Atividade do mototaxista: riscos e fragilidades autorreferidos
INTRODUÇÃO
A motocicleta representa, no Brasil, um meio de transporte socialmente
importante, especialmente para a classe trabalhadora que a utiliza para
condução e/ou para serviços de mototaxi, motoboy ou motofrete. Devido ao custo
acessível do veículo e das tarifas de serviço, é um equipamento que facilita a
aquisição para a profissionalização e contribui para a mobilidade social.
Tanto nas grandes metrópoles como nas pequenas cidades, observa-se um aumento
de serviços alternativos que usam a motocicleta como meio de transporte de
mercadorias e de pessoas, compondo uma profissão exposta a agravos decorrentes
da exposição a acidentes por causas externas e/ou aos agentes físicos,
biológicos e psicossociais. Neste panorama insere-se a atividade do
mototaxista.
Ainda não há registro, na Classificação Brasileira de Ocupações, do Ministério
do Trabalho e Emprego sobre esta atividade. Apenas o motoboy, sob o número
5191-10 - Motociclista no transporte de documentos e pequenos volumes(1) está
registrado como ocupação e com a seguinte descrição: "coletam e entregam
documentos, valores, mercadorias e encomendas. Realizam serviços de pagamento e
cobrança, roteirizam entregas e coletas. Localizam e conferem destinatários e
endereços [...]". Embora as atividades sejam semelhantes, o transporte de
pessoas é o que difere uma ocupação da outra, pois o mototaxista tem este, como
sua finalidade principal.
A lei 12.009, de 29 de julho de 2009(2), que regulamenta a atividade do
mototaxista, legisla sobre idade, carteira de habilitação e obrigatoriedade de
ser aprovado em curso especializado para o exercício da profissão, e o Conselho
Nacional de Trânsito (CONTRAN) aprovou regras aos cursos obrigatórios para a
formação específica desses condutores. Entre outras prerrogativas, esta lei
determina o uso de equipamentos de proteção e instalação de equipamentos de
segurança nas motos, sendo da competência dos municípios regulamentar e
fiscalizar o funcionamento desses serviços.
A legislação contribui para diminuir a precarização do trabalho, afastando-o da
clandestinidade, pois as más condições laborais, como os ritmos intensos a que
os mototaxistas são submetidos, os expõem ao desgaste e, sobretudo, elevam o
risco de se envolverem em acidentes de trânsito, além de originarem distúrbios
do sono, fadiga, irritabilidade, sedentarismo, entre outros problemas.
Um estudo realizado no Paraná, Brasil, apontou o cansaço(3), causado pela
sobrecarga, como o principal facilitador do acidente. Esses profissionais se
submetem a alternância de turnos e jornadas superiores a 10 horas, situação que
pode ocasionar cansaço físico e mental. Quando cansados, há diminuição dos
reflexos e da atenção exigida no trânsito.
O trabalho em turnos pode ter efeitos sobre a saúde e incidir sobre a qualidade
de vida. Inversões nos turnos de trabalho alteram o ciclo sono-vigília e trazem
prejuízos à capacidade funcional(4). Além disso, trabalhar "sob constante
pressão do tempo em um contexto que prima pela antecipação das necessidades dos
consumidores, o local de trabalho expandido nas vias públicas transforma-se em
um universo de controle do tempo", que cria novos modos de ser e de viver na
sociedade como "relações de amizade superficiais, tão curtas quanto a passagem
do vermelho para o verde nos semáforos da cidade"(5).
Tanto empregadores como clientes geram pressão(3,5) sobre esses trabalhadores
que, visando uma melhor produtividade, demandam agilidade e rapidez para
cumprimento de metas, favorecendo os acidentes. Essa 'corrida contra o tempo'
predispõe à condução da motocicleta em desacordo com as regras de trânsito,
tais como aumento da velocidade ou distrações pelo atendimento de celulares
pessoais ou rádios, comportamentos que potencializam os riscos.
Isto posto, pode-se perceber que os trabalhadores que utilizam a motocicleta
como instrumento de trabalho, expõem-se aos mais diversos riscos sejam físicos,
químicos, ergonômicos, biológicos, mecânicos, psicossociais e de acidentes, que
decorrem das condições precárias inerentes ao meio ambiente ou do próprio
processo operacional de suas atividades, tais como exposição à chuva, sol e
frio por tempo prolongado; desgaste físico e emocional em decorrência de
fatigantes cargas e ritmos de trabalho; mordida de cães; colisões provocadas
por animais em perseguição da moto; dores osteomusculares em virtude de longas
horas trabalhando sem conforto ergonômico; e risco de assaltos e violência.
Em um estudo que teve como finalidade discutir a árdua busca de segurança entre
trabalhadores motoboys de Salvador, foi verificado que, entre os vitimizados,
56% da amostra, dois perderam a moto por furto, oito sofreram tentativas de
assalto e oito já tinham sido assaltados; entre estes últimos, dois haviam sido
vítimas repetidas de assalto(6).
Investigar situações de trabalho, com vistas à atenção integral à saúde, e que
visem à redução dos acidentes, promovam segurança e possibilitem a proteção do
trabalhador, em todas as formas de organização produtiva, são estratégias que
conferem valor à vida.
Emerge, nesta discussão, uma breve reflexão sobre a importância da orientação
ao autocuidado destes trabalhadores. Porém, é válido salientar que o fenômeno
do autocuidado deve ser pensado em um contexto mais complexo, da relação entre
sistema de saúde, profissionais e usuários envolvidos, pois não se configura
apenas como um problema de responsabilidade individual. Neste contexto, "é
oportuno atentar para a participação social implicada, sobre a qual práticas de
autocuidado são entendidas como construções conversacionais produzidas nas
relações entre as pessoas" e a interação "é uma ferramenta potencial para
contextualização das ações, possibilitando a compreensão das necessidades e
demandas locais e a co-construção de alternativas viáveis para solucioná-las"
(7).
Incorporar o diálogo nestas situações pode ser estratégico, pois, a partir da
interlocução de ações conjuntas entre profissionais e população, pode ser
rompida a tradicional divisão nas relações de saber/poder, legitimando assim,
outras vivências que envolvem o processo saúde/doença(7). A socialização entre
saberes populares, científicos e, nesta conjuntura, políticos, pode ser um
mecanismo para a resolução de problemas coletivos.
Delimitado por este panorama, este estudo justifica-se por pretender provocar
uma reflexão acerca dos agravos sofridos pelos mototaxistas no cotidiano de
trabalho, e sensibilizar gestores dos setores públicos ou privados, bem como
profissionais que atuam em saúde do trabalhador acerca da construção de
políticas e estratégias de promoção da saúde e prevenção de doenças decorrentes
destas atividades. Sendo assim, teve-se como objetivo identificar riscos
ocupacionais e fragilidades autorreferidas pelos sujeitos que desempenham a
atividade de mototaxista.
MÉTODOS
Trata-se de uma pesquisa de caráter descritivo, com abordagem qualitativa.
A coleta de dados foi realizada no primeiro semestre de 2010, junto a 12
trabalhadores mototaxistas de dois pontos centrais de um município do interior
do Rio Grande do Sul. A escolha destes locais foi intencional, por
conveniência. O serviço de mototáxi do município é constituído por uma
estrutura organizacional simples, composta por dois tipos de agentes: o gestor
ou "dono" do ponto, quem "aluga" o lugar no qual os profissionais aguardam o
chamado e, os mototaxistas, que prestam o serviço de transporte.
Os dados foram coletados por meio de entrevistas semiestruturadas, com a
finalidade de beneficiar a livre expressão dos sujeitos e instigar a temática
em estudo. As entrevistas foram feitas após convite a todos os sujeitos, em
local reservado do posto de trabalho, e gravadas. Posteriormente, foram
transcritas na íntegra e analisadas segundo a técnica da análise de conteúdo,
na modalidade de análise temática(8).
Para realização deste estudo foram respeitados aspectos éticos da pesquisa
envolvendo seres humanos e só iniciado mediante parecer favorável do Comitê de
Ética da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões, Campus
de Santo Ângelo, sob Protocolo nº 0046-4/PPH/10, e autorização dos gestores dos
pontos de mototaxistas em estudo. Os sujeitos que consentiram em participar
assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Foi atribuído aos
sujeitos da pesquisa o nome fictício de pássaros.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A transcrição e organização dos relatos obtidos pelas entrevistas com os
sujeitos compuseram a ordenação dos dados e a classificação deu-se a partir da
leitura exaustiva destes materiais, identificando-se estruturas de relevância,
de onde insurgiram cinco categorias: Vantagens e desvantagens da profissão;
Riscos e adoecimentos decorrentes da atividade; A opção de ser mototaxista;
Melhorias para a profissão concebidas pelos mototaxistas; A nova legislação em
evidência.
Caracterização dos sujeitos
Participaram do estudo doze mototaxistas que trabalham em dois pontos centrais
de um município do interior do estado do Rio Grande do Sul. Conforme os dados
sócios demográficos levantados, todos eram do sexo masculino, com idade
variável entre 25 a 42 anos, possuindo em média 32,5 anos. Destes, 50% eram
solteiros, 33,4% casados e 16,6% mencionaram união estável. Correspondem a
41,6% os que possuíam ensino fundamental incompleto, 25% ensino fundamental
completo, 25% ensino médio incompleto e 8,4% com ensino médio completo. Da
totalidade 83,3% possuíam filhos. A carga horária de trabalho de todos os
trabalhadores era de 12 a 14 horas diárias, nos turnos manhã, tarde e noite.
Dos doze entrevistados, 25% possuía outra atividade remunerada, tais como
músico, entregador de cargas em caminhão e vigilante.
Importante é considerar que estes sujeitos trabalham mais de oito horas por
dia, o que os torna vulneráveis ao declínio da qualidade de vida e de saúde,
considerando-se a longa jornada de trabalho. Mais de um terço são casados e
grande parte possui filhos, o que aponta sua responsabilidade e/ou
corresponsabilidade pelo sustento de famílias. Outro dado significativo refere-
se aos anos de estudo; a grande maioria possui o ensino fundamental e
incompleto, tornando-os frágeis à conquista de melhores postos de trabalho.
Vantagens e desvantagens da profissão
Grande parte dos sujeitos referiu que a maior desvantagem do trabalho do
mototaxista é não possuir carteira assinada, como se pode observar nos relatos:
A desvantagem, também, o problema é que não tem carteira assinada,
esse é o único problema, que não tem[...], o salário é bom, só a
desvantagem é que não tem carteira assinada. (Cardeal)
A desvantagem é que tu não, como se diz que Deus o livre sofra um
acidente tu não tem como, por exemplo, assim, nós não pagamos 'INPS',
então daí no caso se sofre um acidente seria tudo por nossa conta
então seria essa as desvantagens, né. (Sabiá Laranjeira)
A legislação trabalhista brasileira regulamenta que somente tem direito ao
auxílio-acidente, ou seja, ao benefício pago ao trabalhador que sofre um
acidente e fica com sequelas que reduzem sua capacidade de trabalho, aquele que
tenha a qualidade de segurado(9). Sendo assim, o vínculo informal e/ou a
inexistência de vínculo trabalhista, caracterizado pelo falta de registro em
Carteira de Trabalho e Previdência Social e que lhe imputa a condição de
contribuinte, inviabiliza que ele usufrua desse e de outros benefícios, tais
como direito a férias, décimo terceiro salário, aposentadoria, licença
remunerada por doença e regulação da jornada e turno de trabalho.
Um estudo junto a motoboys denunciou que a grande maioria não possuía registro
em carteira, o que pode ser explicado pela forma de organização do trabalho
vigente(10). A falta de assistência e o não recebimento de qualquer benefício
em caso de acidente foi uma das preocupações relatadas pelos sujeitos,
semelhantes aos dados desta pesquisa.
Uma das vantagens da atividade de mototaxista, antagonicamente a outras
ocupações que implicam em subordinação ao empregador, jornadas rígidas no
cumprimento de horários, metas a alcançar, é a liberdade que a profissão
oferece, além da autonomia e do horário flexível, conforme as falas da maioria
dos entrevistados:
A vantagem é que tu trabalha livre, né, a hora que a gente quer; não
tem ninguém mandando, tu vai para qualquer lugar se quiser. Hoje sai
para outra cidade, se quiser ficar um mês em casa tu fica; tu não é
obrigado, entende? (Bacurau)
As vantagens é que tu trabalha livre, o horário que quer fazer, não
trabalha final de semana, não trabalha, só dia de semana[...].
(Diamante de Goldi)
A vantagem de ser 'mototáxi' é que fica meio livre, né, não tem muita
gente cobrando se chega no horário ou sai no horário[...]. (Mandarim)
Em concordância com estes dados, estudos apontam que as principais vantagens da
profissão, segundo os motoboys, são a sensação de liberdade, a oportunidade de
conhecer novos lugares e pessoas e, principalmente, a autonomia, além da
remuneração, que é assinalada como condição favorável ao exercício da profissão
(10,11).
Riscos e adoecimentos decorrentes da atividade
Entre os riscos que os mototaxistas percebem no cotidiano de trabalho, todos os
entrevistados evidenciaram o risco de acidente de trânsito e de assalto.
O risco é muito grande, o risco de ser assaltado, risco de acidente.
Daí tu não tem nenhuma escora, nem nada, não tem carteira assinada,
entendeu?No momento em que tu sofre um acidente ou for assaltado, tu
mesmo assume teus próprios riscos, é assim, a vida de mototaxi não
tem outro jeito [...].(João de Barro)
Risco é o trânsito e o problema do assalto. Falta de segurança nos
bairros, é isso. (Cardeal)
[...] risco maior é assalto e o outro é acidente, o pessoal corta a
frente da gente bastante. Esse é o problema maior, os dois [...].
(Miudinho)
O desrespeito e a desatenção por parte dos motoristas, condição inadequada da
infraestrutura viária, tráfego com chuva, despreparo do motociclista, excesso
de velocidade, fadiga e más condições do veículo são fatores que influenciam
nos riscos de acidentes(10,12,13). Além disso, o arranjo estrutural da
motocicleta pode ter alguma influência na ocorrência dos acidentes,
considerando que há proteção insuficiente no veículo, expondo o motociclista a
todo tipo de impacto.
Um estudo realizado em Alberta (CA) concluiu que motociclistas têm mais de 3,5
vezes chances de se ferir ou morrer em acidentes, que outros condutores de
veículos a motor(14). O impacto gerado para a economia do sistema de saúde
também foi um dado significativo gerado por aquela pesquisa, considerando que
os motociclistas representaram 10.760 dias acamados e, admitindo-se que o
paciente não seja internado em unidade de tratamento intensivo, a internação
gerava, em 2008, um custo de 9.200 dólares.
Os dados de uma pesquisa realizada no Irã demonstraram que o perfil relacionado
aos fatores de risco de acidente com motocicleta envolve ser jovem e solteiro,
viver em condições socioeconômicas mais baixas e em más condições de saúde
física e mental. Além disso, dificuldades no trânsito, estradas inseguras,
carros e motoristas agressivos foram alguns dos fatores apontados como
facilitadores da ocorrência de acidentes nesta pesquisa,(15)o que demostra que
os fatores de risco para o acidente de trânsito são semelhantes tanto em
cenários nacionais como internacionais.
Outro risco constante referido pela maioria dos sujeitos é o assalto. Um estudo
realizado na Amazônia identificou que devido aos assaltos sofridos, a maioria
dos trabalhadores passou a não trabalhar no período noturno ou madrugada, e
limitaram o transporte de alguns passageiros a determinados locais das cidades
com menores índices de violência; alguns dos assaltos ocorriam após o
mototaxista transportar o sujeito até o local solicitado(12).
Com o objetivo de descrever as características dos atendimentos de emergência
por agressões uma pesquisa revelou que homens são mais vitimados que mulheres
sendo a agressão física o tipo predominante, por uso de força corporal/
espancamento, em via pública, com maior frequência entre o início da noite e
final da madrugada e cometida por desconhecidos(16), conjuntura que pode
incluir o mototaxista como vítima. Muitos destes trabalhadores perdem moto,
carga transportada e dinheiro em decorrência de assaltos à mão armada(10).
Assim, muito além da violência configurada pelo assalto, há a preocupação com o
roubo da motocicleta, um patrimônio pessoal e, importante instrumento de
trabalho e sobrevivência ao trabalhador e aos familiares dependentes.
É válido ressaltar que, em concordância com esta pesquisa, trabalhadores
indagados no Rio de Janeiro (RJ)(11) e em Porto Alegre (RS)(13) consideram sua
profissão perigosa ou arriscada. Dos respondentes na nossa pesquisa, 66,6%
expuseram que a profissão de mototaxista é insegura e arriscada, embora alguns
a considerem relevante para a segurança financeira da família.
É segura no sentido de renda, é segura com certeza, mas tem bastantes
riscos[...] o trânsito é bastante violento [e há]o assalto. Essa é a
desvantagem, esse é o risco que a gente corre todos os dias.
(Caraxué)
Olha, mototáxi é o seguinte: não tem como te dizer que é uma
atividade segura né, porque no momento que a gente sai, a gente está
arriscando, sofre um acidente, acomete um acidente, então, né, não
tem como dizer que tenha uma segurança no caso [...]. (Sabiá
Laranjeira)
Não tem segurança nenhuma, porque a gente está sujeito a qualquer
coisa, a qualquer momento, se tem o máximo de cuidado, não tem
segurança nenhuma segurança não tem nada, mototáxi é um serviço
aventura na verdade, serviço de aventura não tem segurança nenhuma.
(João de Barro)
Em se tratando de segurança à saúde, outro fator que merece atenção é a
exposição destes condutores aos riscos físicos, característicos do calor e frio
intenso. O estado do Rio Grande do Sul possuiu as quatro estações do ano bem
definidas, sendo o inverno muito rigoroso. Trabalhar como mototaxista implica
em expor-se a variações climáticas intensas durante o dia e à noite, agravantes
às boas condições saúde. Assim sendo, podem surgir doenças como gripe, dor de
garganta, resfriado, bronquite, conforme relato de 83,3% dos sujeitos
respondentes da pesquisa.
Só a gripe, né, a gripe está junto com o motoqueiro sempre, inverno e
verão; no verão também, claro se tu está de noite, assim, cai a noite
e refresca; daí tu está mal vestido, vamos dizer, de camiseta,
bermuda; daí tu pega aquele ar da noite e pegar uma gripe de verão é
pior que a do inverno.(Saí Azul)
[...]a tosse. Peguei uma tosse e uma bronquite assim, que não tem
cura, sabe, eu tomo remédio, consulto e é só no inverno. Tomei tudo
que é tipo de remédio porque eu trabalho bastante de noite, né.
(Bacurau)
[...] gripe, resfriado, dor de garganta geralmente no inverno.
(Príncipe)
Muitos mototaxistas trabalham doentes ou com mal estar físico, a fim de cumprir
com seus compromissos financeiros, o que agrava o problema. Sabe-se que
dificuldades relacionadas ao próprio transporte, carga horária elevada e a
precariedade das condições de trabalho são alguns dos fatores que contribuem
para o sofrimento e adoecimento tais como o cansaço, as dores no corpo, o
calor, o sono, o medo e o estresse(12).
Além disso, os Equipamentos de Proteção Individual (EPI) utilizados por estes
trabalhadores no desenvolvimento de suas funções restringem-se ao capacete, que
muitas vezes gera mais calor, e as capas de chuva, que úmidas facilitam a
exposição às doenças respiratórias.
A legislação menciona os EPI que protegem os trabalhadores contra riscos de
acidentes; mas não se refere a dispositivos para o enfrentamento de outros
riscos, tais como a chuva ou a violência(2). Conforme a lei nº 12.009/09, os
mototaxistas devem usar colete de segurança com dispositivo refletivo e
instalar equipamentos de segurança nas motos, tais como "protetor de motor
mata-cachorro, fixado no chassi do veículo, destinado a proteger o motor e a
perna do condutor em caso de tombamento [...] e aparador de linha antena corta-
pipas." É válido ressaltar que, mesmo já sendo obrigatória a utilização destes
equipamentos, persiste a negligência por parte dos profissionais e dos órgãos
fiscalizadores.
Percebeu-se que alguns entrevistados desconhecem os EPI recomendados pela lei;
dos 58,33% dos entrevistados que já sofreram acidente durante o exercício da
profissão, todos enfatizaram que usavam apenas o capacete como meio de
proteção.
Já sofri acidente de trânsito uma vez nesse tempo que eu trabalho e o
equipamento de segurança que eu usava era o capacete, no momento da
colisão que eu sofri o acidente. (Sangue de Boi)
Sofri dois acidentes, mas o equipamento que eu estava usando era o
capacete, só o capacete nada mais, só o capacete. (João de Barro)
Eu já sofri um acidente[...] usava só o capacete, no caso, que é um
item obrigatório e necessário também, né. (Andorinha)
Dados de um estudo realizado em Porto Alegre com motociclistas profissionais,
apontou que cerca de 80% dos entrevistados já haviam sofrido mais de um
acidente enquanto conduziam motocicleta a trabalho, sendo que 100% utilizavam o
capacete(13). Ainda, 93% utilizavam roupas especiais de proteção contra chuva,
54% usavam luvas, 32% cotoveleiras e apenas 17% joelheiras. De acordo com uma
investigação realizada no município de Uberaba-MG, nos acidentes
motociclísticos a que os sujeitos foram expostos, 68,37% faziam uso do capacete
no momento do acidente(17). Este dado é preocupante, considerando que mais de
30% não usavam nem este EPI, tão cobrado pelas autoridades que regulam o
trânsito, além de que, sem o capacete, a exposição ao traumatismo
crânioencefálico é muito maior, em caso de acidente.
A opção de ser mototaxista
Mesmo diante dos riscos e das desvantagens que a profissão de mototaxista
detém, 66,6% dos entrevistados responderam que desejam continuar com a
atividade, conforme relatos:
Pretendo continuar porque a gente no 'mototáxi' tira bem mais que
fosse trabalhar numa firma, assim, na firma trabalha num horário, mas
no 'mototáxi' a gente trabalha um pouquinho mais, mas o rendimento é
bem melhor também [...]. (Sangue de Boi)
Sim, pretendo continuar porque não tem serviço na cidade, não tem
emprego, né, as empresas são devagar. (Cardeal)
Sim, eu pretendo porque faz tempo que nós estamos nessa lida lutando.
Faz 13 pra 14 anos já e estamos aí,, é um meio de trabalho pra nós
sobreviver, né, porque emprego está muito difícil[...]. (Miudinho)
O que se observou é que esses profissionais permanecem na profissão pela falta
de opção de trabalho, por ser um meio de sobrevivência e de sustento à família,
com um retorno financeiro razoável para suas necessidades pessoais, além de que
a maioria não possui anos de estudo suficientes para competir no mercado de
trabalho. Uma pesquisa confirmou esses dados, identificando que, apesar dos
riscos, a maioria dos motoboys continua exercendo a profissão por necessidade
ou por falta de outras opções de trabalho, e justificam os riscos assumidos no
exercício de suas atividades por conta da remuneração obtida(10).
Melhorias para a profissão concebidas pelos motoxistas
Apesar dos vários benefícios trazidos pela atividade de mototaxista, esses
trabalhadores convivem com condições precárias de trabalho, ritmos intensos,
carga horária desgastante, riscos de acidentes e assaltos. Tais condições podem
ser deletérias para a saúde.
Os trabalhadores foram indagados quanto às melhorias que poderiam ser
realizadas para beneficiá-los e a resposta que se destacou foi a necessidade de
regulamentação da profissão, referenciada por 58,3% dos sujeitos, seguida de
segurança para o profissional, como observado a seguir.
Teria que haver uma regularização aí, né, que ao mesmo tempo em que a
gente ande na rua a gente tenha também uma segurança no sentido de
ter os nossos direitos[...]. (Sabiá Laranjeira)
A princípio, a legalização né, que com a legalização, 'passa a ficha
corrida', fica só aqueles adequados né, competentes e também mais
atenção da brigada com os motoqueiros. (Caraxué)
Já está em andamento o procedimento pra regularização do mototaxista
pra ser uma firma registrada, vai ser mais tardar final do ano, vai
se regulamentado, vai ser um uma firma registrada, daí não vai ser
mais 'frio assim, um trabalho frio'. (Sangue de Boi)
É dá mais segurança pra nós, é aumentar policiamento nos bairros, por
exemplo, não adianta ter módulo de brigada nos bairros e não ter
brigadiano nenhum, nenhuma viatura, nada nos módulos, né. Se tu
passa, chega nos bairros mais visados aí, que tem, inclusive, os
módulos, mas não tem brigada, no momento[...]. (João de Barro)
A nova legislação em evidência
A motocicleta é um veículo de custo acessível, tanto para a aquisição quanto
para a manutenção e tornou-se um instrumento de trabalho muito relevante, o que
contribui para uma melhor rentabilidade e inclusão social do trabalhador,
porém, a profissão de mototaxista é exercida, ainda, na clandestinidade,
considerando-se que apenas recentemente a profissão foi regulamentada(2).
Noticiado pela mídia, vários municípios tentaram proibir a profissão, sem
êxito, ou editar normas, regulamentando a atividade. A questão sempre foi
polêmica, recheada de argumentos favoráveis, ligados à questão social e contra,
associando-o à insegurança do transporte, aos acidentes e/ou ao favorecimento
da criminalidade, na facilitação do tráfico de entorpecentes, o que deve
relativizado, pois o que se observou no decorrer deste estudo foi que muitos
desses trabalhadores são, numa análise preliminar e subjetiva, sujeitos que,
arduamente, estão lutando por sua sobrevivência e a de seus familiares.
Conforme já citado, a lei federal 12.009, que dispõe sobre a atividade de
mototaxista, prevê que cada município deve criar suas leis específicas para
regulamentar a profissão seguindo as diretrizes determinadas na legislação
federal(2). No município em estudo, desde 2005 estas normas de organização do
serviço estão sendo discutidas pelo legislativo e, com a aprovação da referida
lei federal, novamente há um debate em torno da regulamentação municipal, porém
nada ainda foi feito.
Contudo, embora anseiem pela regulamentação, este assunto ainda é um enigma
para muitos dos sujeitos pesquisados, ainda há insegurança sobre suas vantagens
ou desvantagens, como demonstram as falas:
Eu não estou muito por dentro do assunto, sabe, entendeu? Eu não
entrei muito 100% no assunto, entendeu? É favorável, se a
regularização é deles entendeu?[...] e se não ajudarem em nada ? é
preferível deixar assim, cada um se vira do jeito que pode.
(Andorinha)
Pois é, vai favorecer acho que o negócio de tu poder assinar a
carteira, vamos dizer assim, paga um'INPS', como motoboy mesmo né, o
que vai desfavorecer é esse negócio de comprar a moto, vou te que
trocar a minha moto. (Saí Azul)
Favorável é que vai ser tipo identificado com colete, sobre qual
ponto que a pessoa trabalha e vai ter um curso de aperfeiçoamento e
desfavorável, tipo, de repente em torno do valor que vai ser
estipulado o valor x da corrida dentro da cidade. (Sangue de Boi)
É eu nem sei o que vai se favorável e o que vai ser
desfavorável,porque não sei o que está acontecendo sobre isso aí[...]
(Mandarim)
De acordo com a legislação federal, algumas das exigências para exercer a
profissão são: passar por cursos de formação específica, ter idade mínima de 21
anos e habilitação específica para motocicletas há pelo menos dois anos(2). Os
que já estão na profissão têm até um ano para se adaptar às novas regras
exigidas para essas atividades.
Foi publicada em 4 de agosto de 2010 a Resolução Nº 356 do Conselho Nacional de
Trânsito (CONTRAN), que institui requisitos de segurança para o transporte
remunerado de passageiros e de cargas em motocicleta e motoneta(18),
complementando a Lei 12.009. Segundo esta Resolução, para realizar o registro,
os veículos deverão estar dotados de equipamento de proteção para pernas e
motor, aparador de linha e dispositivo de fixação permanente ou removível para
o passageiro ou para a carga. Os motociclistas profissionais e passageiros
deverão utilizar capacete, com viseira ou óculos de proteção e faixas
retrorrefletivas. Além disso, o condutor deverá estar vestido com colete de
segurança dotado de dispositivos retrorrefletivos, o que contribui para a
prevenção de alguns riscos ocupacionais.
Os motociclistas profissionais terão até quatro de agosto de 2011 para se
adequarem às normas da Resolução 356 do Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN)
e aos demais requisitos da Lei 12.009. A Resolução nº 350 de 14 de junho de
2010(19), institui curso especializado obrigatório destinado aos profissionais
em transporte de passageiros (mototaxista) e em entrega de mercadorias
(motofretista) que exerçam atividades remuneradas na condução de motocicletas e
motonetas.
Isto posto, algumas estratégias podem ser arraigadas com a finalidade de
promover a saúde e a cidadania deste trabalhador. Iniciativas de regulamentação
da profissão podem ser fecundas, na medida em que os tira da "clandestinidade
trabalhista", porém, acima de tudo, investimentos em cursos, em educação que
trate de aspectos de legislação, de trânsito, de cidadania e de segurança e
saúde são fundamentais, especialmente se conduzidos em linguagem acessível a
todos e que envolva a participação dos sujeitos como atores constitutivos do
processo de educação, mediante efetiva comunicação seja ela verbal, escrita e/
ou ilustrativa.
Materiais escritos podem configurar-se como uma contribuição preciosa para se
favorecer a autonomia do indivíduo, além de que o uso de figuras pode ser
atraente e agir como um facilitador da compreensão do texto(20). Sendo assim, a
construção de cartilhas de forma coletiva pode ser uma alternativa, que,
socializada junto aos grupos de trabalhadores, gestores e profissionais, pode
conectá-los numa mesma única meta: produzir saberes para prevenir e promover.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta investigação mostrou a relevância de concretizarem-se políticas públicas
de promoção da saúde dos trabalhadores mototaxistas, visto que esses sujeitos
exercem suas atividades em condições precárias inerentes ao ambiente, tais como
exposição ao sol, chuva, desgaste físico, emocional, e, principalmente, a risco
de assalto e acidentes de trânsito, conforme se evidenciou nos dados coletados.
Estas são condições de insegurança no trabalho, capazes de comprometer a saúde,
a segurança e o bem estar do trabalhador.
Diante das grandes dificuldades e perigos a que os mototaxistas são expostos
diariamente, são necessárias estruturas e dispositivos públicos que envolvam
ações de segurança, dignidade e cidadania destes trabalhadores e que permitam o
prosseguimento do exercício profissional.
Acredita-se que, compartilhando uma cultura de educação em segurança, usuários,
trabalhadores, governos, meio de comunicação, profissionais da saúde, polícia,
entre outros, se tornam co-atores no processo que intenta minimizar, senão
possível anular a ocorrência de agravos decorrentes dos acidentes e assaltos,
um dos grandes problemas enfrentados por estes profissionais.
Sugerem-se estudos que possam, mediante metodologias participativas, envolver
os profissionais em discussões problematizadoras, de modo a auxiliar na criação
de mecanismos de formação de associações representativas, a fim de emancipar a
profissão e as discussões sobre a categoria, também nos cenários do interior
dos estados, garantindo o exercício pleno saudável de suas atividades.