Significado de viver saudável para usuários, profissionais e gestores da saúde
INTRODUÇÃO
No Brasil, a descentralização e a democratização da saúde constituem-se em
diretrizes do Movimento da Reforma Sanitária, as quais possibilitaram, mais
especificamente a partir da constituição de 1988, uma ampla e profunda
transformação no campo das políticas de assistência social, bem como no campo
das políticas de atenção à saúde(1-3). Com esse enfoque, os serviços e as
práticas de saúde passam, gradativamente, a ser organizadas e gerenciadas com
foco nas necessidades reais e específicas de cada ser humano, família e
comunidade, no sentido de promover a participação social e o viver saudável.
A partir deste movimento de participação e democratização da saúde, diversos
estudiosos vem se dedicando ao aprofundamento das questões que dizem respeito
ao processo saúde-doença, mais especificamente ao processo de viver saudável
nas diferentes idades e grupos populacionais. Enquanto que alguns estudos
evidenciaram o viver saudável de pacientes com a Síndrome da Imunodeficiência
Adquirida, outros buscaram compreender o viver saudável de grupos de mulheres
em determinadas faixas etárias, o viver saudável no envelhecimento ativo, o
viver saudável de adolescentes de periferias, o viver saudável de clientes
diabéticos após a amputação(4-8).
Os diferentes estudos, acima explicitados, evidenciaram que o processo de viver
saudável está associado ao modo de viver singular das pessoas e de suas
interações, participação e envolvimento na vida da comunidade, demonstrando que
a compreensão de viver saudável vai muito além dos determinismos causais do
processo saúde-doença. Concluiram, portanto, que a construção do conhecimento
acerca desse fenômeno precisa, necessariamente, considerar as múltiplas
dimensões e fatores que envolvem o viver a vida no dia-a-dia para cada ser
humano em particular, inserido em seu contexto real e concreto.
O viver saudável, sob esse enfoque, envolve a singularidade e a pluralidade de
cada ser humano. Constitui-se em um processo singular e dinâmico, que envolve
tanto fatores motivacionais internos, quanto externos, tais como: condições
econômicas, sociais, ambientais, religiosas, dentre outros. Sendo assim, o
viver saudável possui um modo próprio de ser e viver, dinamizado a partir de
concepções teóricas e filosóficas, valores, crenças e contextos de vida em que
cada ser humano se insere(7).
O modelo de saúde predominante, no entanto, pouco tem considerado esse processo
singular de viver saudável. Tem valorizado mais a concepção biológica, do que
propriamente a dinâmica de ser e viver de cada indivíduo em seu contexto
pessoal, familiar e comunitário. Dito de outro modo, privilegia a doença ao
invés de potencializar o processo de viver saudável dos indivíduos - atores
sociais, sujeitos e protagonistas de sua própria história.
Ao desconsiderar a singularidade do ser humano, o modelo de saúde desconsidera,
igualmente, os significados que cada indivíduo, família e/ou comunidade
atribuem ao seu processo específico de viver, estar vivo, estar com saúde ou
estar sem doença, estar com uma doença e ser saudável, à capacidade de superar
estados ou condições de morbidade, dentre tantas outras discussões que precisam
ser levadas em conta, ao se definir o conceito de saúde enquanto fenômeno amplo
e complexo(9).
Apreendido de forma ampla e complexa e enquanto prática educativa e de promoção
do viver saudável, o conceito de saúde precisa, crescentemente, alcançar novos
significados tanto para os usuários - atores sociais, quanto para os
profissionais e gestores da saúde, mediadores e protagonistas de novas
práticas, principalmente em espaços socialmente vulneráveis. Tais espaços se
relacionam a um processo de exclusão, discriminação ou enfraquecimento de
grupos, indivíduos ou comunidades fragilizadas, jurídica ou politicamente, na
promoção, na proteção ou na garantia dos seus direitos de cidadania(10).
Sob esse enfoque, o conceito de saúde, bem como o de viver saudável, precisa,
gradativamente, ser ampliado no sentido de compreender as múltiplas dimensões,
determinantes e condicionantes que integram o processo saúde-doença nos
diferentes espaços sociais(11).
Diante dos argumentos expostos e entendendo que profissionais de enfermagem e
demais profissionais da área da saúde necessitam, crescentemente, desenvolver
novas tecnologias em cuidado/saúde(12), capazes de incluir os diferentes atores
sociais, em especial os grupos sociais vulneráveis, pela participação ativa e
pela potencialização do modo singular com que cada indivíduo promove o seu
viver saudável, o presente estudo tem por questão de pesquisa: Qual o
significado de viver saudável em uma comunidade socialmente vulnerável para os
usuários, profissionais e gestores da saúde?
Deste modo, o estudo teve por objetivo compreender o significado de viver
saudável em uma comunidade socialmente vulnerável para os usuários,
profissionais e gestores da saúde.
METODOLOGIA
Trata-se de um estudo qualitativo orientado pelo método "grounded theory".
Nesse método, a coleta de dados se constitui num processo amplo, tendo em vista
que muitas coisas podem ser consideradas dados(13). Optou-se pela técnica de
entrevista individual. No total, a amostra teórica foi constituída por 25
entrevistas, realizadas com usuários (n = 12), profissionais que integram a
Estratégia Saúde da Família (ESF) (n = 08) e gestores da saúde (n = 05), de uma
comunidade socialmente vulnerável do município de Santa Maria, Rio Grande do
Sul, Brasil, no período de março a dezembro de 2009. As entrevistas foram
conduzidas, a partir de questões norteadoras, quais sejam: O que você entende
por viver saudável? Quais os elementos que interferem no viver saudável? Como
você percebe a atuação da ESF? Os participantes foram encorajados, também, a
relatarem as suas expectativas e dificuldades em relação ao seu contexto real e
concreto.
O primeiro grupo de participantes, escolhido aleatoriamente pelos
pesquisadores, foi composto por usuários que integram a ESF. Na sequência, foi
formado um novo grupo, composto por profissionais da equipe ESF e, por fim, um
grupo de gestores da saúde, os quais foram selecionados a partir das hipóteses
que emergiram da análise das primeiras entrevistas e, em alguns casos, por
indicação dos próprios participantes, conforme preconiza o método de pesquisa
em questão. Dentre os entrevistados, encontram-se: enfermeiros, médicos,
assistentes sociais, agentes comunitários de saúde e usuários de saúde,
selecionados aleatoriamente com base na escala de trabalho e/ou prontuários,
respectivamente. As entrevistas foram gravadas e, na sequência, transcritas
pelos pesquisadores.
A coleta e a análise de dados, conduzida de forma sistemática e comparativa,
conforme prevê o método "grounded theory", tem como propósito gerar teorias
baseadas em dados brutos. Nessa direção, tanto a teoria quanto a análise dos
dados envolvem interpretação baseada em investigação realizada sistematicamente
(11).
Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido,
após especificados os objetivos e a proposta do estudo. O projeto foi aprovado
pelo Comitê de Ética em Pesquisa, conforme Resolução nº. 196, de 10 de outubro
de 1996, do Ministério da Saúde, que define as diretrizes reguladoras de
pesquisas envolvendo seres humanos. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética
em Pesquisa do Centro Universitário Franciscano (UNIFRA), sob o número 333/
2008.
Para manter o sigilo das informações, os participantes da pesquisa serão
identificados, ao longo do texto, pelas letras "U" (usuários), "P"
(profissionais) e "G" (gestores), seguidas de um número correspondente à fala.
RESULTADOS
O viver saudável, para os usuários, profissionais e gestores da saúde que atuam
em uma região socialmente vulnerável, foi caracterizado por diferentes
conotações, mesmo que com significados específicos e complementares entre si.
Para os usuários da saúde, o significado de viver saudável está associado às
condições básicas de sobrevivência, às oportunidades de inclusão e participação
social, bem como às possibilidades interativas e associativas. Para os
profissionais da saúde, isto é, para os médicos, enfermeiros, assistentes
sociais e agentes comunitários de saúde, o viver saudável está relacionado,
também, às possibilidades interativas e associativas, mas principalmente às
articulações políticas e sociais. Já para os gestores, o viver saudável está
associado ao desenvolvimento de estratégias capazes de reorientar o modelo de
saúde vigente.
Viver saudável para os usuários - atores sociais
O viver saudável, associado às condições básicas de sobrevivência, faz
referência às condições de alimentação, às condições de segurança, às
oportunidades de trabalho, às condições de moradia e às condições de saúde.
Para os usuários, o viver saudável está diretamente relacionado à alimentação
diária suficiente, à garantia de um prato de comida, ou seja, não precisar
esmolar para viver, conforme refletem os relatos:
Viver saudável é não precisar me preocupar com a alimentação diária
dos filhos (U2); Significa ter uma alimentação saudável e suficiente
para poder estudar e trabalhar; É acordar tranqüilo e ter a certeza
de um prato de comida (P5); Significa ter o alimento necessário para
não precisar esmolar (U13).
Os usuários, da mesma forma, evidenciaram que o viver saudável está associado
às condições de segurança, ao mencionarem a importância do descanso noturno
seguro e tranquilo, a segurança no trabalho, a segurança em poder sair na rua,
despreocupados, e poder deixar os filhos sozinhos em casa e, principalmente, em
não precisar se incomodar com os vizinhos.
Para mim, viver saudável é acordar no outro dia e ter a certeza que a
minha família e comunidade estamos seguros... A falta de segurança
gera estresse, depressão, obesidade. Muitas vezes, a gente não dorme
tranquilo e não sai tranquilo de casa... aí não se trabalha bem e não
se faz nada direito (U7).
Assim como as condições de alimentação e segurança, também, as oportunidades de
trabalho/emprego favorecem e/ou dificultam o viver saudável. Possuir um
trabalho digno, poder trabalhar com carteira assinada, ter a garantia de um
salário mensal e não precisar se drogar para sobreviver, são alguns fatores
que, na opinião dos usuários, influenciam diretamente no viver saudável,
conforme retratam as falas:
É ter um trabalho digno e não precisar se drogar para sobreviver
(U9); É poder ter um trabalho e a garantia do salário mensal (U13).
Para muitos usuários, o viver saudável está associado, ainda, a possibilidade
de ter uma casa própria, ter uma casa digna e segura ou construir uma casa nova
e mais confortável, considerando que grande parte das moradias são precárias e
pequenas para o número de moradores.
Para os entrevistados, o viver saudável está associado às condições de saúde,
isto é, às possibilidades de acesso ao atendimento básico de saúde, direito ao
acompanhamento médico, à continuidade e resolutividade nas questões de saúde,
bem como às possibilidades de esclarecimentos, informações e educação em saúde.
Significa você ter referência e resolutividade... saber a quem se
dirigir quando precisa de ajuda (U2); Entendo que viver saudável é
ter um acompanhamento médico e não precisar ir de um lugar para o
outro para resolver os problemas de saúde (U7).
Para os usuários, o significado de viver saudável está associado, igualmente,
às oportunidades de inclusão e participação social. Às condições de acesso a
Unidade de Saúde, ao transporte coletivo, farmácias, áreas de lazer, bem como
às possibilidades de poder estudar e/ou continuar os estudos em escolas/
colégios locais. Algumas falas expressam as dificuldades de oportunidades de
acesso local:
Aqui tudo fica muito longo. A gente só tem uma farmácia que é muito
cara. Aqui não se tem lugar para lazer, para encontros (U2); Gostaria
muito de continuar os meus estudos. Mas aqui fica tudo muito longe.
Não tenho condições de ir até o centro, tudo é muito difícil (U10).
O viver saudável para os usuários está associado, também, às possibilidades
interativas e associativas. Alguns usuários salientaram a importância do estado
de bem-estar consigo mesmo e com os outros. A importância das relações
familiares favoráveis, isto é, sentir-se família e viver em harmonia com a
família. Para outros, as relações familiares são bastante tumultuadas e/ou
conflituosas, devido ao crescente número de usuários de drogas ilícitas que,
consequentemente, geram violência e/ou outros eventos inesperados na família e
comunidade. Outro elemento que se mostrou relevante, na percepção dos usuários,
são as relações, interações e associações com os amigos, vizinhos, grupos de
convivência, as quais favorecem a partilha de idéias, a troca de experiências e
o fortalecimento dos vínculos de confiança. Estes significados podem ser
evidenciados nas falas a seguir:
[...] antes eu estava sempre com depressão. Não podia nem ouvir o
barulho dos filhos. Depois que comecei participar do grupo de
convivência, conversar mais, aí eu melhorei muito... vi que era ruim
ficar trancada em casa. Hoje sou outra pessoa. Tenho mais ânimo para
viver. Quando a gente fica sozinha a gente pensa bobagem (U1).
Eu quero morar no centro. Lá você tem mais amigos, você pode
conversar mais. Aqui as pessoas não conversam... aqui as pessoas não
se encontram... posso ter muitos amigos e conversar mais. Porque aqui
em casa, às vezes, a gente briga muito, na rua eu não ia brigar. Aqui
não tem ninguém que seja amigo, a maioria das pessoas daqui não se
falam (U8).
Viver saudável para os profissionais da saúde
Para os profissionais da saúde que integram a equipe ESF, o significado de
viver saudável está associado às possibilidades interativas e associativas,
isto é, à participação nos grupos de convivência, na associação de moradores e/
ou outros eventos que possibilitam ampliar as relações e interações sociais,
mas de outro modo, está associado também às articulações políticas e sociais.
Dito em outras palavras, o viver saudável está relacionado às condições sociais
e políticas e a solidariedade comunitária, bem como a autonomia e emancipação
política e social dos próprios usuários.
Os profissionais salientaram, igualmente, a importância das políticas
inclusivas, das redes associativas entre os moradores, da organização
comunitária, do envolvimento e participação comunitária no que diz respeito às
lutas em favor dos direitos coletivos, da emancipação dos sujeitos, bem como
aos aspectos que dizem respeito à sensibilidade e solidariedade para com as
pessoas mais vulneráveis.
Os profissionais, de modo geral, enfatizaram a importância da solidariedade, ou
seja, o interessar-se pelo ser humano, independente das suas condições sociais.
A importância dos profissionais desenvolverem uma atitude de empatia para com
as necessidades dos seres humanos que se encontram em situações sociais
vulneráveis, conforme expressam os relatos:
[...] antes eu morava no centro. A minha mãe é professora e me criei
no centro. Mas eu optei por morar aqui na comunidade, para poder
promover as articulações e ajudar as pessoas a se organizarem. Já fui
líder comunitário... hoje me sinto bem ajudando, articulando e
promovendo as pessoas para que sejam mais autônomas (P21).
Viver saudável para os gestores da saúde
Já para os gestores da saúde, o viver saudável está associado ao
desenvolvimento de estratégias, capazes de reorientar o modelo de saúde
vigente. Inicialmente, os gestores questionaram o atual modelo de saúde e
instigaram novos referenciais possibilitados pela ampliação do conceito de
saúde. Na sequência, reforçaram a importância da ESF e mais especificamente a
atuação do agente comunitário de saúde.
Percebem, portanto, que o atual modelo de saúde orienta-se por práticas e/ou
ações fragmentadas, tendo em vista que o foco da assistência está fortemente
centrado na doença e para a atenção hospitalar. Para tanto, consideram a
necessidade de referenciais mais abertos, flexíveis, isto é, que compreendam o
contexto situacional dos seres humanos, das famílias e da saúde sob um olhar
mais ampliado e contextualizado. Entendem, portanto, que é preciso respeitar a
autonomia dos sujeitos e intensificar a formação profissional, tendo em vista o
alcance de uma nova cultura pautada pelos princípios da integralidade e
intersetorialidade na saúde.
Em seus relatos, os gestores salientaram a importância da ESF, ao mencionarem
que essa estratégia busca se aproximar e interagir com a realidade concreta das
famílias, centrando o foco no auto-cuidado, nas reais necessidades dos usuários
e na promoção da saúde. Reforçam, ainda, que a ESF constitui-se em uma
importante estratégia de promoção e proteção da saúde, visto que além de
proporcionar maior resolutividade, a estratégia por meio da equipe da saúde,
passa a ser referência tanto para a família, quanto para a comunidade.
No processo de consolidação da ESF, os gestores consideraram a importância da
atuação do agente comunitário de saúde, o qual passa a ser o principal
interlocutor, mediador e/ou elo de comunicação entre a família, a comunidade e
a equipe de saúde, pela formação dos vínculos de confiança e o estreitamento da
rede de relações e interações com os diferentes atores sociais. Percebem, de
outro modo, a fragilidade na formação tanto dos agentes, quanto dos demais
profissionais que integram a equipe, no sentido de promover a continuidade e
integralidade das ações de saúde.
A ESF ainda não está implantada como deve ser. Ainda está
fragmentada... não atingiu toda área de abrangência. Busca trabalhar
com a questão do auto-cuidado... É preciso conjugar o saber da
família com o saber profissional. Nós ainda temos dificuldades
interdisciplinares na própria equipe. É preciso se despir dos nossos
valores, porque a família tem os seus valores e precisamos construir
em conjunto com a família. É difícil trabalhar com pessoas que
transitam nas drogas e quando uma mãe te diz: olha eu preciso vender
drogas para sustentar o meu filho. Para atingir o cuidado daquela
família é preciso ter uma nova concepção. É preciso ir além daquela
função e ter a capacidade de despir-se da sua verdade, dos seus
dogmas para entrar na realidade do outro. A ESF é algo que deve ser
construído com a família... ela precisa ser emancipada e participar
do processo de viver saudável (G23).
Os diferentes significados atribuídos pelos usuários, profissionais e gestores
da saúde refletem, em suma, que tanto às condições básicas de sobrevivência, às
oportunidades de inclusão e participação social, às possibilidades interativas
e associativas, quanto às articulações políticas e sociais e as estratégias de
reorientação do modelo de saúde, são significativas e complementares para o
processo de promoção e/ou manutenção do viver saudável dos seres humanos -
atores sociais que se encontram em situações socialmente vulneráveis.
DISCUSSÃO DOS DADOS
Viver saudável, a partir dos significados atribuídos pelos usuários,
profissionais e gestores da saúde, retrata um processo que envolve
singularidades e circularidades que vão além de um conceito linear ou formal de
saúde e doença. É um processo que envolve novos olhares e demanda referenciais
capazes de apreender o fenômeno saúde-doença, em situações socialmente
vulneráveis, de forma ampliada e contextualizada.
Nessa perspectiva, o empreendedorismo social, compreendido como um mecanismo
auto-organizador, se apresenta como um referencial inovador e transformador,
capaz de maximizar as possibilidades e oportunidades reais do ser humano e
comunidades, pela inclusão e participação dos diferentes atores sociais, pela
potencialização dos recursos de cada realidade e/ou situação social, pelo
estímulo à inovação, a partir do que já existe e, principalmente, pela
valorização do ser humano como um ser singular e protagonista da sua própria
historia(14-17).
Para outros autores, o empreendedorismo social se apresenta como uma nova
tendência organizacional, capaz de instigar novas tecnologias, ações ou
práticas de cuidado/saúde, no sentido de atingir um maior número de pessoas,
com maior efetividade/resolutividade e com menor investimento e custo. Em
outras palavras, se apresenta como um novo modelo de desenvolvimento humano,
social e sustentável, que requer por parte dos profissionais da saúde uma nova
atitude, isto é, uma atitude inovadora e socialmente responsável, orientada
para as reais necessidades dos diferentes atores sociais, mais especificamente
dos grupos populacionais marginalizados(12,18).
Com base nas considerações anteriores, o viver saudável pode ser entendido como
um processo auto-organizador, no qual e para o qual cada ser humano desenvolve
os seus próprios recursos e competências necessárias para a promoção da saúde
e/ou o enfrentamento da doença. Um processo, no qual a auto-organização do ser
humano, famílias e comunidades está diretamente relacionada ao desenvolvimento
de possibilidades interativas e associativas. Dito de outro modo, quanto
maiores às articulações sociais e políticas, tanto maiores as possibilidades do
ser humano e famílias se auto-organizarem ou auto-recriarem e, ainda, tanto
maiores as redes de cooperação solidária e o alcance dos direitos coletivos.
De acordo com os resultados evidenciados, os profissionais da saúde, mais
especificamente os profissionais que integram a equipe de ESF, desempenham
ações e atitudes importantes no contexto das intermediações e articulações
sociais e políticas dos seres humanos, famílias e comunidades. Pela inserção e
atuação direta na realidade das famílias, os profissionais de saúde possuem
infinitas oportunidades e possibilidades para desenvolverem tecnologias
inovadoras, que podem auxiliar tanto no desenvolvimento auto-organizador dos
sujeitos - atores sociais, quanto na ampliação dos recursos e competências.
Por meio de ações integradas e articuladas em redes e parcerias, as quais são
fortemente estimuladas(17), os profissionais da saúde podem, portanto,
contribuir para o empoderamento dos grupos vulneráveis, por meio de práticas de
educação e promoção da saúde e, desta forma, aumentar o capital social, de
forma a contribuir para o desenvolvimento e transformação social.
O processo de solidariedade ancorado no cotidiano, isto é, no lugar real,
simbólico ou imaginário, onde as pessoas entram em interação, se constitui num
elemento fundamental na estruturação da subjetividade. Entende-se, que o ser
humano - sujeito é o esforço de transformação de uma situação vivida em ação
livre, introduz a liberdade no que aparece, em primeiro lugar, como
determinantes sociais e herança cultural(19). Sendo assim, a construção das
redes de cooperação solidárias pode e deve ser reforçada pelas associações
voluntárias, pelos movimentos coletivos, enfim, pela reafirmação dos vínculos
com os diferentes atores sociais.
O viver saudável, em suma, é um processo singular que envolve a interface e o
diálogo entre usuários, profissionais e gestores, no sentido de fomentar
estratégias emancipatórias, capazes de promover a negociação solidária. Envolve
estímulo à participação e mobilização social dos diferentes setores sociais,
engajamento e inserção na realidade concreta dos sujeitos, estímulo e acesso às
tecnologias de informação e comunicação em saúde e, principalmente, a
valorização do ser humano como protagonista do viver saudável.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os resultados evidenciados, a partir dos usuários, profissionais e gestores da
saúde, permitem concluir que o viver saudável é um processo singular e plural
ao mesmo tempo, ou seja, complexo, construído com base no imaginário e
significados que cada ser humano ou grupo social atribui ao fenômeno saúde-
doença, bem como aos diferentes movimentos de viver a vida com saúde e/ou
doença em seu contexto social e cultural específico.
Os significados atribuídos ao viver saudável variam desde as condições básicas
de sobrevivência, como às condições de alimentação, segurança, moradia,
trabalho, às oportunidades e possibilidades de inclusão e participação social,
às possibilidades interativas e associativas, às articulações sociais e
políticas, bem como às estratégias e referenciais que orientam o modelo de
saúde. Logo, o viver saudável constitui-se num conjunto de fatores e
intervenções que requerem, tanto o comprometimento de cada indivíduo, família
ou comunidade, quanto o envolvimento e engajamento efetivo dos profissionais e
gestores da saúde, responsáveis pelo fomento de políticas inclusivas e
participativas.
Pela compreensão do processo de viver humano, de forma integral e
contextualizada dos usuários, a equipe de saúde, mais especificamente os
profissionais da equipe ESF, tem a possibilidade de ampliar os recursos e
competências do ser humano - ator social, pelo estímulo ao auto cuidado e/ou a
auto-organização do seu modo de viver o dia a dia.
Numa perspectiva de redes de cooperação solidária, é possível promover um viver
mais saudável pela ampliação das práticas integrativas e inclusivas que
valorizam o ser humano como um ser singular e multidimensional. Enfim, é
possível potencializar o viver saudável dos indivíduos, famílias e comunidades
por meio de processos interativos e associativos, bem como pela ampliação dos
recursos e competências específicas de cada realidade ou situação.