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BrBRCVHe0034-71672010000300011

BrBRCVHe0034-71672010000300011

National varietyBr
Country of publicationBR
SchoolLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN0034-7167
Year2010
Issue0003
Article number00011

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Incorporação teórico-conceitual e metodológica do educador Paulo Freire na pesquisa

INTRODUÇÃO No Brasil, estudiosos da área da saúde têm se apropriado das ideias de Paulo Freire, propondo novos modelos de formação e ação no sistema de saúde, inclusive, a incorporação dos princípios da promoção da saúde pela Estratégia de Saúde da Família - ESF. Tais ideias aproximam os sujeitos através do diálogo, propõem autonomia e reflexões acerca das situações concretas de existência e não excluem o poder ou diferenças de experiências e conhecimentos, valorizando as contradições e procurando superá-las. Na dimensão internacional, vêm sendo abordados por aqueles que descrevem as idéias do referido autor direcionada para a noção do empowermente sua contribuição com as estratégias da promoção da saúde(1). Neste contexto, as pessoas são encorajadas a tomar decisões a respeito de temas que possam melhorar suas vidas, solicitando a participação dos profissionais para interferir neste processo. A partir de tal concepção, as ideias de Paulo Freire passam a ter grande influência sobre a promoção da saúde, pois ele defende a emancipação dos indivíduos como um instrumento necessário e importante para a transformação da sociedade, afirmando "O que importa ao ajudar os homens e mulheres, é ajudá-los a ajudar-se... fazê-los agentes de sua própria recuperação... colocá-los numa postura conscientemente crítica diante de seus problemas"(2).

Segundo Freire, o elemento-chave de seu referencial é o diálogo. Os sujeitos, dialogando, aprendem a viver a vida em sociedade, participando como iguais e colaborando para criar e recriar o conhecimento social. Mediante sua teoria do conhecimento, pode-se impulsionar um pensar crítico e libertador para uma sociedade com mais equidade e justiça(3).

Na área da saúde, este referencial contribui para a construção de relações dialógicas entre os diversos atores do cenário de cuidado. As atividades, especialmente de promoção, direcionam para os indivíduos e o ambiente, através de políticas públicas que proporcionem o desenvolvimento da saúde e o reforço da capacidade do ser humano e da comunidade, ou seja, empowerment(4). A problematização, a práxis e o diálogo apresentam-se, nas práticas de saúde, como caminhos capazes de contribuir com a estratégia de promoção da saúde.

Especialmente a área de enfermagem tem se apropriado das ideias deste pensador para motivar e transformar sua prática(5-7).

A pesquisa, também pode se beneficiar de tal metodologia, construída com a aproximação dos Círculos de Cultura, adaptados do método de Paulo Freire. Esta opção metodológica possibilita problematizar e desvelar os temas, preparando o sujeito participante a intervir na realidade. A aplicação do método de Paulo Freire em pesquisas na área da saúde e da enfermagem ainda envolve desafios como: inserir o diálogo e clarear os princípios que constituem o método, realizar uma investigação não-diretiva, permitir a participação dos sujeitos envolvidos com disponibilidade de tempo e adaptar a linguagem do método idealizado para alfabetização dos adultos para a pesquisa. Assim as questões norteadoras do presente artigo são: Como aplicar a metodologia de Paulo Freire na pesquisa? Quais as possibilidades, limites e desafios do referencial teórico de Freire como articulador de pesquisa qualitativa, na área da saúde e enfermagem? O objetivo deste artigo é apresentar e analisar a aplicação do métodode Paulo Freire em uma pesquisa de tese com profissionais de equipes da ESF, usuários e lideranças comunitárias acerca da utilização do ideário da promoção da saúde na sua prática(8).

A importância de descrever e analisar esta experiência para a área de saúde e especialmente de enfermagem, está no fato de que, com a Estratégia de Saúde da Família, inúmeras oportunidades de utilizar este método para a pesquisa ligada com as ações práticas. Com esta estratégia busca-se uma mudança de relações usuário e equipe, e principalmente a enfermagem tem participado com liderança neste processo.

MÉTODO Trata-se de pesquisa qualitativa articulada com o referencial teórico metodológico de Paulo Freire. A pesquisa consistiu de três momentos dialética e interdisciplinarmente entrelaçados que são: Investigação temática e levantamento dos temas geradores; Codificação e descodificação; Desvelamento crítico ou Problematização(9).

Na etapa da Investigação temática,os temas geradores foram extraídos do cotidiano das pessoas participantes nos Círculos de Cultura. Na Codificação e descodificação,ostemas geradores foram problematizados e contextualizados através do diálogo para uma visão crítica. No Desvelamento crítico ou Problematização:tem-sea tomada de consciência da situação existencial, em que se descobrem os limites e as possibilidades da realidade. Ocorre então o processo de ação-reflexão-ação para a superação das contradições desta realidade vivida(2).

O método de Paulo Freire valoriza as fontes culturais e históricas dos indivíduos, que se desvelam no Círculo de Cultura. Este é um termo criado pelo autor, representado por um espaço dinâmico de aprendizagem e troca de conhecimento. Os sujeitos se reúnem no processo de educação para investigar temas de interesse do próprio grupo. Representa uma situação-problema de situações reais, que leva à reflexão da própria realidade, para, na sequência, decodificá-la e reconhecê-la(10).

O campo da pesquisa foi umaUnidade de Atenção à Saúde, pertencente à Rede Básica de um município no interior do Estado de São Paulo. Participaram 56 profissionais de saúde (médico, enfermeira, auxiliares de enfermagem, agentes comunitários de saúde, odontológos e auxiliares de consultório odontológico) e 77 usuários do serviço, integrantes de três equipes da ESF.

O trabalho de campo teve a duração de 9 meses, com a realização de 155 Círculos de Cultura com 2 horas de duração cada. A adesão dos participantes foi voluntária, sem número limitado, sugerindo-se a participação de um profissional por equipe. Estimulou-se, também a participação dos usuários do serviço de saúde. Em média fizeram parte de 12 a 15 pessoas, na maioria de profissionais de saúde, mas também estavam presentes os usuários, em média de 5, por Círculos de Cultura.

Os dados obtidos foram registrados por escrito, com a colaboração de uma auxiliar de pesquisa. Para aperfeiçoar a qualidade e a fidelidade dos dados coletados, utilizou-se também um diário de campo para registro das atividades dos Círculos de Cultura.

O procedimento de análise dos dados deu-se por meio de leitura cuidadosa das informações registradas. Foram identificadas as temáticas significativas de cada atividade realizada, relacionando-as com o tema do estudo. Posteriormente, os dados destacados nortearam a reflexão com os sujeitos participantes dos Círculos de Cultura, a fim de descodificar e devolver os temas geradores identificados pelo grupo.

Tratando-se de uma pesquisa envolvendo seres humanos, o projeto de pesquisa, foi submetido à Comissão de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto - Universidade de São Paulo, tendo sido aprovado em 24 de novembro de 2005 através do parecer no. 0550/2005. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi assinado por todos os participantes.

RESULTADOS E DISCUSSÃO Investigação temática Para iniciar o trabalho na Unidade Básica de Saúde, utilizando a metodologia de Paulo Freire, emergiram questionamentos em virtude do desconhecimento dos participantes, sobre o método da pesquisa, especialmente os `Círculos de Cultura' e diálogo relativos à prática cotidiana. Para interagir com os participantes, aplicou-se o método acompanhando as atividades e rotinas da Unidade de Saúde e conversando, ouvindo e observando a prática cotidiana dos profissionais. Isso ocorreu na recepção, na sala de espera, nas visitas domiciliares, na sala de reuniões, nos corredores e até mesmo na sala de cafezinho. Os encontros aconteceram em vários espaços e atividades da Unidade, possibilitando o diálogo aberto entre os participantes, sem que, muitas vezes, houvesse uma formalidade.

A partir da adoção do método de Paulo Freire, as atividades da Unidade, como reuniões de Quarteirão, Conselho Local de Saúde, Equipe de Profissionais, Agentes Comunitários de Saúde e Artesanato, foram caracterizadas como atividades de `Círculos de Cultura'. Tais encontros, não tinham periodicidade regular, mas iniciou-se, a partir disto, maior diálogo com profissionais, auxiliares de enfermagem, Agentes Comunitários de Saúde, representantes religiosos e comunitários. Nas atividades dos "Círculos", em alguns momentos, o pesquisador assumia a diretividade dos debates e os membros da equipe colaboravam, em outros, refletiam em conjunto e eram coordenados pela gerência da unidade, profissional e/ou lideranças comunitárias. Durante os Círculos, o pesquisador estimulava uma atitude dialógica entre os sujeitos para que refletissem e analisassem sobre o contexto da saúde e participassem de outras atividades do cotidiano dos serviços.

Ocorreram também desafios como a dificuldade de sistematizar e organizar os encontros, estabelecer horários, dias, locais e sensibilizar os profissionais e usuários a participarem de uma metodologia de trabalho dialógica que refletisse sobre a realidade. Como limites, a dificuldade de incorporar as etapas do método de Freire durante a realização dos Círculos de Culturas. Destacamos a atitude antidialógica de alguns profissionais, anulando ou dificultando o pensamento crítico, gerando um pensar tímido, velado, que não os desafiava a perceberem-se como sujeitos da história. O pesquisador, como animador do debate tinha o papel de orientar as atividades de Círculo, incentivando o diálogo.

Desafiava os participantes a conhecerem seu universo, os problemas de saúde além dos muros da unidade, reinterpretando e recriando o conhecimento vívido, gerando possibilidades dialógicas de ações transformadoras da realidade.

O primeiro momento da pesquisa, que teve duração de 3 meses se caracterizou pela entrada no campo com a realização dos primeiros Círculos, o que levou a investigação das temáticas significativas a partir das experiências vividas pelos participantes, no trabalho, nas atividades da Unidade e nos movimentos organizativos da comunidade. Estas temáticas representavam o universo vocabular destes sujeitos e delas foram extraídos os primeiros temas que serviram de orientação para os futuros debates nos Círculos de Cultura, tais como: demanda elevada, pronto atendimento, atenção especializada e ausência de diálogo.

Codificação e descodificação No segundo momento do método de Paulo Freire, o da codificação e descodificação, os participantes necessitavam dialogar entre si e com o pesquisador a respeito das temáticas levantadas, a fim de desvelar aspectos dessa realidade que até então poderiam não ser perceptíveis. Este seria um grande desafio, como reuni-los novamente para re-admirar as temáticas levantadas na primeira etapa, porém com uma visão não mais ingênua, mas crítica para instrumentalizá-los na busca de intervenção para transformação.

Nesta segunda fase do método, era preciso analisar os temas geradores levantados, as situações locais vividas pelos sujeitos e que abririam perspectivas para refletir sobre os problemas que englobavam uma toda a situação, ou referiam-se a um dos elementos desta. Posteriormente à da codificação e descodificação das referidas temáticas levantadas, se procedeu à análise das situações com a visualização dos temas geradores entre os participantes. Dentre elas, foi estabelecido um maior vínculo com a realidade e analisadas nos diversos Círculos, a relevância e a interligação das temáticas, sintetizando as mais importantes para serem trabalhadas na continuidade. Nestas atividades, foram elucidadas algumas indicações de ação concreta para os temas levantados, estimulando o diálogo e as reflexões entre os participantes, cujo objetivo era sensibilizar e mobilizar um maior número de pessoas; encaminhar relatório da realidade e das discussões da comunidade e a da prática cotidiana da Unidade de Saúde.

Na medida em que participávamos das atividades de Círculo, da dinâmica da Unidade, conversávamos com os profissionais, observávamos suas linguagens, seus modos de pensar, iam sendo reveladas as situações-limites que dificultavam a percepção dos temas descodificados. Tais situações constituíam-se os obstáculos na operacionalização dos temas, que a partir da sua descodificação foi se procedendo à tomada de consciência crítica da realidade vivenciada, ou seja a fase seguinte do método Paulo Freire ou desvelamento crítico.

Desvelamento crítico Neste momento da pesquisa, a fase do desvelamento crítico demonstrou apenas indicações, sensibilizações, estímulos e/ou ações concretas de encaminhamento dos temas codificados/ descodificados, pois configurava ainda um ensaio, isto é uma possibilidade de tomada de consciência do que a realidade representava aos participantes.

Por outro lado, verificamos que as sínteses produzidas, durante os encontros nos Círculos de Cultura, foram importantes, uma vez que mostravam a compreensão, significados e os conflitos vivenciados e que deveriam ser operacionalizados na prática cotidiana desta Unidade de Saúde. Com o desvelamento crítico, foi apontada como relevante e urgente a necessidade de diálogo entre profissionais e usuários para que houvesse a transformação de uma visão ingênua por uma visão crítica, capaz de transformar o contexto vivido. O verdadeiro diálogo deve ser construído entre os sujeitos mediatizados pela realidade. Esta relação dialógica se torna verdadeiramente possível quando o pensamento crítico, inquieto, e que neste caso, do profissional da saúde, não impede a capacidade de refletir do usuário. Percebeu-se, sobretudo, que os profissionais de saúde se protegem, tem dificuldade de dialogar e trabalhar em grupo nos Círculos de Cultura e, que com seu diálogo autoritário, oprimem e dificultam o pensamento do usuário, gerando um pensar tímido e restrito.

Os temas sistematizados eram reapresentados para os participantes com vistas à análise e reflexão. As temáticas extraídas da realidade vivida retornavam aos participantes como situações que deveriam ser decifradas criticamente. Para mediar tais discussões, procurávamos dialogar sobre cada tema, explicando que estes haviam sido resultados da problematização nos Círculos.

Procedendo ao desvelamento das temáticas, encontrou-se resistência por parte de alguns profissionais, através de falas tais como: `falta de tempo', `excesso de trabalho' e outros. Esta resistência também ocorreu na ação concreta dos profissionais, como mudanças no seu modo de produzir saúde com foco na família com acolhimento, humanização, responsabilização e promovendo autonomia dos usuários.

O limite disponível de tempo para o desenvolvimento da pesquisa dificultou de certa forma o aprofundamento de algumas questões, tendo de proceder em determinados momentos com análises mais rápidas. Esta limitação não possibilitou dialogar, com maior profundidade, a totalidade dos temas problematizados com a complexidade da realidade. Como sujeitos reflexivos nos Círculos de Cultura, eles poderiam questionar, denunciar e transformar a realidade que se apresentava. Porém, o desvelamento crítico dos temas apontados, por si , não respondia às reais contradições sociais e políticas dos determinantes do processo saúde e doença da Unidade e Comunidade. Tais contradições deveriam ser reconhecidas na totalidade dos temas que haviam sido codificados/descodificados, para que, em conjunto, profissionais, usuários dos serviços de saúde e os diversos segmentos sociais pudessem se articular e incrementar o poder constituído para a construção da melhoria da qualidade de vida.

Ao aplicar a metodologia de Paulo Freire, procuramos pesquisar, durante os Círculos de Cultura, quais eram as maiores dúvidas e anseios dos participantes para que pudessem ser refletidos nas fases do método de pesquisa. Percebemos que a maior dificuldade foi de estabelecer o diálogo sobre a realidade entre os participantes. A atitude dialógica é imprescindível, pois, de acordo com Freire, é a ferramenta para"encontrar os caminhos de acesso a eles, e não a partir de nossas certezas em torno do que eles deveriam saber"(10).

Identificamos que a dificuldade de diálogo ocorre, muitas vezes, porque a maioria dos participantes baseia-se na concepção de educação bancária, que tem como característica a "sonoridade" das palavras, e não a sua ação transformadora. A ação transformadora oportunizada através da discussão, da reflexão dessas palavras, não acontece. "Nesse tipo de educação, o "Educador" faz "depósitos" de conteúdos, tendo os educandos que guardá-los e arquivá-los"(9).

A abertura do diálogo que os "Círculos" possibilitavam, não gerava, muitas vezes, o nível de reflexão necessária entre os participantes, confirmando o dizer de Freire "o diálogo não pode converter-se num" bate papo "desobrigado que marche ao gosto do acaso"(10). Todavia, o diálogo exercido durante os Círculos, reforçava a importância de se buscar resolver os problemas de saúde para além dos muros da unidade, que não deixa de ser um trabalho em saúde(11), e produz certo modo de cuidar, que poderá ou não ser curador ou promovedor de saúde. Percebeu-se que os profissionais desenvolviam um discurso vertical, oferecendo poucas oportunidades para que os usuários manifestassem suas necessidades ou entendimento do processo saúde e doença, tornando-os ouvintes pacientes do que estava sendo narrado. Esta atitude(3) afoga a liberdade dos participantes (usuários), pois amesquinha o seu direito de estar sendo curioso e inquieto, e o verdadeiro diálogo acontece quando os sujeitos dialógicos aprendem e crescem na diferença, respeitando-se, sendo coerentes e assumindo o seu inacabamento, tornam-se éticos. O que é mencionado na literatura(12-13), sobre a ausência do usuário como protagonista de seu próprio viver e da produção de seu cuidado com o trabalhador e a equipe, visto que ainda coloca a população fora do âmbito das decisões sobre o que lhe diz respeito.

A concepção problematizadora da educação respeita o "educando" ao refletir com o "educador"; não transmissão de conhecimentos "de cima para baixo", mas sim um diálogo que suscite a curiosidade. A educação deixa de ser um ato dirigido, para tornar-se uma troca de experiências entre educador e educando, na qual as duas partes ampliam seus conhecimentos. O método proposto por Freire utiliza-se do Círculo de Cultura como a "unidade de ensino que substitui a escola tradicional e reúne um coordenador com algumas dezenas de homens do povo, num trabalho comum de conquista da linguagem. O coordenador não exerce as funções de professor, a condição essencial da tarefa é o diálogo. Coordenar, jamais impor sua influência"(14).

Paulo Freire, em seu método, propõe que, para realizar os Círculos de Cultura, é necessário estar em contato direto com a população em destaque, para que sejam identificados o universo e a cultura em que estão inseridos. Através da observação, do contato direto com as pessoas e da escuta atenta de suas falas é realizada a pesquisa do universo vocabular, ou seja, a obtenção dos temas que refletem a realidade dos mesmos(15).

CONSIDERAÇÕES FINAIS A apresentação e análise da aplicação do método de Paulo Freire na pesquisa com profissionais de equipes da ESF, usuários e lideranças comunitárias de um município do Estado de São Paulolevam-nos a considerar que este referencial teórico metodológico apresentou possibilidades para refletir acerca da incorporação do ideário da promoção da saúde do trabalho das equipes da ESF, mas também enfrenta limites e desafios.

Como possibilidade, consideramos que, apesar das dificuldades encontradas, atitude de anti-diálogo de muitos profissionais, o diálogo realizado com os participantes nos Círculos de Cultura, nos microespaços político e social, conseguiu inserir ações concretas que contribuíram para a produção de transformação daquela realidade, mesmo que mediata. As reflexões dos temas mais relevantes, ainda que necessitando de maiores aprofundamentos, foram positivas e contribuíram para o reconhecimento da realidade. Propuseram alguns instrumentos de intervenção, tais como: reflexões sobre o processo de trabalho das equipes de Saúde da Família, participação social de algumas lideranças da comunidade e organização do Conselho Local de Saúde; ampliação do diálogo com o gestor municipal, círculos de diálogos com a equipe de saúde e análise das diferenças entre o tema da promoção e prevenção; rediscussão do modelo de atenção à saúde e Saúde da Família; reflexões ainda que superficiais, mas importantes quanto à inserção do social na determinação do processo saúde e doença; e análise dos principais temas que interferiam nas condições de vida e saúde da população.

A utilização do referencial teórico-metodológico do educador Paulo Freire foi fundamental para auxiliar na compreensão da realidade do estudo e envolver os profissionais e usuários no processo de pesquisa. Além disso, permitiu problematizar os principais temas geradores que estavam interferindo nas condições de vida e saúde da população. Desenvolveu um conhecimento mais crítico acerca desta realidade, mediante seu desvelamento, possibilitando a operação de mudanças, embora com limites, evidenciando as dificuldades de incorporar as ações de promoção da saúde.

Como limites, podemos apontar que, dadas as condições do cotidiano de trabalho das equipes da ESF, os Círculos de Cultura, tais como idealizados por Paulo Freire no seu método, precisaram ser ampliados para a realização com os profissionais nas suas atividades e nos diversos espaços e microespaços de atuação. Os encontros foram adaptados com base em reuniões existentes para que pudessem diminuir a resistência dos profissionais que atuavam de maneira pouco dialógica, limitando a discussão entre os participantes.A intervenção sobre a realidade estudada teria sido mais efetiva se houvesse uma continuidade maior dos Círculos de Cultura, para além do período da investigação. Assim, é importante considerar que este método precisa de continuidade e persistência para que se obtenham resultados e intervenções junto à realidade.

Um dos grandes desafios, para trabalhar com o método de Freire, é produzir o diálogo libertador a partir de uma educação problematizadora. Embora seja amplamente difundida a importância do diálogo, da humanização da assistência, dos vínculos, do acolhimento nos serviços de saúde, da participação e empowerment, repete-se, ainda, um diálogo autoritário que Paulo Freire chama de educação bancária.


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