Vivência da amamentação por trabalhadoras de uma indústria têxtil do Estado do
Ceará, Brasil
INTRODUÇÃO
Há muito tempo a prática do aleitamento materno tem sofrido oscilações. No
mundo moderno, com tantas e diversas atividades nas quais a mulher tem se
inserido, a maternidade e a amamentação são experiências que passaram a ocupar
o segundo plano na vida da maioria das mulheres trabalhadoras. Ante a exigência
de profissionais cada vez mais qualificados e com maior disponibilidade de
tempo para dedicar-se às empresas, os planos relacionados à maternidade tornam-
se cada vez mais adiados, deixados para um futuro distante(1).
A amamentação exclusiva até os seis meses de idade é recomendada pelo
Ministério da Saúde (MS) enquanto a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT)
determina a licença-maternidade de 120 dias, ou seja, a mulher tem direito ao
afastamento do trabalho por quatro meses, a partir do 8º mês de gestação. A CLT
é uma norma legislativa submetida a alguns ajustes durante os últimos anos. Foi
instituída pelo Decreto-lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, e sancionada pelo
presidente da época, Getúlio Vargas, com o intuito de regulamentar as relações
individuais e coletivas de trabalho(2).
Contudo, a Lei nº 11.770, de 9 de setembro de 2008, amplia a licença-
maternidade para 180 dias(3), beneficiando as servidoras públicas federais e
trabalhadoras de empresas privadas mediante a concessão de incentivo fiscal,
como determinado pelo programa empresa cidadã. Embora a adesão da mulher ao
programa seja voluntária, para participar, a trabalhadora precisa requerer o
prolongamento da licença maternidade até o final do primeiro mês após o parto
(3). Essa lei apenas autoriza o prolongamento da licença, mas não obriga nem o
setor privado, nem o setor público a conceder esse benefício. Alguns estados e
municípios, no entanto, possuem uma legislação que contempla a ampliação da
licença para mais sessenta dias. Nesse caso, torna obrigatório esse benefício.
Em decorrência de algumas circunstâncias, a introdução precoce de leite
artificial e do uso de mamadeira é frequente entre as mulheres trabalhadoras.
Como estratégia de adaptação a esse momento da mãe, frequentemente de angústia,
quando do retorno ao trabalho e, mesmo antes da finalização da licença-
maternidade, é comum registrar esse tipo de orientação(4).
Graças à licença-maternidade, mulheres que trabalham fora de casa conseguem
iniciar a amamentação dos seus filhos recém-nascidos, mas o processo de
amamentação , geralmente, é interrompido quando elas retornam às atividades
profissionais. Certos estudos questionam as formas de apoio disponíveis para a
mulher trabalhadora manter a amamentação ao retornar ao trabalho, período em
que ocorre o desmame precoce(4-5).
Segundo aponta determinado estudo, mulheres que trabalham fora de casa e têm
acesso à licença-maternidade, isto é, são regidas pela CLT, conseguem amamentar
exclusivamente por um período maior, apesar de não atingirem o tempo de
aleitamento materno exclusivo (AME) recomendado pelo MS(6), que é de seis
meses.
É inegável o valor biológico, imunológico, nutricional e psicológico conferido
pelo leite materno ao recém-nascido e à mãe. Contudo, com vistas à amamentação
sem intercorrências para a mulher que trabalha fora de casa, é importante a
formação de uma rede de apoio, da qual façam parte familiares, local de
trabalho, comunidade e Estado. Logicamente, a decisão de amamentar está
relacionada às crenças da mulher, bem como às vivências anteriores inerentes ao
processo da amamentação. Todavia, o apoio institucional também tem forte
influência no êxito desse processo no caso das mulheres trabalhadoras(4-5,7).
Diante desse contexto, essa pesquisa teve como objetivo compreender a vivência
das funcionárias contratadas em uma indústria têxtil, após o retorno ao
trabalho, diante do processo de aleitamento materno ou desmame.
METODOLOGIA
Utilizou-se a abordagem qualitativa. Tratou-se de pesquisa realizada em uma
indústria têxtil da cidade de Fortaleza-CE, que possui quatro unidades
localizadas no Estado. Duas delas estão instaladas no município de Maracanaú
(região metropolitana de Fortaleza) e as outras duas na capital. Caracterizada
como de grande porte, a empresa possui 203 mulheres no quadro de funcionários.
Tem como atividade principal a fabricação de índigo, brim, fios, linhas e
malhas.
Os critérios de inclusão foram: tempo mínimo de seis meses na empresa, vínculo
empregatício durante a gestação e aceitar participar do estudo. Em vista do
intenso ritmo de trabalho das operárias e pela incompatibilidade de horários,
foi possível captar apenas seis mulheres, limitando o aprofundamento das
entrevistas com outras mulheres trabalhadoras. Das seis mulheres, uma foi
excluída da pesquisa, pois trabalhava há menos de seis meses na empresa.
Portanto, contou-se apenas com cinco operárias que atendiam aos critérios de
inclusão. Quanto à coleta de dados, ocorreu no mês de junho 2007, quando as
entrevistadas puderam narrar os seus momentos sobre a amamentação e o retorno
ao trabalho, oferecendo elementos suficientes para a análise de conteúdo.
A técnica de coleta de dados foi a entrevista com um roteiro de perguntas
abertas, contendo questões acerca da idade, estado civil, renda familiar e grau
de escolaridade. Além disso, foram solicitadas informações sobre o número de
filhos, idade do filho mais novo, bem como questões relacionadas ao início da
amamentação, duração, dificuldades e estratégias utilizadas para amamentar após
o retorno ao trabalho.
A coleta de dados foi realizada por uma enfermeira pesquisadora, a qual foi
convidada a participar da pesquisa. Todos os dados foram gravados e
posteriormente transcritos para avaliação.
Para a análise dos dados utilizou-se a análise de conteúdo de Bardin composta
de três fases: pré-análise, exploração do material e tratamento e interpretação
dos dados.
Na pré-análise os dados gravados foram transcritos. Após esse primeiro momento,
iniciou-se a exploração do material por meio de leitura exaustiva dessas
transcrições que foram posteriormente agrupadas em categorias. As categorias
elaboradas foram: Analisando o perfil das mulheres; Dificuldades encontradas
para amamentar com o retorno ao trabalho; e a assistência dos profissionais de
saúde em relação à amamentação.
O tratamento e a interpretação dos dados deram-se após a seleção dos
depoimentos, nos quais a análise qualitativa foi feita com base na literatura
relacionada à amamentação e trabalho.
Conforme exigido, este estudo foi submetido à avaliação e aprovado pelo Comitê
de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual do Ceará, processo nº 06497017-5,
em cumprimento à Resolução 196/96, do Conselho Nacional de Saúde. Como
determina esta resolução, as participantes não sofreram danos de nenhuma
natureza e as identidades foram respeitadas quanto à confidencialidade. Também
foi garantida a autonomia em participar da pesquisa, assim como o direito de
desistir a qualquer tempo do seu andamento. Com esta finalidade, para
preservar-lhes o anonimato, atribuiu-se a eles a letra E, seguida do número de
sequência na entrevista.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A partir dos relatos foi possível a apreensão de três categorias de análise:
Analisando o perfil das mulheres; Dificuldades encontradas para amamentar com o
retorno ao trabalho; e Assistência dos profissionais de saúde em relação à
amamentação.
Analisando o perfil das mulheres
Como mencionado, as trabalhadoras entrevistadas nesse estudo procediam, a maior
parte, do interior do Estado do Ceará. Encontra-vam-se empregadas há mais de
seis meses em uma indústria têxtil, onde atuavam na linha de produção. A
maioria tinha união estável e compartilhavam moradia com um grande número de
pessoas. A renda mensal familiar é baixa para a cobertura das despesas de
tantos dependentes. Observou-se ainda o número reduzido de filhos por mulher,
entre dois e três filhos, talvez em decorrência das políticas públicas de
planejamento familiar que possibilitaram a ampliação do acesso aos métodos
contraceptivos e, também, das dificuldades financeiras que a família brasileira
tem enfrentado para o investimento em educação, saúde e lazer dos filhos.
Com base no ora exposto, conforme é possível perceber, o grupo é composto por
mulheres de baixo poder aquisitivo e baixa escolaridade. São pessoas que
possuem renda familiar mensal entre R$ 350,00 e R$ 900,00 e dividem residência
com uma família numerosa. Esse panorama remete à discussão sobre a feminização
da pobreza que está atrelada à discriminação salarial, aos trabalhos em tempo
parcial ou temporário e à concentração das mulheres em ocupações para as quais
se exige pouca qualificação(8).
Comparativamente à casada, a mulher solteira está mais vulnerável às péssimas
condições de vida e aos mais baixos salários. Apesar da revolução do mercado de
trabalho na década de 1980, com a massiva inserção das mulheres e com a
conquista dos direitos como cidadãs, as mulheres continuam inseridas no
universo do subemprego, submetidas à baixa remuneração pela falta de
oportunidade em realizar treinamento profissional. Essa situação pode ser
consequência do compromisso da mulher solteira em garantir a subsistência de
seus filhos e família, tornando-se cada vez mais difícil o investimento em
cursos de capacitação. Para o empregador isto pode ser visto como falta de
empenho com o trabalho e a carreira(8).
De acordo com os dados, as trabalhadoras apresentam faixa etária entre 21 e 42
anos de idade. Encontram-se em idade fértil, na qual a probabilidade de se
ausentarem do serviço por conta da gestação ou lactação é maior. Por esse
motivo, os empregadores passam a contratar as mulheres para ocuparem funções
temporárias dentro das empresas por uma baixa remuneração, ou até evitam a
contratação dessas mulheres. Tal situação se reflete diretamente na redução da
taxa de participação da força de trabalho feminina(9).
Na afirmação de certos autores(9), o número de filhos influencia diretamente na
decisão da mulher em ingressar ou não no mercado de trabalho. Segundo eles,
mulheres que possuem filhos na faixa etária entre zero e 10 anos de idade têm
menor probabilidade de participarem da força de trabalho. Em contrapartida,
mulheres com filhos entre 11 e 17 anos de idade são mais ativas economicamente.
Essa afirmativa é verdadeira porquanto os filhos mais velhos não necessitam de
dedicação exclusiva como quando pequenos, pois nessa faixa etária já adquiriram
maior autonomia para desenvolverem diversas atividades, antes totalmente
dependentes da mãe. No entanto, deve-se levar em conta outros aspectos
dominantes na situação econômica dessas mulheres com filhos pequenos como, por
exemplo, a necessidade de ajudar o marido no sustento da casa, ou a necessidade
de sustentar a casa assumindo o posto de chefe da família.
Dificuldades encontradas para amamentar com o retorno ao trabalho
A amamentação foi uma prática presente, apesar de flutuações quanto ao período
recomendado pelo MS. Todas informaram ter tido a experiência em amamentar seus
bebês enquanto gozavam da licença maternidade. No entanto, afirmaram sentir
dificuldades em relação à continuidade da amamentação. Diante das dificuldades,
foram levadas a introduzirem precocemente fórmulas infantis.
Eu achava que tinha pouco leite pra ela. Ela sempre chorava demais e
aí eu dava o mingau e ela se calava.(E1)
Foi assim, eu dava de mamar pra ele, e ele chorava, chorava muito e
eu não sabia o que era. Aí quando eu fui ver ... não saia nem um
pingo de leite.(E4)
A menina mamou uns três a quatro meses. E eu já dava outro leite.
Antes dos quatro meses eu já tirei. Só o meu leite ela mamou dois
meses ou mais, dois meses e meio. Ela sempre queria mais, aí eu dei
outro leite.(E3)
Entre as mães, é comum falar em escassez de leite. Segundo aponta certo estudo
(10), as principais dificuldades verbalizadas pelas mães dizem respeito ao mito
de "leite fraco", sobretudo às questões relacionadas à impressão de pouco
leite. Outra pesquisa, realizada em 2007, mostrou que os fatores determinantes
para o desmame precoce incluíam: referência ao choro e à fome, insuficiência do
aleitamento materno, trabalho das mães fora de casa, intercorrências mamárias e
recusa do seio. Além disso, a cultura local apoia a relação entre o choro da
criança e a qualidade/quantidade do leite materno(11).
Aumentar a duração do AME constitui-se um desafio, em especial porque práticas
culturais enraizadas na população deverão ser enfrentadas, como o uso de
chupeta e chás. Estudo realizado em Botucatu (SP), com 380 mães mostrou que
38,0% das crianças menores de quatro meses estavam em AME e 85,0% em
aleitamento materno. Tomaram leite de vaca ou outros tipos de leite 33,4% das
crianças, enquanto 29,2% tomaram chás, e 22,4%, água, no dia anterior à
pesquisa. O consumo de fruta, suco de fruta, mingau, papa, sopa e comida de sal
foi menos frequente(12).
A prática do AME garante à criança imunidade contra várias infecções,
principalmente as infecções intestinais e respiratórias. Crianças menores de um
ano que não são amamentadas têm um risco quatorze vezes maior de morrer por
diarréia e quatro vezes mais chance de morrer por doenças respiratórias, quando
comparadas com crianças amamentadas. No primeiro ano de vida, as crianças
amamentadas apresentam menores índices de internações hospitalares por doenças
respiratórias e têm menor risco de desenvolverem outros tipos de infecções(13).
Das cinco mulheres, apenas uma obteve êxito em prosseguir com o aleitamento
materno exclusivo, prolongando a amamentação por quatro anos, como afirma no
relato a seguir:
A pequena mamou quatro anos e cinco meses, mas assim com outros
alimentos. Mas só mama mesmo foi um ano.(E2)
Apesar da atividade profissional, essa trabalhadora adotou estratégias
adquiridas com a experiência do filho anterior e conseguiu se organizar para
continuar amamentando, após retornar ao trabalho. O horário diurno, ou seja,
mais conveniente, de atividades laborais foi decisivo para a preservação da sua
integridade física, o que contribuiu para a organização dessas estratégias.
Eu trabalhava de seis às duas, aí chegava, tomava um banho e botava ela pra
pegar o peito. No começo ela tava assim, se afastando, porque eu passava 8
horas trabalhando, mas aí eu insisti.(E2)
Eu trabalhava de seis às duas. Eu dava durante a noite e dava à tarde
quando chegava. Ela não vinha pra cá não, porque a empresa num tem
creche. Mas aí a mais nova tinha uma vantagem: o meu peito direito
enchia e foi aumentando o leite, aí eu deixava o de mamar... para ela
tomar. Então, eu tirava e deixava na geladeira.(E2)
A amamentação é uma prática construída com base em valores e costumes de uma
sociedade e passível de ser alterada de acordo com o tempo e os novos
paradigmas do comportamento humano. Por conseguinte, não pode ser reduzida a um
ato instintivo. Nessa perspectiva, a mulher tem o direito de querer ou não
amamentar. Esse direito deve ser respeitado por todos. Qualquer que seja sua
decisão, seu papel como mãe estará perpetuado pela existência do filho.
A amamentação pode ser compreendida como uma relação e não uma ação. Destarte,
o sentimento de afetividade envolvido nessa relação não traduz os reais
sentimentos da mulher para com o filho(14).
Certos motivos induzem a mulher a persistir na amamentação, mas os principais
determinantes para a decisão em continuar ou não esse processo com o retorno ao
trabalho estão inseridos no desejo da mulher em amamentar, o qual é
influenciado pela representação dela própria sobre a amamentação(15), e por
suas experiências e vivências quanto ao ato de amamentar(16). Como se pode
notar nesse depoimento, a trabalhadora da empresa pesquisada amamentou
exclusivamente, mesmo após voltar ao trabalho.
É que quando eu tive a segunda... Além de eu tá mais amadurecida, foi
planejada...Então eu disse: eu vou aprender como eu vou fazer. Eu não
tive dificuldade em manter o aleitamento exclusivo porque eu fui
adquirindo experiência.(E2)
Um aspecto importante a ser discutido diz respeito à organização do trabalho
dessas mulheres. A vulnerabilidade das trabalhadoras ao desenvolvimento de
doenças decorrentes da organização do trabalho tem se tornado mais evidente e o
primeiro atendimento desses pacientes costuma acontecer na rede básica de
serviços de saúde. Dados mostram que os padrões de aleitamento materno
preconizados pelas organizações nacionais e internacionais não são atingidos no
Brasil, e que, também, se deve priorizar a assistência às mulheres socialmente
vulneráveis(17).
Segundo evidenciou-se, as mães que trabalhavam no período noturno demonstraram
maior distanciamento em relação aos cuidados do bebê nos primeiros meses.
Ademais, não conseguiram continuar amamentando em virtude do cansaço decorrente
da extensa carga de trabalho durante horário incompatível com suas atribuições
de mãe cuidadora. Referida carga, em alguns casos, pode contribuir, inclusive,
para o processo de adoecimento da mulher, diminuindo ainda mais sua disposição
para assumir os cuidados do seu filho com consequente interferência na sua
produtividade dentro da empresa.
Os depoimentos a seguir ilustram como a jornada de trabalho e o trabalho
noturno têm influência significativa no surgimento de doenças do trabalho,
assim como na capacidade da mulher de produzir leite e no estabelecimento do
vínculo entre mãe e filho.
Eu não tirava o leite porque nessa época eu trabalhava à noite e já
tinha começado a diminuir o leite... aí o sono pegava e eu já não
tinha tempo... inclusive eu até fiquei nervosa...seis anos
trabalhando à noite.(E3)
Você chega muito cansada, é muito puxado. Você... ficar cinco noites
acordada, pra ficar o dia inteiro acordada... você não aguenta. E eu
consegui trocar o horário porque eu adoeci dos braços.(E3)
...ela (filha) se desapegou de mim... Ela se apegou mais a minha mãe.
A minha mãe é como se fosse a mãe dela. Minha mãe que cuida dela
enquanto eu trabalho. Mas eu acredito que isso foi por causa do
horário. (E3)
O trabalho noturno está associado ao desenvolvimento de distúrbios do sono e
mentais, além de repercutir sobre a vida familiar e social das mulheres. Outro
agravante são as doenças osteomusculares nas mulheres. Diante disso, o
surgimento dessas doenças requer maior atenção, pois os equipamentos e
mobiliários utilizados pelas trabalhadoras são confeccionados para serem usados
prioritariamente pelo trabalhador do sexo masculino. Segundo se afirma, a
escassez de estudos ergonômicos baseados nas medidas antropométricas femininas
contribui para o crescente número de mulheres com doenças osteomusculares(18).
Assistência dos profissionais de saúde em relação à amamentação.
Nas entrevistas, conforme foi possível identificar, por meio dos depoimentos
das trabalhadoras, há uma grande lacuna na formação dos profissionais
responsáveis no tocante ao retorno ao trabalho na vigência da amamentação. Essa
iniciativa ficava sob a responsabilidade do cuidado delegado às vizinhas.
São, pois, escassas as estratégias como suporte e apoio à mulher para que esta
continue a amamentar. Como principais dificuldades para a continuidade da
amamentação estão as seguintes: a precariedade da assistência em amamentação
quando do retorno ao trabalho, a falta de orientações quanto às formas de
realização de ordenha, armazenamento do leite humano ordenhado e quanto ao uso
do copo, ao invés da mamadeira. Os depoimentos a seguir mostram a falta de
acompanhamento e de apoio dos profissionais de saúde quanto às questões
relativas à amamentação e trabalho.
Nenhum... Ninguém me ensinou a tirar o leite. Não tive nenhum
acompanhamento com relação a isso.(E3)
E deixar o meu leite pra eles, às vezes eu pensava, porque meus peito
enchia muito, mas aí eu não fazia nada...eu só ia pro banheiro...e
aliviava (risos).(E4)
Por sua qualificação, os profissionais de saúde que trabalham na área materno-
infantil podem lidar diretamente no andamento desse processo. Eles podem
propiciar apoio às mães e pais no período da amamentação e, para isso, é
fundamental reconhecerem a mulher como maior agente da amamentação, utilizando
como principal instrumento assistencial a comunicação humana(19).
Em qualquer tipo de situação a comunicação exerce papel decisivo. Estudo
realizado nos Estados Unidos(20), com 429 mulheres, mostrou que mais da metade
referiu-se à falta de diálogo com os médicos sobre maneiras específicas que as
ajudassem a continuar amamentando após o retorno ao trabalho.
Enfim, percebe-se a necessidade de reorientação das práticas de educação em
saúde com vistas a contemplar os diversos aspectos que influenciam a decisão de
amamentar. Estudo realizado em Fortaleza, com 31 gestantes, mostrou melhoria no
conhecimento acerca das vantagens da amamentação, após estratégia de
conscientização. Dessa forma, é preciso provocar mudanças no modelo
assistencial vigente, o qual é pautado em uma abordagem arcaica, focada nos
aspectos biológicos da amamentação(21).
Na próxima fala, a mulher denuncia a precariedade da assistência no tocante às
indicações do aleitamento materno. Como mostra o depoimento, ainda há
despreparo dos profissionais quanto às orientações sobre amamentação e a
prescrição indiscriminada de substitutos do leite humano.
Foi assim: eu dava de mamar pra ele, e ele chorava, chorava muito e
eu não sabia o que era. Aí quando eu fui ver não saía nem um pingo de
leite, e eu tomava antibiótico... eu fui pro médico e ele disse que
não tinha nada não, que ele já sabia que o meu leite ia secar porque
eu tomava muito antibiótico. Porque dos dois eu tive problema, sabe,
eu tive que tomar. Mas se fosse por mim eu tinha dado de mamar pra
eles até grandão.(E4)
Mesmo sendo a assistência em amamentação uma característica muito forte
atribuída às atividades de enfermagem, ainda existem lacunas na formação desse
profissional. Geralmente as mulheres se sentem muito desamparadas e solitárias
no período da amamentação. A falta de apoio no serviço de saúde para atender
aos anseios e medos individuais de cada mulher simboliza a necessidade de
reconstruir a forma de assistir às mulheres que vivenciam essa fase da vida
(24).
Estudo realizado no Ceará sobre a assistência de enfermagem às mulheres no
período puerperal revelou a insatisfação da clientela atendida no alojamento
conjunto durante a hospitalização. O setor foi caracterizado pelas puérperas
como um local de abandono, onde não se sentiam apoiadas para enfrentar as
mudanças comuns do período do puerpério, sobretudo no referente às dúvidas,
inseguranças e obstáculos relacionados à maternidade e à amamentação(25).
Assim, os serviços de saúde e os profissionais que atuam na área materno-
infantil, principalmente os enfermeiros, precisam estar abertos a aceitar um
novo modelo de assistência em amamentação, voltado para o acompanhamento, para
a ajuda prática, valorizando as queixas, as dúvidas e fortalecendo a
autoconfiança da mulher. Desse modo, a responsabilidade em assumir o papel de
mãe poderá acontecer de forma tranquila e segura(26).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As vivências das práticas de aleitamento materno desvendadas no presente estudo
corroboram pesquisas recentes, revelando dificuldades de conciliação entre a
amamentação e o trabalho feminino. Esses empecilhos resultam tanto dos mitos
sobre o leite materno, quanto da cultura, da falta de assistência à saúde ou da
forma inadequada de se fazer a educação em saúde. Esta, quase sempre, é
centrada nos aspectos biológicos da amamentação, culminando na relação negativa
entre trabalho e amamentação. As condições de trabalho deficientes a que essas
mulheres estão expostas também são fatores determinantes na continuidade ou
interrupção da amamentação.
Os profissionais de saúde continuam apresentando uma formação baseada
fortemente nos ideais do movimento higienista de controle da população, os
quais não atendem às queixas levantadas pelas mulheres diante das dificuldades
surgidas com a amamentação. Embora a criança seja o principal beneficiário do
aleitamento materno, a mulher é o principal sujeito da amamentação. É ela que
precisa ser ouvida e compreendida dentro do seu contexto individual e cultural
para que estratégias de apoio sejam elaboradas e a amamentação se estabeleça.
O dimensionamento de pessoal deve ser feito de modo que as mulheres em processo
de amamentação tenham prioridade de escolha. Isto já seria um estímulo e um
suporte para que as mulheres organizassem melhor sua vida pessoal, vivenciando
a maternidade, a amamentação e a vida profissional.
Uma estratégia utilizada pela empresa poderia beneficiá-la e às trabalhadoras,
pois lhe permitiria reduzir as taxas de impostos. Trata-se de promover o
aleitamento materno, quando do retorno ao trabalho, mediante parcerias com
serviços de saúde particulares, ou mesmo com serviços públicos de saúde. Seriam
implementados programas de acompanhamento à mulher trabalhadora, seu filho e
família no período pós-parto, com foco de assistência voltado para as
intercorrências da amamentação.
A pesquisa abordou apenas questões subjetivas vivenciadas pelas trabalhadoras
quanto à amamentação e ao trabalho, mostrando que existem dificuldades para a
conciliação das duas atividades, mesmo quando a mulher conta com a licença-
maternidade de 120 dias. Sugere-se a realização de mais pesquisas na área de
saúde do trabalhador com o intuito de desenvolver estratégias de apoio para que
as trabalhadoras consigam manter o aleitamento materno exclusivo durante os
seis primeiros meses de vida da criança. Também é importante avaliar os
impactos que a ampliação da licença - maternidade para 180 dias podem causar na
vida profissional das mulheres.