Competências do enfermeiro: estudo em um hospital privado
INTRODUÇÃO
No século XX, precisamente a partir da década de 70, o novo modelo produtivo
configurado, baseado na flexibilização dos processos e mercados de trabalho,
dos produtos e padrões de consumo, exigiu um "novo" profissional que se adeque
às exigências de uma nova realidade para o mercado, sendo considerada sua
capacidade como ser humano, ou seja, criatividade, versatilidade,
flexibilidade, capacidade de relacionar-se, comunicar-se, resolver problemas,
na qual o "saber ser" dá lugar ao "saber fazer". Esse modelo estendeu-se também
ao setor saúde que passou a ser encarado como relevante para o conjunto do
sistema econômico. Essas transformações propõem novas relações no mercado de
trabalho, novos mecanismos de gestão e exigências de novos perfis profissionais
nesse setor(1-3).
Na Enfermagem, verifica-se uma tendência do deslocamento do enfermeiro de áreas
operacionais para áreas estratégicas da organização, enfatizando a mudança de
papéis no âmbito hospitalar(4). Isso pressupõe uma busca de qualificações por
parte dos enfermeiros visando atender às novas demandas do trabalho desse
profissional, abrindo-lhe novas perspectivas no mercado de trabalho diante da
ampliação do escopo do seu cargo. Para muitos enfermeiros, a atuação em funções
gerenciais e assistenciais representa uma situação conflituosa e de indefinição
de papéis, uma vez que, ao assumirem várias atividades, torna-se impossível a
priorização e conciliação dessas(5). Muitos enfermeiros se perdem na função
gerencial por não atingir o equilíbrio entre tomada de decisão e implementação
das ações(6).
O gerenciamento em enfermagem é visto como uma atividade complexa, na qual são
exigidas dos profissionais competências cognitivas, técnicas e atitudinais
indispensáveis à implementação de estratégias administrativas(6). A
participação do enfermeiro em cargos gerenciais decorre de conhecimentos
relacionados à operacionalização do cuidado ao cliente, à capacitação na área
administrativa, à habilidade de coordenar o trabalho da equipe
multiprofissional e sua relação com a clientela(5). No exercício da gerência, o
enfermeiro é um intermediador das ordens médicas e da alta administração,
repassando aos membros da equipe de trabalho a ideologia emanada da
organização.
Diante desse contexto, pode-se resumir o problema de pesquisa da seguinte
forma: o enfermeiro é um profissional cada vez mais demandado em ações de
diversas naturezas, já que a face gerencial dessa profissão é marcante e a
gestão, por si própria, é percebida como uma atividade ambígua e contraditória
(7). Assim, ele tem que formar e desenvolver competências que sejam capazes de
manter seu desempenho em níveis satisfatórios. Esse julgamento não passa apenas
pelo próprio sujeito, pois a competência envolve o reconhecimento de terceiros
que, no caso dos enfermeiros, referem-se aos membros de uma equipe maior e
multidisciplinar, além de outros atores sociais que participam indiretamente do
seu cotidiano laboral.
Assim, consideram-se os papéis a serem desempenhados pelos enfermeiros-
gestores, enquanto comportamentos esperados por eles próprios e por terceiros
(inclusive subordinados), e as competências necessárias para tal desempenho, o
que é contemplado no modelo de Quinn et al.(8), escolhido como base analítica
nessa pesquisa. Assim, sua questão norteadora encontra ressonância no problema
de pesquisa descrito nesta introdução e pode ser resumida da seguinte forma:
como se encontram configuradas as competências gerenciais, exigidas e efetivas,
dos enfermeiros que atuam em um hospital da rede privada de saúde em Belo
Horizonte, na percepção de enfermeiros e de outros membros da equipe de
enfermagem?
Tendo em vista os aspectos abordados, esta pesquisa teve como objetivo:
descrever e analisar como se encontram configuradas as competências gerenciais,
exigidas e efetivas, dos enfermeiros que atuam em um hospital da rede privada
de saúde em Belo Horizonte-MG, na percepção de enfermeiros e de outros membros
da equipe de enfermagem.
REFERENCIAL TEÓRICO
Competências Profissionais e Gerenciais
A noção de competência ocupa um espaço ainda indefinido encarado como a forma
de repensar as interações entre as pessoas, seus saberes e capacidades e, por
outro lado, as organizações interligadas aos processos de trabalho essenciais e
relacionais (relação com clientes, fornecedores e trabalhadores). Diante dessas
considerações, a noção de competência aplica-se a capacidade de mobilizar e
aplicar conhecimentos em uma determinada situação. Para que haja competência,
torna-se necessário a ação de vários recursos como conhecimentos, capacidades
cognitiva, capacidades integrativas, capacidades relacionais, dentre outros, os
quais são testados frente aos desafios de um novo projeto, de problemas.
Através da ação e do aprendizado, tem-se a oportunidade de desenvolver a
própria competência(9).
Nos estudos de Vergara e Branco(10), identifica-se a necessidade de
competências requeridas aos profissionais que atuam nas organizações frente à
adaptação dessas às transformações no mundo dos negócios. A competência
gerencial exige o desenvolvimento de habilidades operacionais e a capacidade do
gerente em lidar com as forças dentro e fora das organizações por meio do
desenvolvimento de atitudes, valores e visões de mundo. Destacam-se como
competências gerenciais adequadas ao atual contexto organizacional: gerir a
competitividade, gerir a complexidade, gerir a adaptabilidade, gerir equipes,
gerir incerteza e gerir o aprendizado(11).
Gerir competitividade relaciona-se ao conhecimento do mercado e do ambiente, do
espírito empreendedor, à iniciativa e autonomia, à visão estratégica ou
pensamento estratégico, ao direcionamento para resultados do negócio, ao
conhecimento da tecnologia de sistemas, ao gerenciamento do desempenho e
produtividade e ao conhecimento financeiro e do negócio. Gerir complexidade
relaciona-se à visão global ou sistêmica, capacidade de análise e síntese,
tomada de decisão, habilidade de lidar com conceitos, habilidade de negociação,
flexibilidade. A competência gerir a adaptabilidade enfatiza a flexibilidade, a
adaptabilidade e disposição para mudança como competências necessárias aos
gerentes. A gestão da adaptabilidade implica equilíbrio emocional, tolerância
ao estresse e à ambigüidade, energia e maturidade. A criatividade como
habilidade em buscar soluções inovadoras voltadas para métodos e processos
também se refere à gestão da adaptabilidade. Mesmo com essas competências
reconhecidas nos gerentes, ressalta-se a competência gerir equipes como
necessária para o alcance organizacional(10).
Para a competência gerir equipes, ressalta-se a necessidade do trabalho em
equipe que envolve a delegação e o empowerment, a capacidade de liderar por
meio da habilidade de mobilizar e influenciar pessoas, motivando-as para o
alcance dos objetivos e pela capacidade de comunicar uma visão clara do negócio
atingindo comprometimento. A habilidade de relacionamento interpessoal, empatia
interpessoal e influência. Essas competências estão relacionadas às aptidões
atitudinais e comportamentais(10).
Em se tratando da competência gerir a incerteza, esta se relaciona à capacidade
de julgamento, perspicácia, percepção, transparência nas ações, ética
profissional, consistência pessoal. A competência gerir o aprendizado
direciona-se ao autodesenvolvimento voltado para o crescimento pessoal e
profissional, capacidade em manter-se informado e agilidade para novas
aprendizagens bem como a capacidade quanto ao desenvolvimento das pessoas para
obtenção de vantagem competitiva(10).
Contata-se que as competências requeridas aos gerentes das empresas estudadas
por Vergara e Branco(10) são congruentes em relação aos pontos de vista, o que
indica o reconhecimento de ameaças e oportunidades comuns enfrentadas pelas
organizações. Isso demonstra que, frente ao contexto em que os gerentes atuam,
as competências não se isolam, diversas competências são necessárias para a sua
atuação.
Nesse sentido, as competências profissionais específicas (cognitiva, funcional,
comportamental, ética e política) podem atuar concomitantemente de maneira a
promover manifestação efetiva da competência profissional(12). No caso de
profissionais que têm assumido funções gerenciais, como os enfermeiros, tais
competências circunscrevem-se de particularidades, tendo em vista os papéis a
serem desempenhados em contextos muito específicos, como é o caso da saúde no
Brasil. Torna-se relevante, então, apresentar e discutir o modelo adotado na
pesquisa, tendo em vista contemplar papéis gerenciais diferenciados cujo
desempenho depende de certas competências, conforme será descrito a seguir.
Modelo de Competências Gerenciais de Quinn e colaboradores
De acordo com Quinn et al.(8), atingir a eficácia organizacional num ambiente
dinâmico tornou-se um desafio. Em meados da década de 1990, os autores concluem
pela inexistência de um modelo único que oriente os gerentes na consecução dos
objetivos organizacionais, sendo necessário abordar quatro modelos de gestão em
uma matriz mais ampla, considerando o foco (interno ou externo) e nível de
institucionalização de processos (flexibilidade ou controle). Assim,
classificam os modelos gerenciais como: metas racionais, processos internos,
relações humanas e sistemas abertos. Isoladamente, nenhum desses modelos
proporciona a eficácia organizacional. É necessário considerá-los como parte de
um arcabouço maior, chamado de "quadro de valores competitivos". Os modelos
estão relacionados em dois eixos: o eixo vertical que vai da flexibilidade (em
cima) ao controle (embaixo) e o eixo horizontal que vai do foco organizacional
interno (esquerda) ao foco organizacional externo (direita). Cada modelo é
inserido em um dos quadrantes. O modelo das relações humanas enfatiza os
critérios de participação, abertura, compromisso e moral. Os critérios
enfatizados no modelo dos sistemas abertos são inovação, adaptação, crescimento
e aquisição de recursos. O modelo de metas racionais enfatiza direção, clareza
de objetivos, produtividade e realização. Os critérios relacionados à
documentação, gerenciamento de informações, estabilidade e controle são
enfatizados no modelo de processos internos. Além dos critérios destinados a
cada meta, alguns valores gerais figuram no perímetro externo.
Deste modo, cada modelo se relaciona a um oposto. O modelo das relações
humanas, relacionado à flexibilidade e foco interno, estabelece contraste com o
modelo das metas racionais, definido pelo controle e foco externo; o dos
sistemas abertos, direcionado à flexibilidade e foco externo, contrasta com o
modelo dos processos internos, definido pelo controle e foco interno. O modelo
das relações humanas considera que as pessoas possuem um valor inerente, já no
de metas racionais, as pessoas adquirem valor a partir de uma contribuição
significativa para o cumprimento das metas. Nos sistemas abertos, este cuida da
adaptação à contínua transformação do ambiente, enquanto o modelo dos sistemas
internos visa à manutenção da estabilidade e continuidade no sistema(8).
Esses quatro modelos compõem o modelo gerencial de Quinn et al.(8), intitulado
como "quadro de valores competitivos", conforme visualizado na Figura_1.
![](/img/revistas/reben/v64n3/a15fig01.jpg)
Diante desses extremos, ao comparar um modelo em relação ao outro, a tendência
é a desvalorização de um ou outro, o que comprova a necessidade de um bom
desempenho nos quatro modelos concomitantemente, proporcionando elevada
efetividade à estratégia gerencial. Ressalta-se que cada modelo aponta para os
benefícios de estratégias diferentes e até contrárias. Essa estrutura
constitui-se em uma ferramenta que tem como abordagem a ampliação do pensamento
com foco na escolha e na eficácia. Para que essa ferramenta seja útil, deve-se
seguir três passos: apreciar vantagens e desvantagens de cada modelo, adquirir
e utilizar as competências de cada modelo, integrar as competências de cada
modelo de acordo com a situação gerencial encontrada(8).
Considerando o foco na eficácia do gestor, especificam-se papéis que podem ser
experimentados por um gerente em cada um dos modelos(8). No modelo das metas
racionais, os papéis são de diretor e produtor; nos processos internos, são de
monitor e coordenador; no modelo das relações humanas, os papéis são de
facilitador e de mentor e nos sistemas abertos, de inovador e negociador. Cada
papel compreende três competências gerenciais básicas que ao mesmo tempo
complementam aquelas com que fazem fronteira e contrastam com aquelas que se
opõem. Quinn et al.(8:25) as descrevem da seguinte forma: Inovador (convívio
com a mudança, pensamento criativo, gerenciamento da mudança); Negociador
(constituição e manutenção de uma base de poder; negociação de acordos e
compromissos; apresentação de idéias); Produtor (produtividade do trabalho;
fomento de um ambiente de trabalho produtivo; gerenciamento do tempo e do
estresse); Diretor (desenvolvimento e comunicação de uma visão; estabelecimento
de metas e objetivos; planejamento e organização); Coordenador (gerenciamento
de projetos; planejamento do trabalho, gerenciamento multidisciplinar); Monitor
(monitoramento do desempenho individual; gerenciamento do desempenho e
processos coletivos; análise de informações com pensamento crítico);
Facilitador (constituição de equipes; uso de um processo decisório
participativo; gerenciamento de conflitos); Mentor (compreensão de si próprio e
dos outros; comunicação eficaz; desenvolvimento dos empregados).
É necessário habilidade para desempenhar os oito papéis e ter a capacidade de
mesclar e equilibrar esses diferentes papéis de acordo com as exigências das
circunstâncias. Para atingir a categoria de "gerentes eficazes", deve-se
considerar os valores concorrentes através do uso de mentalidades diversas, o
uso de competências associadas aos quatro modelos e integrar as várias
competências que confrontam com a ação. Para tornar-se um gerente capaz, há
sempre algo a aprender que irá desenvolver novas habilidades e, nessas
circunstâncias, à medida que se avança na hierarquia organizacional, novas
competências são adquiridas, "entregues", outras desaprendidas, reconhecidas,
deparando-se dessa forma com novas responsabilidades e desafios(8).
METODOLOGIA
Este estudo teve como objetivo descrever e analisar como se encontram
configuradas as competências gerenciais, exigidas e efetivas, dos enfermeiros
que atuam em um hospital da rede privada de saúde em Belo Horizonte-MG, na
percepção de enfermeiros e de outros membros da equipe de enfermagem.
Caracteriza-se esta pesquisa de campo como descritiva e com abordagem
essencialmente qualitativa. A pesquisa de campo é a investigação onde ocorre ou
ocorreu o fenômeno e que dispõe de elementos para explicá-lo(13). Nesse
sentido, os dados foram coletados em um hospital da rede privada de saúde,
localizado em Belo Horizonte-MG. Ressalta-se que esta pesquisa foi aprovada
pelo Comitê de Ética em Pesquisa (Protocolo nº 277/08) do referido hospital,
tendo sido todos os respondentes noticiados a esse respeito.
Ressalte-se que a pesquisa descritiva pode estabelecer correlações entre
variáveis e sua natureza, serve como base para explicação de fenômenos, embora
não tenha compromisso de explicar os fenômenos que descreve, e expõe
características de determinada população(13). Os dados provenientes de métodos
qualitativos consistem em descrições detalhadas de situações com o objetivo de
compreender os indivíduos em seu próprio termo(14). Esse método permitiu
compreender a realidade investigada a partir de entrevistas com enfermeiros e
outros membros da equipe de enfermagem.
Para a coleta de dados, procedeu-se ao levantamento documental (descrição de
cargos e competências dos enfermeiros), realização de entrevistas com quatro
enfermeiros e com outros seis membros da equipe de enfermagem (técnicos de
enfermagem e auxiliares de enfermagem), com dois roteiros estruturados com
quinze perguntas cada, espelhadas de modo a permitir a comparação de respostas
entre os grupos abordados, com objetivo de levantar e aprofundar dados sobre as
competências gerenciais dos enfermeiros, exigidas e efetivas. Tendo em vista a
coleta de dados em fontes distintas, caracterizou-se uma triangulação de dados
(15). Ressalta-se, ainda, que os dados foram coletados seguindo o critério de
acessibilidade(13) aos sujeitos, mediante autorização do hospital, os quais,
concordando com os termos da pesquisa, assinaram o Termo de Consentimento Livre
e Esclarecido. Os sujeitos foram selecionados na medida em que os contatos
foram feitos e eles se dispuseram a participar desse processo. Aqueles que se
recusaram a assinar o Termo ou não foram autorizados pelo hospital, foram
excluídos da pesquisa, cuja coleta de dados se deu no primeiro semestre do ano
de 2009.
Quanto às técnicas para a análise de dados, os dados provenientes do
levantamento documental sofreram análise documental. Já os dados das
entrevistas foram tratados e analisados em três fases(16): preparação,
tabulação quantitativa e análise ou categorização temática. Na primeira fase,
as entrevistas transcritas passaram por uma análise de conteúdo. Na segunda
fase, foi elaborado um quadro interpretativo cruzando as temáticas destacadas
diante das entrevistas, fornecendo um quadro síntese. Através desse quadro,
tornou-se possível um mapeamento do grupo entrevistado, reunindo aproximações
e, após agrupamentos em uma mesma linha condutória, criou-se um eixo de análise
que possibilita a identificação de perfis semelhantes. Esse quadro possibilitou
uma tabulação quantitativa, e tornou-se possível obter uma visão ampliada dos
dados quantificados das entrevistas com a utilização de estatística descritiva,
apresentada em formato de tabela. Na terceira fase, foi realizada a construção
de uma tipologia através de cortes intencionais identificados pelo conteúdo das
entrevistas, permitindo uma categorização temática. Essa fase permitiu a
extração de temas e ideias que extrapolaram o roteiro de entrevista e que se
manifestaram nos entrevistados como alvo de preocupação merecendo devida
atenção para construção de uma planilha temática.
Convém ressaltar que a técnica de análise de conteúdo foi a técnica-chave para
a análise dos dados. A análise de conteúdo é um conjunto de técnicas de análise
das comunicações(17), por meio de procedimentos sistemáticos e objetivos da
descrição do conteúdo das mensagens. O interesse dessa técnica reside na
interpretação dos dados tratados, transformados em saberes que podem ser de
natureza psicológica, sociológica, histórica, econômica, dentre outras. Visa
também obter conteúdo de indicadores (quantitativos ou não) que permitam
aquisição de conhecimentos relativos às variáveis inferidas da mensagem. A
análise de conteúdo possui duas funções: função heurística e função de
"administração da prova"(17). A função heurística enriquece a tentativa
exploratória e favorece a propensão à descoberta. A função de "administração da
prova" utiliza-se de hipóteses que servirão ao método de análise sistemática
para verificação de confirmação de uma afirmação. As duas funções podem ser
complementares. A análise de conteúdo é considerada como um método formal para
pesquisas qualitativas, uma vez que o texto analisado é convertido em variáveis
numéricas para análise quantitativa de dados em termos de reincidência das
percepções dos sujeitos(15).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
O hospital X e as competências exigidas dos enfermeiros
O hospital X é uma instituição hospitalar sem fins lucrativos, com atendimento
em diversas especialidades clínicas; possui mais de 300 leitos distribuídos em
apartamentos e enfermarias. Conta com um quadro funcional total de
aproximadamente 1500 funcionários, sendo 764 funcionários da enfermagem (92
enfermeiros e 672 técnicos de enfermagem e auxiliares de enfermagem).
Existem, no hospital X, 45 setores onde o enfermeiro pode atuar ,e 3 cargos
ocupados apenas por enfermeiros (gerente, coordenador e enfermeiro), todos
descritos e analisados, incluindo-se a descrição de todas as competências
necessárias ao desempenho das tarefas e atribuições prescritas. Contabilizando-
se tais diferenciações, foram disponibilizadas dezenove descrições de cargos e
competências, e apenas três dessas descrições não foram disponibilizados para
este artigo. Após leitura de todas as descrições e competências dos cargos
ocupados por enfermeiros, verificou-se a predominância do papel de monitor em
relação aos demais, tendo em vista o alinhamento de cada competência de cada
cargo exercido por enfermeiro no hospital a um dos papéis do modelo adotado(8).
Além do papel de monitor, percebeu-se que os papéis de produtor e o de mentor,
e as respectivas competências, são os mais requeridos formalmente dos
enfermeiros no hospital X. Isso implica que o modelo de gestão está mais
direcionado para o controle do que para flexibilidade e parece ser o prescrito
institucionalmente para a atuação dos enfermeiros de modo geral neste hospital,
indicando a atuação em dois modelos de gestão: Modelo de Processos Internos e
Modelos das Metas Racionais. Percebe-se também que o papel de negociador é o
menos exigido para a atuação desses enfermeiros, seguido dos papéis de
inovador, coordenador, diretor e facilitador respectivamente.
Como o prescrito pode não ser o realmente efetivado na realidade organizacional
investigada, segue-se a apresentação dos dados referentes às percepções da
atuação do enfermeiro, segundo eles próprios e segundo os demais membros da
equipe de enfermagem por meio das entrevistas.
As competências gerenciais dos enfermeiros do hospital X
Os dados oriundos das entrevistas estão apresentados em duas seções: dados
demográficos e funcionais dos entrevistados e dados relativos às percepções de
enfermeiros e de outros membros da equipe de enfermagem em relação ao exercício
das funções gerenciais por parte dos primeiros, sendo que procedeu-se à análise
das repostas à luz do modelo adotado, ou seja, indicando os papéis gerenciais
correlatos, segundo Quinn et al.(8).
Foram realizadas 10 entrevistas, sendo 4 com enfermeiros e 6 com outros membros
da equipe de enfermagem (técnicos e auxiliares de enfermagem). Destes, 4 eram
do sexo masculino e 6 do sexo feminino. Em relação à faixa etária, a maioria
dos entrevistados (6 deles) possui idade igual ou superior a 36 anos. Quanto ao
estado civil, 5 entrevistados eram casados e 5 solteiros. Ao se tratar de
escolaridade, 4 possuiam ensino superior incompleto, 2 ensino médio completo, 2
ensino superior completo e 2 entrevistados possuíam especialização. Dentre os
entrevistados, 6 eram enfermeiros e 4 técnicos de enfermagem. Dos enfermeiros
entrevistados, todos exercem a função de enfermeiro (supervisor) no hospital.
Já entre os técnicos de enfermagem, 2 exercem a função de auxiliar de
enfermagem II e 2 a função de técnico em enfermagem. Em relação ao tempo de
trabalho no hospital, percebe-se que metade dos entrevistados (5 deles)
trabalham há mais tempo no hospital. Quanto ao tempo de atuação na função no
hospital, 4 entrevistados estão na função de 1 a 5 anos, 2 de 6 a 10 anos, um
de 16 a 20 anos, um há mais de 20 anos e outro de 11 a 15 anos. Quanto ao tempo
de experiência na função exercida incluindo outras organizações, 3
entrevistados já atuam há mais de 20 anos, 2 de 16 a 20 anos, 2 de 11 a 15
anos, 2 de 6 a 10 anos, 2 de 1 a 5 anos.
A partir das entrevistas com os dois grupos (enfermeiros e outros membros da
equipe de enfermagem), verificou-se, por meio das respostas dos enfermeiros
abordados e segundo os papéis e competências correlatas do modelo de Quinn et
al.(8), que estes deveriam exercer mais os papéis de facilitador e monitor,
pois o papel de produtor foi recursivamente citado e criticado em certos pontos
de vista, principalmente como um papel que tem sido prioritário, mas que não
representa a complexidade das atividades e do exercício da função no hospital
onde a pesquisa foi realizada. Já para os outros membros da equipe de
enfermagem, estes consideram que os enfermeiros deveriam exercer mais o papel
de facilitador, voltando-se mais para aspectos assistenciais, fato que indica a
fragmentação e a variedade de exigências da função gerencial exercida pelos
sujeitos centrais desta pesquisa, cuja competência foi questionada em vários
momentos, indicando a necessidade de se atuar em diversos papéis que exigem
competências diversificadas. Observam-se os relatos de enfermeiros (ENF) e dos
outros membros da equipe (OM):
... Poderia dar... delegar... poderia ter mais ação de delegação para
que o enfermeiro possa é... dar mais assistência, e o enfermeiro
também deveria se mais assim ... durante o trabalho, suporte é...
mais... de conhecimento científico, ter mais treinamento né... (ENF1)
Bom, no sentido geral, o enfermeiro tem que ter papel tanto
administrativo, organizar o seu setor, acompanhar os funcionários,
é... toda a parte administrativa, manutenção de materiais, manutenção
de equipamentos, tem que gerenciar o seu setor, e também não pode
deixar o seu lado assistencial. Você tem o lado de atendimento ao
paciente, procedimentos específicos do enfermeiro, a evolução diária,
a anamnese, né... então seria todo esse trabalho, o administrativo
com o assistencial. (ENF2)
Ter mais compromisso, mais responsabilidade, ser mais responsável com
o que faz, ter atitudes, em direção a melhorar o trabalho dos
técnicos e de si próprio né... poder estar ajudando ao paciente nas
necessidades dele, não ficar só atrás da mesa usando papel porque
para mim isso é importante, mas não tanto quanto o cuidado mais
próximo. (OM2)
É... eu acho que ele deveria ser menos autoritário e mais
comunicativo com a equipe. (OM3)
... Eu penso que a enfermagem... o enfermeiro, ele deveria trabalhar
em conjunto com os técnicos. Infelizmente né... na atualidade da
enfermagem os enfermeiros estão ficando muito isolados... [...] Ah...
atuar mais efetivamente [risos] ... na enfermagem mesmo. (OM4)
Assim, a percepção entre os entrevistados a respeito dos papéis e das
competências gerenciais ideais do enfermeiro destoam do prescrito pelo
hospital, ou seja, o hospital espera que eles ajam como monitores, produtores e
mentores, enquanto os enfermeiros acreditam que deveriam agir como
facilitadores e monitores e os outros membros da equipe indicaram o
comportamento ideal cirscuncrito ao papel de facilitador, o que indica um
desnível em termos de comportamentos esperados.
Em relação a como o enfermeiro é, efetivamente, a maioria dos enfermeiros
respondentes consideram que os enfermeiros são mais burocráticos e menos
assistenciais, o que enfatiza o papel de produtor. Apenas um enfermeiro relatou
existir um equilíbrio entre as atividades administrativas e as assistenciais.
Para os outros membros da equipe de enfermagem, estes também consideram que
efetivamente os enfermeiros deste hospital são mais burocráticos e menos
assistenciais, com com comportamentos voltados para o papel de monitor. Os
relatos abaixo ilustram tais percepções e análises.
[...] a parte científica deixa um pouco a desejar e acaba a gente
dando outras prioridades, e na parte assistencial procurando também
dar o máximo, porém temos que realizar muitas atividades
burocráticas, que impede a uma assistência mais efetiva. (ENF1)
Ele [...] fica por conta de burocracia, às vezes, até eu percebo que
eles precisam, mas não da forma correta para lidar com o paciente
[...]. Hoje eles estão falando muito do cuidado com o paciente e
deixando a responsabilidade não muitas vezes diariamente na mão dos
técnicos. (OM2)
Dentre os motivos da diferença entre como deveria ser e como realmente é o
enfermeiro do hospital X, verificou-se que os interesses empresariais do
hospital, na percepção dos entrevistados, exigem desses profissionais o
exercício de atividades administrativas e burocráticas, enfatizando o papel de
produtor, o qual foi alvo de inúmeras críticas pelos entrevistados. Os
comentários abaixo ilustram os posicionamentos dos sujeitos:
Porque realmente a gente está em um hospital né... numa empresa
privada e realmente empresa privada ela quer que o enfermeiro dê
conta das duas coisas, tanto da parte assistencial quanto da parte
burocrática. (ENF3)
Porque o hospital depende do financeiro, é necessário que o
financeiro seja bom! (ENF4)
Em minha opinião, eu acho que dependendo da instituição,
principalmente nos hospitais particulares, essa diferença existe,
porque o hospital visa lucro, então... esse lucro né... tem que ser
preocupação, a preocupação é de olhar a papeleta, mas nunca de ir no
quarto saber se o técnico está errando ao dar um medicamento. (OM4)
Para ser um "enfermeiro competente", os enfermeiros consideram a importância de
voltar-se para a equipe, do aprimoramento profissional por meio de educação
continuada e da capacidade de conciliar as atividades administrativas e
assistenciais. Os outros membros consideram como "enfermeiro competente" aquele
que se volta para a equipe, o que corrobora a opinião da maioria dos
entrevistados dos grupos. As dificuldades dos enfermeiros em se tornarem
competentes, para a maioria dos entrevistados dos dois grupos, relaciona-se à
pouca atenção dada à equipe e ao ambiente de trabalho. Observa-se, novamente,
pouca ênfase ao papel de facilitador e a exigência do papel de produtor. Notam-
se os relatos dos enfermeiros a respeito do "enfermeiro competente":
O enfermeiro competente é aquele que tem conhecimento do seu setor,
que sabe das suas necessidades, que sabe dos seus pontos fracos que
precisam melhorar [...], o processo é uma educação continuada tem
sempre estar treinando os novatos [...], a meu ver, a competência de
um profissional é ter o conhecimento do seu setor e trabalhar, ter
plano de ações para estar melhorando aquilo que ele acha que está
fraco, aquilo que ele pode estar melhorando tanto a nível é...
estrutural que precisa melhorar no setor como o lado profissional.
(ENF2)
Além de cuidar primeiramente dos seus técnicos, da sua equipe, cuidar
também dos pacientes, fazer aquilo que compete a eles [...], ele
assumir essa responsabilidade e não ter medo, não deixar por conta do
técnico que é quem realmente se sente desamparado. (OM2)
É... tecnicamente, mais também um lado humano que às vezes falta
muito, porque não somos só profissionais, somos seres humanos e isso
não é levado em conta. (OM3)
Que seja responsável, que seja humano e que tenha pulso, que saiba
é... como é que eu falo... que saiba... ver na hora quem está certo,
na hora quem está errado, que saiba solucionar os problemas e que
realmente esteja com vontade de solucionar os problemas. (OM5)
Considerando o total dos entrevistados, verifica-se que a maioria deles não
considera os enfermeiros do hospital X como competentes devido à pouca ênfase
para o papel de facilitador e maior ênfase para o papel de produtor. Porém, os
entrevistados consideram os enfermeiros competentes frente ao exercício do
papel de monitor com vistas à vontade de querer fazer o melhor.
Eu acho que todos são, eu acredito que exista comprometimento, que
exista vontade de querer fazer o seu melhor, para mim assim... eu
tento buscar isso né... é... tanto a nível aqui dentro de melhorias
como mesmo de fora, de estudar, de procurar conhecimentos... (ENF2)
Deixam a desejar. Porque realmente, na minha opinião, eles, não, é...
ouvem a equipe e não consegue liderar uma equipe como deveria ser.
(OM1)
[...] quando tem um procedimento de maior responsabilidade, eu vejo
que eles se esquivam, arrumam uma desculpa e deixa a responsabilidade
na mão do técnico, onde fica a sobrecarga, né... (OM2)
Diante dessa realidade, convém elucidar o que os enfermeiros têm feito para
serem competentes e reconhecidos como tal. Ao responderem, dois enfermeiros
relatam que, para ser um "enfermeiro competente", esses profissionais voltam-se
para a equipe no sentido de entrosar e esclarecer a equipe; dois responderam
que é por meio de educação continuada que o enfermeiro torna-se "competente";
dois consideram que o enfermeiro tem de dar conta do serviço burocrático e ao
mesmo tempo da assistência. Para os outros membros da equipe de enfermagem,
três deles consideram que os enfermeiros voltam-se para a equipe. A maioria do
total de entrevistados (5 deles) respondeu que, para se tornarem competentes,
os enfermeiros devem voltar-se para a equipe.
Acima de tudo educação continuada, buscando sempre aprimorar,
estudando, lendo, buscando novos cursos, novos conhecimentos e aqui
dentro, estar desenvolvendo projetos de trabalho... (ENF2)
Eu procuro administrar o meu tempo nas duas partes, no administrativo
e no assistencial. (ENF4)
É eu acho que é... tentar resolver os problemas que têm no setor
relacionado à equipe, a doentes, a tudo né... (OM5)
Tem enfermeiros que buscam o conhecimento, às vezes pergunta dúvidas,
pede para a gente estudar e fala também que vai estudar para tirar as
dúvidas da gente se ele não souber. Mas temos também os que não
preocupam não, não sabem mas também não estão nem aí... (OM6)
Em relação às dificuldades no processo em questão, ou seja, dos enfermeiros se
tornarem competentes, as intercorrências ocorridas no plantão, como
equipamentos que estragam e falta de funcionários, tornam-se um dificultador na
percepção de dois dos enfermeiros. Um enfermeiro considera que é a pouca
atenção para a equipe por parte do hospital em relação ao ambiente e à demanda
exigida, devendo haver uma preocupação em "desestressar" as pessoas. Dois dos
outros membros da equipe de enfermagem entrevistados relatam que os
dificultadores são a pouca atenção para a equipe e outros dois consideram a
falta de interesse por parte dos enfermeiros o grande dificultador do processo
de formação de suas competências.
Como a maioria dos entrevistados respondeu que a pouca atenção dada à equipe e
o ambiente de trabalho são os dificultadores para os enfermeiros tornarem-se
competentes, percebe-se que a gestão das competências desses profissionais está
atrelada às suas próprias capacidades e à forma de organização do seu trabalho
na organização em que se encontram inseridos. Observam-se os relatos abaixo:
Competente! Eu assim eu sinto uma falta assim de treinamento né...
[...] nesse ambiente... precisa ter alguma coisa para desestressar as
pessoas... (ENF1)
Eu acho que a maior dificuldade são as intercorrências dentro do
plantão, porque não existe uma rotina preestabelecida dentro do meu
trabalho, [...] um funcionário faltou... (ENF2)
O tempo, para conseguir conciliar as duas partes... (ENF4)
[...] ouvir mais a equipe e também o seguinte: elaborar novas
estratégias hospitalares para realmente ter esse resultado que não é
alcançado ainda. (OM1)
Se preocupar realmente com o quinto dia útil, é o que é importante
para um enfermeiro hoje, saber que ele está empregado e que está
ganhando [...] (OM2)
É exigido dele a burocracia, de estar preocupado sempre com o
equipamento, com o papel, com coisas que não tem tanta importância de
antes, de ver isso tudo, tem que cuidar do ser humano. (OM2)
Eles têm muitas coisas para fazer dentro do hospital e ele deve ter
algum tempo, mas não busca né, não sei por qual o motivo que ele não
busca... (OM6)
Quanto à contribuição do hospital para a formação e o desenvolvimento das
competências do enfermeiro, percebe-se uma certa diversidade em relação às
respostas: dois enfermeiros e dois membros relatam que o hospital contribui e
dois enfermeiros e um membro relatam que o hospital contribui pouco. No que diz
respeito à opinião dos outros membros da equipe de enfermagem, três consideram
que o hospital não contribui. Essa contribuição está relacionada aos
treinamentos oferecidos; porém, diante dos relatos, observa-se que os outros
membros não sabem ou não têm uma noção a respeito de qual competência será
desenvolvida por meio de qualquer recurso.
Eu acredito que sim, porque o hospital fornece o material de
trabalho, [...] ele me dá o treinamento, ele me dá suporte, se eu
tenho uma dúvida, eu tenho a quem recorrer para tirar essa dúvida,
né... eu acho que a outra parte compete à própria pessoa de ir buscar
né... buscar o treinamento, como uma pós-graduação ou outros cursos
paralelos né... e isso o hospital não te dá, não. (ENF2)
Contribui, eles estão sempre dando curso, eles estão sempre dando
palestra, eles estão sempre procurando meio de incentivar os
enfermeiros a aprender mais... a estar mais próximo. [...] eu não
tenho essa certeza porque são a portas fechadas. (OM2)
Não, eu acho que não contribui muito não, porque eles pedem para eles
assim... umas coisas que não tem muito haver né... com a realidade da
enfermagem. (OM6)
Em relação a como os enfermeiros se vêem no hospital, três deles disseram que
"sem tempo"; dentre os membros da equipe, um respondeu que os enfermeiros se
sentem como muito importantes e competentes, um respondeu que se sentem
recuados e inseguros, um os vê como sobrecarregados, um os percebem como "estar
em círculo" (sem sair do lugar) e um respondeu que se sentem sem visão do todo
e como inferiores. Os relatos a seguir são ilustrativos a esse respeito:
[...] nós enfermeiros vamos seguindo essas normas, [...] o espaço
para a gente criar é pouco, é pouco! [...] aí a gente fica sem tempo
porque a gente... há muitas tarefas, entendeu? (ENF1)
Sempre com medo, é... insegurança, é inseguro a maioria.. sempre... o
que eu ouço dizer, é que sempre tem aquele medo do "ser mandado
embora" amanhã. [...] eles têm vontade de dizer alguma coisa que
possa acrescentar, mais o medo é maior. (OM2)
Bom, pelo que eu converso com alguns que é a maioria, todos assim...
se vêem de uma forma assim... que eles estão naquele círculo ali...
né... que não sai daquele lugar, só isso! (OM4)
Como os outros membros da equipe de enfermagem vêem o enfermeiro do hospital X,
na percepção dos entrevistados, segundo os enfermeiros, há divergências de
opiniões e cada um dos entrevistados apresenta uma visão: como chefe, como
burocráticos, como aquele que oferece suporte e esclarece dúvidas da equipe, e
também como "apagador de incêndios". Para os outros membros da equipe, dois
deles consideram que os enfermeiros são vistos como chefe. Observam-se os
trechos selecionados das entrevistas que versam sobre como os outros membros da
equipe de enfermagem veem os enfermeiros, nas percepções de ambos os grupos
entrevistados:
Olha! ... eles vêem é... os enfermeiros... eles fazem muito trabalhos
administrativos, é... a gente faz muita conferência né... [...] a
gente tem que fazer um acompanhamento deles, para a gente é...
avaliar, é... eu acho que eles vêem a gente assim, como gente
administrativa com muita atividade administrativa. (ENF1)
Eu acredito que o enfermeiro aqui é um suporte, porque o técnico em
tudo, ele tem comparando o supervisor daquela unidade, então se ele
tem uma dúvida é a ele que vai recorrer, ele quer é... ter alguma
explicação sobre procedimentos, alguma coisa que ele precisa saber.
(ENF2)
Eu acho que eles vêem o enfermeiro tipo um apagador de incêndio,
qualquer incendiozinho que começa... e eles já estão chamando o
enfermeiro, acham que o enfermeiro é só para apagar o incêndio.
(ENF3)
Que eles têm chefia, a mesma de cobrança. É isso... (ENF4)
Nesse setor, é uma equipe muito boa, que a gente resolve os nossos
problemas aqui e tenha ajuda mútua, agora tem setores que é tipo
assim... ela é minha chefe, ele é meu chefe, e eu sou o técnico.
(OM5)
Em relação a como é o relacionamento com os enfermeiros do hospital, observa-se
que três enfermeiros responderam que o relacionamento é bom e um afirmou que é
tranquilo, o que reflete um relacionamento positivo entre a equipe de
enfermeiros. Para os outros membros da equipe de enfermagem, quatro informam
que o relacionamento é ótimo, um que é bom e outro, tranquilo, o que também
revela um relacionamento positivo entre os outros membros da equipe de
enfermagem e os enfermeiros. Nota-se que a opinião dos outros membros da equipe
de enfermagem justifica-se pela possibilidade de expor suas necessidades, tirar
dúvidas e conversar. Observam-se os relatos:
[...] a gente se encontra, conversam um pouquinho né... depois cada
um vai para o seu setor né, para resolver, para dar andamento ao
trabalho. (ENF1)
É super tranquilo, todo mundo é bacana, gente boa, é super tranquilo.
(ENF3)
Ótimo! Graças a Deus... com todos! (OM2)
Oh... eu nesses 22 anos eu nunca tive problemas de relacionamento,
com os enfermeiros eu tento fazer tudo da melhor maneira possível e
assim mesmo na hierarquia que eu sempre sou subordinado ao
enfermeiro, então a gente tem que saber né... as rotinas, as normas
todas. (OM4)
Eu me relaciono muito bem com os enfermeiros, com todos os
enfermeiros, tenho um diálogo muito aberto, sempre exponho as minhas
necessidades, falo com eles aquilo que eu tenho dúvidas, sempre estou
aberto a mudanças com eles, eles chegam para mim para questionar as
coisas e eu também estou aberto a escutar e assim eles também né...
(OM6)
Por fim, como é o relacionamento com os outros membros da equipe de enfermagem,
os enfermeiros apontam um relacionamento positivo com os demais e vice-versa;
um membro da equipe de enfermagem relata ser "mais ou menos". Os enfermeiros
justificam esse relacionamento pela interatividade e por estarem próximos aos
outros membros. Apesar de o relacionamento dos outros membros da equipe de
enfermagem com os enfermeiros ser positivo, um membro relata que seu
relacionamento com o profissional do mesmo grupo é melhor do que com os
enfermeiros, apesar de ter diálogo, amizade, interatividade e companheirismo.
Quanto ao relacionamento com os enfermeiros do hospital, verificou-se, nos dois
grupos, um relacionamento positivo; porém, um membro da equipe de enfermagem
frisou ter um relacionamento mais positivo com os profissionais de seu próprio
grupo. Para ilustrar os achados, seguem-se relatos que pautam a análise:
Procuro ter um bom relacionamento né... o mais próxima deles né... o
mais possível, porque isso é essência.l (ENF1)
Muito bom também, a equipe é muito boa, todo mundo muito interessado,
muito bom! (ENF3)
Graças a Deus... me dou muito... muito... muito bem mesmo! (OM2)
Mais ou menos [risos] todo mundo estressado, e irritado e a maioria
sem educação, infelizmente! (OM3)
O meu relacionamento é ótimo com eles! É até melhor que com os
enfermeiros, a gente tem bastante diálogo, bastante amizade,
comunicação, interatividade, companheirismo. (OM6)
Quanto aos resultados apresentados e analisados, verificou-se que os papéis de
monitor, produtor, mentor e suas respectivas competências, constituem as
exigências do hospital X em relação às funções dos enfermeiros explicitadas nas
descrições de cargos e competências, no qual predomina o papel de monitor.
Considerando o modelo de Quinn et al.(8), verificou-se que o modelo de gestão
adotado pelo hospital está mais direcionado para o controle do que para a
flexibilidade. Em relação aos outros papéis prescritos pelo hospital, percebe-
se que o papel de negociador é o menos exigido, seguido pelos papéis de
inovador, coordenador, diretor e facilitador, respectivamente.
Em relação ao prescrito, verificou-se que os enfermeiros não exercem
efetivamente o papel de monitor conforme exigido pela descrição de cargos e
competências do hospital. Já os papéis de negociador e inovador corroboram as
exigências do hospital no que diz respeito à pouca ênfase dada a esses papéis.
Os outros membros da equipe de enfermagem consideraram que os enfermeiros
exercem uma regularidade no exercício dos papéis gerenciais de Quinn et al.(8),
porém o papel de inovador é o menos efetivo na opinião desse grupo de
profissionais. Quando comparadas as percepções dos dois grupos, também se
verificou que o papel de negociador foi pouco efetivo, porém o papel de
produtor foi enfatizado na junção dos grupos.
O papel de coordenador foi visto como um papel importante para os enfermeiros
como característica para um "enfermeiro competente"; porém, na descrição dos
cargos do referido hospital, esse papel não é tão enfatizado. Na visão deles,
procuram exercer o papel de monitor, que é o papel prioritário exigido na
descrição de cargos, mas é visto que esse papel não é suficientemente executado
principalmente na percepção dos outros membros da equipe de enfermagem, que
consideram que os enfermeiros, além do papel de monitor, deveriam exercer os
papéis de mentor e facilitador. Na visão dos dois grupos, percebe-se uma
carência maior da execução do papel de facilitador e menor para o papel de
produtor.
Conclui-se que os enfermeiros do hospital X, apesar de apresentarem certa
regularidade dos papéis gerenciais de acordo com o modelo de Quinn et al.(8),
deixam a desejar nos papéis de monitor e facilitador, visto que o papel de
monitor é predominante na descrição de cargos do hospital; porém, o papel de
produtor merece destaque, tanto na análise dos documentos do hospital, como
também nos resultados com os grupos pesquisados.
Diante das diferenças de percepções entre enfermeiros e outros membros da
equipe de enfermagem quanto ao que é exigido e o que é efetivamente realizado
pelos enfermeiros, nota-se um degrau de validação das competências destes
últimos, já que o conceito de competência engloba o reconhecimento por
terceiros(11,18). Em face de tais considerações, algumas questões relativas ao
processo de formação e desenvolvimento de competências se fazem presentes, como
é o caso da contribuição dada pelas instituições de ensino superior que formam
(ou pelo menos habilitam) tais profissionais para o exercício da Enfermagem.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do exposto, ressalta-se a importância de congruência e, daí, de
adequação dos papéis que vêm sendo idealizados e efetivamente realizados pelos
enfermeiros, considerando-se os três atores envolvidos, a saber, o hospital X,
os enfermeiros e os outros membros da equipe de enfermagem, visando um
equilíbrio maior entre o ideal e o real, principalmente nos papéis de monitor,
mentor e facilitador.
Tendo em vista a limitação de que o estudo se deu em um único hospital privado,
percebe-se a necessidade de ampliar a pesquisa a outros hospitais privados e,
também, à rede pública, com vistas a comparações e possíveis generalizações que
forneçam subsídios para melhorias que podem abraçar não só tais instituições de
saúde e aprimorar as práticas pedagógicas de formação e desenvolvimento de
competências profissionais e gerenciais do enfermeiro, em termos de ampliar o
escopo de políticas e práticas de gestão de pessoas de modo a também agregar
valor nesse sentido.
Da mesma maneira, estudos longitudinais são percebidos como fecundos, pois
podem contribuir para o entendimento de peculiaridades que fazem diferença
quanto à formação e ao desenvolvimento de competências gerenciais para o
enfermeiro.
Note-se, ainda, que estender a pesquisa a outros atores que transitam no tipo
de organização investigada - hospital - e contribuem para a qualidade da
assistência prestada, como os outros profissionais da equipe multidisciplinar
(médicos, nutricionistas, fonoaudiólogos, fisioterapeutas etc.), além dos
próprios pacientes atendidos, pode também somar nesse processo de convergência
de papéis, de modo a fortalecer a autoimagem dos enfermeiros e a própria
profissão de Enfermagem, dadas as competências peculiares exigidas no seu
exercício.