Incorporação teórico-conceitual e metodológica do educador Paulo Freire na
pesquisa
INTRODUÇÃO
No Brasil, estudiosos da área da saúde têm se apropriado das ideias de Paulo
Freire, propondo novos modelos de formação e ação no sistema de saúde,
inclusive, a incorporação dos princípios da promoção da saúde pela Estratégia
de Saúde da Família - ESF. Tais ideias aproximam os sujeitos através do
diálogo, propõem autonomia e reflexões acerca das situações concretas de
existência e não excluem o poder ou diferenças de experiências e conhecimentos,
valorizando as contradições e procurando superá-las. Na dimensão internacional,
vêm sendo abordados por aqueles que descrevem as idéias do referido autor
direcionada para a noção do empowermente sua contribuição com as estratégias da
promoção da saúde(1). Neste contexto, as pessoas são encorajadas a tomar
decisões a respeito de temas que possam melhorar suas vidas, solicitando a
participação dos profissionais para interferir neste processo. A partir de tal
concepção, as ideias de Paulo Freire passam a ter grande influência sobre a
promoção da saúde, pois ele defende a emancipação dos indivíduos como um
instrumento necessário e importante para a transformação da sociedade,
afirmando "O que importa ao ajudar os homens e mulheres, é ajudá-los a
ajudar-se... fazê-los agentes de sua própria recuperação... colocá-los numa
postura conscientemente crítica diante de seus problemas"(2).
Segundo Freire, o elemento-chave de seu referencial é o diálogo. Os sujeitos,
dialogando, aprendem a viver a vida em sociedade, participando como iguais e
colaborando para criar e recriar o conhecimento social. Mediante sua teoria do
conhecimento, pode-se impulsionar um pensar crítico e libertador para uma
sociedade com mais equidade e justiça(3).
Na área da saúde, este referencial contribui para a construção de relações
dialógicas entre os diversos atores do cenário de cuidado. As atividades,
especialmente de promoção, direcionam para os indivíduos e o ambiente, através
de políticas públicas que proporcionem o desenvolvimento da saúde e o reforço
da capacidade do ser humano e da comunidade, ou seja, empowerment(4). A
problematização, a práxis e o diálogo apresentam-se, nas práticas de saúde,
como caminhos capazes de contribuir com a estratégia de promoção da saúde.
Especialmente a área de enfermagem tem se apropriado das ideias deste pensador
para motivar e transformar sua prática(5-7).
A pesquisa, também pode se beneficiar de tal metodologia, construída com a
aproximação dos Círculos de Cultura, adaptados do método de Paulo Freire. Esta
opção metodológica possibilita problematizar e desvelar os temas, preparando o
sujeito participante a intervir na realidade. A aplicação do método de Paulo
Freire em pesquisas na área da saúde e da enfermagem ainda envolve desafios
como: inserir o diálogo e clarear os princípios que constituem o método,
realizar uma investigação não-diretiva, permitir a participação dos sujeitos
envolvidos com disponibilidade de tempo e adaptar a linguagem do método
idealizado para alfabetização dos adultos para a pesquisa. Assim as questões
norteadoras do presente artigo são: Como aplicar a metodologia de Paulo Freire
na pesquisa? Quais as possibilidades, limites e desafios do referencial teórico
de Freire como articulador de pesquisa qualitativa, na área da saúde e
enfermagem?
O objetivo deste artigo é apresentar e analisar a aplicação do métodode Paulo
Freire em uma pesquisa de tese com profissionais de equipes da ESF, usuários e
lideranças comunitárias acerca da utilização do ideário da promoção da saúde na
sua prática(8).
A importância de descrever e analisar esta experiência para a área de saúde e
especialmente de enfermagem, está no fato de que, com a Estratégia de Saúde da
Família, há inúmeras oportunidades de utilizar este método para a pesquisa
ligada com as ações práticas. Com esta estratégia busca-se uma mudança de
relações usuário e equipe, e principalmente a enfermagem tem participado com
liderança neste processo.
MÉTODO
Trata-se de pesquisa qualitativa articulada com o referencial teórico
metodológico de Paulo Freire. A pesquisa consistiu de três momentos dialética e
interdisciplinarmente entrelaçados que são: Investigação temática e
levantamento dos temas geradores; Codificação e descodificação; Desvelamento
crítico ou Problematização(9).
Na etapa da Investigação temática,os temas geradores foram extraídos do
cotidiano das pessoas participantes nos Círculos de Cultura. Na Codificação e
descodificação,ostemas geradores foram problematizados e contextualizados
através do diálogo para uma visão crítica. No Desvelamento crítico ou
Problematização:tem-sea tomada de consciência da situação existencial, em que
se descobrem os limites e as possibilidades da realidade. Ocorre então o
processo de ação-reflexão-ação para a superação das contradições desta
realidade vivida(2).
O método de Paulo Freire valoriza as fontes culturais e históricas dos
indivíduos, que se desvelam no Círculo de Cultura. Este é um termo criado pelo
autor, representado por um espaço dinâmico de aprendizagem e troca de
conhecimento. Os sujeitos se reúnem no processo de educação para investigar
temas de interesse do próprio grupo. Representa uma situação-problema de
situações reais, que leva à reflexão da própria realidade, para, na sequência,
decodificá-la e reconhecê-la(10).
O campo da pesquisa foi umaUnidade de Atenção à Saúde, pertencente à Rede
Básica de um município no interior do Estado de São Paulo. Participaram 56
profissionais de saúde (médico, enfermeira, auxiliares de enfermagem, agentes
comunitários de saúde, odontológos e auxiliares de consultório odontológico) e
77 usuários do serviço, integrantes de três equipes da ESF.
O trabalho de campo teve a duração de 9 meses, com a realização de 155 Círculos
de Cultura com 2 horas de duração cada. A adesão dos participantes foi
voluntária, sem número limitado, sugerindo-se a participação de um profissional
por equipe. Estimulou-se, também a participação dos usuários do serviço de
saúde. Em média fizeram parte de 12 a 15 pessoas, na maioria de profissionais
de saúde, mas também estavam presentes os usuários, em média de 5, por Círculos
de Cultura.
Os dados obtidos foram registrados por escrito, com a colaboração de uma
auxiliar de pesquisa. Para aperfeiçoar a qualidade e a fidelidade dos dados
coletados, utilizou-se também um diário de campo para registro das atividades
dos Círculos de Cultura.
O procedimento de análise dos dados deu-se por meio de leitura cuidadosa das
informações registradas. Foram identificadas as temáticas significativas de
cada atividade realizada, relacionando-as com o tema do estudo. Posteriormente,
os dados destacados nortearam a reflexão com os sujeitos participantes dos
Círculos de Cultura, a fim de descodificar e devolver os temas geradores
identificados pelo grupo.
Tratando-se de uma pesquisa envolvendo seres humanos, o projeto de pesquisa,
foi submetido à Comissão de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem de
Ribeirão Preto - Universidade de São Paulo, tendo sido aprovado em 24 de
novembro de 2005 através do parecer no. 0550/2005. O Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido foi assinado por todos os participantes.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Investigação temática
Para iniciar o trabalho na Unidade Básica de Saúde, utilizando a metodologia de
Paulo Freire, emergiram questionamentos em virtude do desconhecimento dos
participantes, sobre o método da pesquisa, especialmente os `Círculos de
Cultura' e diálogo relativos à prática cotidiana. Para interagir com os
participantes, aplicou-se o método acompanhando as atividades e rotinas da
Unidade de Saúde e conversando, ouvindo e observando a prática cotidiana dos
profissionais. Isso ocorreu na recepção, na sala de espera, nas visitas
domiciliares, na sala de reuniões, nos corredores e até mesmo na sala de
cafezinho. Os encontros aconteceram em vários espaços e atividades da Unidade,
possibilitando o diálogo aberto entre os participantes, sem que, muitas vezes,
houvesse uma formalidade.
A partir da adoção do método de Paulo Freire, as atividades da Unidade, como
reuniões de Quarteirão, Conselho Local de Saúde, Equipe de Profissionais,
Agentes Comunitários de Saúde e Artesanato, foram caracterizadas como
atividades de `Círculos de Cultura'. Tais encontros, não tinham periodicidade
regular, mas iniciou-se, a partir disto, maior diálogo com profissionais,
auxiliares de enfermagem, Agentes Comunitários de Saúde, representantes
religiosos e comunitários. Nas atividades dos "Círculos", em alguns
momentos, o pesquisador assumia a diretividade dos debates e os membros da
equipe colaboravam, em outros, refletiam em conjunto e eram coordenados pela
gerência da unidade, profissional e/ou lideranças comunitárias. Durante os
Círculos, o pesquisador estimulava uma atitude dialógica entre os sujeitos para
que refletissem e analisassem sobre o contexto da saúde e participassem de
outras atividades do cotidiano dos serviços.
Ocorreram também desafios como a dificuldade de sistematizar e organizar os
encontros, estabelecer horários, dias, locais e sensibilizar os profissionais e
usuários a participarem de uma metodologia de trabalho dialógica que refletisse
sobre a realidade. Como limites, a dificuldade de incorporar as etapas do
método de Freire durante a realização dos Círculos de Culturas. Destacamos a
atitude antidialógica de alguns profissionais, anulando ou dificultando o
pensamento crítico, gerando um pensar tímido, velado, que não os desafiava a
perceberem-se como sujeitos da história. O pesquisador, como animador do debate
tinha o papel de orientar as atividades de Círculo, incentivando o diálogo.
Desafiava os participantes a conhecerem seu universo, os problemas de saúde
além dos muros da unidade, reinterpretando e recriando o conhecimento vívido,
gerando possibilidades dialógicas de ações transformadoras da realidade.
O primeiro momento da pesquisa, que teve duração de 3 meses se caracterizou
pela entrada no campo com a realização dos primeiros Círculos, o que levou a
investigação das temáticas significativas a partir das experiências vividas
pelos participantes, no trabalho, nas atividades da Unidade e nos movimentos
organizativos da comunidade. Estas temáticas representavam o universo vocabular
destes sujeitos e delas foram extraídos os primeiros temas que serviram de
orientação para os futuros debates nos Círculos de Cultura, tais como: demanda
elevada, pronto atendimento, atenção especializada e ausência de diálogo.
Codificação e descodificação
No segundo momento do método de Paulo Freire, o da codificação e
descodificação, os participantes necessitavam dialogar entre si e com o
pesquisador a respeito das temáticas levantadas, a fim de desvelar aspectos
dessa realidade que até então poderiam não ser perceptíveis. Este seria um
grande desafio, como reuni-los novamente para re-admirar as temáticas
levantadas na primeira etapa, porém com uma visão não mais ingênua, mas crítica
para instrumentalizá-los na busca de intervenção para transformação.
Nesta segunda fase do método, era preciso analisar os temas geradores
levantados, as situações locais vividas pelos sujeitos e que abririam
perspectivas para refletir sobre os problemas que englobavam uma toda a
situação, ou referiam-se a um dos elementos desta. Posteriormente à da
codificação e descodificação das referidas temáticas levantadas, se procedeu à
análise das situações com a visualização dos temas geradores entre os
participantes. Dentre elas, foi estabelecido um maior vínculo com a realidade e
analisadas nos diversos Círculos, a relevância e a interligação das temáticas,
sintetizando as mais importantes para serem trabalhadas na continuidade. Nestas
atividades, foram elucidadas algumas indicações de ação concreta para os temas
levantados, estimulando o diálogo e as reflexões entre os participantes, cujo
objetivo era sensibilizar e mobilizar um maior número de pessoas; encaminhar
relatório da realidade e das discussões da comunidade e a da prática cotidiana
da Unidade de Saúde.
Na medida em que participávamos das atividades de Círculo, da dinâmica da
Unidade, conversávamos com os profissionais, observávamos suas linguagens, seus
modos de pensar, iam sendo reveladas as situações-limites que dificultavam a
percepção dos temas descodificados. Tais situações constituíam-se os obstáculos
na operacionalização dos temas, que a partir da sua descodificação foi se
procedendo à tomada de consciência crítica da realidade vivenciada, ou seja a
fase seguinte do método Paulo Freire ou desvelamento crítico.
Desvelamento crítico
Neste momento da pesquisa, a fase do desvelamento crítico demonstrou apenas
indicações, sensibilizações, estímulos e/ou ações concretas de encaminhamento
dos temas codificados/ descodificados, pois configurava ainda um ensaio, isto é
uma possibilidade de tomada de consciência do que a realidade representava aos
participantes.
Por outro lado, verificamos que as sínteses produzidas, durante os encontros
nos Círculos de Cultura, foram importantes, uma vez que mostravam a
compreensão, significados e os conflitos vivenciados e que deveriam ser
operacionalizados na prática cotidiana desta Unidade de Saúde. Com o
desvelamento crítico, foi apontada como relevante e urgente a necessidade de
diálogo entre profissionais e usuários para que houvesse a transformação de uma
visão ingênua por uma visão crítica, capaz de transformar o contexto vivido. O
verdadeiro diálogo deve ser construído entre os sujeitos mediatizados pela
realidade. Esta relação dialógica se torna verdadeiramente possível quando o
pensamento crítico, inquieto, e que neste caso, do profissional da saúde, não
impede a capacidade de refletir do usuário. Percebeu-se, sobretudo, que os
profissionais de saúde se protegem, tem dificuldade de dialogar e trabalhar em
grupo nos Círculos de Cultura e, que com seu diálogo autoritário, oprimem e
dificultam o pensamento do usuário, gerando um pensar tímido e restrito.
Os temas sistematizados eram reapresentados para os participantes com vistas à
análise e reflexão. As temáticas extraídas da realidade vivida retornavam aos
participantes como situações que deveriam ser decifradas criticamente. Para
mediar tais discussões, procurávamos dialogar sobre cada tema, explicando que
estes haviam sido resultados da problematização nos Círculos.
Procedendo ao desvelamento das temáticas, encontrou-se resistência por parte de
alguns profissionais, através de falas tais como: `falta de tempo', `excesso de
trabalho' e outros. Esta resistência também ocorreu na ação concreta dos
profissionais, como mudanças no seu modo de produzir saúde com foco na família
com acolhimento, humanização, responsabilização e promovendo autonomia dos
usuários.
O limite disponível de tempo para o desenvolvimento da pesquisa dificultou de
certa forma o aprofundamento de algumas questões, tendo de proceder em
determinados momentos com análises mais rápidas. Esta limitação não
possibilitou dialogar, com maior profundidade, a totalidade dos temas
problematizados com a complexidade da realidade. Como sujeitos reflexivos nos
Círculos de Cultura, eles poderiam questionar, denunciar e transformar a
realidade que se apresentava. Porém, o desvelamento crítico dos temas
apontados, por si só, não respondia às reais contradições sociais e políticas
dos determinantes do processo saúde e doença da Unidade e Comunidade. Tais
contradições deveriam ser reconhecidas na totalidade dos temas que haviam sido
codificados/descodificados, para que, em conjunto, profissionais, usuários dos
serviços de saúde e os diversos segmentos sociais pudessem se articular e
incrementar o poder constituído para a construção da melhoria da qualidade de
vida.
Ao aplicar a metodologia de Paulo Freire, procuramos pesquisar, durante os
Círculos de Cultura, quais eram as maiores dúvidas e anseios dos participantes
para que pudessem ser refletidos nas fases do método de pesquisa. Percebemos
que a maior dificuldade foi de estabelecer o diálogo sobre a realidade entre os
participantes. A atitude dialógica é imprescindível, pois, de acordo com
Freire, é a ferramenta para"encontrar os caminhos de acesso a eles, e não
a partir de nossas certezas em torno do que eles deveriam saber"(10).
Identificamos que a dificuldade de diálogo ocorre, muitas vezes, porque a
maioria dos participantes baseia-se na concepção de educação bancária, que tem
como característica a "sonoridade" das palavras, e não a sua ação
transformadora. A ação transformadora oportunizada através da discussão, da
reflexão dessas palavras, não acontece. "Nesse tipo de educação, o
"Educador" faz "depósitos" de conteúdos, tendo os educandos
que guardá-los e arquivá-los"(9).
A abertura do diálogo que os "Círculos" possibilitavam, não gerava,
muitas vezes, o nível de reflexão necessária entre os participantes,
confirmando o dizer de Freire "o diálogo não pode converter-se num"
bate papo "desobrigado que marche ao gosto do acaso"(10). Todavia, o
diálogo exercido durante os Círculos, reforçava a importância de se buscar
resolver os problemas de saúde para além dos muros da unidade, que não deixa de
ser um trabalho em saúde(11), e produz certo modo de cuidar, que poderá ou não
ser curador ou promovedor de saúde. Percebeu-se que os profissionais
desenvolviam um discurso vertical, oferecendo poucas oportunidades para que os
usuários manifestassem suas necessidades ou entendimento do processo saúde e
doença, tornando-os ouvintes pacientes do que estava sendo narrado. Esta
atitude(3) afoga a liberdade dos participantes (usuários), pois amesquinha o
seu direito de estar sendo curioso e inquieto, e o verdadeiro diálogo só
acontece quando os sujeitos dialógicos aprendem e crescem na diferença,
respeitando-se, sendo coerentes e assumindo o seu inacabamento, tornam-se
éticos. O que é mencionado na literatura(12-13), sobre a ausência do usuário
como protagonista de seu próprio viver e da produção de seu cuidado com o
trabalhador e a equipe, visto que ainda coloca a população fora do âmbito das
decisões sobre o que lhe diz respeito.
A concepção problematizadora da educação respeita o "educando" ao
refletir com o "educador"; não há transmissão de conhecimentos
"de cima para baixo", mas sim um diálogo que suscite a curiosidade. A
educação deixa de ser um ato dirigido, para tornar-se uma troca de experiências
entre educador e educando, na qual as duas partes ampliam seus conhecimentos. O
método proposto por Freire utiliza-se do Círculo de Cultura como a
"unidade de ensino que substitui a escola tradicional e reúne um
coordenador com algumas dezenas de homens do povo, num trabalho comum de
conquista da linguagem. O coordenador não exerce as funções de professor, a
condição essencial da tarefa é o diálogo. Coordenar, jamais impor sua
influência"(14).
Paulo Freire, em seu método, propõe que, para realizar os Círculos de Cultura,
é necessário estar em contato direto com a população em destaque, para que
sejam identificados o universo e a cultura em que estão inseridos. Através da
observação, do contato direto com as pessoas e da escuta atenta de suas falas é
realizada a pesquisa do universo vocabular, ou seja, a obtenção dos temas que
refletem a realidade dos mesmos(15).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A apresentação e análise da aplicação do método de Paulo Freire na pesquisa com
profissionais de equipes da ESF, usuários e lideranças comunitárias de um
município do Estado de São Paulolevam-nos a considerar que este referencial
teórico metodológico apresentou possibilidades para refletir acerca da
incorporação do ideário da promoção da saúde do trabalho das equipes da ESF,
mas também enfrenta limites e desafios.
Como possibilidade, consideramos que, apesar das dificuldades encontradas,
atitude de anti-diálogo de muitos profissionais, o diálogo realizado com os
participantes nos Círculos de Cultura, nos microespaços político e social,
conseguiu inserir ações concretas que contribuíram para a produção de
transformação daquela realidade, mesmo que mediata. As reflexões dos temas mais
relevantes, ainda que necessitando de maiores aprofundamentos, foram positivas
e contribuíram para o reconhecimento da realidade. Propuseram alguns
instrumentos de intervenção, tais como: reflexões sobre o processo de trabalho
das equipes de Saúde da Família, participação social de algumas lideranças da
comunidade e organização do Conselho Local de Saúde; ampliação do diálogo com o
gestor municipal, círculos de diálogos com a equipe de saúde e análise das
diferenças entre o tema da promoção e prevenção; rediscussão do modelo de
atenção à saúde e Saúde da Família; reflexões ainda que superficiais, mas
importantes quanto à inserção do social na determinação do processo saúde e
doença; e análise dos principais temas que interferiam nas condições de vida e
saúde da população.
A utilização do referencial teórico-metodológico do educador Paulo Freire foi
fundamental para auxiliar na compreensão da realidade do estudo e envolver os
profissionais e usuários no processo de pesquisa. Além disso, permitiu
problematizar os principais temas geradores que estavam interferindo nas
condições de vida e saúde da população. Desenvolveu um conhecimento mais
crítico acerca desta realidade, mediante seu desvelamento, possibilitando a
operação de mudanças, embora com limites, evidenciando as dificuldades de
incorporar as ações de promoção da saúde.
Como limites, podemos apontar que, dadas as condições do cotidiano de trabalho
das equipes da ESF, os Círculos de Cultura, tais como idealizados por Paulo
Freire no seu método, precisaram ser ampliados para a realização com os
profissionais nas suas atividades e nos diversos espaços e microespaços de
atuação. Os encontros foram adaptados com base em reuniões já existentes para
que pudessem diminuir a resistência dos profissionais que atuavam de maneira
pouco dialógica, limitando a discussão entre os participantes.A intervenção
sobre a realidade estudada teria sido mais efetiva se houvesse uma continuidade
maior dos Círculos de Cultura, para além do período da investigação. Assim, é
importante considerar que este método precisa de continuidade e persistência
para que se obtenham resultados e intervenções junto à realidade.
Um dos grandes desafios, para trabalhar com o método de Freire, é produzir o
diálogo libertador a partir de uma educação problematizadora. Embora seja
amplamente difundida a importância do diálogo, da humanização da assistência,
dos vínculos, do acolhimento nos serviços de saúde, da participação e
empowerment, repete-se, ainda, um diálogo autoritário que Paulo Freire chama de
educação bancária.