistir estas clientes, quer por falta de conhecimento,
habilidade técnica na área, ou referente à questão ética que envolve esta
assistência(23).
Neste contexto, situação semelhante foi relatada pelas participantes da
presente pesquisa, como se ilustra:
[...] no parto... eu fiquei numa sala isolada sem nenhuma pessoa
chegar perto, nem a enfermeira não ia limpar lá porque era cheio de
sangue [...] e se chegasse alguém elas diziam assim: "hei vem
pra cá, não pode ir pra aí não". Isso tudo elas faziam na minha
frente...(M4)
Situações como esta resultam da desinformação, do preconceito moral e ético.
Revela falta de humanização dos profissionais em serviços de referência em
saúde destinados a essa população, bem como escassez de orientações acerca do
manejo adequado para pacientes soropositivos. Tais fatos geram constrangimento
por parte dos usuários do serviço. No dia-a-dia essas questões permeiam a vida
dos pacientes e se estende ao âmbito familiar e à sociedade como um todo,
conforme exposto:
[...] teve uma irmã minha que quando ela soube que eu estava
[soropositiva] ela ficou com nojo e medo. Ela não se sentava no canto
que eu me sentava [...] Eu tomava água no copo e a seguir ela
escaldava ou sacudia e não queria mais aquele copo.(M5)
Conviver com um dos integrantes da família acometido pelo HIV é conviver
movimentando-se para além das fronteiras físicas que a doença apresenta, indo
em direção a um mundo carregado de representações contextualizadas e criadas a
partir de interpretações da situação vivenciada. Cada família vivencia esse
processo de acordo com sua cultura e comportamento(14).
[...] as pessoas vêem isso[referindo-se à doença]como um "bicho
de sete cabeças" e eu prefiro não falar essa situação para
ninguém... nem para a família.(M8)
Diante da soropositividade, surgem sentimentos contraditórios, nojo, medo,
culpa. O receio de desvelar o diagnóstico reside no temor quanto ao julgamento
social, ou seja, há o medo da humilhação, da vergonha e da culpa, porquanto,
ainda hoje, a aids é sinônimo de exclusão social. O indivíduo com esta doença é
estigmatizado pela sociedade, quer seja em países em desenvol-vimento ou
naqueles desenvolvido. Dessa forma, o segredo passa a ser uma forma de
sobrevivência do grupo, pois o adoecer de aids é uma situação também vivida
pelos familiares(2,14).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os achados do presente estudo, de caráter exploratório, apontam para a
relevância da realização de pesquisas na área temática que compreendem o HIV/
Aids e o universo de mulheres infectadas, favorecendo a compreensão dos
conflitos existentes entre as mulheres-mães. Ademais, a opção pelo uso de
metodologia qualitativa, mediante entrevista face a face, esclareceu a pergunta
e foi condizente com os objetivos propostos.
Pelo observado, as mulheres infectadas pelo HIV mantêm expectativas durante a
gravidez e após o nascimento dos filhos. Isso independente de ter sido sua
primeira gestação. No cotidiano dessas mulheres, a possibilidade da
contaminação do concepto e a expectativa do exame são dilemas dominantes.
Dúvidas, incertezas, geram ansiedade e desencadeiam nessas mulheres-mães a
superproteção da criança nascida sob exposição do HIV.
Mais uma vez adverte-se. Tal situação exige cuidados específicos. Até mesmo a
maneira e o local inapropriados de comunicar o resultado da sorologia anti-HIV.
Para essas mulheres repercutem na sua vida e no âmbito familiar. Como observado
ainda é visível a falta de sensibilidade e de ética profissional nos serviços
de saúde.
Outro fato observado foi o escasso conhecimento das mulheres sobre o momento
ideal para conceber e os cuidados necessários para o controle da infecção pelo
HIV no pré-natal, parto e puerpério. Estas são questões pouco reforçadas ou não
esclarecidas durante os seguimentos de saúde. Nesse contexto, o aconselhamento
pré e pós-teste tem grande importância para conscientizar essas mulheres acerca
dos cuidados com a saúde. Tais momentos são indispensáveis com vistas a
orientá-las para viver o processo de maternidade devidamente esclarecido, uma
vez que este terá peculiaridades dependentes de cuidados diferenciados para os
quais se exigem serviços e profissionais de saúde especializados. É imperativo
orientar essa mãe acerca de situações passíveis de ocorrer com seu filho, pois
elas são as maiores provedoras de cuidados dos filhos.
Em relação ao diagnóstico, deve ser mantido sigilo, sobretudo porque muitos
pacientes sofrem pelo medo do estigma decorrente da doença e do preconceito,
principalmente quando pensam no futuro do filho. Para as mães, lidar com uma
criança em possibilidade de contrair infecção pelo HIV ou de ser portadora, é
algo além da sua capacidade. Portanto é essencial oferecer suporte emocional e
social para toda a família que convive com o HIV/Aids.
Pode-se enfim, compreender o seguinte: as mulheres, especialmente aquelas que
estiveram grávidas na vigência do HIV, se mantêm apreensivas durante o processo
de maternagem. Urge, então, propiciar-lhes suporte emocional e social
independente das fases da vida. Associado a isso é preciso manter constantes
discussões com profissionais de saúde sobre a abordagem e o cuidado humanizado
direcionados ás mulheres, particularmente as gestantes, pois a gestação, o
parto e o pós-parto são períodos singulares na vida da mulher. Nestas ocasiões
ocorrem muitos conflitos pessoais os quais geram maior nível de ansiedade e
medo determinados pela possibilidade da transmissão do HIV para o filho.
Minimizar essa ansiedade e esses medos mediante cuidadosos esclarecimentos é
também atribuição do profissional de saúde. Assim, de forma humanizada, cabe-
lhes contribuir para amenizar os dilemas e conflitos de ser mãe na vigência do
HIV/Aids.