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BrBRCVHe0034-71672012000200026

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National varietyBr
Year2012
SourceScielo

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Síndrome mão-pé induzida por quimioterapia: relato de um caso

INTRODUÇÃO A síndrome mão-pé (SMP), ou eritrodisestesia palmo-palmar é uma reação cutânea tóxica que ocorre com frequência e constitui importante problema clínico. O desenvolvimento da SMP pode levar à interrupção do tratamento e, com frequência, à redução da dose do quimioterápico. Mesmo quando não representa fator dose-limitante das drogas antineoplásicas, pode afetar severamente a qualidade de vida do paciente oncológico e causar desconforto crônico bem como limitação das atividades diárias(1). Decorre da alta vulnerabilidade dos tecidos cutâneos à ação de drogas antineoplásicas e caracteriza-se por edema, dor, eritema e descamação de mãos e pés após a administração de drogas como capecitabine, fluorouracil, citarbine e doxorubicina(2).

A síndrome foi descrita em associação com quimioterápicos pela primeira vez por Zuehlke, em 1974. Em 1984 Lokich and Moore também descreveram o desenvolvimento de SMP em um paciente recebendo infusão contínua de 5-fluorouracil (5-FU) no Hospital New England Deaconess.(3). Desde então, tem sido associada com vários outros agentes quimioterápicos(4,5). Está classificada entre as toxicidades dermatológicas sistêmicas e é também conhecida como Eritrodisestesia palmo- plantar, Eritema Acral, Reação de Burgdorf, ou Síndrome de Lokich-Moore(6).

Os mecanismos precisos que levam ao aparecimento da SMP são ainda desconhecidos. Teorias se baseiam no fato de que apenas as mãos e os pés estejam envolvidos em diferenças de temperatura, microvascularização diferenciada, elevada taxa de queratinócitos, alta frequência de glândulas écrinas e células epidérmicas se dividindo rapidamente(7,8). A superexpressão da Ciclooxigenase 2 (COX -2) pode ser um potencial mediador para desenvolvimento da SMP. É possível que a terapia citostática possa mediar um efeito tóxico sobre os queratinócitos basais. Aparentemente, a taxa de reprodução dessas células as torna mais suscetíveis aos efeitos tóxicos da quimioterapia. Essa hipótese é apoiada por investigações histológicas e estruturais em que foram encontradas uma hiperproliferação compensatória basal da epiderme, além de uma prematura e irregular queratinização, e aumento de mastócitos(9). Suspeita-se, ainda, da possível existência de uma base genética.

Em pacientes coreanos, foi encontrado um ponto de mutação correlacionado à (10). Outro estudo encontrou uma maior frequência de SMP entre americanos negros tratados com capecitabina, do que em pacientes brancos sob o mesmo regime terapêutico(11).

Recentemente, foi observada significante redução de SMP ao se combinar o 5-FU com inibidor de dihidropirimidina desidrogenase. Este achado evidenciou que a toxicidade poderia ser resultante de um co-produto da degradação catabólica do 5-FU, iniciada por esta enzima(1).

A classificação da SMP mais utilizada é baseada na Terminologia Comum para Critérios de Eventos Adversos (CTCAE, v. 4.0), um sistema de classificação para os eventos adversos relacionados às quimiotoxicidades, estabelecida pelo Instituto Nacional do Câncer dos Estados Unidos (NCI)(12). Segundo esta classificação, a SMP é estadiada em 3 graus sendo que o grau 1 é caracterizado por dormência, disestesia, parestesia, formigamento, edema, eritema ou desconforto nas mãos ou nos pés, considera-se que estes sintomas não perturbam o desempenho das atividades de vida diária (AVD) ou atividades de vida diária instrumental (AVDI). O grau 2 é caracterizado por presença de eritema doloroso e edema nas mãos e/ou nos pés, com desconforto que afeta as AVD e AVDI. No grau 3, estão presentes a descamação úmida, as ulcerações, a formação de vesículas e dor intensa nas mãos e/ ou nos pés. Pode haver desconforto grave, impedindo o paciente de trabalhar e realizar as AVD e as AVDI(10,12).

Em geral, o paciente procura assistência médica com a queixa de sensação de tensão nas mãos e nos pés, formigamento, queimação ou pontadas nas palmas das mãos, dedos, solas dos pés ou das regiões plantares dos dedos do pé(13). Mãos e pés edemaciados, avermelhados e doloridos em um paciente recebendo quimioterapia são sintomas geralmente suficientes para se estabelecer o diagnóstico. Muitas vezes, grandes áreas simétricas de eritema acinzentado que podem ser acompanhadas, em casos graves, de descamação lamelar intensa, edema, bolhas, erosões ou, raramente, ulcerações. A presença de disestesia é comum, o que se constitui em sintoma diferencial entre esta síndrome e outras doenças eritematosas. Além disso, é comum a presença de prurido nas mãos ou nas solas dos pés. A severidade dos sintomas está relacionada à dose-cumulativa, tornando-se pior a cada novo ciclo da droga antineoplásica, mas podendo regredir espontaneamente durante os intervalos.

Os métodos recomendados para se tratar SMP constituem-se basicamente de medidas tópicas. Algumas propostas têm sido estabelecidas tais como o uso de pomadas protetoras a base de uréia ou de lanolina, acompanhado de redução da dose ou mesmo interrupção do quimioterápico(2,14). Outras propostas de controle e tratamento da SMP têm sido pesquisadas, tais como a terapia tópica com corticosteróides, ainda em fase de investiga(2). Para os comprometimentos de SMP grau 1, sugere-se que o paciente evite fricção mecânica da pele das palmas das mãos e plantas dos pés. O uso de cremes emolientes suaves é aconselhável.

Uma abordagem interessante é o uso profilático de adesivos tópicos de nicotina para se promover vaso constrição local, reduzindo assim a ação da capecitabina nas mãos e nos pés(10).

Após o primeiro episódio de SMP, uma vez que os sintomas tenham diminuído, a quimioterapia poderá voltar ao esquema inicial. Nos casos, porém, de recorrência de SMP grau 3, poderá haver a necessidade da suspensão definitiva do uso do quimioterápico(10). A cura completa da SMP após o tratamento antineoplásico é possível enquanto não houver ulcerações localizadas. As principais complicações observadas, embora sejam raras, são as infecções com estafilococos ou bactérias granm-negativas ou ainda a ocorrência de erisipela (10).

Percebe-se, portanto, que o impacto da SMP na qualidade de vida da pessoa com câncer merece especial atenção da equipe de saúde. Frente a isso e, ao considerarmos a importância do cuidado de enfermagem sistematizado, este estudo tem como objetivo descrever um caso de Síndrome mão-pé grau 3 associada ao quimioterápico capecitabina, situação na qual implementamos o uso de creme hidratante aquoso à base de aloe vera.

METODOLOGIA Trata-se do relato de um caso que ocorreu em 2007 num ambulatório de quimioterapia de um hospital do interior de Minas Gerais. Uma paciente em uso de capecitabina para tratamento de câncer de mama avançado procurou voluntariamente a equipe de enfermagem do ambulatório reportando os sintomas.

Após a toxicidade ter sido diagnosticada pelo médico assistente como Síndrome- mão grau 3, solicitamos à paciente autorização para fotografar e documentar a evolução das lesões e implementar as medidas cabíveis para solução do problema. Após assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, procederam-se às condutas necessárias. A paciente foi acompanhada por 40 dias, em retornos a cada 10 dias com a enfermeira especialista em oncologia.

A capacidade funcional da paciente foi avaliada a cada consulta de enfermagem.

Foi utilizada a Escala de Performance de ECOG a qual foi desenhada pela Eastern Cooperative Oncology Group e validada pela OMS em 1982(15). Por meio dela, é possível identificar o índice de desempenho diário. Trata-se de um instrumento de avaliação funcional que ajuda a avaliar a resposta ao tratamento antineoplásico e estima o nível de atividade e independência do indivíduo. É uma escala clinicamente útil, que varia de 0 a 4, amplamente utilizada por enfermeiros e demais profissionais em oncologia, pois medem parâmetros importantes como atividade física, sintomas de doença e grau de assistência necessária, além de ser um importante parâmetro para avaliação da tolerância e da resposta ao tratamento(16).

Relato do caso Trata-se de uma paciente do sexo feminino, 37 anos de idade, que havia sido tratada por adenocarcinoma de mama esquerda com quimioterapia neoadjuvante, mastectomia radical, e radioterapia adjuvante em 2005. Em 2007, seus exames mostraram metástase em plastrão e, diante disso, novo tratamento com radioterapia e capecitabina foi iniciado. Na nona semana, passou a receber 3g/ dia de capecitabina e após 10 dias retornou com queixa de formigamento em mãos e pés, grave dificuldade de deambulação e dificuldade em segurar coisas. Foi diagnosticada como SMP grau 3, ECOG 1 (restrição a atividades físicas rigorosas; capaz de trabalhos leves e de natureza sedentária). Iniciou tratamento convencional com automassagem diária usando hidratante para a pele não alcoólico à base de uréia e hidratação oral em volume de 2 litros diários.

Retorna após 10 dias com piora dos sintomas e, ao exame físico mostrava membros superiores e inferiores com ressecamento e descamação significativa, sensibilidade dolorosa, coloração acinzentada, presença de bolhas e edema, índice de desempenho ECOG 2 (capaz de realizar todos os auto-cuidados, mas incapaz de realizar qualquer atividade de trabalho). O diagnóstico de enfermagem principal foi "Integridade Tissular Prejudicada, relacionada ao uso de capecitabina, evidenciada pela SMP grau 3, não responsiva à hidratação local com creme emoliente à base de ureia" (Fotos 1,2,3).

O caso foi discutido em grupo formado pelos enfermeiros do serviço, médico da paciente e farmacêutico da central de quimioterapia. Após estudos do grupo, optou-se por desenvolver e utilizar um creme de aloe vera aquoso em base neutra, como meio de favorecer o processo de cicatrização o mais rápido possível. Apesar de não encontrarmos estudos que descrevessem o uso desse produto para prevenção ou cura da SMP, não encontramos também qualquer contraindicação. O aloe vera foi escolhido por possuir propriedades umectantes, emolientes, antiinflamatórias, cicatrizantes e regeneradoras de tecidos.

Sugere-se que a manose-6-fosfato, o principal polissacarídeo presente na aloe vera, seja o responsável pela propriedade cicatrizante. A cicatrização ocorre pela estimulação direta da atividade dos macrófagos e fibroblastos. A ativação dos fibroblastos aumenta tanto a síntese do colágeno como a de proteoglicanas, promovendo assim a reparação dos tecidos. O mecanismo de ação baseia-se na inibição dos produtos derivados do metabolismo do ácido araquidônico, tais como tromboxano B, o qual limita a produção de prostaglandina F2a, prevenindo a isquemia dérmica progres06,17,1 ^. O gel aquoso à base de tapioca foi utilizado por ser um veículo farmacotécnico com propriedades que contribuem e facilitam o carreamento do ativo aloe vera, tornando o meio mais propício para um tratamento efetivo e rápido.

O farmacêutico responsável manipulou o hidratante, conforme as técnicas e os critérios necessários. Ao receber o produto a enfermeira, em consulta de enfermagem, orientou a paciente a aplicá-lo três vezes ao dia, massageando em todas as áreas das mãos e dos pés em sentido de retorno venoso. Somado a isso, a paciente foi orientada sobre a necessidade de adotar uma dieta "colorida", fracionada a cada 3h, e de manter hidratação oral em um mínimo de 2 litros diários, tal como fazia anteriormente. Ensinamos estratégias para redução do nível de ansiedade, e programamos retorno para reavaliação. O médico assistente foi comunicado, e optou por suspensão do protocolo antineoplásico.

Figura_1

Figura_2

RESULTADOS Após 10 dias, a paciente retornou novamente para consulta de enfermagem, agora apresentando significativa melhora da integridade tissular. Houve surpreendente regressão da SMP (fotos 4,5,6), com importante melhoria de qualidade de vida e com a paciente informando ter retomado suas atividades de vida diária (ECOG 0). Diante dos resultados obtidos foi possível o reinício imediato do tratamento oncológico.

Nos 20 dias que se seguiram, foi recomendado manter os cuidados iniciais de uso do hidrante aquoso à base de aloe vera. A paciente não apresentou queixas ou sinais/sintomas de reincidência de SMP.

DISCUSSÃO Numerosos estudos mostram que a SMP afeta uma grande porcentagem de pacientes oncológicos, e é uma das toxicidades dose-limitantes mais comuns da capecitabina. A literatura indica também claramente que a avaliação e o manejo dos efeitos adversos do tratamento oncológico requerem urgente atenção(19).

Neste sentido, é fundamental destacar a relevância da consulta de enfermagem, enquanto processo de interação e integração na relação enfermeiro-cliente, permeada pela educação em saúde(20). É importante que o enfermeiro monitorize seus pacientes para identificar precocemente sinais de toxicidade, contribuindo para o controle das dosagens quimioterápicas e para prevenção de maiores complicações com danos ao paciente. As consultas de enfermagem com orientação, avaliação e intervenções adequadas são fundamentais para a prevenção e alívio da SMP, colaborando para com a continuidade da terapia, maior adesão ao tratamento e melhoria da qualidade de vida do paciente.

Se os pacientes em uso de antineoplásicos potencialmente associados ao desenvolvimento da SMP forem orientados e capacitados a reconhecer os primeiros sinais e sintomas desta síndrome, a abordagem poderá ser iniciada precocemente, favorecendo a otimização dos resultados(10). Com a prestação do cuidado de enfermagem sistematizado, o enfermeiro oncologista tem papel fundamental uma vez que, com o maior uso de antineoplásicos orais, tais profissionais deverão centrar-se menos na administração da droga e mais na educação dos pacientes e famílias, criando também estratégias para monitorizar os efeitos adversos e implementar intervenções eficazes(21).

Apesar da literatura fazer referência à eficácia de fitocosméticos com aloe vera em dermatites decorrentes de radiotera(22-24), não estudos sobre o uso dessa planta no tratamento da SMP. O caso apresentado mostrou que o creme de aloe vera pode ser um importante aliado no tratamento da SMP induzida por quimioterapia. O período de 10 dias foi suficiente para recuperação total da paciente, o que geralmente ocorre em um tempo médio de 21 dias após suspensão do protocolo quimioterápico, quando o nível de antineoplásico sistêmico no indivíduo está bem baixo ou ausente(5). Além disso, a paciente relatou ter sentido significativa sensação de frescor após o uso do produto, o que não acontecia com o uso de outros cremes hidratantes com uréia.

CONSIDERAÇÕES FINAIS O tratamento tópico com aloe vera foi bem sucedido, com melhora significativa da Integridade Tissular, propiciando completo alívio dos sintomas, fundamental melhoria da qualidade de vida, além de permitir rápido retorno da paciente ao tratamento quimioterápico, reduzindo assim os riscos de progressão de doença oncológica. Este resultado sugere que o aloe vera pode ser um importante coadjuvante na assistência de enfermagem em pacientes submetidos à quimioterapia antineoplásica com Síndrome Mão-Pé. Por fim, sugere-se que novos estudos sejam realizados com vistas a esclarecer melhor o impacto do uso de emolientes com aloe vera para tratamento e prevenção da SMP.


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