Análise da comunicação verbal e não verbal de uma mãe cega e com limitação
motora durante a amamentação
INTRODUÇÃO
A amamentação é um processo natural. Entretanto requer ajuda para ser feita
corretamente, com seguimento no domicílio e na unidade de saúde, com vistas a
prevenir problemas na mama puerperal e o desmame precoce(1). Como amplamente
difundido, a amamentação traz benefícios biológicos para o filho e é uma
importante atividade de interação mãe e bebê, pois favorece a comunicação e
propicia a formação de laços afetivos. Durante esta atividade, a criança é
abraçada, trazida junto ao corpo da mãe, é acariciada e constantemente a mãe
fala com ela. Há toda uma preparação da mãe e da criança para a comunicação e
profundos laços afetivos são estabelecidos.
Quando os pais são pessoas com deficiência (PcD) este fato pode interferir no
cuidado dos filhos e é fundamental que os profissionais de saúde, sobretudo o
enfermeiro, avaliem suas dificuldades, porquanto, mesmo nessa condição, podem
exercer sua função essencial de cuidar. Embora aos cegos falte a visão, eles
utilizam o tato, a audição e o olfato com maior precisão. Mulheres cegas
necessitam da mesma atenção dispensada às videntes e esta deve ser enriquecida
pelo toque. Em estudo anterior conduzido por uma das autoras, conforme mães
cegas relataram, não houve orientação adequada à sua condição, particularmente
nos primeiros dias de vida do filho.
Como um processo composto de formas verbais e não verbais, a comunicação é
utilizada com o propósito de partilhar informações. Enquanto a comunicação
verbal refere-se à linguagem escrita e falada, aos sons e palavras usadas para
se comunicar, a não verbal refere-se a toda informação decorrente de expressões
faciais, postura, vestimenta, organização do ambiente, entre outros elementos.
Neste estudo serão adotados referenciais teóricos específicos para discutir a
comunicação verbal e a não verbal, descritas em seguida.
A comunicação verbal
Na Teoria da Comunicação Verbal são imprescindíveis seis elementos para a
ocorrência de um ato de comunicação. São eles: remetente, destinatário,
mensagem, contexto, código e contato. Remetente ou emissor é todo aquele
indivíduo ou grupo que envia uma mensagem a um ou mais receptores. O emissor
corresponde à primeira pessoa do verbo, o EU ou NÓS; é aquele que fala.
Destinatário ou receptor é o indivíduo ou grupo que recebe a mensagem.
Corresponde à segunda pessoa do discurso, TU ou VÓS; é aquele com quem se fala.
A mensagem é o ato da fala, conjunto de enunciados. Falar significa selecionar
e combinar signos. Portanto, mensagem é a seleção e combinação de signos
realizada por determinado indivíduo. Mensagem é o conceito que se passa para o
receptor. Contexto ou referente é o conteúdo, assunto, da mensagem. Corresponde
à terceira pessoa do discurso, é algo ou alguém de que se fala, é o objeto da
mensagem. O código é a língua com que se fala; é o instrumento da fala, é um
conjunto de signos convencionais e sua sintaxe, que deve ser total ou
parcialmente comum ao emissor e ao receptor. Por contato ou canal, entende-se o
meio físico por onde passa a mensagem entre o emissor e o receptor. Quanto à
forma, o meio físico pode ser sonoro ou visual, e é também a conexão
psicológica entre emissor e receptor(2).
A função referencial está relacionada com alguém ou algo de que se fala, é o
denominado contexto da mensagem, quando existe a troca de informações. No
remetente encontra-se a função emotiva ou expressiva, a qual visa uma expressão
direta da atitude de quem fala em relação àquilo de que se está falando. Tende
a suscitar a impressão de certa emoção, verdadeira ou simulada. O estrato
puramente emotivo da linguagem é apresentado pelas interjeições. Estas diferem
dos procedimentos da linguagem referencial, particularmente pela sua
configuração composta por seqüências sonoras peculiares ou mesmo sons incomuns.
A função emotiva, evidenciada pelas interjeições, dá colorido às manifestações
verbais(2).
A comunicação não verbal
A comunicação não verbal é carregada de significados. Mais emocional e
sensitiva, é o elemento de surpresa que interfere na comunicação verbal, embora
esta última seja mais consciente e programada. Na maioria das vezes, a
comunicação não verbal é expressa sem que estejamos conscientes do que estamos
emitindo(3). Inúmeros sinais não-verbais reforçam, substituem ou contrariam a
fala; os gestos, a expressão facial, a postura (movimentos e inclinações do
corpo), a ocupação do espaço, o toque, principalmente quando substitui o olhar,
quando há limitação visual.
De acordo com a literatura, a abordagem da comunicação não verbal é feita pela
Teoria Proxêmica, a qual avalia a posição corporal e as relações espaciais do
indivíduo como elaboração da cultura onde está inserido. Na análise proxêmica
estão presentes oito fatores que compõem suas categorias primárias: 1. Postura-
sexo: analisa o sexo dos participantes e a posição básica dos interlocutores
(de pé, sentado, deitado); 2. Eixo sociofugo-sociopeto: o eixo sociofugo
demonstra o desencorajamento da interação enquanto o sociopeto implica o
inverso. Essa dimensão analisa o ângulo dos ombros com relação a outra pessoa;
a posição dos interlocutores (face a face, de costas um para o outro ou,
qualquer outra angulação); 3. Cinestésico: analisa o contato físico a curta
distância, como o toque ou o roçar da pele, e o posicionamento das partes do
corpo; 4. Comportamento de contato: este fator analisa as formas de relações
táteis, como acariciar, agarrar, apalpar, segurar demoradamente, apertar, tocar
localizado, roçar acidental ou nenhum contato físico; 5. Código visual:
verifica o modo do contato visual nas interações, como o olho no olho, ou a
ausência de contato; 6. Código térmico: detém-se no calor percebido pelos
interlocutores; 7. Código olfativo: analisa as características e o grau de odor
sentido pelos interlocutores; 8. Volume da voz: analisa a percepção dos
interlocutores com relação ao volume e intensidade da fala utilizada pelos
interlocutores(4).
Quanto à classificação das distâncias interpessoais na Teoria Proxêmica,
divide-se em: Distância íntima (de 0 a 50cm) na qual ocorrem o contato físico,
a percepção do calor humano, a transmissão dos odores e os encontros pessoais
mais íntimos; Distância pessoal (50cm a 1,20m), embora próxima, pode não
acontecer o contato físico, e os odores e o calor do corpo não serem mais
sentidos; Distância social (1,20m a 3,60m), marcada, sobretudo, pelo contato
visual com o interlocutor; Distância pública (acima de 3,60m), ocorre nos
comícios e conferências, e nela o contato visual é coletivo(4).
Objetivou-se analisar a comunicação verbal e não verbal de uma mãe cega e com
limitação motora durante a amamentação.
METODOLOGIA
Trata-se de um estudo de caso que, em geral, representa a estratégia mais
utilizada quando se colocam questões do tipo "como" e "por quê", quando o
pesquisador tem pouco controle sobre os acontecimentos e quando o foco se
encontra em circunstâncias contemporâneas dentro de algum contexto da vida real
(5). No referente à pesquisa com seres humanos, esta deve ser diferenciada da
prática assistencial, porém ambas se destinam a contribuir diretamente para a
saúde de indivíduos e comunidades.
O sujeito do estudo foi uma mulher cega, paraplégica e com limitação motora em
membros superiores. Selecionada de forma intencional considerando as referidas
limitações e a necessidade de acompanhamento de enfermagem no cuidado do filho
de dois meses. Como local de estudo escolheu-se seu domicílio, com visitas
semanais de abril a junho de 2008. A mãe cega, que recebeu o pseudônimo de
Esperança, foi entrevistada para informar nome, idade, naturalidade, causa e
tempo da cegueira, história da gestação, idade da criança, dificuldades e
soluções encontradas para amamentar. Esperança relatava os fatos ocorridos a
cada semana. Nestas oportunidades, as visitas eram gravadas e filmadas.
Como exigido, o projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da
Universidade Federal do Ceará-UFC, sob nº 1143/07, sendo respeitados os
princípios éticos e colhida assinatura do Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido, depois de lido e explicado ao sujeito do estudo com presença de
testemunha vidente.
Depois de transcritos, os dados foram lidos repetidas vezes e organizados em
quadro de acordo com os referencias teóricos da comunicação verbal e não
verbal. A análise seguiu o método descritivo mediante comparação e análise
reflexiva da literatura existente para a validação dos achados.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Esperança tem 21 anos de idade, é analfabeta, mas freqüentou escola especial
para deficientes visuais. Nasceu cega em decorrência de uma paralisia cerebral
e, além disso, porta deficiência em membros inferiores (paraplegia) e limitação
em membros superiores. Reside com os avós e uma prima (irmã de criação) em
domicílio próprio, composto por quatro cômodos. A situação socioeconômica da
família é precária. Dispõem, apenas, de dois salários mínimos: um de Esperança
e outro da avó.
Por ser acamada e cadeirante, Esperança permanece a maior parte do tempo em
seuquarto que não atende aos requisitos de acessibilidade à sua locomoção,
devido ao espaço reduzido, condições do piso e a presença de móveis. Sua avó,
que Esperança chama de "mãe" por criá-la desde seu nascimento, é quem cuida da
sua higiene pessoal e prepara sua alimentação. Sua locomoção dentro de casa
depende da avó, que a carrega nos braços. Sua gravidez foi decorrente de uma
relação amorosa com o marido da sua tia (filha da sua avó). Fez pré-natal e se
submeteu a mais de seis consultas e aos devidos exames. O parto foi cesário e
sem complicações. Nasceu um menino. Em conseqüência da limitação, Esperança o
segura com certa dificuldade.
Ao nascer, a criança media 51 centímetros e pesava 2,500kg. No início deste
estudo, tinha um mês e dezessete dias. Naquela ocasião, havia sido vacinada,
pesava 3,300kg e estava em amamentação exclusiva, mas chorava muito durante a
mamada. Sempre auxiliada pela avó, Esperança exerce os cuidados com a criança
relativos a banho e alimentação. O relacionamento entre Esperança, a criança e
a avó, pode ser descrito como satisfatório, pois a avó demonstrava atenção e
carinho com a neta e o bisneto, porém percebia-se receio da avó em permitir que
Esperança cuidasse do filho. Como mencionado, o processo de comunicação engloba
aspectos verbais e não verbais e são simultâneos. Para facilitar a
interpretação dos resultados, primeiro se apresenta a abordagem verbal e, em
seguida, a não verbal.
Comunicação verbal
A análise do processo de comunicação verbal está sintetizada em três quadros.
Nos dois primeiros estão presentes os elementos da comunicação mãe, filho e
enfermeira. No primeiro quadro, Esperança está amamentando e, no segundo, dando
leite artificial em mamadeira. No terceiro quadro estão expostas as funções das
mensagens emitidas pela mãe, devidamente analisada.
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A amamentação é um ato determinado biologicamente e condicionado socialmente
(6). Constitui um momento de intensa comunicação entre mãe e filho, pois a mãe
está em contato íntimo com seu filho e utiliza várias formas de comunicação
para interagir com ele.
Esperança (remetente) interage verbalmente com a criança no intuito de
estimulá-la a mamar; a criança (destinatário) responde com choro; a enfermeira
identifica a dificuldade. Conforme mostra a literatura, o primeiro meio de
comunicação dos lactentes é o choro; eles demonstram a insatisfação antes do
prazer. Apesar das crianças manifestarem diferentes tipos de choro, os pais são
capazes de distingui-los e, a partir destas mensagens, interpretam as
necessidades dos filhos(7).
Como destinatário, a enfermeira recebe e codifica a mensagem, que é a
dificuldade de amamentar a criança, e busca auxiliar no processo. Ela atua como
remetente e responde à mãe (destinatário), partindo do princípio segundo o qual
sempre ocorre interação ou troca de mensagem no processo comunicativo, porque
emissor é receptor e receptor é emissor, o profissional deve agregar
habilidades de comunicação para ser efetiva no processo de cuidar(8). O
contexto da mensagem é a amamentação e os códigos utilizados são as palavras e
o choro. O contato ou canal se dá presencialmente entre os interlocutores.
Esperança (remetente) amamenta e demonstra receio para a enfermeira
(destinatário) ao ouvir sons da criança. Diante disto, a enfermeira (remetente)
procura confortá-la (destinatário) tentando minimizar seu sentimento de
ansiedade. O contexto é a amamentação, o código são as palavras e os sons e o
contato também se dá presencialmente. Novamente como afirma a literatura, as
vocalizações acompanham o choro e, podem se tornar sílabas e palavras; em torno
de dois meses, as crianças emitem sons vocálicos simples(7). Na comunicação
relatada, a criança utilizou estas vocalizações prenunciando o choro e
demonstrando incômodo, provavelmente devido à forma como era segurada. A
mensagem decodificada pela mãe foi a iminência do filho recusar o peito.
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Na análise da verbalização de Esperança, evidenciam-se suas percepções das
dificuldades de amamentar. A limitação física interferiu no modo de posicionar
a criança trazendo desconforto, ainda mais acentuado com seu crescimento e
desenvolvimento. Conhecedora da importância da amamentação e percebendo as
dificuldades em dar de mamar, a mãe expressava sentimentos de angústia e
tristeza. Comparada com estudo de mães com bebês prematuros, demonstra
sofrimento e instabilidade emocional(9). Nesta fase Esperança foi avaliada por
enfermeira especialista em aleitamento materno que, após presenciar as
circunstâncias em que ocorria o aleitamento, aconselhou não mais se insistir
por este caminho em face das dificuldades da mãe e do estresse demonstrado pelo
binômio. A partir de então, a criança passou a se alimentar por mamadeira.
Agora Esperança alimenta seu filho por mamadeira, e a criança apresenta um
episódio de tosse. O momento comunicativo ocorre da seguinte forma: a mãe
(remetente) interage com a criança e a enfermeira (destinatários) e interpreta
a tosse como um erro seu cometido durante a alimentação. A enfermeira
(remetente) utiliza a verbalização para tranqüilizar a mãe e o faz no modo de
comunicação do tipo negação. Segundo defendem teóricos da comunicação, esta
forma de reforço comunicativo é acompanhada de comportamento afetivo, e, deste
modo, o destinatário se sente respeitado. Embora o emissor não confirme as
palavras do destinatário, leva-o a certificar-se do que realmente está
acontecendo, e a analisar suas percepções e pensamentos(10). A interação
terapêutica no processo comunicativo verbal do profissional durante o cuidado
de enfermagem, é percebido pelo paciente com maior ou menor intensidade de
atenção e carinho(11).
Como se observou, em virtude das limitações, a mãe cega deve ser apoiada
durante a administração da mamadeira até que desenvolva a habilidade de
perceber as reações da criança e também, de identificar se ainda há leite na
mamadeira mediante verificação do seu peso e reações do volume ao movimento.
Independentemente do aleitamento materno, deve-se lembrar que nos primeiros
dias de vida do recém-nascido o maior desejo da mãe é permanecer o mais próximo
possível dele, da mesma maneira quando estavam intimamente ligados dentro da
barriga materna(12).
Ao se referir às funções das mensagens na Teoria da Comunicação Verbal,
Jakobson as descreve como emotiva, referencial e conativa(2). Segundo afirma, a
função emotiva ou expressiva demonstra diretamente uma expressão da atitude de
quem fala com relação ao que se está falando. Representa a expressão de
determinada emoção, verdadeira ou não. O estrato emotivo da linguagem se
manifesta por meio das interjeições que colorem as manifestações verbais. No
quadro a seguir, é apresentada a interpretação destas funções de acordo com o
observado.
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Na forma de se referir ao filho, Esperança utiliza constantemente da função
emotiva, sobretudo quando expõe a importância e o significado deste em sua
vida. Há, também, forte fator emocional expresso quando não consegue amamentar.
Ademais se constata a utilização de interjeições, quando as falas da mãe têm
função emotiva predominante.
A função referencial direciona o contexto e expressa a informação; está ligada
a alguém ou a algo que se fala. Trata-se do contexto da mensagem e é aí onde
ocorre a troca de informações(2). Enquanto amamentava, Esperança comunicava-se
com a enfermeira e o bebê como se interpretasse e narrasse tentativas, sucessos
e insucessos na amamentação; pode-se dizer que decodificava a mensagem para o
outro.
Quanto à função conativa, é descrita como a orientação para o destinatário,
gramaticalmente expressa mais no vocativo e no imperativo, distanciando-se a
princípio de algumas categorias verbais e nominais(2). Esperança raramente
utiliza esta forma de expressão da mensagem, possivelmente em virtude da sua
situação de vulnerabilidade e dependência diante das limitações.
Exemplificando, sua frase voluntariosa é uma ordem, e, mais uma vez, demonstra
sua vontade de amamentar: "Traga para mim!... Ele tem que querer!".
Comunicação não verbal
A comunicação não verbal refere-se a mensagens enviadas por meio de ações e
comportamentos em vez de palavras. Expressões faciais, maneirismos, voz,
postura e vestimenta representam a maior parte das mensagens enviadas e
recebidas. Neste tipo de comunicação, a visão é um dos sentidos mais atuantes.
Por meio dela, o ser humano tem a possibilidade de identificar objetos,
distinguir cores, tamanhos, formas, e distâncias(8). De acordo com a
literatura, a informação visual é mais bem centrada e fidedigna do que a
informação auditiva. Porém o cego é uma exceção, pois sua atividade auditiva
aprende a selecionar as altas freqüências acústicas, podendo localizar objetos
que o rodeiam(4). Como Esperança utiliza a audição com precisão, isto auxilia
nas interações com o seu filho.
Consoante observado, a análise da comunicação não verbal mãe-filho se dá em
três momentos, sempre com a mãe na cama. Nos dois primeiros, durante a
amamentação, Esperança estava deitada e, no outro, sentada. No terceiro
momento, administrava leite artificial e estava sentada. Estes momentos foram
selecionados evidenciando as condições físicas de Esperança e a posição por ela
assumida para alimentar seu filho. E também para mostrar as tentativas,
dificuldades e sucessos de alimentar a criança, relacionadas e estas posições e
ao aleitamento ou leite artificial.
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Esperança sentia dificuldade para estabelecer interações com o bebê na sua fase
inicial e mostrava insegurança ao prestar cuidados. Conhecer as características
das interações entre a mãe e o bebê, desde os primeiros dias de vida, quando
está se iniciando sua fase de desenvolvimento, é uma importante contribuição
para entender o processo de desenvolvimento humano(13).
A amamentação com a mãe deitada propiciou a distância íntima, com o contato
barriga da mãe e do filho. Esta postura diminuiu o contato físico o qual fica
restrito a uma parte do corpo, dificultando a expressão de carinho entre o
binômio. Esperança não consegue segurar a criança nesta posição, e o rosto do
bebê voltava-se totalmente para o peito. Diante disto, a criança reage com
sinais de desconforto e a mãe interage com ela no intuito de acolhê-la e manter
a amamentação. Esperança continua com a cabeça apoiada na cama o que não
propicia o contato face a face. Durante todo o período a mãe conversa com a
criança em tom de voz normal. O rosto é um poderoso canal de interação,
sobretudo entre o adulto e a criança: ele é a principal fonte de símbolos a
atrair o recém-nascido, pois catalisa sua atenção e provoca uma sensação de
bem-estar, base indispensável para a evolução da sociabilidade.
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Esperança deseja amamentar, conhece os benefícios da amamentação, mas teme que
seu filho se prejudique. Ela expressou este sentimento verbalmente repetidas
vezes. Sua limitação física interferia no posicionamento do filho, dificultava
a amamentação e causou desânimo e tristeza na mãe. A amamentação com Esperança
sentada propiciou à criança ficar nos braços da mãe, quase sentada, sempre
posicionada no braço esquerdo, com a cabeça voltada para trás e com dificuldade
para alcançar o bico do peito. Para facilitar a atividade, Esperança colocava o
bico do peito entre os dedos e o direcionava à boca do filho.
Com relação aos fatores da comunicação não verbal, a distância predominante nas
interações mãe-bebê foi a íntima, com bom contato físico, transmissão do calor
humano e dos odores que os encontros pessoais mais íntimos oferecem. Além deste
contato, a mãe interagia verbalmente com a criança, demonstrando afeto e
carinho.
Conforme exposto, ao amamentar o filho, Esperança manteve-se,
predominantemente, na posição deitada e sentada. Desse modo, não mantinha o
rosto voltado para o filho e, assim, comprometia a comunicação. Em face da
ausência de contato visual do cego, ele não percebe a importância de posicionar
seu rosto para a pessoa com que está interagindo, como evidenciado pelas
atividades de Esperança, quando dava de mamar nas posições deitada e sentada.
Segundo mostra a literatura, desde os primeiros dias de vida do bebê, a mãe
serve como mediador de conhecimento, ação e percepção visual. No início da vida
do bebê, o rosto é o estímulo visual mais freqüentemente oferecido para ele
(14). Apesar de Esperança ter freqüentado escola para cegos, não incorporou a
atitude educada de direcionar o rosto para com quem fala. Aqui, por se tratar
de criança nos primeiros meses de vida, este cuidado deve ser ainda maior e a
mãe deve ser orientada sobre isto.
Mesmo com as dificuldades, Esperança amamentou seu filho até por volta dos 45
dias de vida. Lembramos que Esperança foi avaliada por enfermeira especialista
em aleitamento materno e esta a aconselhou não mais se insistir por este
caminho diante das dificuldades da mãe e do estresse demonstrado pelo binômio.
Por esse motivo a criança passou a se alimentar por mamadeira.
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Esperança, ao alimentar seu filho com a mamadeira, o segurava com o braço
esquerdo apoiado na cama, em posição íntima. Nesta posição expressava afeto com
afagos e interação verbal. Sua face demonstrava alegria, pois conseguia
alimentar seu filho e estava mais segura após as orientações da especialista em
amamentação. Ainda que a posição não fosse totalmente confortável para a
criança, Esperança estava despreocupada de colocá-lo no peito. Quando a criança
sustentou a cabeça, a mamada apresentou menos dificuldades.
Como menciona a literatura, a carícia é uma expressão de afeto, que aproxima os
indivíduos e acalma. Estudo anterior mostrou que a interação face a face é um
fator determinante na proximidade entre mãe e filho(12). Embora falte a visão
para Esperança, as interações foram permeadas pelo contato físico, relações
táteis, carícias, afagos e toques localizados; contudo, o fato de a mãe ser
cega interferiu no código visual. A mãe não tinha a face direcionada ao filho e
freqüentemente mantinha sua cabeça para baixo e, ainda assim a criança
procurava olhar a face da mãe durante a amamentação.
Como a comunicação verbal está associada às palavras, o volume da voz do
interlocutor é uma comunicação não verbal, e mostra que os tipos de comunicação
estão interligados. No volume de voz da mãe, predominou o tom de voz normal. No
intuito de acalmar e estimular a criança, a mãe pouco movia as mãos e seus
gestos não complementavam a linguagem verbal.
CONCLUSÃO
A análise da comunicação verbal da mãe cega e com limitação motora com seu
filho e o enfermeiro permite afirmar não ter havido prejuízo no estabelecimento
das suas relações. No processo de comunicação foram empregados os elementos
deste tipo de comunicação, a saber: remetente, destinatário, mensagem,
contexto, código e contato. Constantemente a mãe verbalizava com o filho e a
enfermeira. Os sons e o choro do seu filho eram mensagens codificadas por ela.
Inicialmente, o contexto era a amamentação, mas passou à alimentação em virtude
da ocorrência do desmame. Tal fato, como se conclui pela análise, não recebeu
influência de uma comunicação verbal ineficiente sendo dependente a situação de
limitação motora. Pela análise das funções da comunicação verbal evidenciam-se
deficiência da função conativa nas falas da mãe e o predomínio da função
emotiva, provavelmente decorrente das condições física e sensorial da mãe que
causam instabilidade emocional no cuidado da criança. Ela é dependente da avó
em aspectos que vão desde sua locomoção aos cuidados da criança. Dessa forma,
sua dependência a limita quanto à expressão de ordens ou imposições. No
processo, a mãe verbalizava para a enfermeira seus sentimentos, dúvidas e
dificuldades durante a amamentação e esta, ao perceber as mensagens, realizava
intervenções para auxiliar.
A análise sobre a comunicação não verbal durante a amamentação mostrou
dificuldades decorrentes da limitação sensorial e motora. Por exemplo, a
postura deitada foi desfavorável em vários aspectos, entre estes: o contato
físico, à transmissão de afeto, o bebê voltar o rosto para a mãe e ma-mar.
Contudo, a postura sentada foi favorável para o contato físico e transmissão de
afeto, propiciou o olhar fixo da criança na face da mãe e facilitou a
alimentação da criança, tanto por mamadeira como por leite materno.
Segundo aponta a análise das facilidades e dificuldades da amamentação
comparadas com a alimentação com mamadeira, para essa mãe a alimentação do
filho por mamadeira foi a melhor alternativa, apesar de se reconhecer a
importância da amamentação até os seis meses de idade. É necessário ampliar
informações sobre o assunto. Estudos desta natureza devem ser aprofundados para
a compreensão do processo de comunicação de pessoas com deficiência e a
elaboração de modelos que permitam melhorá-los.