Perfil de diagnósticos de enfermagem antes de iniciar o tratamento
hemodialítico
INTRODUÇÃO
A Doença Renal Crônica (DRC) consiste da perda progressiva e irreversível das
funções renais que pode iniciar com um quadro agudo ou de maneira lenta e
progressiva. O tratamento definitivo indicado é o transplante renal. Trata-se
de um processo moroso, e até que ele se concretize, a única alternativa para
manter a vida esta no tratamento dialítico contínuo que compreende duas
modalidades: diálise peritonial ou hemodiálise. A maioria das pessoas com IRC,
no Brasil segue programas de hemodiálise ambulatorial realizados em regime de
três vezes semanais com duração de, aproximadamente, três a quatro horas para
cada sessão. A hemodiálise substitui a função renal pelo processo de remoção de
tóxicos e outras substâncias nocivas ao organismo, através de uma circulação
sanguínea extra-corpórea(1).
A hemodiálise na maioria das vezes representa uma esperança de vida, já que a
doença é um processo irreversível. Contudo observa-se que geralmente as
dificuldades de adesão ao tratamento estão relacionadas a não aceitação da
doença, à percepção de si próprio e ao relacionamento interpessoal com
familiares e ao convívio social(2).
O agir e o pensar relacionados à assistência ao ser humano devem ser
prioridades na área da saúde, principalmente para a enfermagem que tem o cuidar
como um dos elementos essenciais de sua prática(3).
O enfermeiro como coordenador da equipe deve coordenar a assistência prestada,
identificando as necessidades individuais de cada cliente, proporcionando meios
de atendimento que visem uma melhor adequação do tratamento, garantindo assim
uma qualidade de vida melhor, aproveitando todos os momentos para criar
condições de mudanças quando necessário. A prática do cuidar personalizado está
diretamente ligada à qualidade da assistência prestada, e uma das formas de
alcançar este objetivo é através do processo de enfermagem(2).
A responsabilidade do cuidar exige que todas as intervenções propostas sejam
fundamentadas na avaliação do estado de saúde do indivíduo requerendo que se
adote o diagnóstico de enfermagem como referência(4).
Com o levantamento dos principais problemas que o paciente em hemodiálise
apresenta e a atribuição dos diagnósticos de enfermagem torna mais fácil
direcionar a assistência e enxergar o paciente de maneira completa(5).
O diagnóstico de enfermagem é uma etapa que se reveste de singular importância,
pois fornece meios para propor intervenções de responsabilidade exclusiva do
enfermeiro quanto aos problemas de saúde detectados. O estudo desse diagnóstico
proporciona ainda o uso de uma linguagem própria do enfermeiro facilitando a
comunicação com os pacientes(3).
Considerando este contexto, o estudo teve como objetivo identificar e descrever
o perfil de diagnósticos de enfermagem do paciente renal crônico em início de
tratamento hemodialítico em uma unidade de hemodiálise da cidade de São Paulo.
METODOLOGIA
Tratou-se de um estudo(6), baseado na consulta de dados existentes em
prontuário do paciente.
A pesquisa foi realizada em uma clínica de hemodiálise no município de São
Paulo, local escolhido devido à facilidade de acesso e ao grande fluxo de
pacientes em tratamento hemodialítico ambulatorial. Como característica, esta
unidade tem atendimento médio de 40 pacientes por turno de sessão de
hemodiálise, sendo realizados três turnos por dia, totalizando 120 pacientes/
dia que se alternam (Seg/Qua/Sex e Ter/Qui/Sab).
Na admissão do paciente é aberto um prontuário eletrônico, constando a
identificação do paciente, consulta médica e exame físico de admissão, evolução
médica e de enfermagem e prescrição medicamentosa.
A amostra foi composta por prontuários de pacientes admitidos para tratamento
hemodialítico no período de abril de 2008 a abril de 2009, que estavam
acessíveis nos registros eletrônicos e que atenderam os critérios de inclusão:
ficha de admissão com exame físico.
A técnica de amostragem foi do tipo não-probabilística por conveniência,
considerando a totalidade dos prontuários existentes; ou seja, foram acessados
os prontuários que estavam acessíveis de acordo com os critérios apresentados
anteriormente. Foram excluídos os prontuários de pacientes que já haviam
iniciado a hemodiálise em outro serviço (constavam como transferência).
O instrumento de coleta de dados (anexo) constou dos seguintes dados:
identificação do paciente (cor, estado civil, faixa etária, gênero e
procedência), doenças de base e treze diagnósticos de enfermagem e suas
características definidoras principais, de acordo com Souza et al(2)eLata et al
(7). A composição e definição dos diagnósticos foi baseada na Taxomonina II da
North-American Nursing Diagnoses Association(8).
Os dados foram coletados durante o mês de maio de 2009. Inicialmente os
prontuários foram separados e posteriormente analisados de acordo com o período
estabelecido e os critérios de inclusão. Os dados do prontuário foram
recuperados por meio do sistema computadorizado existente na instituição onde o
estudo foi realizado.
A análise dos dados consistiu do estabelecimento de estatística descritiva, com
dados absolutos e relativos. A base da análise foi a verificação da ocorrência
das características definidoras para a composição dos treze diagnósticos de
enfermagem previamente sugeridos.
O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da
Universidade de Santo Amaro sob o parecer número: 032/2009.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Caracterização da Amostra
No período de abril de 2008 a abril de 2009, 69 pacientes iniciaram tratamento
hemodialítico na unidade. Destes, 31 eram pacientes que estavam iniciando a
Terapia Renal Substitutiva pela primeira vez. Os 38 restantes, eram pacientes
que já haviam iniciado a terapia em outras clínicas e foram excluídos do
estudo.
Os prontuários dos 31 pacientes utilizados neste estudo foram avaliados quanto
às características demográficas. A faixa etária de maior frequência foi a de
pacientes de 40 a 59 anos (58,1%). Quanto ao gênero houve predominância de
indivíduos do sexo masculino (64,5%). Em relação a cor 61,3% dos indivíduos
eram de cor branca, ao estado civil 77,4% eram casados e a procedência 48,4%
eram naturais de São Paulo. Maiores detalhes na Tabela_1.
![](/img/revistas/reben/v63n3/a14tab1.jpg)
Os resultados das variáveis idade e gênero assemelham-se aos dados obtidos no
estudo de Mendonça e Lima(9) realizado no estado de Goiás com 63 pacientes, no
qual a faixa etária predominante foi a de 40-59 anos com (44,5%) e em relação
ao gênero (55,5%) dos pacientes eram do sexo masculino.
Quanto às doenças de base para o desenvolvimento da Doença Renal Crônica, foi
constatado que 29,0% dos pacientes apresentaram Hipertensão Arterial Sistêmica,
19,4% Diabetes Mellitus, 22,6% a associação das duas patologias. Outras
moléstias também foram demonstradas como causa da DRC, sendo a Glomerulonefrite
presente em 12,9%, a Doença Renal Policística em 12,9% e as Uropatias
Obstrutivas em 3,2% dos pacientes que iniciaram a terapia renal substitutiva na
unidade de hemodiálise onde o estudo foi realizado (Tabela_2).
[/img/revistas/reben/v63n3/a14tab2.jpg]
Foi evidenciado neste trabalho que a Hipertensão Arterial Sistêmica como
principal causa para o desenvolvimento da DRC. Este resultado se aproxima ao
estudo realizado por Godinho et al(10)com 122 pacientes em um hospital em
Salvador no qual 41,0% apresentaram HAS, 6,6% Diabetes Mellitus e 27,9% HAS
associada a DM.
Segundo dados da Sociedade Brasileira de Nefrologia a hipertensão arterial e o
diabetes são responsáveis por cerca de metade dos pacientes que estão em
tratamento dialítico no Brasil(11).
Diagnósticos de enfermagem
Após a análise das informações contidas nos prontuários dos 31 pacientes foram
descritos através do processo de raciocínio diagnóstico onze diagnósticos de
enfermagem. Os diagnósticos encontrados estão apresentados na Tabela_3.
[/img/revistas/reben/v63n3/a14tab3.jpg]
Observa-se que o diagnóstico de enfermagem "perfusão tissular ineficaz:
renal" e "risco de infecção" estiveram presentes em 100% dos
prontuários analisados, enquanto que para " proteção ineficaz" e
"controle ineficaz do regime terapêutico" a porcentagem foi de 80,6%
e 54,8% respectivamente.
O diagnóstico de enfermagem "perfusão tissular ineficaz: renal"
definido pela diminuição na oxigenação, resultando na incapacidade de nutrir os
tecidos no nível capilar, tendo como característica definidora principal
registrada a elevação das taxas de uréia e creatinina sanguíneas, estava
associado à alta incidência de HAS na maioria dos pacientes com este
diagnóstico médico(8). A HAS é o maior causador de DRC(12).
O diagnóstico de enfermagem "risco para infecção" é definido como
risco aumentado de ser invadido por organismos patogênicos. Este diagnóstico
esteve presente em 100% dos prontuários analisados, confirmado através dos
fatores de risco observados: doença crônica, defesas secundárias inadequadas e
procedimentos invasivos(8). De acordo com Costa et al(13) e Leal et al(14) os
estados metabólicos em constante alteração favorecem a instalação de infecções
no portador de DRC.
Estes resultados são compatíveis ao estudo de Lata et al(7) com vinte pacientes
adultos em tratamento hemodialítico em uma clínica no Rio de Janeiro, no qual
foram identificados em todos os pacientes os diagnósticos de perfusão tissular
ineficaz renal e risco para infecção.
O diagnóstico de enfermagem "proteção ineficaz" é definido pela
diminuição na capacidade de proteger-se de ameaças internas ou externas, como
doenças ou lesões, caracterizadas na amostra por anorexia, dispnéia, fadiga e
fraqueza, relacionado a perfis sanguíneos anormais (anemia)(8), foi evidenciado
em 80,6% dos prontuários da amostra. De acordo com Abensur et al(15) a anemia é
uma complicação da doença renal crônica, tendo diversas causas, sendo a
deficiência relativa de eritropoetina e a carência de ferro as mais
importantes. A anemia provoca palidez cutânea, fraqueza, indisposição, déficit
de atenção, prejuízo na qualidade de vida e maior mortalidade nos pacientes com
doença renal crônica.
O diagnóstico de enfermagem "controle ineficaz do regime terapêutico"
é um padrão de regulação e interação à vida diária de um programa de tratamento
de doenças e suas sequelas que é insatisfatório para atingir objetivos de saúde
(8). Este diagnóstico foi constatado em 54,8% dos prontuários analisados e está
relacionado ao déficit de conhecimento da doença, caracterizado pelo uso
irregular das medicações. Segundo Bastos et al(12), permanecer no regime
terapêutico é uma das grandes dificuldades do portador de DRC. Segundo estes
autores, os fatores socioeconômicos e o desconhecimento do processo patológico
em si, podem acelerar o curso da doença. Em alguns casos, a falta de apoio
familiar para procurar o devido atendimento médico pode também contribuir para
a não aderência ao regime terapêutico(16).
O diagnóstico de enfermagem "volume excessivo de líquidos" foi
identificado em 51,6% dos prontuários analisados, é definido por "retenção
aumentada de líquidos isotônicos", sendo anasarca, azotemia, congestão
pulmonar, dispnéia, edema, oligúria, ortopnéia e ruídos respiratórios
adventícios as características definidoras mais evidenciadas na amostra(8).
O diagnóstico de enfermagem "nutrição desequilibrada: menos do que as
necessidades corporais" foi evidenciado em 32,2% dos prontuários. A
desnutrição acomete o portador de DRC devido a vários fatores. Segundo
Valenzuela et al(17), a desnutrição desempenha um importante impacto sobre a
morbidade e mortalidade de pacientes que venham a ser submetidos a hemodiálise.
Os pacientes portadores de Diabetes Mellitus(11), sobretudo, são os que
apresentam maior risco de desnutrição. A desnutrição ainda tem correlação com a
eficiência da hemodiálise(18).
O diagnóstico de enfermagem "dor aguda" é caracterizado basicamente
pelo relato verbal de dor(8). Este diagnóstico foi identificado em 25,8% dos
prontuários analisados. A qualidade de vida do portador de DRC é altamente
influenciada pelas sensações de dor. Um estudo demonstrou que a dor está
presente em 59 a 61% dos pacientes adultos portadores de DRC(19). A dor é um
componente de restrição física que influencia na demanda ocupacional como
comorbidades, sendo fator-chave para prejuízos sociais(20).
O diagnóstico de enfermagem "intolerância à atividade", é
caracterizado pela energia fisiológica insuficiente para suportar ou completar
as atividades diárias requeridas ou desejadas, caracterizado por desconforto
aos esforços, dispnéia aos esforços e relato verbal de fadiga ou fraqueza(8),
sendo identificado em 22,6% da amostra. Segundo Kusumota et al(21), esta é uma
alteração bastante frequente em pacientes com DRC, sobretudo nos idosos. Isto
se deve ao comprometimento cardíaco em manipular a sobrecarga hídrica,
acarretando congestão pulmonar.
O diagnóstico de enfermagem "eliminação urinária prejudicada" é
definido pelo distúrbio na eliminação da urina(8), e esteve presente em 19,4%
da amostra, caracterizado por noctúria, retenção urinária e urgência urinária.
O diagnóstico de enfermagem "náusea" foi identificado em 16,1% dos
prontuários, tendo como característica principal o relato verbal de náusea(8).
As características da DRC e seus tratamentos favorecem o aparecimento da
ansiedade devido à presença constante de situações ameaçadoras que os doentes
enfrentam. Entre os fatores que favorecem o surgimento da ansiedade nos
pacientes em hemodiálise destacam os seguintes: restrição da dieta, diminuição
da capacidade sexual, mudanças nos relacionamentos sociais e familiares,
mudança na aparência física, medo do desconhecido e medo da morte(2).
Neste estudo o diagnóstico de enfermagem "ansiedade" esteve presente
em 9,6% da amostra, dados que se assemelham aos encontrados no estudo realizado
por Souza et al(2), no qual a porcentagem deste diagnóstico foi de 10%.
CONCLUSÃO
Foram identificados e descritos onze diagnósticos de enfermagem a partir dos
dados existentes nos prontuários. A identificação e descrição destes
diagnósticos de enfermagem permitiram conhecer a situação inicial destes
pacientes frente à DRC.
O diagnóstico de enfermagem, "controle ineficaz do regime
terapêutico" é o que mais chama a atenção. Grande parte dos pacientes
evoluiu para piora da função renal devido o não seguimento de um regime
terapêutico indicado. Isto ressalta a importância de que a enfermagem deva
reforçar os programas de educação sobre a terapia a ser iniciada. Caso este
processo educativo não seja devidamente implementado é provável que a
hemodiálise não produza os efeitos desejados e o paciente não obtenha os
benefícios da mesma.
A identificação deste perfil de diagnósticos é essencial para a etapa do
planejamento da assistência de enfermagem. Os pacientes submetidos à terapia da
hemodiálise necessitam de assistência individualizada e os diagnósticos de
enfermagem são considerados como a base de todo o processo de enfermagem
também. Planejar adequadamente as intervenções de enfermagem promove impacto
sobre os resultados e também da qualidade desta assistência.
Ao identificar estes diagnósticos, uma base de conhecimento foi estabelecida.
Novos estudos para validação deste perfil são ainda necessários, considerando a
limitação amostral. Novos estudos sobre intervenções de enfermagem são
igualmente necessários para completar o presente estudo.