Desempenho das atividades de vida de prostitutas segundo o Modelo de Enfermagem
de Roper, Logan e Tierney
INTRODUÇÃO
A prostituição é identificada no Brasil desde o Século XIX. A cada ano o número
de prostitutas aumenta significativamente, e a cidade de Fortaleza situa-se
entre os quatro centros do tráfico de mulheres, perdendo apenas para São Paulo,
Rio de Janeiro e Goiânia. No Ceará existem 3.200 mulheres sócias da Associação
de Prostitutas do Ceará (APROCE)(1). Contudo, muitas prostitutas exercem sua
prática camufladas com receio de serem descobertas, principalmente quando se
trata de prostituição nos níveis socioeconômicos mais altos.
Existem fatores determinantes da prostituição, sobretudo socio-econômicos e
psicológicos. Entre eles incluem-se a migração para centros urbanos, a falta de
emprego, condições de vida subumanas, a baixa escolaridade e a falta de
perspectiva, enquanto as carências afetivas, os traumas e a falta de apoio
familiar são aspectos psicológicos influenciantes na inserção ao comércio
sexual(2).
É complexo compreender a prostituição. A compreensão da prostituição está
atrelada às amarras sociais, políticas e morais, estreitamente explicadas pela
necessidade econômica e sobrevivência pessoal. Essa concepção permite uma
tolerância social, culpabilizando o sistema e eximindo as prostitutas. Assim,
pode-se ainda esperar uma redenção da prostituta quando a situação econômica
melhorar. Até mesmo as prostitutas incorporam essa justificativa na tentativa
de amenizar o estigma sofrido. Na verdade, a compreensão envolve uma gama de
aspectos sociais, econômicos, culturais e pessoais, não excludentes entre si
(3).
No Brasil ainda é difícil precisar as necessidades dos profissionais do sexo,
uma vez que os pesquisadores em saúde e a própria saúde pública têm dispensado
pouca atenção aos problemas inerentes a esse público, em parte devido ao
estigma(4). Tal fato gera dificuldades na proposta de estratégias de educação
em saúde, de modo que são poucos os estudos existentes acerca da prostituição e
sua relação com concepções de saúde-doença, comportamentos preventivos para
infecções e utilização dos serviços de saúde. Ademais, aspectos de vida e saúde
das prostitutas são desconhecidos, em decorrência da carência de estudos
específicos nesta área(5).
Ao estudar o comportamento sexual de prostitutas, e principalmente no contato
mantido durante a coleta dos dados, alguns relatos evidenciaram a necessidade
de intervenções relacionadas aos mais diversos aspectos da saúde. Conforme
percebemos, essas mulheres sentiam dificuldades na manutenção da qualidade de
vida e adotavam atitudes prejudiciais à saúde. Na tentativa de descobrir as
principais necessidades dessa população, como forma de contribuir para a
atuação profissional junto a essa clientela, e ante a complexidade das questões
inerentes ao ser humano, decidimos trabalhar um referencial teórico que
abrangesse as necessidades humanas. Optamos, então, pelo Modelo de Atividades
de Vida desenvolvido por Roper, Logan e Tierney(6), utilizado durante o curso
de graduação em enfermagem da Universidade Federal do Ceará (UFC).
O Modelo de Atividades de Vida é amplo e flexível para ser usado como um
enquadramento do processo de enfermagem em qualquer área da prática
profissional. É simples, e permite uma fácil compre-ensão; é relevante e
aplicável à prática da enfermagem(6).
Diante da realidade exposta, bem como das contribuições dos modelos de
Enfermagem e sua aplicabilidade prática, realizamos este estudo com o objetivo
de compreender quais as principais necessidades presentes nas atividades de
vida de prostitutas atuantes em Fortaleza, CE.
MÉTODOS
Trato-se de uma pesquisa de abordagem qualitativa, fundamentada no Modelo de
Atividade de Vida de Roper, Logan e Tierney(6). O estudo qualitativo permite
enfocar as diferentes experiên-cias vividas, resultado das relações e
significados do contexto dos cenários naturais(7).
O Modelo de Atividade de Vida proposto por Roper, Logan e Tierney busca
identificar as principais características do viver, seu significado e as inter-
relações entre os componentes do modelo. Está focalizado em um conjunto de doze
atividades de vida, a saber: 1. Manter um ambiente seguro; 2. Comunicar; 3.
Respirar; 4. Comer e beber; 5. Eliminar; 6. Higiene pessoal e vestir-se; 7.
Controlar a temperatura corporal; 8. Mobilizar-se; 9. Trabalhar e distrair-se;
10. Exprimir sexualidade; 11. Dormir; 12. Morrer. Os fatores que influenciam o
desempenho das atividades de vida (físicos, psicológicos, socioculturais,
ambientais e político-econômicos) exercem uma participação direta, de acordo
com as etapas de vida, para a obtenção dos dados que levarão a identificar o
grau de dependência/independência do cliente(6).
No presente estudo, o grau de dependência/independência não foi verificado,
tendo em vista as diferenças de mensuração do grau de dependência expostas na
literatura. Assim, optamos por descrever as necessidades identificadas nas
atividades de vida conforme seus fatores influentes.
Anteriormente à fase das entrevistas, estudantes de Enfermagem da UFC
juntamente com educadoras sociais da APROCE realizaram uma campanha de
sensibilização à Prevenção do Câncer de Colo do Uterino nas principais zonas de
prostituição dos bairros Serviluz, Centro e Barra do Ceará, situados em
Fortaleza-Ce. Os promotores da campanha realizaram a marcação do exame
preventivo no Centro de Parto Natural Lígia Barros Costa CPN/UFC para as
mulheres desejosas. Este serviço consiste em uma unidade de atenção primária à
saúde o qual oferece atendimento específico de enfermagem no acompanhamento
pré-natal e prevenção do câncer de colo uterino.
Tal atividade resultou na realização do exame preventivo de 42 mulheres no CPN
no mês de junho de 2007. Ressalta-se que o instrumento utilizado na consulta de
Enfermagem em Ginecologia foi estruturado de acordo com o Modelo de Atividade
de Vida(8). A partir dos dados obtidos nas consultas selecionamos
intencionalmente algumas mulheres que apresentaram atividades de vida
alteradas. Estabelecemos contato prévio com as participantes por telefone e
iniciamos a segunda fase da coleta, mediante uso da entrevista baseada em um
roteiro semi-estruturado, valendo-nos de um instrumento com perguntas
norteadoras acerca das atividades de vida que estavam alteradas, além de
adotarmos a observação livre em cada entrevista e local, registrada em um
diário de campo. O cenário de realização das entrevistas foi a Praça José de
Alencar no centro de Fortaleza em setembro de 2007. Agendamos com seis mulheres
prostitutas no período vespertino em seus próprios locais de trabalho.
Para análise do conteúdo constante nas falas das participantes utilizamos
estruturas categóricas já prontas, relacionadas às doze atividades de vida, e
agrupamos as falas de acordo com estas. Ao explicar os fenômenos sociais, a
pesquisa qualitativa faz uso de categorias para análise. Tais categorias
geralmente emergem dos dados obtidos ou são formuladas antes da coleta, como
forma de abordar os dados(9). Ressalta-se que não foram obtidos relatos acerca
das atividades de vida Eliminar e Controlar a temperatura corporal, 5ª e 7ª
respectivamente.
As informações fornecidas durante as entrevistas qualitativas foram codificadas
pela letra E, seguida do número correspondente à ordem de entrevista,
garantindo assim o anonimato das participantes. Procedemos à leitura do
material escrito durante as entrevistas e os remetemos às categorias
previamente propostas pelo modelo utilizado.
Como exigido, o projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em
Pesquisa (CEP) da UFC, sob protocolo número 61/07, consoante os aspectos éticos
e legais constantes na Resolução n.º196/96 do Conselho Nacional de Saúde(10).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Nas seções a seguir, detalhamos o desempenho das atividades de vida pelas
prostitutas a partir de dados qualitativos obtidos durante os encontros nas
zonas de prostituição. Para cada atividade de vida percebemos as principais
alterações relatadas, como também observamos no seu contexto cotidiano as
dificuldades enfrentadas e sua relação com suas condições de vida e saúde.
Atividade de vida - Manter um ambiente seguro
Reconhecemos como condição para um ambiente seguro a não violência no lar e no
ambiente de trabalho, aspectos de saneamento básico, abastecimento de água e
acesso a preservativos no domicílio, pois esta atividade de vida inclui fatores
relacionados a infecções.
As dificuldades de saneamento podem ser evidenciadas nas seguintes falas:
Eu moro em um circo abandonado. Lá não tem luz, é cheio de rato de
noite e a água que a gente bebe é de um poço lá perto (E4).
A gente acaba tendo que jogar as fezes na rua. Mas água em casa tem,
da torneira e tudo.(E5)
Independente da profissão, as condições de saúde se refletem diretamente na
manutenção de outras atividades de vida. No caso das prostitutas, as péssimas
condições de moradia podem interferir na adequada manutenção de outras
atividades de vida, como higiene pessoal e vestir-se ou comer e beber,
interferindo na promoção da saúde dessas mulheres.
No concernente à manutenção do ambiente seguro nas atividades de trabalho, a
disponibilidade de preservativos em casa representa um fator contribuinte na
segurança do ambiente da prostituta, pois muitas vezes a relação sexual ocorre
no domicílio. O preço do preservativo foi considerado um fator importante na
sua aquisição.
Sobre essa questão, ouvimos os seguintes relatos:
Ah, eu ando com minha camisinha na bolsa. Se não tiver eu compro,
compro no motel, se elas não me derem (associação), mas eu sempre
tenho. Era pra ser de graça, né, aquelas do posto, mas vem é muita
gente vender por aqui.(E2)
Lá em casa tem é um pote cheio de camisinha. A gente sempre pega com
as meninas (associação) ou compra.(E5)
Constantemente nas falas menciona-se a associação como fornecedora dos
preservativos. Essa é uma das atividades desenvolvidas pelas educadoras
sociais, prostitutas e ex-prostitutas que vão às zonas de prostituição promover
atividade de educação em saúde com as mulheres.
O Programa Nacional de DST/Aids distribuiu, em 2003, 256,7 milhões de
preservativos masculinos e 2,5 milhões de preservativos femininos. Essa
distribuição alcançou populações vulneráveis como usuários de drogas e
prostitutas(11).
Em pesquisa nacional com prostitutas, o número de mulheres que já conhece ou
ouviu falar do preservativo feminino, chegando a 40% nos grupos sob
acompanhamento freqüente de ONGs ou associações(12). Além disso, existe a
proposta de distribuição dos preservativos femininos para as prostitutas a fim
de proporcionar maior autonomia principalmente com clientes mais resistentes
(13).
Assim, percebemos que existe uma garantia de acesso ao preservativo nesse
grupo, porém, essa facilidade não garante o uso, uma vez que é necessário o
poder de argumentação e negociação do uso com seus parceiros. Ademais,
ressaltamos as atividades de educação em saúde como uma estratégia de alcance
da diminuição dos fatores de risco para a saúde sexual e reprodutiva dessa
clientela, com estímulo à utilização do condom em todas as relações e sem
distinção de parceiros. A seguir, reportamo-nos aos fatores relativos à
suscetibilidade à violência em domicílio de prostitutas.
A violência do domicílio também foi relatada. As conseqüências da violência no
domicílio para a mulher podem ser inúmeras, a exemplo do exposto nas seguintes
falas:
Eu apanhava que só do homem que eu vivia. Ele me batia e teve uma vez
que me estuprou. Até hoje tenho trauma do sexo anal. Tudo por causa
dele. Mas um dia eu me vinguei, eu cortei ele. Hoje eu tenho só
desprezo por ele, não sinto mais nada, nem raiva, só desprezo. (E2)
Meu ex-namorado me pegou à força, me bateu e transou comigo. Foi
horrível. Ainda hoje penso muito em tudo que aconteceu. Penso demais.
(E6)
Fui estuprada pelo meu pai quando tinha 12 anos. Hoje eu nem penso
nisso, tô nem aí, não sinto medo de nada mesmo.(E3)
A violência sexual por companheiros e parentes esteve presente. Conforme o
país, entre 10 e 69% das mulheres do mundo vivenciaram em algum período da vida
violência física por homens que foram ou ainda são seus parceiros sexuais.
Metade das mulheres que morre por homicídio são vitimadas por seus companheiros
passados ou atuais(14).
A mulher apresentar a condição de ser prostituta não foi considerado um
agravante ou fator de risco a mais para esse grupo na questão da violência,
pois essa é uma condição inerente ao sexo feminino. Entretanto, a violência
parece ser um fator contribuinte para a inserção dessas mulheres na
prostituição, principalmente quando vítimas de violência sexual.
O lar deveria representar um ambiente de segurança para as pessoas. Mesmo
assim, no caso das prostitutas entrevistadas, este foi palco dos diversos tipos
de violência. Em um dos relatos, a violência sexual foi praticada pelo próprio
pai, em forma de estupro. De acordo com o Código Penal Brasileiro(15), Art.
213, o estupro pode ser definido como o ato de "constranger mulher à conjunção
carnal, mediante violência ou grave ameaça".
Atividade de vida - Comunicar
Abordaremos nessa atividade de vida a comunicação no lar e a relação
estabelecida no ambiente de trabalho com as outras prostitutas.
Ao analisarmos as falas das participantes, percebemos como principais
dificuldades enfrentadas nos processos de comunicação as seguintes:
Tive problemas com as meninas do outro bar. Decidi sair de vez, muita
fofoca. Não tem nenhuma pessoa que eu confio. Agora que eu saí de lá,
que acabou a fofoca, tá tudo bem. (E1)
Meus filhos não me ajudam em nada. Tem uma que mora comigo que nem a
conta do telefona paga. Eu passo o dia fora e ela o dia ligando.(E2)
Mas ele (companheiro) fica me pressionando pra deixar o trabalho e eu
não posso. Ele aceita, só que ele diz que vai se cansar de tanto
esperar eu deixar o trabalho. Eu não vou deixar, já disse pra ele.
(E2)
Tá com seis anos que vim pra Fortaleza. Eu acho que minha família tá
lá ainda, não tenho mais contato com ninguém. Vim pra cá porque lá
não tinha mais ninguém.(E5)
Meus filhos todos sabem. Comigo não tem isso não, negócio de vir
dizer as coisas. Na hora que precisam vem tudo pedir dinheiro a mim.
(E6)
Observamos uma comunicação superficial intradomiciliar, o que pode acarretar
prejuízos à convivência no ambiente domiciliar. Essa comunicação superficial
pode ser fruto da rejeição dos familiares à profissão exercida pela mulher.
Muitas prostitutas possuem um parceiro fixo, que conhece sua profissão e até a
aceita, mas recusam detalhes do dia de trabalho. Para a maioria das
prostitutas, as amigas são as pessoas mais presentes, além de confiáveis e
dispostas a ouvi-las; representam a família que pode estar ausente(16).
Ao associarmos a comunicação intradomiciliar na prostituição nos referimos a
uma série de valores que estão implícitos na atuação profissional devido ao
estigma sobre essa prática. Há um grande receio das prostitutas de serem
descobertas pelos familiares, particularmente os filhos, o que ocasionaria
vergonha e dor e influencia no estabelecimento de relações de confiança(5).
No ambiente de trabalho das prostitutas a comunicação se dá de várias formas, e
a comunicação não-verbal é expressa por meio de gestos, olhares insinuantes e
dos próprios adereços utilizados no ambiente de trabalho, que instigam e atraem
os olhares ávidos e curiosos dos clientes. Além disso, a demarcação do espaço
de cada mulher em seu ambiente e dos clientes conquistados influencia a
natureza da comunicação no espaço laboral.
Nesse caso, os prováveis problemas surgidos estão relacionados à demarcação da
área de atuação, com prostitutas de outras zonas que desejam se instalar no
local já ocupado, mas, em geral, a convivência permite até conversarem sobre
assuntos pessoais e temas do cotidiano.
Atividade de vida - Respirar
Abordamos nessa atividade de vida o tabagismo como o principal fator de risco
que permeia o estilo de vida das prostitutas. Nas falas a seguir, podemos
identificar os relatos de consumo excessivo, dependência e agravos decorrentes
do cigarro:
Parei de fumar por um ano, mas voltei. Mas só fumo quando bebo. Se eu
passar a noite bebendo, eu passo a noite fumando.(E1)
Já tentei deixar o cigarro, mas não consigo por causa da ansiedade,
sou muito ansiosa. Esse trabalho aqui faz a gente ficar ansiosa,
quando não tá ganhando dinheiro aí a vontade de fumar aumenta.(E2)
Eu mesma comecei a fumar com oito anos...a gente tenta deixar mas não
consegue.(E3)
Como mostram as falas, parar de fumar exige dos usuários conscientização e
decisão. As ações dirigidas ao controle do tabagismo devem enfocar não só o
indivíduo, mas também fatores sociais, políticos e econômicos.
Atividade de vida - Comer e beber
Talvez como uma forma de enfrentar o cotidiano ou mesmo na tentativa de
esquecer as dificuldades vivenciadas, é muito comum a associação entre bebidas
alcoólicas e prostituição, bem como o consumo de outras drogas ilícitas.
Nas falas a seguir, são mencionadas a ingestão de bebidas alcoólicas e suas
consequências.
Bebo muita água e muita bebida também. Não chego a ficar bêbada não,
só alegre.(E1)
Eu bebo só de vez em quando... e a maconha eu só fumo de noite, de
dia não...(E4)
Autores ao realizarem um estudo em Ribeirão Preto com 449 prostitutas,
observaram que metade delas referiu antecedente de consumo de drogas ilícitas
não-injetáveis, englobando maconha, cocaína e crack(4).
O uso exagerado das bebidas alcoólicas pode acarretar problemas na manutenção
do ambiente seguro, uma vez que pode acarretar violência ou mesmo desuso do
preservativo
Conforme relatado em uma das falas, alguns consumistas do álcool acreditam
manter o controle da ingestão, bem como dos atos, mesmo quando estão sob efeito
do álcool. No caso de prostitutas, há uma preocupação quanto a flexibilidade do
uso do preservativo nos programas, o que pode interferir na adequada saúde
sexual. O aumento nos índices de consumo mostra sua inserção em ambientes
sociais, econômicos e familiares, a despeito dos malefícios comprovados com o
uso constante da substância, muitas vezes associada à superação de sentimentos
negativos(17).
Os determinantes na adequação da alimentação foram percebidos nas falas
seguintes:
O dinheiro dá pra comprar comida. Diminuiu um pouco, mas a gente tem
muita coisa pra gastar, né? Batalha longe, aí a gente gasta mais.(E1)
Ah, pois eu como é muita verdura e fruta também...cuido que só da
minha alimentação.(E3)
A gente passa o dia na rua, aí acaba comendo no bar. E a dificuldade
é grande, né...às vezes falta até o que comer.(E5)
Consoante o relatado, podemos inferir que na prostituição a dificuldade de
manter uma boa alimentação pode estar associada não só às dificuldades
financeiras, mas à aceitação da comida disponível nos ambientes de trabalho,
como a rua ou as casas fechadas, que não oferecem uma alimentação considerada
saudável. Poucas participantes mencionaram a manutenção de cuidados com a
alimentação. A alimentação saudável inclui atributos como acessibilidade física
e financeira, sabor, variedade, cor, harmonia e segurança sanitária(18).
Atividade de vida - Higiene pessoal e vestir-se
Consideramos importante abordar na higiene pessoal de mulheres prostitutas a
quantidade de banhos diários, pois elas se relacionam com diversos parceiros
sexuais no decorrer de um dia. Em relação à prática da higiene, ouvimos os
seguintes relatos:
É uns nove banhos que tomo, porque a gente tem que lavar. Cada vez
que a gente vai ficar com um homem a gente tem que se alimpar, se
assear, eu me asseio com asseptol, antes e depois. Por isso é que
eles gostam de mim, eles não sentem aquele cheiro de nada. Eles
dizem: você, dessa idade, tão cheirosa. Tem homem que gosta de dizer
que eu tô muito limpa. Ando com meu asseptol, ando com minhas
camisinhas. Eles dizem que sou uma mulher preparada, asseada. E dizem
que não têm medo de andar comigo, que sou limpa.(E2)
Ah, a gente toma banho nos motel que a gente vai. Lá tem tudo, tem
sabonete, aí sempre que tem programa tem que tomar um banho, né? Aí a
gente volta aqui pra praça e espera outro homem aparecer. É sempre
assim, mas depende muito do movimento, fim de mês é muito ruim.(E3)
Percebemos a preocupação quanto a sua higienização. A prostituição é uma
atividade que exige adequada higiene corporal, pois o corpo é seu instrumento
de trabalho e, como tal, deve ser um atrativo para os clientes. Além disso, uma
adequada manutenção da higiene íntima após o coito poderá minimizar os riscos
de aquisição de infecções.
A deterioração da auto-imagem e da auto-estima das prostitutas pode ser fruto
do estigma social vivenciado, mas influenciado pela necessidade de cumprimento
de vários programas. Isto gera pressa ao realizá-los e soma-se às precárias
condições de higiene de alguns hotéis onde a prática comercial é concretizada
(3).
Atividade de vida - Mobilizar-se
Nessa atividade abordamos a existência de dificuldades no padrão de mobilidade.
Quando indagadas acerca de dificuldades ou limitações no aparelho locomotor,
foram mencionadas as seguintes falas:
Estou trabalhando doente. Levei uma queda e tô com a perna doendo,
mas mesmo assim tô aqui. Preciso, né?(E2)
Aí eu sinto muita dor na perna. Acho que é das varizes que eu tenho,
tem dias que dói tanto...É que a gente passa o dia aqui, né?(E3)
As falas estavam relacionadas às alterações temporárias que dificultavam a
mobilidade dessas mulheres, porém nem sempre estão associadas à prostituição. A
dor, relatada na segunda fala, pode ser resultado da espera prolongada pelos
clientes que, no caso da prostituição de rua, exige a permanência em pé por
todo o dia ou caminhadas frequentes à procura dos clientes. A atividade da
prostituição causa um desgaste corporal na mulher, principalmente no aparelho
locomotor, como dores em membros inferiores, alterações colunares e
complicações biológicas, em virtude de passar longos períodos em pé(16).
tividade de vida - Trabalhar e distrair-se
Muitos aspectos permeiam essa atividade de vida no ambiente da prostituição.
Esse trabalho pode trazer inúmeros e distintos agravos iminentes às
prostitutas, visto que lidam com pessoas desconhecidas de todo tipo. A
violência em ambiente laboral e os riscos ambientais já foram abordados. Nesta
atividade de vida, enfatizamos o comportamento sexual com o cliente, por ser o
foco do trabalho dessas mulheres. Embora muitas vezes esquecido, o lazer também
é relevante para a manutenção da qualidade de vida das prostitutas.
A prática laboral das prostitutas constitui um fator importante na exposição às
situações de risco para DST. A maior vulnerabilidade envolve o preço e a
quantidade de programas, a autonomia de negociação direta com o cliente e o
acesso a preservativos. No processo de trabalho de prostitutas podem ser
identificados os seguintes itens: necessidade de sobrevivência e satisfação do
cliente (necessidade); desejo sexual do cliente (objeto de trabalho); uso de
posturas corporais e do próprio corpo, além de certos acessórios como vaselina,
preservativos (meios); cliente e prostituta (força de trabalho); e prazer,
satisfação do cliente (produto final)(16).
O álcool e suas conseqüências foram observados em uma das falas obtidas:
Quando bebo, tem vezes que não uso camisinha, uso de vez em quando.
Se tiver alguma coisa, aí eu uso. Eu bebo muito porque a gente
trabalha num bar e tem que dar lucro pra casa, né?(E1)
As prostitutas que trabalham em casas fechadas geralmente têm responsabilidade
no consumo de bebidas alcoólicas dos clientes, gerando lucros. Como parte da
renda dos bares advém da venda de bebidas alcoólicas, também é função da
prostituta induzir ao maior consumo(4).
Ao ser indagada acerca do uso do preservativo sob efeito do álcool, a
entrevistada relatou maior flexibilidade no emprego desta medida preventiva.
Não é por acaso que alguns projetos objetivam incentivar a redução da ingestão
alcoólica, pois reconhecem que sob o efeito da bebida há uma diminuição na
capacidade de negociação da camisinha(19).
Atualmente, as prostitutas estão percebendo mais o risco do álcool como
facilitador para a transmissão de DST. A esse respeito, autores afirmam que as
próprias prostitutas conhecem o risco ao evitar o consumo exagerado de álcool
para não perder o controle das práticas preventivas(20).
No referente às concepções do uso do preservativo nos programas emergiram as
seguintes falas:
Mesmo sendo de muito tempo uso camisinha. E programa sem camisinha
não dá pra gente ir, não. (E2)
Eu uso camisinha sim, com os clientes novos, com os homens que eu não
conheço. Os que vêm sempre a gente não usa não...(E5)
Existe, também, o cliente fixo, ou seja, aquele exclusivo e/ou regular, que
pode manter vínculos de amizade ou até evoluir para o envolvimento afetivo. Com
esses, muitas vezes, o uso consistente deixa de existir, em face do caráter de
fidelidade e estabilidade à relação concebida. Na maioria dos casos apesar das
prostitutas conhecerem a vantagem do preservativo, este é excluído com os
clientes com quem estabelecem relações estreitas(5).
Quanto ao envolvimento afetivo, alguns relacionamentos são estabelecidos no
ambiente de trabalho. Quando a relação toma essa característica, ou mesmo
assume características de amizade, as pessoas passam a utilizar os critérios
adotados com os namorados ou parceiros fixos quanto ao uso do preservativo(12).
Outros autores corroboram com esta afirmação, pois obtiveram relatos de
mulheres que disseram não utilizar preservativo com os amigos, clientes fiéis,
mas observam o pênis antes da relação em busca de algum tipo de DST(5).
De qualquer modo, a utilização do preservativo é uma prática condicionante para
a realização do programa; porém, quando há envolvimento de sentimentos, elas
não admitem o risco(20). Apesar do maior uso do preservativo com clientes, a
negociação pode ser, por vezes, flexibilizada em virtude da concorrência de
outras prostitutas. Então, entram em debate preço, práticas sexuais oferecidas
e proteção(21-22).
As atividades de descontração e lazer são necessárias para a manutenção da
saúde mental, pois amenizam os fatores estressantes do cotidiano. Em uma das
falas destacamos a relação do trabalho com o próprio lazer, em virtude da
associação da prostituição a uma prática prazerosa.
Eu gosto do meu trabalho, eu gosto de me vestir, me arrumar...Eu
ficando em casa envelheço dez anos, uma semana que passo em casa.
Porque só ouvir música não enche barriga...(E5)
Agora tenho lazer, ir pro interior, fico lá mais ele, a gente sai,
vamo pra lagoa, tomar banho, passear... (E2)
Eu morro de medo de ter depressão. Não tenho nenhum lazer. Vivo
triste...(E4)
No ambiente domiciliar, o lazer representa um momento escasso. Para as
prostitutas, este se resume à simples troca de informações, eventuais, com a
colega ou o companheiro, e assistir televisão no período noturno ou nos finais
de semana(16).
Atividade de vida - Exprimir sexualidade
Foram abordados aspectos obstétricos, ginecológicos e sexuais das prostitutas
investigadas. Comportamentos relacionados ao parceiro fixo foram lembrados, com
o primordial objetivo de detectar possíveis problemas que necessitassem de
intervenções.
Quando indagadas acerca da realização de abortos, conseguimos extrair o relato
a seguir:
Tomei um monte de coisa pra abortar. A garrafada foi o que deu jeito.
Aí consegui, não tinha como criar mesmo. Mas foi só um mesmo, o outro
abortei sozinha mesmo, não segurei.(E3)
Cerca de 1,2 milhões de abortos são realizados anualmente no Brasil, sendo
responsáveis por 9% das mortes maternas e 25% das esterilidades, além de 250
mil casos de complicações. Respondem à quinta causa de internações hospitalares
(23).
Estudo realizado em Fortaleza com 81 prostitutas apontou uma alta ocorrência de
aborto em 49,4%24. As principais razões para o aborto estão relacionadas a
fatores socioeconômicos, difícil relação com o companheiro, falta de apoio
familiar, idade, entre outros. Porém a concretização deste ainda é permeada por
sentimentos de culpa, medo de castigo, morte e remorso(25). Portanto, faz-se
necessário a realização de programas de atenção à saúde sexual e reprodutiva
voltados às prostitutas como forma de prevenir gravidezes indesejadas e
diminuir a incidência de abortos provocados(26).
As falas relacionadas a realização do exame de prevenção do câncer de colo
uterino exame estão expostas a seguir.
Não tenho medo de ter o câncer porque me cuido. Faço também exame de
sangue, procuro buscar.(E2)
A doutora passa um remedinho e a gente fica logo boa. Aí eu só venho
quando tô sentindo umas coceiras, escorrimento.(E4)
É evidente a percepção errônea de muitas mulheres acerca do exame de prevenção
do câncer. Por isso, o profissional de saúde deve investigar o conhecimento
dessas mulheres acerca do exame, enfatizar a periodicidade, além da busca dos
resultados. Essa percepção errônea pode decorrer da ausência de ações de
educação em saúde que promovam o adequado conhecimento acerca das patologias e
suas formas de prevenção.
A incidência do câncer de colo uterino continua elevada, e a cidade de
Fortaleza é a 4º capital com maior número de casos. Muitas mulheres relatam
vergonha e medo durante a realização do exame. Tais fatores podem contribuir
para os riscos à sua saúde(27).
Os aspectos envolvidos no uso do preservativo com a parceria fixa podem ser
identificados nas seguintes falas:
Uso camisinha com todo cliente, só não com o cara que eu curto. Não
uso porque ele não gosta e não aceita, é confiança, né?(E1)
Eu tenho um homem. Com ele não uso camisinha, porque quando nós se
juntamos eu fiz o exame e ele fez. Deu tudo normal. Levei ele num
laboratório e fiz todo o exame, bem direitinho.(E2)
Muitas pesquisas reforçam os achados de não uso do preservativo com parceiro
fixo nas populações de prostitutas. Estudo com 449 prostitutas mostrou que 226
prostitutas possuíam parceiro fixo e 71,6% referiram não usar preservativo
nesse tipo de relação ou usar(4). Em outro estudo com prostitutas foi unânime
entre as participantes não-uso do preservativo no relacionamento com namorados
e companheiros, independente de se tratar de grupos com ou sem orientação(21).
Esse fato é explicado pelas manifestações de insatisfação do companheiro ou
pela simbologia da diferenciação entre as práticas profissionais ou afetivas.
Quanto à presença de alguma alteração na relação sexual, o seguinte relato foi
exposto:
Continua a mesma coisa: a dor na relação e a falta de prazer. Eu acho
que é com qualquer um. Até com ele (parceiro fixo) dói. É se eu tiver
com a cabeça boa, não me preocupar com nada, aí sinto prazer. Mas é
mais sem do que com prazer. (E1)
Uma vez deu que eu tava com raladura, aí tive que fazer um eletro. Eu
nunca sinto prazer, sempre tenho que me tocar pra poder sentir alguma
coisa, só com o pênis assim eu não sinto não.(E2)
Nunca tenho prazer nos programas. Só quando o cliente é conhecido, aí
sim.(E4)
Arde muito na hora.(E5)
Tem sangramento sim na relação. (E6)
As principais causas da anorgasmia feminina são: a hostilidade ao parceiro, o
sentimento de culpa em relação a sexualidade, o medo da perda de auto-controle,
a religião castradora, a desinformação sexual, a falta de desejo, a dispareunia
e a inabilidade do parceiro sexual, além de tensões de ordem emocional. A
dispareunia é a relação sexual dolorosa, sendo muito rara no homem. Geralmente
acontece quando não há lubrificação adequada, contratura da musculatura
perivaginal, presença de patologia anexial ou cervical. Sua ocorrência pode
esta relacionada ao climatério devido à baixa de estrogênio(28).
Quanto ao tratamento das DST uma das falas mencionou o porquê da não-realização
do tratamento, o que interfere na cadeia epidemiológica de transmissão.
Eu já tive DST mas não fiz o tratamento não. É porque eu tenho medo,
sei lá o que vai acontecer.(E3)
As DSTs podem causar sérios agravos à saúde, como esterilidade, disfunções
sexuais, aborto, nascimentos prematuros com problemas de saúde, deficiência
física ou mental, alguns tipos de câncer e até a morte. A chance de uma pessoa
com DST contrair outras DSTs, até mesmo a Aids, torna-se bem maior(12). Como
forma de prevenção na ausência de métodos mais seguros, as prostitutas utilizam
a prática da inspeção visual do pênis na seleção de clientes suspeitos, em
busca de algum sinal de DST, como corrimentos, feridas e verrugas(5).
A problemática das doenças transmissíveis advém de múltiplos fatores, tais como
aspectos culturais, educacionais, ambientais e condições socioeconômicas da
população. Diante disto há necessidade de estratégias criteriosas no seu
combate.
Atividade de vida - Dormir
Nessa atividade de vida consideramos o tempo de sono e o ambiente, pois a
prostituição é comumente exercida no período noturno e em locais diferenciados,
o que altera o ciclo vigília-sono.
Segundo os autores do modelo de Atividade de Vida, o ciclo do sono é
influenciado por aspectos biológicos, psicológicos e ambientais, e influencia a
fisiologia do corpo humano(6). Esses aspectos foram observados nas seguintes
falas:
Durmo até demais, quando tem trabalho. Durmo muito tarde porque à
noite a gente sai pra batalhar, né? Vai dormir duas horas, aí pronto,
acorda no outro dia, às vezes uma hora da tarde.(E1)
Lá onde eu durmo é cheio de ratos. Morro de medo deles. E também tem
muito barulho, tem um bar lá perto.(E4)
Eu durmo pouco, morro de medo de assalto. Já tentaram abrir a porta
lá de casa...Eu passo a noite ouvindo tiros.(E5)
O estado de insônia é uma alteração no ciclo sono-vigília, com excesso de
vigília, dificuldade em começar ou manter o sono. É um problema grave
decorrente de alguns fatores, como: situações estressantes, doenças psíquicas
como depressão ou ansiedade, adoção de práticas inadequadas antes de dormir,
como etilismo, tabagismo, exercícios físicos, entre outros. As funções do
sistema nervoso central são afetadas pela insônia. Ademais, processos de
pensamento alterados e atividades comportamentais anormais estão comumente
associados à vigília prolongada(29).
Atividade de vida - Morrer
As falas das entrevistadas relacionaram tentativas suicidas, em decorrência de
um desespero momentâneo ou mesmo da falta de perspectivas. Relataram vários
tipos de tentativas, desde a ingestão de remédios em grande quantidade,
substâncias tóxicas e até mesmo uso de cordas para o enforcamento. Alguns
depoimentos foram transcritos e corroboram estas afirmações.
Tentei me suicidar quando tive a primeira filha, porque foi tirada a
menina de mim e fui tirada de dentro de casa. Foi um desespero muito
grande, porque não tinha ninguém. Me vi sozinha, operada, sem poder
trabalhar...(E2)
Já tomei amoníaco pra me matar. Não agüentava a vida que levava.
Minha vida era uma loucura...Mas hoje não penso mais nisso não.(E3)
Já tentei me matar três vezes enforcada. Às vezes ainda penso nisso.
A vida da gente tem tantos problemas (chorando).(E4)
Como mencionamos, no início da prostituição, as perspectivas e ilusões
provocadas parecem uma boa oportunidade de melhorar suas condições. Porém, após
anos de trabalho, essas ilusões são desfeitas e a realidade mostra sua
verdadeira face: as mulheres têm uma rede social de apoio precária, as
condições financeiras não melhoraram e o estigma da sociedade se mantém.
Todas estas condições podem favorecer o suicídio. As tentativas suicidas por
ingestão de drogas podem estar relacionadas à melancolia e negação. Estudo
desenvolvido em Porto Alegre, com 97 prostitutas, mostrou uma alta taxa de
prevalência de sintomas depressivos, 65 (67%), na qual 46 (47,4%) entrevistadas
apresentaram sintomatologia com níveis moderado a grave(30).
Os sintomas depressivos de prostitutas estão associados à utilização de
fármacos, álcool e isolamento, além do sentimento de desvalorização. Percebe-se
o preconceito vivenciado por vizinhos, familiares e sociedade, acrescido da
trajetória de sofrimento e vazio espiritual(5).
CONCLUSÃO
Os resultados foram esclarecedores e levaram a considerar que as prostitutas
apresentam fatores intervenientes no adequado desenvolvimento de suas
atividades de vida. A adoção do Modelo de Atividades de Vida permitiu abranger
aspectos fundamentais a serem investigados. Os resultados foram valorosos,
porquanto proporcionaram mais conhecimento acerca de vulnerabilidades que
interferiam nas atividades de vida desempenhadas.
A busca por aspectos qualitativos com a finalidade de compreender os fatos que
envolvessem os sujeitos em análise permitiu revelar os aspectos inerentes à
prostituição influenciando diretamente a forma como desempenham suas atividades
de vida, os quais são relevantes para a qualidade de vida desta população.
Na atividade de vida Manter um ambiente seguro, identificamos uma população
sujeita à violência em seu ambiente domiciliar e no trabalho, principalmente a
violência física, cometida por ex-companheiros e clientes. Apesar das
dificuldades, elas possuem acesso facilitado ao preservativo. Esses achados
sugerem a necessidade da adoção de medidas contra a discriminação e o estigma
social, que influenciam na violência de que são vítimas. Na atividade
Comunicar, percebemos um receio de intensificar as relações com parentes,
sobretudo por causa da profissão que exercem, muitas vezes de maneira
escondida. Esse comprometimento dos laços familiares poderá ser prejudicial a
saúde mental dessas mulheres, em virtude da ausência de pessoa significativa
para compartilhar as vivências cotidianas.
Em relação à atividade Respirar inferimos que devem ser intensificadas ações
educativas com vistas à diminuição do tabagismo e exposição de seus riscos à
saúde constituem medidas fundamentais para a qualidade de vida das
entrevistadas. Já na atividade de vida Comer e beber observamos a ingestão
freqüente de bebidas alcoólicas, muitas vezes relacionada ao tipo de trabalho
que exercem. Isto pode também influenciar no estado nutricional dessas
mulheres. Percebemos a bebida como um fator de risco para a utilização do
preservativo, bem como para a adoção de um estilo saudável de vida. Na
atividade Higiene pessoal e vestir-se, detectamos um número acentuado de
banhos. Os numerosos banhos são necessários e explicados pela profissão
seguida, facilitados pelos cuidados assumidos por elas, como o porte de anti-
séptico na bolsa. Em relação a Mobilizar-se, duas mulheres apresentaram
alterações temporárias que dificultavam a mobilidade, porém nem sempre estão
associadas à prostituição.
Quanto à atividade Trabalhar e distrair-se, o uso álcool e a maior
flexibilidade no emprego desta medida preventiva foram observados nas falas
obtidas. Algumas consideram que os clientes regulares não oferecem riscos de
transmissão de DST. Tal dado instiga a não-utilização do preservativo com os
clientes. Já as atividades de lazer incluem festas e idas à praia, que podem
incentivar ainda mais a alcoolização das prostitutas. A atividade Exprimir
sexualidade permitiu maior conhecimento das ações de prevenção ante a parceria
fixa, sendo essas quase inexistentes, bem como a detecção de fatores que
influenciam a qualidade de vida dessas mulheres. A ausência de prazer nas
relações sexuais e outras alterações nesse ato sugerem a necessidade de mais
atenção à saúde sexual e reprodutiva dessa população.
A atividade de vida Dormir mostrou alterações no padrão de sono, sendo
relevante considerar a presença de um ambiente desfavorável. Estes incluíram a
violência nos bairros, barulho e más instalações do domicílio. Quanto à
atividade Morrer vale ressaltar que as histórias de tentativas suicidas são
recorrentes nos relatos observados e que a manutenção dessas idéias persistiu
em algumas mulheres. Nesse ponto, destacamos as atividades de intervenção no
campo da saúde mental como forma de prevenção e identificação precoces de
predisposições à depressão.
Por fim, ressaltamos que a utilização do Modelo de Atividades de Vida permitiu
um conhecimento mais detalhado dos fatores intervenientes na manutenção de
práticas e estilos saudáveis de vida. As ações voltadas a essa população devem
estar embasadas no conhecimento das principais necessidades e vulnerabilidades
por elas vivenciadas.