O corpo envelhecido na percepção de homens idosos
INTRODUÇÃO
O processo de envelhecimento do corpo é peculiar à individualidade e processos
sociais vivenciados por cada ser. Ademais, para além do que somos capazes de
apreender do corpo físico, fazemos uma construção imaginária desse corpo, o que
fundamenta o processo de identificações ao longo de nossa vida.
Nessa perspectiva, o corpo envelhecido deixa de ser percebido como um produto
da natureza e passa a ter assento no campo da cultura, pois é no espaço da
subjetividade que se ancora o seu sentido(1). Assim sendo, ele não pode ser
representado ou compreendido como entidade em si mesmo ou, simplesmente, um
continuum linear, mas como um corpo, num continuum multidimensional no qual a
raça, a geração, o gênero, a religião, a classe social formam especificações
corporais(2). Mesmo que o homem se conceba autônomo, sua corporalidade não pode
escapar dessa ordem de significações mais amplas.
Cabe destacar que o corpo do idoso é singularizado também por traços
individuais e marcadores biológicos que possuem significados diferenciados,
conforme presentes no corpo masculino ou feminino, isto é, enquanto sexualmente
específico, o corpo codifica os significados socioculturais projetados nele de
modos sexualmente determinados. Não obstante, nem sempre as expectativas dos
que lidam com as questões relativas ao envelhecimento correspondem às demandas
dos idosos em relação a sua senescência.
Dada essa realidade, emerge a importância de conhecermos as vivências dos
idosos com base em seus próprios relatos. Considerando isso, este estudo teve
como objetivo desvelar a percepção do corpo envelhecido por parte de homens
idosos.
METODOLOGIA
Este estudo, de natureza qualitativa, foi originado de tese de doutorado
intitulada A velhice e o corpo envelhecido na percepção e vivência de homens e
mulheres idosos: uma análise sob o olhar de gênero(3), apresentada ao Programa
de Pós-Graduação em Sociologia, da Universidade Federal da Paraíba. O projeto
foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da referida Universidade, sendo
registrado sob o protocolo de nº 0444. A investigação foi efetivada no grupo de
convivência Juventude Acumulada, do bairro popular de Cruz das Armas, do
município de João Pessoa - PB -Brasil.
Este recorte do estudo apresenta a percepção do corpo envelhecido de doze
homens idosos que aceitaram, livremente, participar da investigação ora
mencionada, após receberem informações sobre seu objetivo e seus procedimentos
operacionais, e que assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. A
coleta de dados foi realizada nos meses de abril e maio de 2008, mediante uma
entrevista semiestruturada, gravada, que foi norteada pelas seguintes questões:
como o senhor percebe o seu corpo nesta fase da vida? Pensando em toda a sua
vida, o que mais contribuiu para o envelhecimento do seu corpo? Como o senhor
percebe o corpo da mulher idosa?
Na análise do material empírico, utilizamos a abordagem de análise de discurso
proposta por Fiorin(4). Considerando essa perspectiva, a discussão desse
material foi relacionada ao referencial de gênero para ancorar as posições
sociais nele reveladas. O princípio básico desse enfoque consiste na
compreensão de que o discurso é uma posição social, devendo, assim, ser
analisado, revelando, por inferência, a visão de mundo dos sujeitos que falam.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Quanto aos achados, verificamos que a maioria (oito) dos idosos refere possuir
corpos que guardam muitos atributos da juventude, evidenciando, portanto,
poucos problemas. Quando estes emergem, não afetam a sua funcionalidade. Nesse
contexto, eles rejeitam explicitamente incluírem-se na categoria social de
velho. Afinal, um corpo bem disposto e hígido é um sinal de não velhice. Os
depoimentos que se seguem expressam essa avaliação.
... meu corpo é bom, só tem um problema: tive umas dores assim na
barriga e foi indo até que parou de vez. O sexo não funcionou mais.
Aí eu me aperriei, procurei muitos médicos, mas como eu tenho esse
problema de pressão, eles não quiseram passar remédio. Aí foi o tempo
que minha velha ficou inutilizada também [sofreu uma fratura de fêmur
em consequência de uma queda], aí não deu problema. O resto é bom, tá
tudo bem. (Sr. D, 74 anos)
... percebo que meu corpo guarda quase as características da
juventude, isto em termos emocionais. (Sr. A, 69 anos)
... não me sinto velho. Não me sinto, porque, como eu tenho a saúde
boa, sinto que o corpo envelheceu, mas o espírito não. Então, eu me
sinto em plena disposição de continuar fazendo o que aparecer pela
frente. (Sr. F, 68 anos)
... percebo o meu corpo muito bem. (Sr. B, 70 anos)
- sinto o corpo mais cansado [...], a fortaleza agora é pequena, mas
dá pro gasto. (Sr. C, 71 anos)
... eu não me sinto velho porque estou muito bem e não sinto nada do
que dizem que é ficar velho, nem na memória. (Sr. J, 64 anos)
Adentrando no âmago desses discursos, observamos que a idade cronológica desses
homens não foi capaz de fazer seus corpos se dobrarem ao peso dos anos, pois a
cabeça, a mente como eixo principal da corporalidade, essa ainda se mantém:
"sinto que o corpo envelheceu, mas o espírito não". Essa dicotomia entre o
corpo e a mente associa-se ao binômio fraqueza/força, ou seja, o corpo como
sede da força física vai perdendo o vigor, com o passar do tempo, enquanto que
a mente se sobrepõe a ele e se transforma, na salvaguarda desses idosos como
indivíduos jovens, conforme reitera essa fala: "percebo que meu corpo guarda
quase as características da juventude, isto em termos emocionais" (Sr. A, 69
anos).
Do mesmo modo, quando a saúde é boa não se envelhece. Nesse cenário, o avanço
da idade é apenas um fato e não uma vivência. Mesmo que o corpo sinalize
algumas debilidades, isso ocorre apenas em algumas partes e não no seu todo,
embora algumas dessas partes tenham maior significado para suas vidas, a
exemplo do sexo: "o meu corpo é bom, só tem um problema, [...] o sexo não
funcionou mais. Aí eu me aperreei [...]" (Sr. D, 74 anos).
Como podemos observar, essa realidade gerou muita preocupação no Sr. D, pois o
fato de sua parceira encontrar-se desejosa de sexo ou ativa sexualmente e de
ele não apresentar capacidade de "responder" ameaçava sua masculinidade,
impulsionando-o para a busca incessante de cuidados médicos. Mas, para o seu
"alívio", nesse curso de sua história, sua parceira "também ficou inutilizada"
(sexualmente) em decorrência de uma perda física (sequela de acidente vascular
cerebral), "aí não deu problema". Certamente, ambos buscaram alicerçar sua
relação conjugal a partir de outras ações e valores, na esfera da igualdade, na
vivência de uma sexualidade sem a premissa de penetrações e orgasmos, calcada
no enternecimento desvirilizante do amor.
A experiência do Sr. D pode ter sido influenciada pelos seus conhecimentos
sobre as particularidades da sexualidade no âmbito da velhice. Muitos homens
idosos deixam de ter relações sexuais e se tornam impotentes porque não
compreendem as mudanças fisiológicas ligadas ao processo de envelhecimento,
interpretam-nas como sendo sintomas de impotência. Com sua autoestima baixa,
ficam receosos de não conseguir uma ereção e acabam evitando ter relações para
não serem confrontados com a frustração(5).
Do mesmo modo, fatores predisponentes à arteriosclerose (hipertensão arterial,
diabetes, câncer de próstata e obesidade) podem comprometer a função erétil e
impossibilitar o ato sexual. Outros fatores que, uma vez somatizados, podem
levar a uma disfunção erétil, constituem a qualidade do relacionamento com a
companheira, incluindo a excessiva preocupação em satisfazê-la, o grau de
privacidade para os intercursos sexuais, a perda da atração, a ansiedade, os
estímulos eróticos negativos, o status social, entre outros(6). Condições
comumente presentes na vivência da sexualidade de pessoas idosas.
Retomando o discurso dos entrevistados, observamos que, apesar de boa parte
deles não atribuir sentido ao corpo envelhecido por não vivenciarem tal
fenômeno, outros reconhecem e vivem o seu corpo com restrições e marcas que os
depreciam. Frente a essa experiência, o retorno à identidade anterior não é
mais pensado ou possível, ocorrendo mudanças na vida cotidiana desses idosos.
... o corpo envelhecido é um problema. Com ele você já não tem força
nas pernas, você já não pega em peso, você passa a depender dos
outros. Tudo isso pesa, minha amiga! (Sr. I, 65 anos)
... esse corpo de hoje é a sobra [...] (Sr. G, 73 anos)
... ah! Na velhice o corpo sente, não tem jeito. É um corpo sem
potência. É tudo diferente. Vêm as dores, o namoro não é mais do
mesmo jeito, tudo muda. (Sr. L, 67 anos)
... meu corpo hoje está decadente. O envelhecimento do meu corpo
representa frustração total. O mal da velhice é essa transformação do
corpo [...] Você já não tem mais aquele vigor, aquela força física de
sair pra caminhar, ir a um Banco! A mente é cansada, não acompanha.
(Sr. M, 71 anos)
Esse grupo de homens ao se posicionarem sobre o corpo envelhecido, ressalta,
principalmente, as transformações ocorridas na sua dimensão biológica ou
física. Há, assim, por parte dos entrevistados, a denúncia de um corpo
alquebrado que padece à passagem do tempo, que perdeu, em graus variados, sua
força, sua energia e sua potência, tomando contornos desconhecidos através de
modificações. Contudo, esse corpo marcado pela impotência confere a esse senhor
uma história pra contar:
eu não tenho um corpo forte, assim resistente, potente, mas tenho
muita coisa pra contar. É só olhar para os cabelos brancos [...]
Seria bom todo mundo envelhecer pra entender muita coisa da vida.
(Sr. L, 67 anos)
Cabe destacar que, na contemporaneidade, especialmente nas sociedades
ocidentais, os fatos presentes na memória dos idosos, a exemplo daqueles que o
Sr. L têm pra contar, possuem importância secundária, podendo parecer antiquada
para os mais jovens. Na época da informação, diminuiu a comunicabilidade da
experiência, não há mais conselhos, a busca da sabedoria perdeu as forças,
pois, se tudo é relativo, cada um fica com sua opinião(7).
Quanto à estética corporal, apesar de ela estar afetada no envelhecimento, os
homens não a referenciam como problema, no entanto não esquecem de pontuar o
corpo do seu desejo.
... eu queria ter um corpo novo que me fizesse viver assim uma
situação segura, com menos problemas. (Sr. G, 73 anos)
... eu gostaria de ter um corpo jovem, de trinta anos, quando eu
tinha os braços fortes. Quando eu era mais simpático do que sou. Eu
gostaria de ter permanecido naquele estado. (Sr. I, 65 anos)
... queria ter um corpo novo, mais forte, com mais saúde. (Sr. G,73
anos)
... sinto saudade de quando era mais novo, de quando eu tinha
disposição pra trabalhar, de quando eu era forte, sadio. (Sr. H, 68
anos)
Embora não ocorra da mesma forma, nem na mesma época, para todas as pessoas,
não podemos negar que, à medida que o tempo se impõe, o corpo se deprecia: a
agilidade diminui, a plasticidade vai se tornando rude, a coordenação vai se
alterando pela falta de preservação do ritmo e da sequência normal dos
movimentos, e isso passa a ser motivo de preocupação para os idosos. Nesse
contexto, a realidade natural e concreta da velhice é incorporada, sendo este o
momento em que o significado do corpo se volta à funcionalidade. Já não é
necessário um corpo belo, mas sim um corpo forte e saudável. Afinal, homens que
se mantêm vigorosos, mesmo na senectude, parecem ter recebido mais consideração
social.
Assim, o ressentimento desses idosos não é com a presença das rugas, flacidez
ou cabelos brancos, pois isso é tratado com certa naturalidade dentro do
processo de vida masculina, mas com a ausência da robustez e da disposição
corporal, pois esses atributos, além de muitos outros, sempre estiveram
associados ao ser masculino e foram pensados como qualidades em si positivas,
desejáveis, dignas de constarem como aquelas que a própria sociedade
contemporânea projeta para os indivíduos (8).
O corpo envelhecido para esses depoentes é medido, além da idade cronológica,
por determinadas características físicas e modificações no seu estilo de vida,
isto é, as representações sobre seu corpo falam de uma perda gradativa da
força, da potência e da independência. Já quando lhes solicitamos, durante a
entrevista, pensarem durante toda a sua trajetória de vida e, nessa reflexão,
procurar identificar o que mais contribuiu para o envelhecimento do seu corpo,
os idosos assim se posicionaram:
... trabalho, muito trabalho. (Sr. A, 69 anos)
... o trabalho na roça. Trabalhei desde criança mais meu pai. Ele
queria que eu saísse cedo de casa e só voltasse quando o sol se
escondesse. Aí, não estudei. (Sr. C, 71 anos)
... o trabalho pesado. Sem estudo, fiquei no trabalho pesado. (Sr. D,
74 anos)
... o trabalho deixou o corpo gasto. (Sr. D, 74 anos)
... o trabalho desgasta muito a gente. Sempre fui um homem de muito
trabalho, de muita preocupação com o sustento da família. (Sr. L, 67
anos)
Na leitura dessas falas, observamos que os homens se situam como ex-
trabalhadores, como indivíduos que têm "corpos gastos" pelo trabalho pesado,
implicando sua condição de gênero, como elemento fundante de seu envelhecimento
corporal. A preocupação com o "sustento da família", referida pelo Sr. L,
emerge, também, como fator contribuinte para o seu envelhecimento corporal.
Vale salientar que a ideia de "ser provedor", articulada às esferas do trabalho
e da família, constitui instância de referência para o reconhecimento do "ser
homem" no âmbito da masculinidade hegemônica. A "vida desregrada", permeada
especialmente por uma sexualidade instintiva e descontrolada, também atributo
dessa expressão de masculinidade, é apontada pelo Sr. G como um comportamento
envolvido no fato de ele ter um corpo problemático, sem saúde.
... eu tive uma vida desregrada, aí hoje vejo os problemas. Arrumei
umas doenças porque eu era da farra, do namoro! Dava umas puladinhas
de cerca! Eu tive um par de mulheres na vida. Minha esposa nunca
desconfiou. Hoje, meu corpo sofre, não aguenta mais, tá desmantelado
[...] Também nunca fui de procurar médico. Quando sentia alguma
coisa, tá certo que era pequena, eu resolvia em casa mesmo (Sr. G, 73
anos).
O uso do álcool, ainda um comportamento fortemente associado à masculinidade
idealizada nessa geração(9), também foi pontuado por alguns homens como um
fator desencadeante das suas modificações corporais, especialmente pelo seu
adoecimento.
... acho que as mudanças do meu corpo vieram da bebida, mas já venci
esse problema. Agora, só quando adoeci. (Sr. E, 72 anos)
... nada contribuiu mais para o envelhecimento do meu corpo do que a
bebedeira. Já tive até doença no fígado. Agora tou proibido. (Sr. I,
65 anos)
Esse evento, entre outros fatores, pode ter recebido influência do modo como os
homens enfrentam o trato de sua saúde e de seu corpo. Os homens, por se
sentirem invulneráveis, se expõem mais a riscos, a exemplo do uso de
substâncias, e acabam ficando vulneráveis(10). Associadas a isso, encontram-se
fortalecidas suas dificuldades de verbalizar as próprias necessidades de saúde,
pois falar desses problemas pode significar uma possível demonstração de
fraqueza, de feminização perante os outros(11).
Considerando o exposto, verifica-se que o gênero tem grande força explicativa
do status de saúde declarado pelos idosos, especialmente da morbidade percebida
(12). Fatores culturais determinam menor expressão de desconfortos ou
necessidade de cuidados entre os homens do que entre as mulheres,
independentemente do status socioeconômico e do tipo de arranjo familiar.
O fato de os homens tenderem a receber mais cuidados domésticos [principalmente
das mulheres] do que as mulheres também pode influenciar a busca mais tardia de
ajuda profissional por parte deles, os quais passam a requerer este auxílio
apenas quando os cuidados ora referidos não forem mais suficientes(13).
Por fim, suscitamos os homens a realizarem a seguinte reflexão: como o senhor
percebe o corpo da mulher idosa? Neste questionamento, averiguamos a produção
de um discurso que aponta o corpo da mulher, quando comparado com o deles, como
um corpo "mais fraco".
... a mulher evita muitas coisas. É mais reservada e, por isso, evita
muitos problemas, mas na velhice seu corpo é mais fraco. (Sr. B, 70
anos)
... tem hora que eu acho que o corpo da mulher é melhor. A mulher é
dura de morrer! Olha quantas tem aqui! Tudo fazendo física!
[sorriso]. Eu digo isso, mas se eu me basear pelo o que eu sinto, aí
eu acho que o corpo do homem é mais resistente, né? Porque elas tão
aí, mas muitas têm doença. Pode perguntar? Muito mais que eu. (Sr. A,
69 anos)
... a mulher sente mais a velhice do que o homem. (Sr. D, 74 anos)
... Mulher é mulher! É um corpo mais fino, mais fraco. Aí na velhice
é pio.r (Sr. F, 68 anos)
Compreendemos que essa concepção dos idosos de que o corpo da mulher é mais
fraco, e se torna mais frágil ante a velhice, é referendada por um processo
histórico e cultural, presente desde a antiguidade, que se consolida após o
século XVIII com o discurso e as práticas médicas, guardando alguns vestígios
na contemporaneidade, que postula um corpo ontologicamente diferente para o
masculino e para o feminino, dotando este de uma inferioridade dada pela
natureza(14), ou seja, nesse pensamento dicotômico e assimétrico, que sempre
hierarquiza um dos polos, o corpo feminino é sempre tratado como o outro no par
de opostos: o inferior. Esse pensamento se distancia do entendimento da
situação e do espaço que o corpo, seja masculino ou feminino, ocupa no cenário
sócio-político, e afeta as representações e autorrepresentações do gênero.
Não obstante, esse entendimento relativo ao corpo feminino não foi unânime
entre os homens, encontramos o Sr. I, que se coloca com um pensamento mais
avançado, "um pouquinho acima", do que aquele manifesto pelos demais depoentes
e se opõe a tal crença.
O corpo da mulher idosa é o mesmo corpo envelhecido do homem; agora,
a sociedade é louca, imbecil e idiota. Ela é falsa. Aí vêm os valores
sociais, por exemplo: se você encontrar um homem idoso ainda
namorador, a sociedade fica quietinha, mas se você encontrar uma
mulher idosa ainda namorando, a história é outra, completamente
diferente. Agora eu penso assim porque eu vejo um pouquinho acima.
(Sr. I, 65 anos)
Cabe destacar que, nos mecanismos de comparação social, se observam diferenças
de sentido nos pensamentos empregados para se referir aos homens e às mulheres
idosas, contribuindo para a cristalização de preconceitos que suscitam
representações distintas para o corpo masculino e feminino, bem como para suas
vivências, incluindo a sexual, marcando diferenças na maneira de homens e
mulheres lidarem com o próprio desejo, sendo as mulheres as mais afetadas por
esses preconceitos(15-16).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os dados produzidos neste estudo revelam, parcialmente, uma realidade que foi
recortada e que traduz experiências que estão sendo gestadas de modo
particular, retratando, em parte, a realidade de homens idosos que nos falam do
seu corpo envelhecido, bem como de sua concepção acerca do corpo da mulher na
senescência.
Na leitura desse fenômeno, encontramos alguns idosos que percebem seus corpos
ainda jovens, afastando de si possíveis vestígios de velhice, e outros, que
visualizam sua dimensão corporal frágil e disfuncional, corroborando com a
proposição de que o envelhecimento é um evento universal que gera problemas
comuns, mas que podem ser vividos e resolvidos diferentemente de indivíduo para
indivíduo, inclusive dentro de uma mesma cultura.
A percepção do corpo da mulher idosa expressa por parte dos homens
entrevistados é formatada a partir da crença de que ela possui corpo frágil ou
fraco, revelando marcas da sua identidade de gênero elaborada no curso de um
processo social e histórico, que imprime às mulheres uma suposta deficiência
corporal para justificar as desigualdades sociais entre os gêneros das quais
elas são vítimas.
O todo aqui apresentado encerra a velhice e, consequentemente, o corpo
envelhecido numa pluralidade de experiências individuais que impossibilita
retê-la num conceito único ao investigá-la, deixando ao alcance do pesquisador
somente a possibilidade de confrontar diferentes formas de envelhecimento uma
com as outras, e a tentativa de desvelar as razões de suas divergências.