Cuidados domiciliares ao idoso que sofreu Acidente Vascular Cerebral
INTRODUÇÃO
A extensão do acidente vascular cerebral (AVC), hoje considerado como a
terceira causa de morte na população adulta/idosa, tem levado muitos de seus
acometidos à necessidade de cuidados, muitos destes só possíveis no domicílio.
Atualmente, o AVC é o maior causador de incapacidade funcional no ocidente(1),
provocando, principalmente em idosos, alterações na capacidade de desempenhar
atividades cotidianas. Essas alterações podem ser passageiras ou não, de acordo
com a região acometida, o nível da lesão e a capacidade individual de
recuperação.
Nesse contexto, é sabido que o número de idosos vem aumentando e, de acordo com
os demógrafos, a previsão é de que em 2020 existam 34 milhões de idosos
brasileiros, correspondendo à sexta população mais velha do planeta.
Por conta desta incapacidade funcional, o AVC pode gerar uma diminuição da
qualidade de vida com um impacto na vida cotidiana, destarte da pessoa idosa.
Em termos familiares, muitas vezes, advêm conflitos envolvendo muitos de seus
membros, por conta das atribuições do cuidar de um familiar com sequelas.
Entretanto, a redução de custos da assistência hospitalar e institucional a
idosos incapacitados tem levado muitos países, como o Brasil, a indicar a sua
permanência em casa sob os cuidados da família(2).
Sobre isso, Caldas(3) faz uma crítica apontando que, no Brasil, apesar da
Política Nacional de Saúde do Idoso, não existe um programa de governo
direcionado para esta população com dependência. Assim, com a falência
crescente do sistema previdenciário, os cuidados prestados no domicílio junto à
família vêm se tornando à única opção disponível para o idoso dependente.
No Brasil, algumas discussões têm sido realizadas sobre esse tema desde a
década de 1980, quando os idosos, já se fazendo presentes de forma
significativa, passaram a ser percebidos pelo governo demandando políticas
públicas.
Em fevereiro de 2006, surge a Portaria nº 399/GM, que aborda as Diretrizes do
Pacto pela Saúde, contemplando o Pacto pela Vida, sendo a saúde do idoso uma
das seis prioridades pactuadas entre as três esferas governamentais(4). Aqui,
são apresentadas ações que visam à implementação de algumas das diretrizes da
Política Nacional de Atenção à Saúde do Idoso de 1994(5).
Entre essas, estão as que pretendem responder ao número insuficiente de
serviços de cuidado domiciliar ao idoso frágil. Sendo a família, via de regra,
a executora de cuidados, evidencia-se a necessidade de se estabelecer um
suporte qualificado e constante aos responsáveis por estes, tendo a atenção
básica por meio da Estratégia Saúde da Família um papel fundamental.
Em 19 de outubro de 2006, surge também a Política Nacional de Saúde da Pessoa
Idosa, que tem, dentre seus objetivos, identificar o nível de dependência do
idoso e acompanhar de forma diferenciada cada situação(6).
Apesar das demandas expostas acima, no Brasil, a temática do cuidador e seus
cuidados domiciliares a idosos vitimados por AVC é um tema ainda pouco
abordado, sendo seu conhecimento essencialmente internacional(7).
Esse trabalho tem como objetivo identificar a produção do conhecimento sobre
acidente vascular cerebral no idoso cuidado no domicílio. Pretende-se com esse
estudo, oferecer subsídios que direcionem o desenvolvimento de estudos na área
de assistência domiciliar.
METODOLOGIA
Pesquisa bibliográfica cujos dados foram coletados nas bases de dados Latin
American Literature in Health Sciences (LILACS) e Scientific Electronic Library
Online (SCIELO), dos países da América Latina e Caribe disponíveis (Argentina,
Colômbia, Cuba, Venezuela, Peru, Costa Rica, Uruguai, Chile e México), a partir
dos descritores: idoso, cuidado domiciliar e acidente cerebrovascular. As bases
foram acessadas em julho de 2007.
Foram considerados os trabalhos publicados a partir de 1997 até 2007, que
tivessem pelo menos dois dos descritores utilizados nas palavras-chave, ou no
resumo, já que muitos trabalhos diziam sobre o tema no resumo e no título, mas
não traziam a palavra como descritor. Assim, foram encontrados 64 referências
de artigos de revista, dissertações, teses e documentos. Do material
encontrado, foram descartados materiais sem data, bem como capítulos de livro.
A coleta dos dados foi feita com a leitura dos resumos e o preenchimento de um
formulário que continha as seguintes variáveis independentes: ano de
publicação, local de publicação, metodologia aplicada, área temática e veículo
de publicação.
Os dados foram organizados estatisticamente e apresentados em números e na
forma de quadros. A análise dos dados deu-se a partir de teóricos da literatura
pertinente.
RESULTADOS
O número de trabalhos encontrados, de acordo com os critérios descritos na
metodologia foram nove na base do SciELO Brasil, três na base do SciELO Cuba e
52 na base do LILACS. Na base de dados SciELO dos outros países da América
Latina e Caribe, não foram encontradas referências com os descritores
selecionados.
No Brasil, a maioria dos trabalhos está na Região Sudoeste, sendo que este país
supera os outros da América Latina e Caribe em relação à produção na área.
Quanto à metodologia, 17 trabalhos utilizaram a metodologia quantitativa, 42 a
qualitativa, dois a quanti-qualitativa e três trabalhos não tiveram a
metodologia registrada nos resumos.
Os temas foram agrupados de acordo com o foco da pesquisa identificado, sendo
que os estudos caracterizados como clínicos/epidemiológicos, se referem aqueles
relacionados a estudos epidemiológicos e/ou trazendo dados clínicos, de
qualquer natureza da patologia ou do atendimento. Os temas agrupados em
cuidador se referem aos que abordam aspectos das demandas deste, assim como seu
processo de formação. Aqueles agrupados em pessoa cuidada, dizem respeito à
pessoa que recebe o cuidado em relação às demandas psicológicas, sociais e
existenciais. Os agrupados em AD, se referem aos aspectos históricos,
políticos, econômicos e gerenciais e, finalmente, os agrupados em relação
família/profissional/pessoa cuidada, são atinentes aos aspectos envolvidos na
relação interpessoal.
Foram encontrados no total 19 trabalhos voltados para a pesquisa clínico-
epidemiológica, dos quais 14 da base LILACS, três da SciELO Brasil e dois da
SciELO Cuba; 21 trabalhos na temática cuidadores, com três da SciELO Brasil, um
da SciELO Cuba e 17 da LILACS. Sobre o tema pessoa cuidada, foram encontrados
08 trabalhos, com dois da SciELO Brasil e seis da LILACS. O tema relação
família/profissional/pessoa cuidada, apareceu em sete trabalhos, sendo todos da
base LILACS e, se referindo a violência doméstica, só foi encontrado um
trabalho nesta mesma base de dados.
Quanto o veículo de publicação, foram encontrados 55 trabalhos publicados em
revistas científicas, e nove trabalhos publicados sob a forma de dissertações,
teses ou documentos.
DISCUSSÃO
A expressiva quantidade de publicação no LILACS em relação ao SciELO se deve,
principalmente, pelo primeiro conter, além de artigos, resumos de teses,
dissertações, capítulos de livros e documentos, enquanto que o segundo possui
indexações apenas de revistas.
A produção do conhecimento na área no Brasil é expressivamente maior que nos
outros países da América Latina. Uma investigação sobre a pesquisa em
enfermagem na América Latina entre 2000 e 2006, demonstrou que o Brasil está em
primeiro lugar na produção científica, seguido por México, Chile, Argentina e
Perú(9).
Em relação ao ano de publicação do material, observa-se um aumento da produção
sobre o tema a partir da década de 1990, havendo, porém, uma maior produção no
final desta e a partir do Século XXI. Certamente, esse crescimento vem
acompanhando a acelerada mudança demográfica e os programas de proteção à saúde
do idoso no Brasil implantados, principalmente, a partir de 1994. Outros
estudos bibliográficos também mostraram essa tendência com aumento da produção
a partir de 2000(10-11).
No que se refere aos temas, observou-se um predomínio de trabalhos com
abordagens referentes à demanda do cuidador no seu cotidiano de cuidar do idoso
no domicílio.
Nesse sentido, a produção do conhecimento acompanha as prioridades sanitárias
atuais, onde questões relacionadas ao envelhecimento e ao papel do cuidador tem
merecido destaque.
Com a deficiência do sistema formal de apoio, muitas vezes pelo seu alto custo,
muitos países, dentre eles o Brasil, têm recomendado em seus programas, a
permanência do idoso incapacitado no domicílio sob o cuidado de familiares.
Contudo, nessa prática, geralmente os cuidadores recebem apoio apenas de outros
familiares, amigos e vizinhos, ou seja, do sistema informal, gerando grandes
necessidades para essa população.
As demandas das ciências da saúde na América Latina e Caribe derivam assim de
características fundamentais relacionadas à situação de saúde destes países,
com rápidas mudanças demográficas e epidemiológicas pelo envelhecimento da
população, aumento da urbanização e da violência, declínio da mortalidade e
fecundidade(12).
Dessa forma, no Brasil, temas emergentes como doenças crônicas não
transmissíveis, saúde do idoso e assistência domiciliar, passando a fazer parte
da agenda do governo, foram também inseridos como prioritários em linhas de
órgãos de fomento a pesquisa, Organização Mundial de Saúde e Organização Pan-
Americana de Saúde.
Esses temas têm sido também encontrados como foco de interesse de vários grupos
de pesquisa nacionais. Um trabalho sobre pesquisadores, temas e tendências nas
pesquisas sobre envelhecimento no Brasil, demonstra que, das linhas de pesquisa
relativas a esse tema, as mais encontradas se referem aos estudos das doenças
crônicas não transmissíveis, as que se referem aos aspectos da assistência
domiciliar, ficaram em quarto lugar e em oitavo aquelas atinentes à
epidemiologia(13).
Alguns temas ainda são pouco abordados como os referentes ao sentido ou ao bem
estar da pessoa a ser cuidada. Observam-se também poucos trabalhos relacionados
à violência doméstica e a assistência de enfermagem prestada nessa modalidade
de atendimento. Acredita-se que as lacunas existentes sobre esses temas,
ocorrem pelas grandes demandas atuais dos cuidadores que, se não atendidas,
irão refletir diretamente no bem estar do idoso.
Sobre a violência, autores colocam que estar dependente do cuidado de outras
pessoas, é um fator de risco, e que ela ocorre com uma frequência bem maior do
que imaginado em pessoas idosas, e em todas as classes sociais(14). Dessa
forma, acredita-se que ser a violência familiar um tema pouco investigado,
provavelmente pelas dificuldades de se entrar no âmbito destas questões a nível
domiciliar.
Quanto à abordagem metodológica, há um predomínio da abordagem qualitativa
sobre a quantitativa e a quanti-qualitativa. Sobre isso, é demonstrado que até
a década de 1990, estudos de abordagem clínica e epidemiológica ocuparam um
grande percentual nas pesquisas com seres humanos(13). Contudo, demandas
sociais, epistemológicas e filosóficas vêm mudando esse quadro. Entre estas, o
surgimento recente, no campo da saúde, de diversas propostas para sua
renovação/reconstrução, pautada na integralidade, humanização, promoção da
saúde e a busca da subjetividade e intersubjetividade humana(15).
Em relação ao local de publicação, observa-se no Brasil uma predominância dos
trabalhos na Região Sudeste com 41 publicações, em relação muito distinta das
demais regiões. Esse dado é compreensível pelo maior número de revistas
científicas, universidades e, consequentemente, maior concentração e fixação de
pesquisadores(as) na citada região. Além disso, é no eixo Rio-São Paulo que
encontra o maior número de grupos de pesquisa sobre envelhecimento humano,
destacando-se que 76 grupos estão nos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro, e
apenas 50 grupos no restante do País(13). Essa predominância, também foi
encontrada em um outro estudo bibliográfico sobre cuidadores de idosos(11).
Quanto ao veículo de publicação, há uma predominância por artigos de revistas
científicas, o que é algo favorável, pois difunde o conhecimento de forma
rápida, sendo mais acessível, principalmente, se tais periódicos forem
indexados em grandes bases de dados.
Contudo, mesmo com a colocação acima, observa-se que na América Latina e Caribe
ainda há uma grande distância entre a produção do conhecimento científico e a
sua disseminação e aplicação. O resultado disso é o isolamento da pesquisa na
comunidade científica, ficando este distante do resto da sociedade(12).
A produção e disseminação da pesquisa científica, são importantes para
enriquecer o conhecimento, auxiliando na melhoria das práticas de saúde e na
formulação e implementação de políticas públicas.
CONCLUSÕES
O trabalho teve como objetivo identificar a produção do conhecimento sobre
acidente vascular cerebral no idoso cuidado no domicílio. Observou-se que esse
conhecimento ainda está sendo solidificado no Brasil, e que aqui ele se iniciou
a partir da década de 1990.
Em relação aos outros países da América Latina e Caribe, a produção nesse
sentido ainda é pequena, apesar de estas nações possuírem demandas econômicas e
sociais parecidas com as do Brasil.
Entre os trabalhos verificados, houve uma predominância pelas temáticas
referentes aos estudos clínicos, epidemiológicos e estudos envolvendo o
cuidador, ficando temas importantes como àqueles relacionados à pessoa sujeita
dos cuidados e a violência domiciliar com poucas referências. Quanto à
metodologia, houve uma preferência pelas pesquisas qualitativas.
Cabe ressaltar que alguns trabalhos também importantes, apesar de poucos,
ficaram fora da presente coleta por não apresentarem, em seus descritores, as
palavras selecionadas.
Observa-se, assim, a necessidade de se divulgar melhor o conhecimento
científico e de se ampliar, posteriormente, o olhar dessa pesquisa para outros
bancos de dados internacionais, a fim de se ter à dimensão dessa temática em
âmbito mundial.