Prática de atividade física por adolescentes de Fortaleza, CE, Brasil
INTRODUÇÃO
As doenças crônicas não-transmissíveis (DCNT) estão, cada vez mais, presentes
nas sociedades modernas, provocando sérios danos à vida dos indivíduos.
Relatórios da Organização Mundial de Saúde (OMS) apontam que num total de
83,814 milhões de óbitos no Brasil, 56,3% seriam devido a esse grupo de
patologias. A respeito disso, há registros de que mais de dois milhões de
mortes são atribuídas indiretamente a inatividade física a cada ano no mundo
inteiro(1-2).
A manutenção da atividade física regular é importante na prevenção das DCNT,
principalmente por contribuir para a manutenção do perfil lipídico em níveis
adequados, quando associado ao consumo alimentar balanceado, sendo também muito
útil na diminuição da ansiedade, muito comum, por exemplo, na adolescência(3).
A avaliação da atividade física é, atualmente, uma das áreas mais importantes
para a epidemiologia, em se tratando da prevenção das doenças crônico-
degenerativas(4). A esse respeito, o discurso da literatura aponta a realização
de estudos nacionais e internacionais cujo interesse recai na avaliação da
atividade física praticada por adultos, crianças e adolescentes no cotidiano(4-
5).
Várias instituições e organizações tais como a International Federation of
Sports Medicine, a American Heart Association, a OMS e o Colégio Americano de
Medicina Desportiva têm enfatizado a importância da adoção de atividade física
regular para a melhoria dos níveis de saúde individual e coletiva,
especialmente para a prevenção e reabilitação da doença cardiovascular(1,5-6).
Os benefícios da prática de atividade física para a saúde e qualidade de vida
de pessoas de todas as idades estão bem documentados na literatura científica.
Durante a adolescência, especificamente, há evidências de que a atividade
física traz benefícios associados à saúde esquelética (conteúdo mineral e
densidade óssea) e ao controle da pressão sanguínea e da obesidade(7).
Entretanto, alguns fatores vêem contribuindo para um estilo de vida menos
ativo. A disponibilidade de tecnologia, o aumento da insegurança e a
progressiva redução dos espaços livres nos centros urbanos (onde vive a maior
parte das crianças brasileiras) reduzem as oportunidades de lazer e de uma vida
fisicamente ativa, favorecendo atividades sedentárias, tais como: assistir
televisão, jogar vídeo games e utilizar computadores(8).
Fazendo um panorama da prática de atividade física entre os adolescentes
brasileiros, há cerca de quinze anos atrás, constata-se ser de 14% o percentual
de jovens ativos(9). Além disso, autores na época destacavam um aumento no
número de jovens engajados em atividades físicas, preocupados com os modelos
estéticos socialmente preconizados(10). Hoje, essa preocupação estética
permanece e/ou talvez até tenha aumentado, contudo, mesmo assim, os autores
afirmam que crianças e adolescentes estão mais sedentários(2,11).
Atualmente, frente a relevância do tema, ainda é necessário estudar mais sobre
o nível de atividade física entre crianças e adolescentes brasileiros. Dentre
as publicações averiguadas verifica-se uma ascensão da prevalência de
inatividade física em adolescentes, com taxas de sedentarismo de 75,3% e até
85%(2,11).
Portanto, a despeito dos estudos realizados e da importância da atividade
física na saúde das crianças e adolescentes reportada aqui, ainda se conhece
pouco sobre os níveis de prática de atividade física habitual dos adolescentes
de escolas particulares de Fortaleza - Brasil. Dessa forma, o objetivo deste
estudo foi conhecer a prática de atividade física de adolescentes de escolas
privadas de Fortaleza - Brasil. Conforme se acredita, ao contribuir para o
conhecimento da prática de atividades físicas desses jovens, haverá subsídios
para planejar um cuidado mais efetivo para esses adolescentes nas comunidades
onde eles estão inseridos.
MÉTODO
Trata-se de um estudo com delineamento transversal. Para o desenvolvimento da
pesquisa foram selecionadas seis escolas da rede privada de Fortaleza por
conveniência. A preferência por escolas particulares ocorreu devido ao fato de
estudo semelhante já ter sido desenvolvido pelos autores no âmbito das escolas
públicas de Fortaleza(2). Durante o processo de seleção dessas escolas
ocorreram diversos entraves burocráticos expostos pelos administradores dos
colégios. Para a sensibilização dessas instituições houve, pelo menos, duas
visitas a cada, primeiramente, com o intuito de explanar e delimitar os
objetivos e, em seguida expor a metodologia do estudo e receber o parecer
favorável ou não para o inquérito.
Mediante o aval da direção escolar retornou-se a cada instituição em três
visitas consecutivas. A primeira a fim de explanar, junto aos alunos, em sala
de aula, os objetivos e métodos do estudo, além de entregar aos jovens
interessados o termo de consentimento livre e esclarecido. Já a segunda e
terceira visitas reservou-se para a coleta dos dados dos alunos selecionados,
aleatoriamente, dentre aqueles que atendessem os critérios de inserção
amostral. Os critérios adotados para a seleção dos adolescentes foram, a saber:
- Pertencer à faixa etária de 12 a 17 anos. Cabe ressaltar ainda que houve o
desejo de se avaliar jovens de 18 anos de idade, porém, percebeu-se já na fase
de seleção das escolas que esta faixa dificilmente seria encontrada, seja no
ensino fundamental ou médio das instituições privadas.
- Estar devidamente matriculado e freqüentando as aulas no período vespertino,
período em que se coletavam os dados.
Foram excluídos os alunos que tinham diagnóstico de doenças crônicas confirmado
ou de outras patologias que interferissem diretamente no valor da pressão
arterial ou na obtenção das medidas antropométricas. Dessa forma, a amostra foi
composta por 307 adolescentes, de ambos os sexos, na faixa etária de 12-17 anos
de idade, matriculados no turno vespertino das escolas investigadas.
A coleta de dados foi composta por meio do registro de um formulário com
tópicos estruturados acerca das características sociodemográficas, da prática
de atividade física, do estado nutricional, da pressão arterial e glicemia
capilar dos jovens. Inicialmente, foi realizada a coleta dos dois primeiros
itens através de entrevista. Na sequência, ocorria a mensuração da glicemia
capilar, do peso e altura e por fim da pressão arterial. A medida da glicemia
capilar foi realizada prioritariamente antes da aferição da pressão arterial a
fim de reduzir a ansiedade dos alunos que talvez pudesse desencadear valores
tensionais errôneos, devido a descarga adrenérgica. O desenvolvimento dessa
etapa ocorreu durante o período de março a junho de 2007.
A coleta de dados foi precedida pelo envio do projeto ao Comitê de Ética e
Pesquisa do complexo hospitalar da Universidade Federal do Ceará (UFC),
treinamento rigoroso dos membros da equipe com base na literatura vigente sobre
o assunto e as técnicas de aferição da pressão arterial, peso, altura e
glicemia capilar. Além disso, os equipamentos adotados na pesquisa de campo
foram enviados para o Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e
Qualidade Industrial (INMETRO) para calibragem.
A aferição da pressão arterial foi realizada sempre com os mesmos equipamentos
e pelo mesmo mestrando. A medição se deu com esfigmomanômetros aneróides e
manguitos, de diferentes tamanhos, com a largura da borracha correspondente a
40% da circunferência do braço e o comprimento envolvendo pelo menos 80% da
circunferência do braço. A largura e o comprimento dos manguitos usados foram
de 10-12 e 17-23 cm, respectivamente. Utilizou-se, ainda, estetoscópio
biauricular para técnica auscultatória. As medidas foram realizadas três vezes,
com intervalo de um minuto, sendo a média das duas últimas considerada a
pressão arterial do indivíduo(12).
Foram tomadas ainda algumas precauções necessárias em relação à preparação do
aluno, antes da aferição da pressão arterial, tais como: repouso em ambiente
calmo durante, no mínimo, cinco minutos antes da mensuração; posição sentada
com pernas descruzadas, pés apoiados no chão, dorso recostado na cadeira;
bexiga esvaziada; braço na altura do coração (nível do ponto médio do esterno
ou 4º espaço intercostal), com a palma da mão voltada para cima e o cotovelo
ligeiramente fletido, silêncio durante o procedimento, além da observação
quanto ao não uso de drogas ou alimentos estimulantes (bebidas alcoólicas, café
e fumo)(12).
Ainda conforme recomendado, a borda inferior do manguito foi colocada 2 a 3 cm
acima da fossa antecubital, deixando livre o espaço para a colocação do
diafragma do estetoscópio no local do pulso braquial.
Quanto à classificação dos níveis da pressão arterial, levando-se em
consideração o sexo, a idade e o percentil de estatura, adolescentes com
pressão sistólica e diastólica menores que os valores correspondentes ao
percentil 90 foram considerados normais. Adolescentes com níveis sistólicos e/
ou diastólicos maiores ou iguais ao percentil 90 e menor que o percentil 95
foram enquadrados como pré-hipertensos. Foram considerados com níveis da
pressão arterial elevados ou supostamente hipertensos os adolescentes que
atingiram níveis da pressão sistólica e pressão diastólica maiores ou iguais
aos valores correspondentes ao percentil 95(12).
O estado nutricional dos pesquisados foi verificado a partir do cálculo do IMC
e interpretado a partir das preconizações de Cole et al(13). O peso foi obtido
numa única tomada, com os indivíduos descalços e com roupas leves, utilizando-
se uma balança portátil digital com capacidade de 120 kg e uma precisão de 0,1
kg. A estatura foi verificada numa tomada, sendo utilizada uma fita métrica com
escala de 0,5 cm. No intuito de assegurar a precisão da estatura, os
pesquisados foram orientados a se posicionarem eretos e imóveis, com as mãos
espalmadas sobre as coxas e com a cabeça ajustada ao plano de Frankfurt(13).
A prática de atividade física foi considerada, segundo referencial teórico,
naqueles que se exercitavam, ao menos três vezes por semana durante 30 minutos
(14). A medida da glicemia capilar foi realizada prioritariamente antes da
aferição da pressão arterial a fim de reduzir a ansiedade dos alunos, motivada
por descarga adrenérgica, que comumente está relacionada com a mensuração de
valores errôneos. Os resultados obtidos foram analisados conforme indicadores
do Ministério da Saúde do Brasil(15).
Os dados foram organizados por meio do programa Excel 8.0 e processados no
programa estatístico Epi-info versão 6.04. Para análise das proporções das
variáveis foi empregado o Teste do Qui-quadrado. Considerou-se um nível de
significância e intervalo de confiança de 5% e 95%, respectivamente.
O estudo foi realizado mediante aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da UFC
sob o protocolo 44/07. Todos os participantes da pesquisa, tendo em vista sua
minoridade etária, apresentaram consentimento assinado pelos pais ou
responsáveis.
RESULTADOS
A distribuição dos adolescentes quanto ao sexo foi de 55,4% feminino e 44,6%
masculino. A faixa etária predominante entre os pesquisados foi a de 14-15 anos
de idade com 41,4%. Os pesquisados nas faixas entre 12-13, 14-15 e 16-17, que
se exercitavam regularmente, alcançaram percentuais de 31,2%, 29% e 40,8%,
respectivamente.
Ao se discriminar os avaliados a respeito do nível escolar identificou-se que
23,4% e 22,8% cursavam, respectivamente, o 1º e 2º ano do ensino médio, em
contrapartida, somente 5,9% cursavam o 3º ano dessa fase escolar. A condição
econômica, aqui caracterizada pela renda familiar mensal, revelou que 48,5% e
31,6% viviam, respectivamente, com até três salários mínimos mensais e com 4 a
7 salários (Tabela_1).
![](/img/revistas/reben/v63n3/a10tab1.jpg)
Mais da metade dos alunos, 207(67,4%), foram classificados como inativos
fisicamente. Destaca-se ainda que o percentual de meninos (71%) ativos foi mais
do que o dobro de meninas bem inferior ao das meninas (29%) (p=0, 000).
Aproximadamente, 20% dos adolescentes estavam acima do peso. Além disso, os
casos de excesso de peso foram maiores nos jovens inativos como mostra os
percentuais de sobrepeso (81%) e obesidade (18%) nesses jovens (p=0, 001).
Acerca da pressão arterial foi identificado que 8,7% e 11,7% estavam com a
tensão sanguínea limítrofe e elevada, respectivamente (Tabela_2).
[/img/revistas/reben/v63n3/a10tab2.jpg]
No panorama daqueles que afirmaram praticar algum tipo de atividade física por
pelo menos três vezes na semana e com uma duração igual ou superior a 30
minutos, 100 (32,6%), as modalidades esportivas mais executadas, foram o
futebol (42%) e a musculação (19%). Ao se considerar a questão de gênero elas
também ganham destaque. Cabe pontuar ainda que 16% dos jovens afirmaram
praticar outro tipo de atividade física, diferentes das opções da pesquisa.
Dentre estas, as principais foram caratê, jiu-jítsu, handebol, voleibol e
basquete (Tabela_3).
[/img/revistas/reben/v63n3/a10tab3.jpg]
Os rapazes praticam, predominantemente, o futebol e em seguida a musculação.
Entre as meninas também o futebol, de forma mais modesta que os meninos, outras
diversas, musculação e caminhada.
DISCUSSÃO
Parcela substancial da amostra estudada aqui, 67,4%, enquadra-se como inativo.
Em relação aos estudos já publicados nessa temática, pode-se afirmar que os
índices de sedentarismo do nosso trabalho foram elevados assim como os outros.
Particularmente, no nordeste brasileiro, as últimas publicações no assunto com
populações representativas de adolescentes, desenvolvidas em Fortaleza e João
Pessoa, detectaram percentuais de 75,3% e 55,9% de sedentarismo,
respectivamente(2,16). Já no sul do país os percentuais chegam a ser de 58% e
39%(7,17).
No panorama internacional, os percentuais de sedentarismo são não muito
diferentes desses ora apresentados. Nos Estados Unidos, por exemplo, pesquisa
de base populacional com 14.221 adolescentes, verificou que 62,4% eram pouco
ativos(18). Já na Europa, a inatividade está presente em cerca de 57% da
população do continente. No entanto, quando esses índices são analisados por
países, se pode observar diferenças importantes entre as nações. As
prevalências podem ser menores como de 32% a 35% em países como Suécia,
Finlândia e Irlanda, passando por valores médios similares aos de países das
Américas de 48% a 63%, como é o caso da Inglaterra, Alemanha e França, até
atingir valores de 67% na Bélgica e 83% em Portugal(19).
Essas diferentes prevalências das investigações sobre pratica de atividade
física é reflexo das divergências metodológicas desses estudos que comprometem
a comparação dos estudos. Um grande desafio para os pesquisadores é obter um
instrumento confiável e válido para medidas da atividade física(1).
Algo bastante claro e consenso de muitas publicações é o fato das moças se
exercitarem regulamente menos do que os rapazes. Esse comportamento é quase um
consenso de estudos, nacionais e internacionais, nesta temática(2,7,16-18).
Nesse aspecto, além do fato dos rapazes estarem mais engajados em atividades
físicas mais dispendiosas e numa maior freqüência há o fato de muitas escolas
ainda disponibilizarem de poucas atividades direcionadas para as meninas(20).
Portanto, é importante incentivar entre os profissionais da educação, a família
e os dirigentes dos órgãos competentes a elaboração de atividades que agreguem
também as moças. Pois, por motivos culturais e/ou estruturais, sabe-se que
atividades de massa, como o futebol, por exemplo, são mais executadas por eles,
enquanto elas adotam mais exercícios de menor gasto calórico como caminhadas
(17).
Na amostra analisada a prática de atividade física foi maior entre os
adolescentes mais velhos. Contudo, estudos têm demonstrado o oposto: uma
significativa redução da prática de atividade física com o aumento da idade,
fato esse preocupante, pois, estudiosos afirmam que a adolescência é uma fase
da vida importante para o indivíduo adquirir hábitos ativos e esses,
permanecerem até a idade adulta(17,21-22).
Além da questão de gênero e da faixa etária, também desperta o interesse dos
pesquisadores estudar as relações desse comportamento sedentário com os fatores
sociais desses jovens, ou seja, aspectos culturais, educacionais, religiosos,
econômicos e etc. Aqui, optou-se por analisar a renda mensal das famílias dos
jovens e sua associação com o sedentarismo.
No geral, percebe-se que quanto maior o poder aquisitivo e a escolaridade de um
indivíduo, maior serão as suas chances de praticar atividades físicas(23).
Reiterando esse comportamento muitos estudos averiguaram maior hábito
sedentário entre jovens de baixo nível socioeconômico(2,16,24). Uma explicação
para esse fenômeno, talvez seja o fato das camadas sociais mais populares terem
poucos espaços públicos destinados à promoção da prática de exercícios físicos
e/ou em virtude da dificuldade de deslocamento para grandes centros urbanos em
ambientes propícios para essas atividades(24).
Sob essa ótica, uma limitação desse estudo e de outras publicações no tema,
reside no fato de se ter mensurado a atividade física juvenil a partir das
atividades realizadas durante o lazer desses jovens. Assim, tarefas de
considerável dispêndio energético, executadas pelos adolescentes menor condição
socioeconômica, como o transporte ativo no seu deslocamento, as atividades
domésticas e até as profissionais foram preteridas por ações em que eles têm um
menor envolvimento. Na medida em que esses sujeitos executam as
responsabilidades supracitadas encontram-se com tempo limitado para se envolver
em momentos de lazer. O que necessariamente não implica que os mesmos sejam
sedentários.
Esses comportamentos sedentários entre adolescentes, acompanhados por hábitos
alimentares inadequados, acabam por favorecer o risco e/ou até mesmo a
manifestação de morbidades crônicas ainda na juventude(25). O aumento na
prevalência de sobrepeso e obesidade no mundo, por exemplo, tem como um dos
fatores determinantes a redução progressiva na energia gasta em atividades
físicas, dentre outras. Por sua vez, a associação entre hábitos sedentários e
IMC já é destacada como linear e significativa(26).
Diante dessa situação é importante reforçar entre os jovens nos ambientes
escolares de que a prática regular de exercidos e/ou atividades de gasto
energético dentro ou fora da escola é saudável e ainda responsável pela
prevenção de diversas patologias crônicas.
Nesse sentido, a educação em saúde, deve ser uma prática diária do enfermeiro
(27). No combate ao sedentarismo dos adolescentes, ela seria importante pois
seria instrumento do enfermeiro na promoção de mudanças de comportamentos
desses jovens acerca desta problemática tanto no âmbito escolar como no
externo.