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BrBRCVHe0034-71672011000300022

BrBRCVHe0034-71672011000300022

National varietyBr
Country of publicationBR
SchoolLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN0034-7167
Year2011
Issue0003
Article number00022

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Erros de medicação em pediatria

INTRODUÇÃO Em meio aos acentuados avanços tecnológicos e científicos ocorridos na assistência à saúde, principalmente nas últimas décadas, o sistema atual tem como grande desafio, a prestação de um cuidado seguro, efetivo, oportuno e individualizado, em contextos clínica e normativamente cada vez mais complexos (1).

A complexidade e a especificidade que caracterizam o sistema de saúde atual exigem a provisão de estruturas e processos assistenciais adequados às necessidades da clientela atendida, constituindo em suporte para implantação e execução de assistência de qualidade(2-3).

Por definição, a provisão de atendimento qualificado demanda profissionais com alto nível de competência para o alcance de bons resultados em saúde, e redução de lesões produzidas ou decorrentes da assistência.(2) Apesar dos excelentes resultados geralmente alcançados, o potencial do cuidado à saúde em produzir conseqüências adversas aos pacientes tem sido tema abrangente na literatura(4).

Após uma série de estudos relatando a ocorrência de lesões e mortes resultantes de erros na área da saúde, o Institute of Medicine dos Estados Unidos da América (EUA) publicou em 2000 a obra mais importante realizada sobre o tema até o momento, o relatório To Err is Human: Building a Safer Health System(5- 7). Os autores, baseados em estudos epidemiológicos norte-americanos, estimam que ocorram entre 44.000 e 98.000 mortes anuais no país devido a erros na assistência à saúde. Tomando como base a menor estimativa, tornam-se a oitava causa de morte nos EUA(8). Os óbitos relacionados a erros de medicação perfazem cerca de 7.000 ao ano(9).

Desde então, a temática segurança do paciente ocupa lugar de destaque na literatura internacional, sendo que várias iniciativas têm sido adotadas com o objetivo de prevenir erros e danos aos pacientes, e promover a qualidade do cuidado, incluindo a formação de grupos de estudo e de trabalho em diferentes organismos, destacando-se as recomendações produzidas na temática pela Organização Mundial da Saúde (OMS)(10).

Considerando que a terapia medicamentosa consiste na forma mais comum de intervenção no cuidado à saúde, é consenso na literatura que os erros de medicação são freqüentes, especialmente nas áreas de atendimento pediátrico, embora existam controvérsias acerca de sua incidência dependendo da definição, contexto assistencial e tipo de metodologia empregada nos estudos sobre o tema (11-13). Pesquisas que utilizam múltiplos métodos de coleta de dados fornecem maiores taxas de erros, que observam diferentes etapas do processo de medicação(14).

Entre todos os pacientes hospitalizados estima-se que aproximadamente 3% desenvolvam um evento adverso grave decorrente do uso de medicamentos durante sua internação(15-16). Entre pacientes não- hospitalizados, poucas pesquisas foram realizadas, não havendo consenso quanto à incidência de erros de medicação.

O presente artigo teve por objetivo apresentar e discutir dados referentes à epidemiologia dos erros de medicação em diferentes áreas de atendimento pediátrico, e apontar estratégias de prevenção.

O erro de medicação é definido como um evento evitável, ocorrido em qualquer fase da terapia medicamentosa, que pode ou não causar danos ao paciente. A ocorrência do dano caracteriza o evento adverso ao medicamento, que se refere ao prejuízo ou lesão, temporária ou permanente, decorrente do uso incorreto do medicamento, incluindo a falta do mesmo(17-19).

Quando o erro, apesar de ter potencial para provocar um dano, não causa prejuízo ao paciente por ter sido interceptado antes de atingi-lo, define-se o erro de medicação potencial, também descrito na literatura como potencial evento adverso ao medicamento(17-19).

Entre as pesquisas sobre erros de medicação identificadas em diferentes bases de dados nacionais e internacionais, aproximadamente 8% referem-se à população pediátrica. Tal literatura divide-se em relatos de caso, principalmente relacionados à superdosagem de medicamentos, revisões de prontuários de uma ou mais instituições de saúde, e experiências de específicos locais de atendimento à saúde(20-22).

Estima-se que a probabilidade de ocorrência de erros com potencial para causar danos seja três vezes maior em crianças hospitalizadas, quando comparadas aos pacientes adultos(20,23-24). A maior vulnerabilidade à ocorrência de erros de medicação em pediatria deve-se a vários fatores.

A necessidade do cálculo individualizado da dose, baseada na idade, peso e superfície corpórea da criança, envolvendo múltiplas operações matemáticas em várias fases do processo de medicação (prescrição, dispensação, preparo, administração e monitorização) favorece a ocorrência do erro de medicação em crianças(24-26).

Estudos demonstram a dificuldade de enfermeiros, médicos e residentes de pediatria em realizar os diversos cálculos matemáticos, ocasionando o erro relacionado à dosagem de medicamentos, o mais freqüentemente observado em crianças, que se refere à prescrição ou à administração incorreta da dose de um fármaco(23,26-27).

A prescrição ou administração de uma dose 10 vezes superior ou inferior à adequada para a idade e peso da criança é particularmente comum e deveras perigosa(16). Estima-se que esse tipo de erro compreenda 15% de todos os erros de prescrição relacionados à dose de medicamentos(28). Usualmente envolve fármacos com alto potencial de risco, administrados em doses inferiores a um miligrama por quilograma de peso, na vigência de cálculos que podem gerar confusão durante a conversão de miligrama para micrograma(29).

Num período de sete meses, pesquisadores analisaram 20 relatos de erros de dose por um fator de 10 envolvendo crianças, notificados à farmácia de um hospital de nível terciário. Cinco erros atingiram o paciente e 15 foram interceptados.

Em seis casos, os erros poderiam ter causado óbito, e em nove efeitos tóxicos severos(21).

Pacientes pediátricos apresentam rápidas e dinâmicas modificações físicas e fisiológicas ao longo do tempo. Características peculiares relacionadas à maturidade fisiológica das crianças alteram sua capacidade de absorção, metabolização e excreção das drogas, e constituem informações importantes nem sempre consideradas nas decisões clínicas relacionadas à seleção e utilização dos fármacos(15,29).

Aproximadamente 75% dos medicamentos prescritos em pediatria não foram adequadamente estudados nesta população. Dessa forma, a prática da terapia medicamentosa em crianças pode resultar em aumento dos riscos de ocorrerem erros e eventos adversos(24).

Apesar do uso respaldado pela prática clínica e algumas pesquisas na área, ressalta-se no cotidiano da prática hospitalar de atendimento pediátrico a falta de medicamentos parenterais com características e formulações específicas para aplicação em pediatria. A indústria farmacêutica não disponibiliza a maioria dos fármacos de uso parenteral em apresentação pediátrica. Deste modo, profissionais de saúde devem realizar práticas que promovam o uso de medicamentos formulados para adultos em crianças gerando necessidade de cálculos sofisticados, re-diluição, manipulação excessiva e administração de doses muito fracionadas, o que predispõe à ocorrência de falhas. Tal situação tem levado alguns pesquisadores a nominarem crianças como órfãs de terapia parenteral(30).

EPIDEMIOLOGIA DOS ERROS DE MEDICAÇÃO EM PEDIATRIA Em comparação à população adulta, apesar do risco elevado de ocorrência de erros de medicação entre crianças, poucos estudos estimam sua incidência nessa faixa etária(8).

Por anos, os erros de medicação em crianças foram apresentados em séries de casos ou relatos individuais. A possibilidade de avaliação sistemática das taxas de erros nessa população ocorreu apenas recentemente(15).

Um dos primeiros estudos prospectivos sobre erros de medicação em crianças foi publicado em 1987. Farmacêuticos revisaram prescrições de medicamentos de dois hospitais pediátricos, sendo detectada taxa de 0,49 erros por 100 medicamentos prescritos. A ocorrência foi significativamente mais comum nas unidades de cuidados intensivos pediátricos (UCIP). A prescrição errada da dose do medicamento foi o tipo mais freqüente (82%), sendo os antimicrobianos a classe mais comumente associada aos erros(31).

Pesquisa de referência na área evidenciou erros de medicação em 5,7% das 10.778 prescrições de medicamentos analisadas, com taxa de eventos adversos ao medicamento de 2,3 por 100 admissões (26 eventos), e de 10 erros de medicação potencial por 100 admissões (115 eventos). Entre os erros de medicação potencial, 16% foram classificados como potencialmente fatais, 45% como erros sérios, e 39% como erros significativos. Os erros potencialmente fatais incluíam superdosagens de heparina e digoxina, e prescrição de amoxacilina a paciente com história de reação anafilática à penicilina(20).

Investigação semelhante foi realizada com objetivo de determinar a incidência, as causas e as conseqüências de erros de medicação e eventos adversos ao medicamento em crianças hospitalizadas em uma unidade de internação e uma UCIP.

Foram identificadas taxas de seis eventos adversos ao medicamento por 100 admissões (76 eventos), e oito erros de medicação por 100 admissões (94 eventos). Concluiu-se que eventos adversos ao medicamento têm maior probabilidade de ocorrer em crianças com tempo prolongado de internação e recebendo maior número de medicamentos(32).

Num período de cinco anos, um dos maiores hospitais pediátricos no Reino Unido registrou a ocorrência de 195 erros medicação por meio de um sistema interno de notificação. Corroborando dados da literatura quanto ao alto risco de ocorrência de erros de medicação em crianças com idade até dois anos, grande parte dos eventos (44%) ocorreu em pacientes nessa faixa etária. Os tipos de erro de medicação mais comuns foram administração de medicamento em velocidade de infusão incorreta (15,8%), administração incorreta da dose do medicamento (14,8%), administração de dose extra do medicamento (13,8%), erro de omissão (12,3%) e administração de medicamento errado (12,3%)(33).

Em estudo publicado em 2006, foram analisados os relatos enviados a um sistema nacional de notificação de erros norte-americano (MEDMARX) num período de cinco anos. De janeiro de 1999 a dezembro de 2003, o sistema recebeu 19.350 notificações de erros relacionados à utilização de medicamentos em crianças, correspondendo a 3,3% de todos os informes(28).

Com objetivo de identificar erros de medicação, pesquisadores analisaram 68 prontuários de crianças internadas em três unidades pediátricas de um hospital universitário do município de São Paulo. Por se tratar de estudo retrospectivo, de revisão de prontuários, os erros identificados poderiam constituir erros de medicação ou de documentação do processo assistencial. Observou-se 1.717 erros de registro, compondo 21,1% das 8.152 doses de medicamentos ou soluções prescritas. Destacam-se os erros de omissão, definidos como a não comprovação da realização da medicação por meio da checagem da prescrição do médico pela enfermagem, que corresponderam a 75,7% das falhas(34).

Os analgésicos opióides, os antibióticos e os agentes antidiabéticos constituem as classes de medicamentos mais comumente associadas a erros e eventos adversos ao medicamento em crianças(15-16,28).

ERROS DE MEDICAÇÃO EM UNIDADES DE EMERGÊNCIA PEDIÁTRICA Em unidades pediátricas para atendimento de emergência, diferentes estudos apontam que grande parte dos erros acontecem durante o procedimento de reanimação cardiorrespiratória, principalmente em plantões noturnos e aos finais de semana, ocorrendo em aproximadamente 10% de todos os pacientes admitidos nesse setor(16,35-36).

Em situações de emergência os erros são atribuídos à necessidade de implementação da terapia medicamentosa em período de tempo extremamente reduzido, à complexidade do atendimento, às diversas interrupções que impedem a continuidade do cuidado, a flutuações na quantidade de pacientes assistidos, ao envolvimento de menor número de profissionais que poderiam interceptar o erro e à dificuldade na utilização da dispensação de medicamentos por dose unitária em tais unidades(37).

Estudo realizado com objetivo de avaliar a incidência e a origem dos erros de medicação entre crianças atendidas em quatro unidades de emergência evidenciou 84 erros nos prontuários dos 182 pacientes selecionados para estudo, resultando em taxa de 39% de erros. Apesar do índice elevado, não foram identificados danos aos pacientes(38).

Pesquisadores analisaram retrospectivamente os prontuários de 1532 crianças atendidas no setor de emergência de um hospital pediátrico de nível terciário do Canadá. Os erros de prescrição foram o tipo mais comumente observado, principalmente entre os pacientes graves. Os resultados do estudo demonstraram que o fator de risco mais importante para a ocorrência de erros durante o atendimento de emergência foi o nível de treinamento da equipe médica. Médicos residentes cometeram mais erros, principalmente no início do ano acadêmico(35).

ERROS DE MEDICAÇÃO EM UNIDADES DE CUIDADOS INTENSIVOS PEDIÁTRICOS É consenso que a probabilidade de ocorrerem erros e eventos adversos é maior conforme a intensidade do cuidado, a severidade da doença e a complexidade do sistema provedor da assistência, características inerentes ao ambiente de UCIP (39). Soma-se a isso o fato de que aproximadamente dois terços de todos os pacientes de UCIP recebem múltiplas medicações intravenosas, em média o dobro da quantidade de outras unidades de internação, havendo maior possibilidade de falha na comunicação entre os profissionais, no cálculo das doses e na administração dos medicamentos capazes de causar graves danos aos pacientes (40).

Estudo que apresentou análise do número de medicamentos administrados nas unidades pediátricas de um hospital de ensino brasileiro encontrou uma média de 11,4 doses de medicamentos/criança/dia na UCIP, enquanto que nas unidades clínica, cirúrgica e de infectologia as médias foram, respectivamente, de 6,0, 8,2 e 4,2 doses de medicamentos/ criança/dia(30).

A prevalência de erros de medicação em unidades de cuidados intensivos (UCI) varia amplamente. Segundo resultados de um estudo de revisão, a média de erros de medicação identificados foi de 105,9 por 1.000 pacientes/dia em UCI de pacientes adultos, e 24,1 por 1.000 pacientes/dia em UCIP e neonatais(40). Essa extensa variabilidade pode ser atribuída ao método de detecção dos erros, à especialidade das UCI, ao número de UCI e instituições avaliadas, ao tipo de tecnologia existente nas unidades e à definição de erro de medicação nos diferentes estudos analisados.

Ao estudar os relatos de erros de medicação de uma UCIP e uma unidade de internação pediátrica de um hospital especializado em cardiologia, pesquisadores observaram que mais de 60% das notificações relacionavam-se aos pacientes sob cuidados intensivos. Dos 441 erros notificados num período de dois anos, 99 foram classificados como erros graves. Desses, 24 não foram interceptados, sendo que quatro geraram conseqüências clínicas evidentes(41).

Relacionado à terapia intensiva, destacam-se, ainda, na literatura os relatos de caso referentes à administração inadvertida de fármacos por vias diferentes da prescrita. Crianças criticamente enfermas possuem múltiplas vias de acesso para administração de medicamentos (ex. venosa central e periférica; enteral; epidural) e para monitorização hemodinâmica podendo esse constituir fator de risco para ocorrência de erros(42-43).

ERROS DE MEDICAÇÃO EM ONCOLOGIA PEDIÁTRICA No que se refere à segurança do paciente em oncologia pediátrica, evidenciam-se poucos estudos que analisam erros envolvendo a terapia antineoplásica, apesar do alto potencial para danos relacionado aos erros com tais medicamentos(44).

No período de 1999 a 2004, foram analisados todos os relatos de erros relacionados a agentes antineoplásicos abrangendo pacientes com idade menor que 18 anos enviados ao sistema de notificação MEDMARX. Dos 310 erros notificados, 55,2% ocorreram entre pacientes hospitalizados. Em 85% dos casos os erros atingiram aos pacientes. A necessidade de monitorização adicional ou instituição de nova intervenção terapêutica ocorreu em 15,6% dos erros (49 casos). Acerca das fases do processo de medicação, 48% dos erros ocorreram na fase de administração e 30% na fase de dispensação do medicamento. Os agentes mais comumente envolvidos foram metotrexate (15,3%), citarabina (12,1%), etoposide (8,3%) e doxorrubicina (6,2%)(44).

Gandhi et al. realizaram estudo em três unidades ambulatoriais destinadas à administração de quimioterapia, sendo duas de tratamento de pacientes adultos, e uma de pacientes pediátricos. Foram revisadas 10.112 prescrições de medicamentos, sendo identificados erros de medicação em 3% (2.104) das prescrições de pacientes pediátricos, e 16% dos erros associados a agentes quimioterápicos. Aproximadamente dois terços dos erros encontrados tinham potencial para causar danos(45).

Embora sejam escassas as pesquisas sobre erros de medicação em oncologia pediátrica, é consenso que sua ocorrência seja freqüente. Sessenta e três por cento de 160 enfermeiras membros da Oncology Nursing Society entrevistadas referem ter presenciado erros de medicação envolvendo agentes antineoplásicos em seu local de trabalho. Prescrições incompreensíveis, estresse, número inadequado de profissionais e falta de experiência profissional foram mencionados como fatores contribuintes para o acontecimento de erros(46).

ERROS DE MEDICAÇÃO NA COMUNIDADE Embora a prática da terapia medicamentosa em pediatria ocorra, predominantemente, entre pacientes não hospitalizados, são escassos os estudos sobre erros de medicação nesse contexto(47).

Evidencia-se discussão quanto ao uso racional de medicamentos na comunidade que, segundo a OMS, se caracteriza pelo uso apropriado do medicamento conforme as condições clínicas do paciente, em doses adequadas às suas necessidades individuais, por um período adequado e ao menor custo para o paciente e para a comunidade(48).

O uso inadequado de medicamentos é considerado um problema de saúde pública (2,38). A OMS estima que 50% de todos os medicamentos são prescritos, dispensados ou usados inadequadamente(49).

Segundo classificações internacionais, a escolha incorreta do medicamento, baseada na indicação, contra-indicação, alergias conhecidas, existência e disponibilidade de outra terapia mais eficaz, a prescrição incorreta da dose, da via de administração, da velocidade de infusão ou da forma de apresentação do medicamento, e a prescrição ilegível ou incompleta, são consideradas erros de medicação, sendo de alta incidência na comunidade, decorrentes da dificuldade de entendimento da prescrição do médico ou das informações fornecidas por profissionais de saúde para o uso adequado do medicamento, bem como, muito freqüente no Brasil, devido à auto-medicação ou indicação de terapias medicamentosas por profissionais não capacitados(11).

Acompanhamento realizado com 1.382 crianças matriculadas em 15 creches do município de São Paulo apontou que 12,1% delas utilizaram medicamentos contra- indicados ou não indicados para tratar os sintomas ou diagnósticos referidos.

Vinte e sete por cento dos medicamentos foram prescritos incorretamente, e o número de prescrições incorretas esteve significativamente associado ao número de fármacos prescritos pelo médico. Considerando apenas o tipo de medicamento, 26,3% foram classificados como de uso inadequado por serem contra-indicados para a idade ou de ação duvidosa ou ineficaz(50).

Ao analisar medicamentos prescritos para 1.933 crianças não-hospitalizadas, pesquisadores observaram ocorrência de erros em 15% das prescrições dispensadas (51).

Utilizando os métodos de entrevista e revisão de prontuários e de prescrições de medicamentos, estudo conduzido em seis consultórios de pediatria dos EUA identificou 283 eventos adversos ao medicamento. Setenta por cento dos eventos classificados como preveníveis estavam relacionados à fase de administração do fármaco, realizada pelos pais ou cuidadores, sugerindo a importância do aprimoramento na comunicação entre os profissionais de saúde e os familiares ou responsáveis pela criança para a prevenção de erros de medicação(47).

A OMS preconiza que o farmacêutico, no momento da dispensação, destine ao menos três minutos à orientação do paciente quanto à ênfase no cumprimento da dosagem, à prevenção de interação com alimentos ou com outros medicamentos, ao reconhecimento de reações adversas potenciais e às condições de conservação dos produtos. Pesquisas realizadas no Brasil apontam um tempo médio de orientação entre 17 e 55 segundos(52).

PREVENÇÃO DE ERROS DE MEDICAÇÃO Reconhecer que os erros de medicação são freqüentes e identificar seus padrões e causas no cotidiano da prática de atendimento à criança são apenas o primeiro passo para diminuição dos riscos de sua ocorrência(15). A literatura descreve diversas estratégias utilizadas na prevenção de erros de medicação que, quando desenvolvidas e implementadas com sucesso, contribuem para promover a segurança nos sistemas de atendimentos à saúde.

Inicialmente, recomenda-se a adoção de uma abordagem com vistas à redução de erros de medicação que seja orientada por sistemas. Sabe-se hoje que o erro não é resultado da ação de um indivíduo, mas de uma cadeia de eventos acionada por um sistema mal elaborado. A abordagem sistêmica tem como princípio examinar falhas do processo que possam ter desencadeado o erro, e propor estratégias que visem impedir sua recorrência ou minimizar seu impacto caso ele atinja o paciente(12). Caracteriza-se, ainda, pela promoção da cultura de segurança, não punitiva e receptiva às mudanças e intervenções necessárias para um nível ótimo de segurança do paciente(10).

A instituição de programas de educação permanente tem se mostrado efetiva na prevenção de erros de medicação. Estudos mostram que um dos principais fatores que contribuem para a ocorrência de erros é a falta de acesso a informações sobre os medicamentos por parte de todos os profissionais envolvidos no processo de medicação. Adicionalmente, o uso de protocolos assistenciais no planejamento da assistência permite a implementação mais segura da terapia medicamentosa(3,9,12).

Destaca-se a incorporação de tecnologias e sistemas de informação na prática assistencial como estratégia de sucesso na prevenção de erros relacionados à utilização de medicamentos. A implementação de prescrições médicas e de enfermagem informatizadas, o uso de código de barras e de bombas de infusão inteligentes são descritas como capazes de reduzir significantemente os erros de medicação(3,9,12,53).

Prescrições eletrônicas que incluem recursos de apoio à decisão clínica oferecem acesso imediato às informações sobre o paciente, reduzem a possibilidade de seleção incorreta do medicamento, garantem prescrições completas e em formato adequado, fornecem suporte para o cálculo de doses e volume para reconstituições e diluições, e proporcionam a possibilidade de verificações sobre interações e incompatibilidades medicamentosas, contraindicações e alergias(3,9,12).

Destaca-se que vários países têm angariado esforços para a informatização integrada em todos os sistemas de atenção à saúde, fornecendo informações relativas ao cliente nos diversos locais de prestação de assistência, que promovem a prevenção de erros.

A atuação clínica dos farmacêuticos nas unidades de atendimento também tem sido descrita como estratégia de prevenção e redução de erros com medicamentos em pediatria, especialmente em UCIP. Estudo recente concluiu que 81% dos erros de medicação entre crianças hospitalizadas poderiam ter sido evitados se o farmacêutico fosse um profissional integrante da equipe multiprofissional (9,54).

O desenvolvimento e implementação de sistemas de notificação de erros, tendo como foco a visão sistêmica de segurança, permitem identificar padrões de erros evitáveis e suas causas principais, contribuindo para o desenvolvimento de modelos de boas práticas assistenciais que previnam tais erros(10,25). A incorporação de relatos de erros de medicação visa, essencialmente, a possibilidade de mudanças para a construção de uma prática mais segura, uma vez que o conhecimento da realidade nos permite aprender com os erros(43).

CONSIDERAÇÕES FINAIS Embora a ausência de estudos epidemiológicos amplos, multicêntricos, utilizando metodologias e nomenclaturas padronizadas comprometam a generalização e comparação de resultados, os diversos estudos sobre erros de medicação em pediatria apresentados demonstram a complexidade da temática.

Observa-se a ocorrência de vários tipos de erros de medicação, nas diferentes áreas e locais de atendimento à criança, relacionados a diversos fatores, entre os quais se destacam a prática profissional e o sistema no qual a assistência é realizada.

Evidenciar a falibilidade do cuidado à saúde em pediatria visa incitar os profissionais a reavaliarem sua prática e a necessidade de reestruturação dos seus processos de trabalho, estimulando uma mudança de comportamento e, conseqüentemente, a prestação de uma assistência mais segura.

Os sistemas de atendimento nos quais a segurança do paciente constitui prioridade apresentam gestão fundamentada na segurança e no gerenciamento de riscos, estrutura e processos baseados em evidências, e práticas colaborativas entre as equipes multidisciplinares, visando sempre o alcance de bons resultados(56).

O desenvolvimento de atitudes pró-ativas e de liderança por parte dos profissionais no contexto da segurança do paciente constituem premissas essenciais no sentido de melhorar a qualidade da assistência prestada aos pacientes pediátricos(56).

Errar é uma condição intrínseca ao processo cognitivo do ser humano, não sendo possível extingui-la.(57) Entretanto, como no cuidado à saúde esses eventos envolvem a integridade, o bem-estar ou a vida de outra pessoa, profissionais da área devem despender esforços para o desenvolvimento de estratégias que culminem com a prevenção dos erros e a manutenção dos sistemas de atenção à saúde com vistas à promoção da segurança do paciente(56,58).


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